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Olhares sobre o Nordeste brasileiro em cena no Itaú

Boca, com Erivelto Viana, do Maranhão, está na programação do Cena Agora, do Itaú Cultural, que dedica a  primeira edição à temática Encruzilhada Nordeste(s): (contra)narrativas poéticas. Foto: Divulgação

Manifestações xenófobas e de ódio contra o povo nordestino vem e voltam. Já ocorreram de forma velada, em comentários comparativos de sotaque ou de postura, de posses ou de feições; ou em enxurrada de xingamentos na Internet. O atual presidente já utilizou o termo “paraíba” de forma depreciativa São atitudes fincadas na ideia de uma suposta superioridade de pessoas do Sudeste e do Sul. 

O Nordeste é uma invenção, asseverou o historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr., em sua tese de doutorado, publicada em livro A Invenção do Nordeste e Outras Artes, que se tornou uma das principais referências para desconstruir esse painel repleto de clichês preconceituosos.

Não se iluda. Não nos iludamos. Essa representação reducionista foi forjada pelas classes dominantes e é uma arma de manutenção de poder das elites.

O Nordeste – formado por 9 estados, uma extensão de 1.558.000 km², com 1.793 municípios –
não poderia ser chapado, com identidade única ligada à seca, à pobreza, um lugar atrasado e anacrônico.

Há riqueza e diversidade nessa região produtora de economia, de ciência, de tecnologia, de saberes e de cultura brasileira potente em variadas linguagens, literatura, cinema, música, pintura, teatro etc.

A região Nordeste, que surge na paisagem imaginária do país […], foi fundada na saudade e na tradição. […] Antes que a unidade significativa chamada Nordeste se constituísse perante nossos olhos, foi necessário que inúmeras práticas e discursos “nordestinizadores” aforassem de forma dispersa e fossem agrupados posteriormente.
Durval Muniz de Albuquerque Jr., A Invenção do Nordeste e Outras Artes,

 

O projeto Cena Agora, que o Itaú Cultural promove desta quinta-feira a domingo (de 15 a 18 de abril), às 20h, dedica sua primeira edição à temática Encruzilhada Nordeste(s): (contra)narrativas poéticas com o propósito de tramar/elaborar uma pluralidade de perspectivas sobre o enunciado, tensionando as construções estereotipadas ou colonizadas das identidades nordestinas frente à heterogeneidade polifônica dessa constelação.

A programação virtual é orientada na criação de cenas teatrais curtas, de cerca de 15 minutos, acionando questões contemporâneas como alavancas poéticas. Fazem parte dessa primeira edição seis trabalhos inéditos, criados por artistas da Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Rio Grande do Norte, seguidas por conversas dos elencos com críticos e artistas convidados. As atividades serão transmitidas pela plataforma Zoom. Os ingressos gratuitos podem ser reservados via Sympla. Mais informações no site www.itaucultural.org.br.

Clowns de Shakespeare, do Rio Grande do Norte, exibe o trabalho Sem título. Foto: Rafael Telles 

Cena Agora – Encruzilhada Nordeste(s): (contra)narrativas poéticas começa nesta quinta-feira, com a mesa de abertura, uma conversa do historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr., autor do já citado livro A invenção do Nordeste e outras artes com Galiana Brasil, gerente do Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural. O livro inspirou o espetáculo teatral A invenção do Nordeste, do grupo Carmin, do Rio Grande do Norte, que questiona o papel estereotipado do nordestino.

As repetições do senso comum em relação ao fluxo dos nordestinos para o sudeste, tanto em um recorte histórico, quanto em um contexto mais atual, são investigadas na cena do grupo de teatro Clowns de Shakespeare, do Rio Grande do Norte, com elenco dirigido por Fernando Yamamoto, na sexta-feira, 16.

Ainda na sexta-feira será mostrado, cênica e poeticamente, um pequeno recorte da caminhada de vida da yalorixá Mãe Rosa de Oyá, sacerdotisa do Ilê Axé Oyá L´adê Inan, na cidade baiana de Alagoinhas, intitulado Onan Yá – A caminhada da sacerdotisa. A criação é da diretora teatral e dramaturga baiana Onisajé, que assina a direção, o roteiro e a concepção e conta no elenco com a atriz e dançarina Fabíola Nansure e o ator Nando Zâmbia. Neste dia, eu, Ivana Moura, e Pollyanna Diniz,  as “Yolandas”, vamos conduzir a conversa pós-cenas. 

Figuras em situações ou dilemas heroicos reverberam na cena do sábado. O coletivo No barraco da Constância tem! do Ceará, exibe O Desaparecimento do Jangadeiro Jacaré em Alcácer-Quibir. O jangadeiro cearense Manuel Olímpio Meira (1903-1942), conhecido como Jacaré, viajou até o Rio de Janeiro, em 1941, para reivindicar ao presidente Getúlio Vargas os direitos trabalhistas de sua classe pesqueira. A empreitada foi bem-sucedida e ele foi convidado, no ano seguinte, pelo cineasta Orson Welles, a participar de um filme sobre os pescadores e a reproduzir com sua tripulação a cena da chegada dos jangadeiros à baía de Guanabara. Mas, durante as gravações, a embarcação virou e Jacaré desapareceu e nunca foi encontrado. A cena explora inúmeras hipóteses sobre sumiço de Jacaré.

Coletivo Agridoce, de Pernambuco, apresenta cena inspirada no romance Homens e Caranguejos, de Josué de Castro.  Foto: Anny Stone / Divulgação

O Coletivo de dança-teatro Agridoce, de Pernambuco, é o outro convidado da noite e apresenta a cena Rhizophora – Estudo nº 01, baseado no livro Homens e Caranguejos, de Josué de Castro. A fome é apontada por Josué de Castro como a grande tragédia existencial, política e estética brasileira. Escrito em 1966, Homens e Caranguejos é o único romance do cientista, que narra a história de vida de um menino pobre que descobre o mundo a partir da miséria e da lama do mangue.

O ator, diretor e dramaturgo amazonense Henrique Fontes é quem faz a mediação da conversa com os elencos e o público nessa noite. Autor da dramaturgia da premiada peça A Invenção do Nordeste, ao lado de Pablo Capistrano, Fontes é sócio fundador e atual presidente do Espaço Cultural Casa da Ribeira, no Rio Grande do Norte.

O artista Erivelto Viana, do Maranhão, sob direção de Urias de Oliveira, analisa no experimento Boca a energia evocação no encontro (entre) eu/Exu. O dentro, o fora, o centro, o tudo e o nada são pensados poeticamente .

O grupo Dimenti, da Bahia, fecha essa primeira etapa da programação com Web-Strips: Volume Encruzilhadas, que tem como ponto de partida o projeto de 2018 Strip Tempo – stripteases contemporâneos, motivado pela pergunta: como despir a poética de uma carreira? Com direção de Jorge Alencar e codireção de Larissa Lacerda e Neto Machado, a cena revela zonas relativamente ocultas do corpo e da carreira de cada artista. Na configuração de vídeo-performances reúne os artistas Fábio Osório Monteiro, Jaqueline Elesbão e João Rafael Neto, que desnudam corpos, casas, carreiras, a memória e o digital.

No domingo, nós, as Yolandas, seremos as responsáveis pela condução da conversa.

O recorte Encruzilhada Nordeste(s):(contra)narrativas poéticas terá continuidade em maio, durante três finais de semana, de quinta-feira a domingo, contando, ao todo, com a participação de todos os estados do Nordeste no projeto e de grupos/artistas que estão sediados também noutras regiões.

Serviço:
Cena Agora – Encruzilhada Nordeste
De 15 a 18 de abril (quinta-feira a domingo), sempre às 20h

No site do Itaú Cultural: www.itaucultural.org.br
Todos as apresentações são seguidas de bate-papo com o elenco.
Pela plataforma Zoom. Ingressos via Sympla.
Mais informações em: www.itaucultural.org.br

PROGRAMAÇÃO

15 de abril, quinta-feira, 20h

Mesa Encruzilhada Nordeste(s): (contra)narrativas poéticas
Com Maria Thais e Durval Muniz
Duração: 90 minutos
Capacidade: 270 lugares
Classificação Indicativa: 10 anos (para melhor fruição com o tema)
Pela plataforma Zoom. Ingressos via Sympla.

16 de abril, sexta-feira, 20h

Onan Yá – A caminhada da sacerdotisa
De Onisajé (BA)
Após a apresentação, acontece um bate-papo com mediação de Pollyana Diniz e Ivana Moura
Duração: 15 minutos
Capacidade: 270 lugares
Classificação Indicativa: Livre
Pela plataforma Zoom. Ingressos via Sympla. 

Sinopse:
Um breve recorte da caminhada de vida da yalorixá Mãe Rosa de Oyá, sacerdotisa do Ilê Axé Oyá L´adê Inan, na cidade baiana de Alagoinhas. sua ação sacerdotal, e o encruzilhamento de suas identidades de mulher negra, nordestina, periférica, sacerdotisa de axé.

Ficha Técnica:
Direção, roteiro e concepção: Onisajé (Fernanda Júlia)
Atuantes: Mãe Rosa de Oyá, Fabíola Nansure e Nando Zâmbia
Direção de imagem, edição e iluminação: Nando Zâmbia
Figurino e maquiagem: Fabíola Nansure
Direção musical e trilha: Jarbas Bittencourt
Locação: Ilê Axé Oyá L´adê Inan

Sem título
Com Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare (RN)
Após a apresentação, acontece um bate-papo com mediação de  Ivana Moura e Pollyanna Diniz Duração: 15 minutos
Capacidade: 270 lugares
Classificação Indicativa: Livre
Pela plataforma Zoom. Ingressos via Sympla. Mais informações em: www.itaucultural.org.br

Sinopse:
O trabalho propõe uma relação de jogo com o público, questionando recorrências do senso comum em relação ao fluxo dos nordestinos para o sudeste, tanto num recorte histórico, quanto num contexto mais atual, em especial sobre São Paulo ser a nova capital do Nordeste.

Ficha Técnica:
Direção: Fernando Yamamoto
Assistência de direção: Diogo Spinelli
Elenco: Camille Carvalho, Diogo Spinelli, Nicoli Dichoff, Paula Queiroz e Renata Kaiser
Produção: Rafael Telles

17 de abril, sábado, 20h

O Desaparecimento do Jangadeiro Jacaré em Alcácer-Quibir
Com o coletivo No barraco da Constância tem! (CE)
Após a apresentação, acontece um bate-papo com mediação de Henrique Fontes
Duração: 15 minutos
Capacidade: 270 lugares
Classificação Indicativa: 10 anos (para melhor fruição com o tema)
Pela plataforma Zoom. Ingressos via Sympla. 

Sinopse:
O jangadeiro Jacaré desaparece em 1942, forjando um enorme buraco. Na história, na rede ou no tecido do espaço e do tempo, essa fenda apresenta inúmeras hipóteses a respeito do seu sumiço e da sua saga. A fábula do nordestino em direção ao epicentro do Brasil toma outros rumos, inaugurando novas possibilidades empreendedoras com a profecia do seu reaparecimento.

Ficha Técnica:
Direção, roteiro e interpretação: Felipe Damasceno, Honório Félix, Renan Capivara, Sarah Nastroyanni e William Pereira Monte
Edição e montagem: Breno de Lacerda
Realização: No barraco da Constância tem!

RHIZOPHORA – Estudo nº 01
Com o Coletivo de dança-teatro Agridoce (PE)
Após a apresentação, acontece um bate-papo com mediação de Henrique Fontes
Duração: 15 minutos
Capacidade: 270 lugares
Classificação Indicativa: 10 anos (para melhor fruição com o tema)
Pela plataforma Zoom. Ingressos via Sympla. 

Sinopse:
Baseado no romance Homens e Caranguejos, de Josué de Castro, Rhizophora conta a história do anti-herói João Paulo, que se vê em um dilema quando a construtora onde ele trabalha resolve construir um condomínio de luxo no lugar onde fica a comunidade onde ele morou. Entre lembranças da infância ribeirinha nos manguezais e planejamentos megalomaníacos, começa uma grande viagem ao passado e um retorno a sua ancestralidade.

Ficha Técnica:
Dramaturgia e Adaptação: Coletivo de Dança-Teatro Agridoce
Direção: Aurora Jamelo e Nilo Pedrosa
Elenco: Aurora Jamelo, Flávio Moraes, Igor Cavalcanti, Nilo Pedrosa e Sophia William
Coreografia: Sophia William
Preparação de elenco: Sophia William
Direção artística: Aurora Jamelo
Cenografia: Aurora Jamelo e Nilo Pedrosa
Figurinos: Aurora Jamelo
Iluminação: Aurora Jamelo
Produção: Coletivo de Dança-teatro Agridoce
Produção executiva: Flávio Moraes e Sophia William
Foto: Anny Stone, Jessica Maia, Erick Sgobe, Zito Junior
Assessoria de imprensa: Igor Cavalcanti Moura
Vídeo: Tuca Colleto
Captação de som: Anderson Barros
Realização Agridoce

18 de abril, domingo, 20h

Boca
Com Erivelto Viana e Urias Oliveira (MA)
Após a apresentação, acontece um bate-papo com mediação de Pollyanna Diniz e Ivana Moura
Duração: 15 minutos
Capacidade: 270 lugares
Classificação Indicativa: 18 anos (nudez frontal)
Pela plataforma Zoom. Ingressos via Sympla. Mais informações em: www.itaucultural.org.br

Sinopse:
O dentro, o fora. O tudo e o nada. O centro. Boca que tudo come, buraco da criação. Corpo lugar de passagem, atravessamento, encruzilhadas. Energia evocação no encontro (entre) Exu/Eu.
Ficha técnica:
Concepção: Erivelto Viana e Urias de Oliveira
Criação e performance: Erivelto Viana
Direção: Urias de Oliveira

Web-Strips: Volume Encruzilhadas
Com o grupo Dimenti (BA)
Após a apresentação, acontece um bate-papo com mediação de Ivana Moura e Pollyanna Diniz
Duração: 15 minutos
Capacidade: 270 lugares
Classificação Indicativa: 18 anos (nudez frontal)
Pela plataforma Zoom. Ingressos via Sympla. 

Sinopse:
Desnudar corpos, casas, carreiras, a memória e o digital. Web-Strips buscam despir o trajeto estético e erótico de criadores contemporâneos da Bahia, enquanto também revela a intimidade de seus ambientes domésticos. Utilizando cenas, figurinos, trilhas sonoras e coreografias do repertório dos/as artistas em cena, propõe outras percepções ao famoso striptease (do inglês strip, desnudar; e tease, provocar), gênero tão popular quanto marginal, presente desde as casas noturnas até os clássicos do cinema.

Ficha Técnica:
Direção: Jorge Alencar
Codireção: Larissa Lacerda e Neto Machado
Com: Fábio Osório Monteiro, Jaqueline Elesbão, João Rafael Neto
Direção de fotografia, câmera e som direto: Larissa Lacerda
Edição: Lane Costa e Larissa Lacerda
Trilha sonora: Ricardo Caian
Direção de Produção: Ellen Mello
Equipe de Produção: Fábio Osório Monteiro, Marina Martinelli, Francisco Sena e Trini Opelt
Financeiro: Marília Pereira
Comunicação: Marcatexto
Realização: Dimenti Produções Culturais

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MITsp lança plataforma com programação inédita e de acervo

Réquiem, direção de Romeo Castellucci, abre programação. Foto: Pascal Victor/ArtComPress

 

Pensamento em Processo com elenco de Isto é um negro? está disponível na plataforma. Foto: Nereu Jr

O ano era 2014. Na plateia cheia do Auditório Ibirapuera, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, muita gente conhecida da cultura. Havia um burburinho, pairava um clima que era uma mistura de ansiedade e entusiasmo. Há muito tempo, talvez desde os festivais de Ruth Escobar, que o Brasil não tinha um festival internacional na dimensão que se projetava a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, sob a direção de Guilherme Marques e Antonio Araújo.

Naquele ano, além da abertura com Romeo Castellucci e o seu Sobre o conceito de rosto no filho de Deus, vimos espetáculos de nomes como Mariano Pensotti, Guillermo Calderón, Rodrigo Garcia, Angélica Lidell, Marcelo Evelin. Só para citar alguns. Quem não tinha ingresso garantido, como era o nosso caso, já que estávamos contratadas para fazer críticas, enfrentava filas gigantescas, três horas de espera para conseguir o tíquete para ver os espetáculos.

Acompanhamos ainda, talvez o grande diferencial da MITsp desde aquele ano inicial, uma programação crítica e reflexiva com uma potência que era… incrível. Sei o peso do adjetivo, mas escolho usar com consciência, não encontro outro nome olhando para trás. Debates a partir dos espetáculos com pessoas de outras áreas que não o teatro, conversas com todos os encenadores, publicação de críticas diárias, um catálogo, com textos de vários acadêmicos.

Lembro que, depois daqueles dias, do tanto de troca que aconteceu naquele curto período, voltamos ao Recife com a sensação de que tinha rolado uma pós-graduação inteira. A cabeça fervilhava. Dali surgiu, por exemplo, a DocumentaCena – Plataforma de Crítica.

Nunca mais deixamos de acompanhar a MITsp como críticas e, durante alguns anos, como equipe de produção, já que eu assumi a coordenação de conteúdo editorial da mostra durante três edições: 2017, 2018 e 2019. Claro que sempre fizemos a propaganda do quão importante seria ter mais pernambucanos acompanhando a programação da MITsp. E voltávamos com as malas pesadas, carregadas de catálogo para quem pedia.

A distância, os custos financeiros, a disponibilidade de tempo para se ausentar da cidade por um período mais longo, sempre foram impeditivos para que tivéssemos mais pernambucanos vivendo essa experiência conosco.

Com a pandemia, o fechamento dos teatros, o suporte da internet, as coisas mudaram. A partir desta sexta-feira (12), começa a programação da MIT+ (www.mitmais.com), um dos braços do festival, que é uma plataforma virtual de conteúdo de arquivo e de outros inéditos. O acesso é gratuito, sendo necessário apenas um cadastro. Para as exibições de espetáculos, no entanto, há horários pré-definidos, assim como um festival tradicional. O acervo de encenações não fica disponível por todo tempo.

“Democratizar o acesso a todo esse arquivo era uma ideia de 2016. A gente também queria conhecer o público da MIT, uma informação muito importante, para saber onde estávamos chegando, para ter um canal mais direto”, explica Natalia Machiaveli, idealizadora e diretora da plataforma. “Queremos disponibilizar todo o acervo da parte reflexiva e pedagógica, porque os espetáculos temos sempre uma questão de direitos autorais. Essa disponibilização vai ser ao longo do tempo, porque estamos reeditando, fazendo legendas, dando a cara da MIT+, o que leva um tempo e tem um custo”, complementa.

A abertura dessa programação inicial é com Réquiem, versão de Romeo Castellucci para a missa fúnebre de Mozart, com orquestração do maestro Raphael Pichon. Depois do espetáculo, será exibida uma entrevista feita por Julia Guimaraes com o encenador italiano sobre sua trajetória.

A artista em foco da edição é a sul-africana Ntando Cele que, em 2018, apresentou Black Off. Imagina a imagem de uma negra, pintada de branco, peruca loura, como apresentadora de um talk show, querendo fazer piada com a plateia sobre racismo. Foi um dos principais destaques daquela edição, que será reexibido agora, ao lado do inédito Go Go Othello, onde a artista faz um paralelo com Otelo e intercala cenas de stand-up, videoarte, dança e música, perpassando a história de artistas negros, questionando os estereótipos racistas no mundo da arte. Ntando Cele vai conduzir ainda um workshop, uma residência e vai participar de uma conversa com a filósofa Denise Ferreira da Silva e a bailarina Jaqueline Elesbão.

Go Go Othello. Foto: Manaka Empowerment

A sul-africana Ntando Cele apresenta o inédito Go Go Othello. Foto: Manaka Empowerment

Janaina Leite, artista em foco na MITbr (braço com a programação nacional na mostra) no ano passado, abre o processo de Camming – 101 Noite. Janaina faz um paralelo entre o livro As Mil e umas Noites e as camgirls profissionais, que precisam garantir a atenção dos clientes. Depois das exibições, no dia 14 de março, vai acontecer também uma conversa sobre o processo de criação.

Da programação do acervo disponibilizada na plataforma e aberta a qualquer momento, há mesas e debates que fizeram parte dos eixos Olhares Críticos e Ações Pedagógicas, como uma conversa com o elenco de Isto é um negro? e todas as edições da Revista Cartografias, catálogo da mostra, além de conteúdos inéditos.

PROGRAMAÇÃO:

ESPETÁCULOS

Réquiem
Em sua versão de Réquiem, o encenador italiano Romeo Castellucci faz da missa fúnebre de Mozart um espetáculo de celebração à vida. O espetáculo é conduzido pela orquestração do maestro Raphaël Pichon, que faz uma costura entre a composição original e outras peças sacras, menos conhecidas, do compositor austríaco.
Quando: 12, 13, 14 e 15 de março, às 19h
Duração: 1h40min

Ntando Cele apresentou Black Off na MITsp 2018. Foto: Guto Muniz

Black Off
A sul-africana Ntando Cele aborda e enfrenta estereótipos racistas. Na primeira parte do espetáculo, numa espécie de comédia stand-up, a performer assume o seu alter ego, Bianca White, uma comediante, viajante do mundo e filantropa. Depois, numa mistura de performance musical e vídeo, Ntando passa a destrinchar estereótipos de mulheres negras e tenta descobrir como o público a vê.
Quando: 13, 14, 15, 16 e 17 de março, às 21h
Duração: 1h40min

Go Go Othello
Para discutir o espaço do negro no meio artístico, Ntando Cele faz um paralelo com Otelo, o mouro de Veneza, um dos raros protagonistas negros da história do teatro. Ela intercala cenas de comédia stand-up, performance, videoarte, dança e música num ambiente que remete a uma casa noturna. A sul-africana perpassa a história de artistas negros e se transforma em personagens diversos para questionar estereótipos racistas no mundo da arte.
Quando: 16, 17, 18, 18, 20 e 21 de março, às 20h
Duração: 1h20min

Descolonizando o conhecimento
Na palestra-performance, Grada Kilomba faz um apanhado de seu próprio trabalho e utiliza vários formatos, de textos teóricos e narrativos a vídeo e performance, para questionar as configurações de poder e de conhecimento.
Quando: 17 e 18 de março, às 18h
Duração: 1h10min

Entrelinhas
Num diálogo entre o passado e o presente, a coreógrafa e intérprete Jaqueline Elesbão discute a violência contra a mulher e evidencia como a voz feminina, em especial a da mulher negra, é historicamente silenciada dentro de uma sociedade machista e de mentalidade escravocrata.
Quando: 19, 20, 21, 22, 23 e 24 de março, às 20h
Duração: 30min

O encontro. Foto: Stavros Petropoulos

O encontro, de Simon McBurney. Foto: Stavros Petropoulos

O Encontro
Por meio de tecnologias de som, o inglês Simon McBurney leva o espectador a uma imersão pela Amazônia brasileira. Inspirado no livro Amazon Beaming, de Petru Popescu, ele conta a história de um fotógrafo que, no fim dos anos 1960, se viu perdido em meio à terra indígena do Vale do Javari.
Quando: 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de março, às 20h
Duração: 2h17min

sal., espetáculo de Selina Thompson, visto na MITsp 2018, está na programação. Foto: Guto Muniz

sal.
Em 2016, Selina Thompson embarcou em um navio cargueiro para refazer uma das rotas do comércio transatlântico de escravos: do Reino Unido à Gana e, de lá, à Jamaica. As memórias, questionamentos e sofrimentos desse percurso levaram a performer ao universo de um passado imaginário.
Quando: 26 de março, às 19h
Duração: 1h

Em Legítima Defesa
A performance, encenada em meio à plateia, logo após alguns espetáculos da MITsp 2016, traz discursos históricos entrelaçados a depoimentos pessoais, músicas e poesias. Em suas falas, os artistas do Coletivo Legítima Defesa remetem à diáspora negra e a seus desdobramentos históricos, numa ação que busca resistir à narrativa hegemônica e dar voz à própria história.
Quando: 28, 29 e 30, às 19h
Duração: 20min

ABERTURAS DE PROCESSO

Camming – 101 Noites
Janaina Leite faz um paralelo entre o livro As Mil e uma Noites – no qual Sherazade precisa entreter o rei – e as camgirls profissionais, que têm que garantir a atenção dos clientes, num trabalho que vai além do sexual, passando também pela narrativa imaginária, dramatúrgica e até terapêutica.
Quando: 12 e 13 de março, às 23h
Duração: 1h
Bate-papo: 14 de março, às 16h

Ué, Eu Ecoa Ocê’ U É Eu?
Celso Sim, Cibele Forjaz e Manoela Rabinovitch abrem o processo da performance audiovisual, que dialoga com a pandemia e o caos político. Os artistas apresentam dois ritos: um de antropologia funerária, em homenagem aos indígenas mortos em decorrência da Covid-19, e outro de canibalismo guerreiro, uma reação de caça ao inimigo. A performance tem duas versões, uma censurada (ela precisou receber cortes para ser apresentada em Brasília, em dezembro de 2020) e outra sem censura. Ambas serão transmitidas na sequência.
Quando: 22, 23 e 24, às 22h
Duração: 45min (as duas versões)

Um Jardim para Educar as Bestas
O ator Eduardo Okamoto, a diretora Isa Kopelman e o músico Marcelo Onofri realizam abertura de processo de duo para piano e atuação. A encenação alterna dança, música e a história de Seu Inhês, um sertanejo de olhos apertados que, como forma de evitar uma predição de morte da esposa, decide construir um jardim de pedras em meio ao sertão.
Quando: 26, 27 e 28 de março, às 18h30
Duração: 20min

WORKSHOPS

Petformances
A performer Tania Alice e a veterinária Manuela Mellão propõem aos participantes realizar práticas artísticas diversas (performances, escrita, fotografia, pintura etc.), sempre permeadas pelo afeto, ao lado de seus pets.
Quando: 18 de março, das 15h às 17g, e 19 de março, das 15h às 18h
Número de vagas: 20 (os participantes serão escolhidos por ordem de inscrição)

Curando a Branquitude
A sul-africana Ntando Cele propõe um trabalho em conjunto na tentativa de sanar traumas de uma sociedade marcada pela hegemonia da branquitude. A artista busca sabedorias ancestrais e pré-colonialistas na tentativa de reimaginar um futuro e criar um espaço não violento, em que se possa enfrentar a crise global de maneira coletiva.
O workshop será ministrado em inglês, com tradução para o português.
Quando: 20 de março, das 10h às 13h

RESIDÊNCIA

Inter Pretas
A residência virtual é voltada a mulheres artistas e ativistas, em especial pessoas não brancas, que queiram trabalhar com materiais biográficos. Nos encontros, a sul-africana Ntando Cele foca o autocuidado na prática artística e algumas estratégias de empoderamento, além de propor um espaço não violento para “sonhos coletivos”. Ela se alterna entre atividades em grupo e conversas individuais com as participantes.
Quando: de 25 a 28 de março, das 10h às 13h. Os horários dos atendimentos individuais serão combinados com as participantes
Número de vagas: 12

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Femininos encerram Dança de agosto no Itaú

Antílope, de Flávia Pinheiro; Eu, Elas de Juliana Moraes e Entrelinhas de Jaqueline Elesbão

O tom político e as questões femininas marcam as produções do Dança no Itaú que ocorre no fim de semana – de 30 de agosto a 1º de setembro, encerrando a programação de agosto. A artista pernambucana Flavia Pinheiro vem com sua investigação do corpo em Antílope; a paulista Juliana Moraes questiona os comportamentos aceitos socialmente como femininos em Eu, Elas; e a baiana Jaqueline Elesbão investe em esquadrinhar a violência de gênero e raça em Entrelinhas.

O circuito começou em 15 de agosto, e abriu espaço para coreografias nascidas a partir de movimentos políticos, estéticos e poéticos que fogem do convencional – a exemplo da dança de rua, funk, popular e de origem africana. Ao todo somam-se 10 montagens com artistas vindos de diferentes influências e lugares do país: de São Paulo, Juliana Moraes e o Grupo Fragmento Urbano; da Bahia, Kety Kim Farafina e Jaqueline Elesbão; do Rio Grande do Norte, Alexandre Américo e a companhia Gira Dança; de Pernambuco, Angelo Madureira, Flávia Pinheiro e Pedro Lacerda e, do Ceará, Katiana Pena e Wellington Gadelha.

Flavia Pinheiro em Antílope. Foto: Amanda Pietra

Antílope é a designação vasta para o mamífero bovídeo, e que engloba subfamílias, que guarda parentesco com vacas ou cabras. É o nome do espetáculo que Flavia Pinheiro leva ao palco às 21h desta sexta-feira. O animal tem musculatura poderosa nos quartos traseiros, o que dá agilidade para fugir dos predadores e correr até 100 km/h.  Alguns ostentam cornos ocos.

Flavia Pinheiro desenvolve trabalhos numa conjunção de arte, ciência e tecnologia e utiliza sensores biométricos e ópticos para transformar seus movimentos em ruídos. Em Antílope, performer traça um paralelo da desventura humana, que foge para poder sobreviver. Mas o antílope é considerado um animal com grande capacidade de superar episódios traumáticos e sair de um estado de inconsciência caso sobreviva à caçada.

Às 19h30, na área externa do Itaú Cultural, a companhia Fragmento Urbano expõe a intervenção Breaking de Repente. Explora com sua dança de rua vários aspectos do cotidiano de grandes centros urbanos. Nesta performance, a companhia, criada em 2009, reproduz gestos e familiaridades da rotina social nos grandes centros – como caminhar, procurar objetos e pegar ônibus –, por meio de danças urbanas como popping e locking. 

30/08/2019 SEXTA-FEIRA – 21h às 21h35
Antílope
Flavia Pinheiro(PE)
[duração aproximada: 35 minutos]
Sala Multiuso (piso 2) – 70 lugares
[livre para todos os públicos]

Eu, elas, solo de Juliana Moraes. foto: Cris Lyra /divulgação

O que é um comportamento feminino? A bailarina e coreógrafa paulista Juliana Moraes problematiza a pergunta na apresenta desse sábado, 21h, Eu, Elas. Nesse solo contemporâneo, Juliana usa gestos e posturas socialmente aceitos como femininos no ocidente – especialmente a partir dos anos 1950 – para desconstruir e questionar essas atitudes aprendidos.

Sentada durante 30 minutos, mas movimentando-se freneticamente, a artista elabora uma coreografia fincada na acumulação de gestos em diferentes partes do corpo, criando apuradas combinações. Focada na identidade de gênero, a peça descortina complexos processos de submissão e resistência, numa alternância entre imposições sociais e descobertas libertadoras.

31/08/2019 SÁBADO – 21h às 21h30
Eu, Elas
Juliana Moraes (SP)
[duração aproximada: 30 minutos]
Sala Multiuso (piso 2) – 70 lugares
[classificação indicativa: 12 anos]

Entrelinha, mergulha nas feridas e cicatrizes desse sistema opressor, que mutila milhões de mulheres 

A baiana Jaqueline Elesbão apresenta Entrelinhas no domingo, às 20h, fechando a série de dança no Itaú Cultural em agosto. Diretora, coreógrafa, intérprete e ativista de questões femininas, étnicas e causas LGBT, ela aborda a temática da violência psicológica, emocional e sexual contra a mulher, articulando um diálogo entre o passado e o presente. Entrelinhas vasculha a mentalidade escravocrata e o comportamento machista dominador, que silencia a voz feminina com força física ou metafisica.

01/09/2019 DOMINGO – 20h às 20h35
Entrelinhas
Jaque Elesbão (BA)
[duração aproximada: 35 minutos]
Sala Multiuso (piso 2) – 40 lugares
[classificação indicativa: 18 anos]
[com interpretação em Libras]

SERVIÇO

Dança em agosto no Itaú Cultural
Itaú Cultural
Av. Paulista, 149 – Estação Brigadeiro do Metrô
Tel.: 2168-1776/1777
Entrada gratuita
Distribuição de ingressos:
Público preferencial: 1 hora antes do espetáculo (com direito a um acompanhante)
Público não preferencial: 1 hora antes do espetáculo (um ingresso por pessoa)

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