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Protagonismo da reflexão no Palco Giratório

Dinho Lima Flor em Ledores do Breu. Foto: Alécio Cézar/ Divulgação

Dinho Lima Flor em Ledores do Breu. Foto: Alécio Cézar/ Divulgação

O educador Paulo Freire (1921-1997) conecta as dramaturgias de PA(IDEIA) – pedagogia da libertação, do coletivo Grão Comum/ Gota Serena do Recife, e Ledores no Breu, da Cia do Tijolo, de São Paulo. Ambos os espetáculos integram a programação do projeto nacional Palco Giratório, que ocorre desta segunda-feira (24) até sexta (28) no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro, no Recife. Além das peças, também estão agendados o Pensamento Giratório (troca de ideias sobre as duas montagens com os grupos), e um Seminário com pautas que versam sobre questões de gênero, sexualidade, dramaturgias, construção de narrativas, arte e ancestralidade.

O Palco Giratório Pernambuco, festival que acontecia geralmente no mês de maio, acabou em 2015 e não se fala mais nisso. Boca de siri. Um grande prejuízo para a recepção e produção artística do estado. Desde então, no Recife, esta é a maior ação do Palco nacional. A iniciativa do Sesc nacional é apontada como o maior projeto de circulação das artes cênicas no país e celebra 20 anos de atividades. E é realmente um fôlego chegar à cidade uma programação nesse formato, que amplifica a articulação do pensamento e a reflexão.

Daniel Barros e Júnior Aguiar atuam em Paideia

Daniel Barros e Júnior Aguiar atuam em Pa(ideia). Foto: Divulgação

Paulo Freire foi aquele filósofo e pedagogo que colocava em prática ideias como “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre” ou “Não há saber mais ou saber menos: Há saberes diferentes”. Que falta faz esse homem neste mundo de tanto obscurantismo.

PA(IDEIA) – pedagogia da libertação, a segunda da Trilogia Vermelha, investe cenicamente na prisão de Paulo Freire em 1964, além de falar do Brasil de hoje. A peça ganha ainda mais força com o desmonte de um sistema de educação que ocorre no país. Os atores Daniel Barros e Júnior Aguiar ressaltam essas contradições para provocar um diálogo reflexivo com a plateia.

Com atuação de Dinho Lima Flor e direção de Rodrigo Mercadante, Ledores no Breu costura histórias de leitores que se debatem na lama da compreensão e analfabetos ainda no século XXI. O pensamento e a prática do educador Paulo Freire e as obras do poeta Zé da Luz e do ficcionista Guimarães Rosa são matéria-prima do espetáculo. Ledores no Breu narra episódios como a do homem que matou o seu amor porque não sabia ler uma carta ou de outro que reelabora seu afeto a partir das letras do seu nome.

Em 20 anos do Palco Giratório é a primeira vez que um seminário desse porte entra no projeto. Arte e Ancestralidade – Povos Indígenas é a mesa de abertura. Outras discussões estão focadas em Negros e Quilombolas; Questões de Gênero e Sexualidade -Trans-Posições Artísticas: Diversidade Sexual e Representatividade Política com a mediação de Robéyonce, primeira advogada Trans de Pernambuco; Dramaturgias e a Construção de Narrativas; Gestão Cultural e Curadoria na Experiência do Sesc: Desafios e Oportunidades; Mapeando experiências e articulando sentidos: o trabalho de críticos e curadores dos festivais cênicos; e Acessibilidade, Mediação Cultural e Formação de Público.

Serviço:
Seminário 20 anos do Palco Giratório
Quando:De 24 a 28 de julho
Onde: Teatro Marco Camarotti

Ledores do Breu reflete sobre as repercussões do analfabetismo

Ledores do Breu reflete sobre as repercussões do analfabetismo. Foto: Divulgação

PROGRAMAÇÃO

Espetáculos:
Dia 25 – Espetáculo Pa(IDEIA) – pedagogia da libertação | 20h | R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia entrada)
Dia 26 – Ledores do Breu | 20h | R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia entrada)
Dia 27 – Pensamento Giratório | 20h – Acesso gratuito

Seminário:
Inscrição gratuita:www.sescpe.org.br
24/07
14h | mesa –Arte e Ancestralidade – Povos Indígenas
Zeca Ligiéro, Vânia Fialho, Guila Xucuru e Fred Nascimento (mediação)
19h | mesa –Arte e Ancestralidade – Negros e quilombolas
Fernanda Júlia, Samuel Santos, Lara Rodrigues, Maria Bianca (mediação)

25/07
14h |Questões de Gênero e Sexualidade –Trans-Posições Artísticas: Diversidade Sexual e Representatividade Política
Dodi Leal, Marcondes Lima, Robeyoncé (mediação)

26/07
14h |Dramaturgias e a construção de Narrativas:(Des)territorializando espaços e (Re)inventando dramaturgias
Rodrigo Dourado, Mônica Lira, Eliana Monteiro, Anamaria Sobral (mediação)

27/07
14h| mesa 01 – Gestão Cultural e Curadoria na Experiência do Sesc: Desafios e Oportunidades
Maria Carolina Fescina, André Santana, Rita Marize e Raphael Vianna
16h| mesa– Mapeando experiências e articulando sentidos: o trabalho de críticos e curadores dos festivais cênicos
Michelle Rolim, Fábio Pascoal, Nara Menezes e mediação de Pedro Vilela

28/07
14h |Acessibilidade / Mediação Cultural / Formação de Público
Felipe Arruda, Bernardo Klimsa, Emanuella de Jesus e Andreza Nóbrega (mediação).

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A curadora do Palco Giratório

Palco Giratório

Um circuito de artes cênicas que engloba 126 cidades nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Os números de dimensões continentais são do Palco Giratório, programa idealizado e bancado pelo SESC, que se revela não só um quebra-cabeças logístico, mas também um recorte significativo do que se produz em artes cênicas no Brasil. Este ano, 20 grupos, companhias e coletivos de todo o país estão no projeto. Há espetáculos do Acre, do Piauí, da Bahia, do Rio Grande do Sul. Além da circulação, também são promovidos debates ao final dos espetáculos, oficinas e rodas de conversa intituladas Pensamento Giratório. No Recife, há o festival Palco Giratório, que acontece durante todo o mês de maio, a Aldeia Velho Chico – mostra de cultura em Petrolina -, e ainda a circulação de vários espetáculos por unidades do Sesc no interior. “Nenhum grupo passa incólume no Palco Giratório”, acredita Galiana Brasil, a representante pernambucana na rede de 32 curadores que idealizam essa programação do Palco anualmente. Conversamos com a atriz, professora e gestora cultural sobre como se dá esse processo de escolha, a participação dos artistas pernambucanos no projeto e a força do programa como política cultural.

Galiana Brasil. Foto: Renata Pires

Galiana Brasil. Foto: Renata Pires

Entrevista // Galiana Brasil

Como foi o processo de escolha dos espetáculos para a circulação nacional este ano? Podemos dizer que alguma linguagem se destacou?
O processo é, via de regra, marcado pelo atrito, pelo debate caloroso. É sempre assim, por conta da escolha do SESC em apostar no seu corpo técnico. Vez por outra surge alguém (desavisado) que propõe a criação de um edital. De fato, seria menos complexo, mas a maioria dos técnicos do SESC – principalmente aqueles que tiveram a chance de ver esse processo nascer-, criou gosto pela coisa. É outra política, outra prática discursiva. Todo artista que se submete aos processos seletivos, via editais, conhece o gosto amargo da burocracia, ver um projeto ser excluído por conta da ausência de uma, entre dezenas de assinaturas, uma certidão negativa vencida. Acho muito importante numa época assim existir alguma forma diferente de praticar política cultural. Ademais, é um paradoxo tão significativo uma instituição extremamente burocrática, como o SESC, investir num corpo curatorial de técnicos. Dá muito mais trabalho para quem seleciona, acredite, mas, para quem não está ali de forma burocrática, apática, é um exercício político sofisticado, um espaço de aprendizado incrível. Quanto aos “destaques”, penso que mais que algum gênero, a grande força foi a da diversidade geográfica, a resposta à lógica perversa da hegemonia das regiões Sul/Sudeste. Este ano tivemos grupos oriundos de diferentes estados do Nordeste – Pernambuco, Paraíba, Ceará, Bahia, Piauí; da região Norte há grupos do Acre, Tocantins; há o Centro-Oeste com o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul. Para quem é dado à pesquisa histórica, sugiro uma visada no catálogo do Palco Giratório, na sessão “grupos e espetáculos que passaram pelo Palco” – ali consta o registro ano a ano. A virada do projeto se deu com a criação dessa curadoria nacional, a partir da gestão compartilhada do projeto, em todas as suas fases. Como num grito de guerra, bradamos, em 2006, em meio à euforia do recorte emblemático que se deu na seleção dos grupos daquele ano, o bordão “mudamos o sotaque do Palco Giratório”, e isso se deu, porque assumimos que o Brasil não tem sotaque oficial – muito menos o teatro! Ele é múltiplo, misturado e diverso. E gostamos disso.

Conhecer as indicações feitas por cada curador e discutir essas propostas deve ser, talvez, um dos momentos mais interessantes do Palco. Será que você poderia lembrar grupos que conheceu, ou teve mais informações, através dessas discussões, e que te marcaram, te surpreenderam, ou continuam fazendo coisas interessantes até hoje?
As indicações acontecem em um processo que antecede o encontro presencial que chamamos de “Análise Prévia”. É quando cada representante dos estados indica até cinco grupos/espetáculos, que podem ser de qualquer lugar do Brasil – ou seja, o curador não está limitado a indicar espetáculos apenas de seu estado, contanto que ele tenha visto o trabalho presencialmente, pois essa é condição primeira para uma indicação. Até o ano passado, esses espetáculos eram distribuídos para todos os curadores em vídeos, e suas informações em cds (também projetos, folders e clippings impressos) que deveriam ser previamente analisadas antes do encontro nacional. A partir deste ano, inauguramos uma ferramenta virtual, e a análise prévia se dará a partir desse canal. Quando nos reunimos para o encontro de curadoria – que dura cerca de dez dias -, já assistimos quase tudo em vídeo, mas sabemos o quanto se perde assistindo teatro em vídeo, por isso que a “defesa” de quem está indicando pesa muito, é o que define a aposta coletiva. Daí o SESC investir na ida de grupos de curadores a diversos festivais ao longo do ano, para que mais gente possa assistir aos trabalhos que estarão circulando nas indicações. Por isso também nosso investimento, aqui no SESC Pernambuco, em trazer curadores dessa rede para o Janeiro de Grandes Espetáculos – para que conheçam a produção pernambucana; daí também assistirmos, durante o encontro, a uma média de 08 a 10 espetáculos presencialmente. Só nesse processo, de análise prévia, com média de oitenta trabalhos de todos os cantos do país, temos acesso a uma cartografia de grupos luxuosa. Eu sempre soube da potência dos grupos em São Paulo, por exemplo, mas foi nessa curadoria que conheci a força do teatro catarinense. Ano passado fui chamada para participar da comissão de seleção de um prêmio estadual do governo de Santa Catarina e fiquei perplexa: simplesmente conhecia quase toda a produção que estava concorrendo e é conseqüência, exclusivamente, da minha ação junto ao Palco Giratório. Porque o edital era estadual, então, além dos grupos de Florianópolis, havia muitos grupos do interior e eu reconheci inúmeros trabalhos, grupos de Chapecó, Criciúma, Jaraguá do Sul.

Qual a força do Palco para a trajetória de um grupo? Quais exemplos poderíamos dar?
Penso que nenhum grupo passa incólume no Palco Giratório. Ou ele potencializará sua energia criadora – inferindo mudanças, inspirando criações, friccionando as relações pessoais, ou ele revelará suas mais profundas fragilidades – inferindo mudanças, friccionando as relações pessoais… Porque o contato humano é por demais intensificado. São contatos com diversos públicos, de forma quase ininterrupta. O grupo se apresenta e já senta pra uma roda de bate-papo. No dia seguinte, provavelmente terá uma oficina, um pensamento giratório, ou seja, mais contato com outros públicos, com os artistas locais, e depois o grupo entra numa esfera de convivência tão intensa que, de alguma forma, gera algum estranhamento. A privacidade nesse circuito é quase zero. Por conta dos custos do projeto, as hospedagens precisam ser coletivas (duplos ou triplos), com algumas exceções devido à condição física, ou limitações de saúde, obviamente. Vi um grupo cuiabano recém criado, cheio de som e fúria, chegar de forma estrondosa, com um trabalho lindo apresentado na mostra Cariri e, no ano seguinte, ganhar o Brasil pelo Palco Giratório. Não resistiu e acabou junto com a circulação. Sempre digo isso aos grupos selecionados, porque tem gente que fantasia. É muita transpiração, não há glamour. O Sesc não é a CVC e o Palco não é a Rede Globo, não é uma viagem de férias e muito menos um circuito de estrelas. De vez em quando, entram uns coletivos meio “desavisados”, às vezes é um diretor, um técnico. Lembro que, há alguns anos, no Festival Palco Giratório de Fortaleza, uma coreógrafa queria cobrar cachê quando soube que o projeto previa um bate-papo após cada apresentação. Antigamente, eu ficava pra morrer, hoje acho até engraçado! Porque, no primeiro “choque de realidade” – e ele vai se dar, afinal, estamos no Brasil -, ou a pessoa se transforma, ou “pede pra sair”. Tempos atrás, um artista questionou a acomodação de um hotel, argumentando que não estava à altura de um “doutor da USP”. A gente ainda escuta coisas desse tipo. E olha que é mais que sabido o perfil de grupo que interessa a esse projeto. Mas, afinal, trabalhamos com o humano, e também nos equivocamos, temos, em todas as esferas, muito o que aprender. Lembrei de um grupo que se desfez depois da circulação, gostaria de ressaltar aqui outros que, durante a circulação, tiveram inspiração para novos trabalhos, entraram em gestação durante o projeto – como o Pedras, do Rio de Janeiro, que teve inspiração para o Mangiare, a partir da diversidade de sabores que experimentaram enquanto cruzavam o Brasil; e a cia. Munguzá, que circulou ano passado com o Luis Antonio Gabriela e também ficou bastante contaminada para nova cria… vamos aguardar o que vem por aí.

Muitos curadores já conheciam o trabalho Viúva, porém honesta, do Magiluth. Foto: Renata Pires

Muitos curadores já conheciam o trabalho Viúva, porém honesta, do Magiluth. Foto: Renata Pires

Quais os argumentos utilizados para a defesa do Magiluth e do Peleja, grupos que representam Pernambuco na circulação nacional este ano? Como foi a recepção dos outros curadores?
São dois grupos completamente diferentes do ponto de vista funcional e de suas linguagens poéticas. Fato que somou muito para o retrato final dos grupos dessa seleção 2014 e que revelou uma diversidade de trabalho de grupo bastante significativa da produção pernambucana. O Magiluth vinha de um ano de bastante exposição, o que ajudou muito, pois muitos curadores tinham assistido a mais de um trabalho deles, tanto na semana de curadores do Janeiro de Grandes Espetáculos 2013, como numa curta temporada que fizeram no Rio de Janeiro. A leitura deles do Viúva, porém honesta foi o grande trunfo, a abordagem libertadora, a coragem de assumir os “erros”, os desvios. A confusão ordenada na poética do caos despertou, nas pessoas, uma possibilidade de ver Nelson trabalhado de uma forma diferente, o que gerou a vontade de ver esse grupo desafiado em outras praças, medir seu fôlego em uma circulação de grandes contrastes como é o Palco Giratório. Uma aposta na irreverência planejada. O grupo Peleja tem todo o “perfil” para o projeto – o que nem sempre quer dizer muita coisa, visto que a quantidade de grupos com qualidade de trabalho é sempre maior do que o projeto pode abarcar-, porque tem um trabalho de pesquisa de linguagem obsessivo, persistente, não “atira para todos os lados”, não trabalha por edital, como tantos coletivos da atualidade. Venho acompanhando o trabalho deles há um certo tempo, as possibilidades de ação formativa são extremamente relevantes, necessárias ao projeto. Cada artista tem sua pesquisa individual e isso é posto à prova. Já vi o grupo em apresentações, já vi seus artistas em mesas de discussão, ministrando oficinas e a forma com que encaram o ofício é digna de nota. Penso que contribuirão bastante tanto para o crescimento da cena como para o fortalecimento das relações éticas intrínsecas a um projeto dessa monta.

Gaiola de moscas, do grupo Peleja, está circulando pelo país. Foto: Pollyanna Diniz

Gaiola de moscas, do grupo Peleja, está circulando pelo país. Foto: Pollyanna Diniz

Como você seleciona essas indicações aqui em Pernambuco? Existe uma “pressão” dos grupos? Como é o relacionamento com eles? Você tenta assistir a tudo? Algum grupo já ficou “na agulha” ou na “repescagem” desde o ano passado? Já tem uma ideia do que vai levar este ano para a roda de debates?
Sim, houve grupos que foram selecionados, mas ficaram no stand-by, no caso de alguma desistência/impossibilidade de algum dos grupos, assim como houve grupos que entraram depois de mais de um ano de defesa. Às vezes, não é o momento, tem que saber recuar, tem que saber se vale a pena repetir a indicação. Tem que entender quando não dá mais. É um jogo, há que se conceber estratégias. A seleção é processual. Antes de tudo, entendo que todo grupo queira participar de um projeto como o Palco Giratório, mas não acredito em grupo que faça trabalho para o Palco Giratório. Enxergado por essa lente o projeto fica muito menor. É ele quem está a serviço do teatro, o teatro é muito maior. Às vezes, vejo que o grupo tem potencial e fico observando, acompanhando a postura, a atuação, o repertório. Mas tem uma questão delicada que se impõe: não existe o ofício de curador no quadro de SESC, de nenhum SESC do Brasil. Com exceção de São Paulo, que envia os técnicos (principalmente para fora do país) para festivais e mostras o ano inteiro – independentemente do Palco Giratório, em que eles passaram a trabalhar um dia desses-, com o intuito de identificar, negociar e trazer grupos, todos nosotros somos estimulados a acompanhar a programação cênica de nosso estado como “mais uma atribuição” do cargo – de técnico de cultura, de gerente de cultura, de assessor de teatro, ou de Professor de Teatro, como é o meu caso hoje, no SESC – PE. Não há uma gratificação ou algum acréscimo salarial. Porque, sabemos, o papel do curador, sua função na contemporaneidade, é algo relativamente novo, que vem sendo bastante debatido e, dentro do SESC, é um processo inaugural. Penso que temos crescido muito, conseguido um espaço de discussão e de escuta privilegiado na instituição, temos alcançado ganhos importantes, como um suporte financeiro para compra de ingressos de espetáculos de teatro e dança, ou o acompanhamento a festivais nacionais de grande relevância, ao menos uma vez por ano. Mas ainda não é o suficiente para estar na obrigação de acompanhar toda a programação do estado. Temos uma gama de serviços e ações práticas e burocráticas ligadas a diversas outras ações de que precisamos dar conta. Toda a análise prévia dos espetáculos do palco, eu faço na minha casa, durante as noites, nos fins de semana, e essa super hora extra não é computada, não faz parte de minha carga de trabalho no SESC, que comporta 40 horas semanais, das 8h da manhã às 17h, de segunda a sexta-feira. Quem está em temporada nesse horário?

Como você avalia a força do Palco pelo país? Pergunto isso porque aqui em Pernambuco, sabemos o quão importante é o projeto. Mas quando converso, por exemplo, com amigos de Belo Horizonte ou Curitiba, é como se o Palco não fosse tão significativo. Você acha que isso tem a ver com a relação dos festivais específicos de cada cidade?
Acho que quase nada no Brasil se efetiva de forma homogênea. Ainda bem, não? O projeto tem papel, força e impacto completamente diverso em cada praça. Existe há 17 anos, e, no início, era composto por cinco ou seis estados que, junto ao Departamento Nacional, aderiram ao projeto. Literalmente “compraram” a ideia, pois aderir significa repartir os custos. Pernambuco está nisso desde o primeiro ano. Todas essas cidades que você mencionou, pertencem a estados que entraram anos depois (há menos de 4 anos). Os Departamentos Regionais do SESC, em todo o Brasil, trabalham com o princípio de autonomia de gestão. E quanto mais construção e menos imposição, tanto melhor. Ressalte-se o poder de sedução do projeto que hoje, no ano de 2014, arrebanhou todos os estados para, juntos, trabalharem na composição desse caleidoscópio transgressor.

O que norteou a escolha dos espetáculos convidados para o festival deste ano?
Além da seleção de representantes da curadoria nacional que assistiram à semana de curadores no Janeiro de Grandes Espetáculos, houve um recorte curatorial defendido por técnicos do Sesc de Casa Amarela, Santa Rita, Piedade e Santo Amaro – a partir de trabalhos que participaram de mostras e projetos do Sesc-PE-, além de grupos que sabíamos estar em processo conclusivo e convidamos para estrear o espetáculo no festival.

Odília Nunes, que ano passado participou da circulação do Palco com a Duas Companhias, estreou Cordelina. Foto: Pollyanna Diniz

Odília Nunes, que ano passado participou da circulação do Palco com a Duas Companhias, estreou Cordelina. Foto: Pollyanna Diniz

Sentimos que a programação este ano está menor em número. Apesar de a qualidade do festival não ser medida absolutamente por números, o que aconteceu de fato? Tivemos menos dinheiro? Porque ações como a Cena Bacante e a Gastrô não vão acontecer?
O Palco Giratório é um projeto (um dentre centenas) financiado integralmente pelo SESC, gerido pela instituição até quando ela entender que ele é importante, necessário. Minha opinião quanto a isso importa bem pouco, eu procuro sempre seguir as diretrizes da instituição, e estou subordinada a gerências e direções, em âmbito regional (jargão do SESC para nos referirmos à administração nos estados) e nacional. Ações como as que você citou foram criações exclusivamente nossas. A Cena Bacante foi inspirada no “Horário Maldito”, que acontecia a partir da meia-noite, na mostra Cariri (CE). Já a Gastrô, uma tentativa minha de criar novos públicos para o festival, de explorar as possibilidades poéticas e seu diálogo com os sentidos, além de aproximar os criadores da gastronomia – arte que pessoalmente admiro bastante-, dos criadores da cena. O percurso de sair do teatro para comer – geralmente em grupo-, é uma ação habitual que pode ser encarada como ritualística. Afinal, e se os pratos, o vinho, o doce, também tivessem relação com a cena? Eu sonhei em ver isso potencializado. Então, essas ações (assim como o Jornal Ponte Giratória, a Cena Fotô), foram criações nossas, e têm um custo significativo que não faz parte da esfera cênica, habitual do projeto.

De que forma você pensa o Palco nos próximos anos?
Eu espero que ele continue, porque ainda se faz muito necessário.

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Mental disorder

O silêncio e o caos. Foto: Renata Pires

O silêncio e o caos. Foto: Renata Pires

O performer Dielson Pessôa

O performer Dielson Pessôa

O silêncio e o caos

Dielson provoca interação com o espectador

Palco Giratório

O olho, o gesticular dos dedos e da cabeça, o movimento desordenado que se irradia por todo o corpo. Dielson Pessôa é um louco, um desajustado passando por um surto psicótico, no solo O silêncio e o caos, que estreou ontem (28), no Teatro Marco Camarotti, dentro da programação do Palco Giratório.

O corpo parece não encontrar o equilíbrio e vai se quebrando diante dos espectadores ao som da potência da música de Renato da Mata (A trilha é, na realidade, de AD Ferreira. A ficha técnica divulgada no catálogo do Palco está errada!). O performer provoca a “normalidade” e nos coloca quase como espectadores de uma experiência científica, acompanhando os passos de um rato de laboratório que pode nos desconsertar pela capacidade de expor o que nos dá repulsa. Os dedos lambidos, o olhar que amedronta, a presença que se instaura independentemente das barreiras.

O espaço limitado pelas pessoas é quebrado pela “invasão” de Dielson. Algumas vezes, ele apenas passa ao lado se exibindo ao espetáculo da apreciação; mas é muito mais provocador quando chega perto, quando parece que vai encostar ou realmente toca o público. Sempre com um olhar perturbador, na iminência de uma ação que pode não nos deixar intactos. Que certamente não nos deixa.

Noutro momento do espetáculo, o próprio performer coloca os ganchos das cordas no figurino. Como se estivesse atando-as ao corpo. A camisa de forças reprime, a música clássica se mistura à eletrônica, a potência da loucura na arte se irradia. Mas essa loucura é vista como prisão; com um peso que o personagem não consegue carregar.

Quais são os limites entre a sobriedade e a loucura? A linha parece muito tênue; como se todos, em algum momento da vida, estivéssemos a um passo do transtorno mental. A loucura, aliás, é medida em relação a uma dita normalidade, definida por padrões sociais, humanos. Escrevendo para a Cult de outubro do ano passado, o psicanalista, psiquiatra e professor Mário Eduardo Costa Pereira fala sobre os manuais de diagnóstico psiquiátricos. “É interessante observar que apesar de se servirem decisivamente da noção de ‘mental disorder‘ (transtorno mental), definida de maneira pragmática, nenhuma edição do DSM (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, da Associação Psiquiátrica Norte-Americana) preocupou-se em delinear a ‘order‘ face à qual determinado comportamento ou estado mental constituiria uma ‘disorder‘.”

Em O silêncio e o caos, ainda são os estereótipos do que conhecemos como loucos, as características externas, o olhar, o gesto, a inquietude, que denunciam o que virá na cena – é fato que essa não se limita a tais parâmetros, se expande, toma força. Mas de que forma esses conceitos pré-estabelecidos (ou seriam mesmo características intrínsecas ao transtorno mental, das quais o espetáculo não poderia fugir?) são desestabilizados pela obra de arte?

Outra questão diz respeito à loucura como detonadora de potências, como o estopim da sensação de liberdade, mesmo que falsa, mesmo que esse conceito de liberdade possa ser bastante discutido. Quando o surto se instaura, não agimos mais de acordo com regras e convenções. Mesmo assim, não há o ensaio dessa liberdade no solo, mas sempre o aprisionamento, a angústia, a opressão sem escapatória.

Dielson Pessôa é um pernambucano de 29 anos que dançou por oito na Cia de Dança Deborah Colker e passou ainda pelo Balé da Cidade de São Paulo. Em 2007, ganhou o prêmio de melhor bailarino pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). A presença efetiva de Dielson em cena é o que mais se sobressai no espetáculo: o seu domínio do discurso que se reflete no corpo, em conseguir que o outro entenda esse universo, mesmo que ele seja tão particular, tão impenetrável. Dielson expôs a sua própria bipolaridade, mas não fez do espaço cênico local de terapia. Transformou a experiência e o conhecimento em obra de arte – e, por isso mesmo, capaz de nos levantar tantos questionamentos, de nos fazer querer discutir sobre.

O encontro entre Dielson e Maria Paula Costa Rêgo, que assina a direção do espetáculo, é provocador. Não tem como deixar de lembrar que, ano passado, Maria também ganhou um APCA por seu solo Terra. Os dois são criadores capazes de friccionar as próprias certezas, de brincar com as possibilidades do corpo, da cena, da mensagem.

Além da música de Renato da Mata AD Ferreira, também se mostra fundamental para a dramaturgia que se estabelece a iluminação de Jathyles Miranda – como ele conseguiu compreender e traduzir em luz a movimentação de Dielson em cena. É de uma beleza que desconcerta, ao chegar com tanta definição somente ao local desejado, ao se espalhar como sangue ou se incorporar ao cenário de Dantas Suassuna. O figurino, que também se mostra um elemento dramatúrgico, tem a assinatura de Gustavo Silvestre.

Em O silêncio e o caos a intensidade é a da loucura. Da eletricidade que percorre não só o corpo, mas principalmente a mente. Que desestabiliza e nos tira as certezas. Loucura que é como a própria arte – provocadora, inquietante, instável. E mesmo quando as luzes acendem, as palmas ecoam e o espaço começa a ficar vazio, é difícil retomar o ritmo da “normalidade”. Não faz mal. Talvez ela nem exista mesmo – seja na arte ou na própria vida.

Performer se relaciona com alguns espectadores de forma direta

Performer se relaciona com alguns espectadores de forma pessoal

Música é de Renato da Mata e iluminação de Jathyles Miranda

Música é de Renato da Mata AD Ferreira e iluminação de Jathyles Miranda

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Fim de semana das crianças no Palco Giratório

Palco Giratório

O primeiro fim de semana de festival Palco Giratório no Recife foi das crianças. A programação começou com O mistério da bomba H_, no Teatro de Santa Isabel, no último sábado (10). No domingo, nova sessão no Santa Isabel e ainda a montagem Salada mista, no Marco Camarotti; Menu de heróis, trabalho de dança contemporânea com forte apelo para crianças, no Barreto Júnior; e a palhaça Barrica, com o espetáculo Barrica Poráguabaixo, no Capiba, o único que não conseguimos conferir.

O mistério da Bomba H_, do grupo Oriundo de Teatro, nos levou para Galinópolis, cidade que vive a expectativa da chegada de um ator famoso e a ameaça de uma bomba. No meio disso tudo, um prefeito atrapalhado com o discurso para a população, uma galinha apaixonada pelo astro, uma investigação feita por dois bonecos – um deles com cabeça de girafa, que esticava e encolhia.

O texto de Antônio Hildebrando tem um humor interessante e leve; e o atores conseguem imprimir o timing necessário para a comédia, com tiradas bem engraçadas, algumas delas pensadas especificamente para o Recife, como a menção ao espetáculo Viúva, porém honesta, do Magiluth, quando, em determinado momento, são atiradas batatas no palco ao invés de milho.

Mesmo assim, o elenco se mostra irregular; quando alguns personagens estão no palco, a cena cresce. Pode ter contribuído para essa sensação as vozes dos atores em falsete que talvez tenham sido ainda mais prejudicadas por problemas com os microfones. A trilha sonora, de Tatá Santana, é executada ao vivo e faz com que o espetáculo ganhe potência. A direção de arte também figura como um dos destaques. O cenário de galinheiro que se mostra com várias possibilidades, por exemplo, ou os bonecos que tomam a atenção das crianças.

O mistério da bomba H_. Foto: Pollyanna Diniz

O mistério da bomba H_. Foto: Pollyanna Diniz

Encenação de Minas Gerais abriu festival Palco Giratório

Encenação de Minas Gerais abriu festival Palco Giratório

Em Salada mista, trabalho da pernambucana Cia 2 em Cena de Teatro, um grupo de crianças brinca na garagem de casa. Elas encenam uma telenovela, com direito a programa de rádio no meio, recriando a história de Chapeuzinho Vermelho. Aqui, Chapeuzinho e o Lobo vivem uma história de amor pontuada por clássicos da Jovem Guarda. A trilha sonora é executada ao vivo por Douglas Duan e Davison Wescley e a direção musical ficou por conta de Henrique Macedo, que resgatou pérolas como Coração de papel e Filme triste.

A dramaturgia, responsabilidade de Alexsandro Silva, que também assina a encenação, foi construída levando mesmo em consideração o ritmo de uma telenovela, sempre criando suspense, numa crescente de expectativa e envolvimento do público com a história. No clímax, corta-se esse fluxo: são cenas dos próximos capítulos. Já quase no final, a história tem uma reviravolta e o lobo volta a ser o malvado. A abordagem à violência doméstica é o momento mais tenso do trabalho; sem muitos subterfúgios, as crianças acompanham a dor da Chapeuzinho, que é trancada dentro de casa e salva pela vovozinha e pela mãe, “dona Chapéu”. Mesmo que esse seja o momento mais difícil da dramaturgia, pela virada brusca na condução da montagem e pela rapidez como a problemática é inserida e resolvida na cena, claro que é importante sim que o tema esteja no palco e possa ser discutido pelos pais com as crianças após o espetáculo.

O elenco traz Jerlane Silva, Flávio Santana, André Ramos, Arnaldo Rodrigues, Paula de Tássia e Douglas Duan. Os homens se sobressaem nessa encenação, com papeis divertidos, irônicos, galantes, como o próprio Lobo, a vovozinha viciada em exercícios físicos ou o locutor “gostosão”. A capacidade de quebra e de retomada do ritmo proposta pela dramaturgia e encenação e alcançada pelos atores se mostra um dos grandes trunfos da montagem. Está no espetáculo a pesquisa com circo teatro, elementos kistch e do melodrama.

Um dos questionamentos, no entanto, com relação à encenação é sobre o uso da máscara e, principalmente, do nariz de palhaço. O que justifica, por exemplo, que o nariz de palhaço seja utilizado se não há realmente o palhaço em cena? Se não existe uma mudança de estado efetiva do ator? Por outro lado, o recurso do teatro de objetos no casamento de Chapeuzinho e Lobo foi uma ótima sacada para alavancar a cena.

Depois da apresentação no Palco, Salada mista segue para Belo Horizonte, para participar do FIT-BH. A montagem para infância e juventude e a peça Duas mulheres em preto e branco são os representantes de Pernambuco na programação do festival.

Crianças recriaram história de Chapeuzinho vermelho. Foto: Pollyanna Diniz

Crianças recriaram história de Chapeuzinho vermelho. Foto: Pollyanna Diniz

Chapeuzinho vermelho é apaixonada pelo lobo

Chapeuzinho vermelho é apaixonada pelo lobo

Por fim, o trabalho Menu de heróis, o mais instigante do fim de semana. Uma pena, aliás, que tanto a plateia de Salada mista quanto a de Menu de heróis tenha sido tão pouco numerosa.

Com concepção e coreografia de Weyla Carvalho, o que vemos no palco são super heróis muito pouco convencionais, se quisermos fazer comparações fidedignas com os quadrinhos, os desenhos animados ou os filmes. Mas bastante reais quando lembramos das brincadeiras de criança. Com personagens que usam na sua construção elementos como isopor, garrafas pet, lençol e máscara, tudo parece nos lembrar algo bastante familiar, embora o estranhamento aconteça de maneira quase inevitável. Pela desorganização no palco, pela coreografia desconexa, pela falta de linearidade na construção do espetáculo e, principalmente, pela liberdade desses performes que experimentam as potencialidades de personagens sem amarras – o que pode ou não ser feito, mesmo na cartilha da dança contemporânea? O que antes, como crianças, poderíamos fazer e hoje não mais nos permitimos? Tanto a música quanto a iluminação são utilizadas com propriedade; a luz criando o universo do fantástico, do digital logo na primeira cena; e a música que traz a proximidade, o ritmo da dança popular.

Dá mesmo vontade de subir ao palco e brincar de girar ou correr até que o corpo fique exausto. O trabalho é do Núcleo do Dirceu, grupo piauiense que investiga artes performáticas contemporâneas. O nome é uma referência à maior periferia de Teresina, o bairro do Dirceu, onde o grupo se instalou e hoje mantém um galpão.

Menu de heróis. Foto: Pollyanna Diniz

Menu de heróis. Foto: Pollyanna Diniz

Trabalho de dança contemporânea é do Núcleo do Dirceu

Trabalho de dança contemporânea é do Núcleo do Dirceu

A brincadeira institucionalizada como arte

A brincadeira institucionalizada como arte

Espetáculo traz super heróis nada convencionais

Espetáculo traz super heróis nada convencionais

Programação da semana do Palco Giratório:

Dia 13, às 16h, na Praça do Campo Santo (em frente ao Sesc Santo Amaro):
Luiz Lua Gonzaga (Grupo Magiluth – Recife/PE)

Dias 13 e 14, às 19h, no Teatro Marco Camarotti:
Sargento Getúlio (Teatro Nu – Salvador/BA)

Dia 13, às 20h, no Teatro Barreto Júnior:
Para Sempre Teu (Qualquer um dos 2 cia de dança – Petrolina/PE)

Dia 14, às 16h, na Praça do Campo Santo:
Romeu e Julieta (Grupo Garajal – Maracanaú/CE)

Dia 14, às 20h, no Teatro Capiba:
Gaiola de Moscas (Grupo Peleja – Recife/PE)

Dia 15, às 20h, no Teatro Capiba:
Guerra, Formigas e Palhaços (Estação de Teatro – Natal/RN)

Dia 16, às 20h, no Teatro Capiba:
Homens de Solas de Vento (Cia Solas de Vento – São Paulo/SP)

Dia 17, às 16h e às 17h, no Teatro Capiba:
Louça Cinderella (Cia Gente Falante – Porto Alegre/RS)

Dia 17, às 16h, no Teatro Marco Camarotti:
O tempo perguntou ao tempo (Grupo Acaso – Recife/PE)

Dia 17, às 20h, no Teatro Barreto Júnior:
Plagium (Cia Dançurbana – Campo Grande/MS)

Dia 18, às 16h e às 17h, no Teatro Capiba:
Xirê das águas (Cia Gente Falante – Porto Alegre/RS)

Dia 18, às 20h, no Teatro Marco Camarotti:
Cordelina (Trupe Puxincói – Recife/PE)

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A bunda é questão séria

Tempostepegoquedelícia transborda de ironia pelos falos postiços. Foto: Ivana Moura

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Certa vez uma amiga tentava me convencer que há padrões de comportamentos estanques para delimitar o masculino e o feminino. Um gestual mais duro, reto, tinha que ser “macho man” e um gestual mais ondulado, redondo, “fêmea fulô”. Bem, isso era o básico para descambar num debate cada vez mais sem sentido de quem quer estigmatizar pessoas em fronteiras quase intransponíveis.

Lembrei-me disso depois de assistir ao espetáculo da Eduardo Severino Cia. de Dança, formado por Tempostepegoquedelícia Bundaflor Bundamor, duas coreografias que o grupo apresentou ontem no Teatro Capiba, no Sesc de Casa Amarela, e faz outra sessão neste domingo.

Provocativo, irônico, sagaz, crítico e repleto de humor, o espetáculo questiona certezas e satiriza a sociedade de consumo no que ela tem de mais podre, que mais engana com a embalagem. Nesses tempos em que pastores “manipulam” a mídia e tiram cada vez mais proveito da opinião pública é muito mais instigante e significativo o trabalho dessa trupe.

Luciano Tavares e Mônica Dantas

Feminino e masculino são misturados em outras marcas de gênero, acenam para sexualidades provisórias e mutantes na coreografia Tempostepegoquedelícia. Gênero e sexualidade são temas grandes para debates.

Com um trilha sonora que vai de Carmem Miranda a Wando, os bailarinos Luciano Tavares e Mônica Dantas desfilam no palco em vestes hieráticas, para depois “largar” a tradição litúrgica para expor o rapaz da dupla em tubinho e decote sexy.

Aqueles dois objetos colocados na beira do palco, ao lado do microfone, intrigava, parecia um colar, mas depois se revelou dois falos poderosos. Os dois bailarinos, ele vestido de mulher e ela mulher, brigam com seu falos falsos e tiram sons de espadas e de gozo.

Essa luta me fez lembrar um comentário que soube que uma diretora de firma fez depois de promover um cafuçú, de que ele fazia muito sucesso com as meninas do departamento. Que indisfarçável inveja do falo e que critérios para valorizar alguém. (Fiquei com nojo da racha!)

Voltando ao espetáculo, a luta de espadas tem por trilha “Ai se te pego…”, em vários idiomas. É hilário de tão ridículo a que ponto chegou a representação da cultura brasileira…De cueca e calcinha vermelhas eles rolam no chão até que seus corpos estejam expostos.

Bundaflor Bundamor é inspirado em A breve história das nádegas, do historiador francês Jean Luc Henning

Em Bundaflor Bundamor, a companhia foi buscar inspiração nos textos do livro A breve história das nádegas, do historiador francês Jean Luc Henning. Falar de bunda é papo sério.

Voltam os dois intérpretes do primeiro quadro, e mais o diretor da companhia, Eduardo Severino. Em traje de banho eles fazem poses de desfile de moda e depois se posicionam ao fundo do palco, e passam três minutos parados mostrando as bundas.

A coreografia critica a exploração da bunda no que busca diminuir o humano a partir dessa parte do corpo, transformada em mera mercadoria.

A trupe gaúcha utiliza como trilha sonora de Não me diga adeus, com Aracy de Almeida, a Melô de piripiri com Gretchen. Um espetáculo rico para múltiplas interpretações.

Essa “preferência nacional” é exposta na dança, bate feito coração, fica despida de glamour, e tira os véus do preconceito e da banalização. A anatomia, desejo e habilidades motoras do bumbum são encarados por outro viés, sem moralismo, mas potencializando as ambiguidades da carne.

Ficha Técnica: 

Tempostepegoquedelícia
Concepção e coreografia:Eduardo Severino                   
Direção Cênica: Elcio Rossini e Eduardo Severino            
Criadores Intérpretes: Luciano Tavares e Mônica Dantas      
Elementos Cênicos: Élcio Rossini                            
Pesquisa musical: Luciano Tavares                          

Bundaflor Bundamor
Concepção coreográfica: Eduardo Severino e Luciano Tavares
Intérpretes/criadores: Luciano Tavares, Eduardo Severino e Mônica Dantas    
Pesquisa musical: Luciano Tavares                      
Realização: Eduardo Severino Cia. de Dança

Serviço

Tempostepegoquedelícia + Bundaflor Bundamor
Duração: 65 minutos
Classificação: 14 anos                                        
Quando: 18 e 19 de maio (sábado e domingo), às 20h          
Onde: Teatro Capiba (Sesc Casa Amarela) – Rua Professor José dos Anjos, 1190, Recife

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