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Uma joia que dilata nossos corações para celebrar a vida
Crítica de Circo de los pies

Foto: Ivana Moura

O que podem pés deficientes? Eles podem mostrar que enquanto a vida pulsa, tudo é possível. Eles podem fazer cambalhotas no ar.  E quando eles encontraram a palhaçaria, eles esbanjam humor, compõem poesia. Foi isso que aconteceu ontem, dia 18 de maio, no Teatro Marco Camarotti, no Recife, dentro da programação do Palco Giratório, com o espetáculo Circo de los pies.

Fruto do projeto O que meus pés me contam?, da La Luna Cia de Teatro, o espetáculo busca investigar o universo circense a partir das potencialidades e limitações de corpos plurais, visando tornar esse universo mais inclusivo para pessoas com deficiência. O projeto teve o incentivo do programa Entre Arte e Acesso do Itaú Cultural (2022) e do Prêmio Elisabete Anderle de estímulo à Cultura (2022).

A La Luna Cia. de Teatro, fundada em 2016 e sediada na cidade de Canelinha (SC), é uma companhia que enfrenta com determinação os desafios concretos da produção artística,  enquanto permite que sua criatividade e imaginação voem livres, explorando novos horizontes e possibilidades. Eles se dedicam à difusão e fruição artística por meio de pesquisa, montagem e circulação de espetáculos, encontrando um delicado equilíbrio entre a realidade prática e a liberdade criativa.

O grupo é formado por quatro artistas: Emeli Barossi, Amália Leal, Pedro Torres e Thiago Leite, que pesquisam diferentes linguagens como música, cultura popular, palhaçaria e pedagogia teatral.

Foto: Ivana Moura

Emeli Barossi, a intérprete da palhaça Asmeline, nasceu com Hemimelia Fibular, uma má formação congênita na perna direita. Pequenininha em estatura, mas gigante em talento e carisma, ela cria uma cumplicidade imediata com a plateia, contando brevemente sua história pessoal e, em outras camadas, falando sobre a arte da palhaçaria. Suas pernas, que sempre chamaram a atenção das pessoas, são as protagonistas de uma dramaturgia criada a partir da assimetria e da criatividade do seu corpo.

Em Circo de los pies, Emeli transforma sua patologia em arte, dialogando com a deformidade que existe em todo ser humano, independentemente de ser uma pessoa com deficiência ou não.

O espetáculo se propõe a ser acessível, colocando o corpo com deficiência como protagonista e autor do seu próprio discurso. A interpretação em Libras, realizada por Suzi Daiane, e a audiodescrição, feita por Pedro Torres, são intrínsecas à cena e ao jogo da palhaça, fazendo-se presentes como fios dramatúrgicos. Com uma acessibilidade poética, estética e inclusiva, que vai além de uma tradução e descrição técnica da cena, a obra gera sensações e constrói um jogo cativante com o público, seja ele vidente, não vidente, surdo ou ouvinte.

Emeli se entrega de forma intensa, fazendo uma interpretação de tirar o fôlego. Seus pés, Pezinho e Pezão, são os protagonistas desse show sensacional. É inevitável usar adjetivos para descrever a experiência: um banho de alegria e lirismo, uma enxurrada de ludismo, mas com os pés firmes na realidade. Circo de los pies é um conforto para o coração, mas também traz espetadas nos nervos, lembrando-nos que sempre podemos mais, sem cair nos clichês da superação. A técnica apurada e a entrega total da atriz capturam e amplificam nossa imaginação, levando-nos a uma jornada inesquecível.

É um convite para dilatarmos nossos corações ao infinito, como propôs a poeta Hilda Hilst e nos entregarmos à magia transformadora da arte.

“Circo de los pies” é uma pequena joia que nos contamina de alegria, mas com um fio-terra existencial de que a vida é uma luta constante, abordada com uma leveza perturbadora. Emeli Barossi e a La Luna Cia de Teatro nos presenteiam com uma obra necessária, que ultrapassa limites e nos faz acreditar na essência transformadora da arte.

Ficha Técnica

Atuação e concepção: Emeli Barossi
Trilha Sonora e Sonoplastia: Pedro Torres
Iluminação: Thiago de Castro Leite
Roteiro de Audiodescrição: Fernanda Rosa, Matheus Costa e Emeli Barossi
Figurino: Adriana Barreto
Produção: La Luna Cia de Teatro
LIBRAS: Suzi Daiane
Audiodescrição: Pedro Torres

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Uma jornada encantadora inspirada em Lorca
Crítica de Quatro Luas

Quatro Luas, entre o humor, a magia e leves reflexões existenciais. Foto: Ivana Moura

O espetáculo Quatro Luas, apresentado pelo coletivo O Bando de Olinda (PE) no Teatro Marco Camarotti, em Recife, como parte da programação do Palco Giratório 2024, é uma experiência teatral envolvente que celebra a poesia, a imaginação e a infância em peça inspirada na obra de Federico Garcia Lorca, um dos mais importantes escritores espanhóis do século XX. Conhecido principalmente por suas obras voltadas para o público adulto, como Romancero Gitano e Bodas de Sangue, Lorca também dedicou parte de sua produção literária às crianças, com destaque para Os Encontros de um Caracol Aventureiro, uma coleção de poemas que explora o mundo através dos olhos de um pequeno caracol, e Os Títeres de Porrete, uma peça de teatro que aborda temas como a liberdade e a opressão de forma lúdica e acessível aos pequenos.

Desde o primeiro momento, o público é cativado pela atmosfera mágica criada pela trupe de atores que, representando ciganos, canta, toca e dança nos corredores e hall do teatro. Essa introdução serve como um convite para adentrar o universo onírico proposto pelo espetáculo, preparando os espectadores para a jornada que está por vir.

Ao entrar na sala de espetáculos, somos recebidos por uma cenografia e uma iluminação que transportam a plateia para um mundo de sonhos e descobertas. A história acompanha o protagonista Federico, um pequeno boneco manipulado pelo elenco com destreza e sincronia, em sua busca pela Lua Cheia. A jornada de Federico é repleta de encontros fantásticos com animais falantes, exércitos de formigas e as quatro fases da Lua personificadas.

Vários bichos falantes ocupam a cena, como a Gata Azul. Foto: Ivana Moura

O texto de Claudio Lira, responsável também pela direção, é rico em referências à obra de Lorca, a linguagem poética e as metáforas utilizadas oferecem diferentes camadas de leitura, cativando tanto as crianças quanto os adultos. Os diálogos são bem construídos, com momentos de humor leve e inteligente, como no encontro com as duas Rãs, uma que não enxergava muito bem e outra que não escutava muito bem, criando situações divertidas e reflexões filosóficas sobre a finitude.

O elenco, formado por Brunna Martins, Célia Regina, Douglas Duan e Matheus Carlos, demonstra versatilidade ao transitar entre a manipulação de bonecos, as falas, as canções e a interação com a plateia. A cumplicidade entre os atores e o público é evidente, criando uma atmosfera de encantamento compartilhado. Momentos como o conselho da Mariposa para o Menino ir dançar e viver a vida, ou a frescura da Gata Azul, arrancam risadas e reflexões.

A trilha sonora original de Douglas Duan tem canções executadas ao vivo por Arnaldo do Monte (percussão) e Zé Freire (violão), e estão perfeitamente integradas à narrativa, amplificando a carga emotiva das cenas e marcando as nuances da peça. A música se torna um elemento fundamental para a imersão do público no universo poético criado em cena.

A direção de Claudio Lira é sensível e precisa, explorando de forma inteligente os recursos do teatro de bonecos e a linguagem do teatro animado. O ritmo da peça é bem conduzido, com momentos de introspecção e poesia alternados com outros de dinamismo e interação com a plateia. O espetáculo consegue dosar de forma equilibrada os momentos de apelo emocional, as frases de efeito existencial e os achados poéticos, mantendo o público envolvido do início ao fim.

Quatro Luas é um espetáculo que celebra a força da palavra, a magia do teatro de bonecos e o talento de seus criadores. Ao se inspirar no universo lorquiano e, mais especificamente, em suas obras voltadas para a infância, a peça oferece uma experiência teatral encantadora, que convida o público a se reconectar com a criança interior e a redescobrir o poder transformador da imaginação.

FICHA TECNICA:

Dramaturgia e Encenação: Claudio Lira
Elenco: Brunna Martins, Célia Regina, Douglas Duan e Matheus Carlos
Músicos: Zé Freire (Violão) e Arnaldo do Monte (Percussão)
Dramaturgia Sonora, Direção Musical e Preparação Vocal: Douglas Duan
Iluminação: Eron Villar
Direção de Arte: Claudio Lira e Célia Regina
Criação e confecção dos bonecos e adereços: Romualdo Freitas e Célia Regina
Criação e confecção das Luas: Romualdo Freitas, Célia Regina e Adriano Freitas
Confecção da Árvore: Douglas Duan
Registro de Fotos e Vídeos: Colibri Audio Visual/Morgana Narjara
Produção: Claudio Lira e o Grupo
Realização: O Bando Coletivo de teatro.

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A trajetória de uma guerreira do samba
Crítica de Leci Brandão – Na Palma da Mão

Leci Brandão – Na Palma da Mão. Foto: Valmyr Ferreira

O espetáculo Leci Brandão – Na Palma da Mão é um musical biográfico que presta homenagem à vida e à obra de Leci Brandão, uma das mais influentes cantoras e compositoras do samba brasileiro. Nascida no Rio de Janeiro, Leci rompeu barreiras ao se tornar a primeira mulher a integrar a prestigiosa ala de compositores da Mangueira, afirmando-se como uma artista engajada que sempre utilizou sua música como instrumento de denúncia e resistência, abordando temas como desigualdades sociais, racismo, violências de gênero e conservadorismo.

A montagem revisita a trajetória de Leci desde suas origens humildes na periferia carioca até sua consagração como uma das vozes mais potentes e respeitadas da música popular brasileira, destacando a relação profunda e transformadora com sua mãe, Dona Lecy, figura fundamental em sua formação como mulher, artista e cidadã.

A importância cultural e política de Leci Brandão – Na Palma da Mão se manifesta em diversas camadas. Inicialmente, o musical se insere em um movimento crescente de produções que valorizam a presença de narrativas e profissionais negros nos palcos brasileiros, contribuindo para a diversificação e a democratização do teatro musical no país. Além disso, ao abordar a história de Leci, o espetáculo ilumina o pioneirismo de uma mulher negra que rompeu barreiras e ocupou espaços de poder em uma sociedade marcada pelo racismo e pelo machismo, tornando-se um símbolo de resistência e empoderamento.

A peça cita en passant a coragem de Leci em afirmar publicamente sua identidade lésbica ainda nos anos 1970, período de intensa repressão e conservadorismo. Embora o recorte dramatúrgico e de direção se concentre na relação de Leci com sua mãe, Dona Lecy, explorando os laços afetivos, os aprendizados e as trocas entre essas duas mulheres e suas lutas no mundo, seria fundamental abrir espaço para abordar esse aspecto essencial da trajetória de Leci Brandão.

Em um momento de avanços por visibilidade e direitos LGBTQIA+, mas também de recuos com a marcha do fascismo, seria crucial que a peça incorporasse mesmo que de forma sutil, a decisão corajosa de Leci de se afirmar como lésbica em pleno regime militar. Essa escolha não apenas presta um tributo mais completo à artista, como também posiciona a obra diante dos desafios atuais. Além disso, o comportamento destemido de Leci Brandão ecoou ao longo das décadas, inspirando gerações de artistas e ativistas LGBTQIA+ a lutar por seus direitos e a expressar suas identidades sem medo, deixando um legado de coragem e determinação que poderia ser celebrado e transmitido na montagem. Até porque o espetáculo ressalta o compromisso inabalável da artista em utilizar sua arte como instrumento de transformação social.

O texto do espetáculo, assinado por Leonardo Bruno, revela uma estrutura dramatúrgica que transita entre passagens narradas e diálogos vívidos entre os personagens. A narrativa segue uma temporalidade predominantemente cronológica. Essa estrutura é enriquecida pelas canções, que pontuam momentos-chave da trama. Essa construção dramatúrgica entrelaça os elementos escolhidos para compor a trajetória de Leci Brandão no palco: a música como expressão de resistência e celebração da vida; a religiosidade como fonte de sabedoria e conexão com o sagrado; e o engajamento político como compromisso ético com a transformação da realidade.

As intervenções bem-humoradas dos instrumentistas funcionam como respiros e comentários, buscando uma cumplicidade com a plateia. 

Sob a direção de Luiz Antonio Pilar, premiado com o Shell de melhor diretor, a encenação valoriza, com delicadeza e humanidade, a relação entre Leci e sua mãe, Dona Lecy, revelando a cumplicidade, o afeto e a força dos laços que unem essas duas mulheres. Pilar privilegia a música como elemento central da narrativa, entendendo o samba como instrumento de resistência, afirmação identitária e comunicação com o público. As composições de Leci são trazidas à cena como convites irresistíveis para que a plateia se integre ao espetáculo, criando uma atmosfera de alegria, celebração e partilha que evoca a energia contagiante das rodas de samba. 

Há uma sequência exaustiva de músicas,  composições que se tornaram clássicos da música popular brasileira. Sucessos como A Filha da Dona Lecy, canção autobiográfica que homenageia a mãe da artista, e Papai Vadiou, samba que retrata com sensibilidade e humor as dificuldades enfrentadas por uma família chefiada por uma mulher negra. Além de Gente Negra, um hino de afirmação da identidade e da resistência afro-brasileira, e Preferência, samba-canção que exalta a liberdade de amar sem rótulos ou preconceitos. E a antológica Zé do Caroço, uma das canções mais emblemáticas de sua carreira, que denuncia a violência policial contra as populações periféricas.

Além das composições de Leci, o espetáculo também rende homenagens a outros gigantes da música brasileira que cruzaram o caminho da artista. É o caso de Cartola, representado por Corra e Olhe o Céu, e da própria Estação Primeira de Mangueira, escola de samba que acolheu Leci como a primeira mulher em sua ala de compositores e que é lembrada pelo samba-enredo História pra Ninar Gente Grande. Mas a trilha não é suficiente para criar nuances na dramaturgia. 

Embora o espetáculo apresente inúmeras qualidades, é importante reconhecer alguns aspectos para ser pensados. Durante a apresentação realizada no Teatro do Parque, no Recife, como parte da abertura do Festival Palco Giratório, o público demonstrou entusiasmo e apreço pela montagem, aplaudindo calorosamente ao final. No entanto, a estrutura narrativa predominantemente cronológica revelou, em boa parte, uma certa monotonia, carecendo de reviravoltas ou de uma maior inventividade formal.

A opção por uma linearidade quase didática, se por um lado facilita a compreensão da trajetória de Leci Brandão, por outro acaba limitando as possibilidades de experimentação estética. Apenas citar ou não entrar nos conflitos de passagens importantes enfraquece o potencial explosivo dessa trajetória. Como exemplo, a entrada e a permanência da artista no time de compositores da Mangueira e os bastidores mais conflituosos são evitados ou apenas citados, quando poderiam ser os giros de acionamentos de potência dentro do espetáculo.

Outro ponto que merece atenção é a questão da inteligibilidade das falas em determinados momentos do espetáculo. Apesar dos atores demonstrarem grande talento vocal e interpretarem as canções com maestria, em diversas passagens dialogadas suas palavras se tornavam incompreensíveis, seja por problemas acústicos do teatro, falhas nos equipamentos de som ou mesmo pela projeção vocal insuficiente dos intérpretes.

Essa perda parcial das falas compromete a fruição plena da narrativa e dificulta o envolvimento emocional do público com a história. 

Verônica Bonfim, Sérgio Kauffmann e Tay O’Hanna. Foto: Valmyr Ferreira

O elenco, composto por Tay O’Hanna, Verônica Bonfim e Sérgio Kauffmann dão conta de todos os personagens. Tay interpreta Leci com muita personalidade, captura a força, a garra e a paixão dessa artista em cada gesto, olhar e inflexão vocal. Sua performance revela as lutas, as alegrias e as dores que moldaram esse percurso. Verônica Bonfim, por sua vez, confere à figura de Dona Lecy uma combinação tocante de doçura e determinação. Sua atuação está carregada da sabedoria e o amor dessa mãe que foi o alicerce e a inspiração constante na vida de Leci.

Sérgio Kauffmann demonstra versatilidade ao encarnar diversos personagens masculinos que cruzaram o caminho de Leci, desde o líder comunitário Zé do Caroço, compositor Cartola, o pai da cantora ou na pele de Exu.

O foco central do espetáculo é celebrar a vida e o legado de Leci Brandão, convidando os espectadores a mergulhar em seu universo pessoal e artístico de forma sensível e empática. Ao adotar essa abordagem, o musical se alinha ao conceito de “ética do cuidado”, proposto pela pesquisadora e ativista Patricia Hill Collins. Essa perspectiva valoriza a empatia, a responsabilidade e a conexão como princípios norteadores na produção e partilha de saberes e narrativas, especialmente quando se trata de histórias de mulheres negras.

Ao contar a trajetória de Leci Brandão, o espetáculo busca estabelecer uma relação de proximidade e afeto com o público, convidando-o a se reconhecer e se emocionar com as lutas, as alegrias e as conquistas dessa artista. Essa abordagem empática permite que a plateia se conecte com a humanidade de Leci, entendendo suas escolhas, seus desafios e seus triunfos a partir de uma perspectiva de cuidado e solidariedade.

Já a representação da religiosidade de matriz africana no espetáculo é um ponto que demanda reflexão. Incluir elementos da religiosidade afro-brasileira no musical é uma escolha corajosa e necessária, contribuindo para a valorização e visibilidade das tradições.

No entanto, mesmo que os envolvidos na montagem tenham um conhecimento profundo das questões religiosas, nem sempre esse entendimento é traduzido de forma plena no palco. 

Apesar das ressalvas apontadas, Leci Brandão – Na Palma da Mão permanece como um espetáculo de grande relevância e necessidade, celebrando a trajetória de uma artista fundamental para a cultura brasileira. Ao colocar no centro dos holofotes a história de uma mulher negra que enfrentou e desafiou os preconceitos e as opressões de seu tempo, o musical contribui significativamente para a construção de uma narrativa mais plural.

 

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Protagonismo da reflexão no Palco Giratório

Dinho Lima Flor em Ledores do Breu. Foto: Alécio Cézar/ Divulgação

Dinho Lima Flor em Ledores do Breu. Foto: Alécio Cézar/ Divulgação

O educador Paulo Freire (1921-1997) conecta as dramaturgias de PA(IDEIA) – pedagogia da libertação, do coletivo Grão Comum/ Gota Serena do Recife, e Ledores no Breu, da Cia do Tijolo, de São Paulo. Ambos os espetáculos integram a programação do projeto nacional Palco Giratório, que ocorre desta segunda-feira (24) até sexta (28) no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro, no Recife. Além das peças, também estão agendados o Pensamento Giratório (troca de ideias sobre as duas montagens com os grupos), e um Seminário com pautas que versam sobre questões de gênero, sexualidade, dramaturgias, construção de narrativas, arte e ancestralidade.

O Palco Giratório Pernambuco, festival que acontecia geralmente no mês de maio, acabou em 2015 e não se fala mais nisso. Boca de siri. Um grande prejuízo para a recepção e produção artística do estado. Desde então, no Recife, esta é a maior ação do Palco nacional. A iniciativa do Sesc nacional é apontada como o maior projeto de circulação das artes cênicas no país e celebra 20 anos de atividades. E é realmente um fôlego chegar à cidade uma programação nesse formato, que amplifica a articulação do pensamento e a reflexão.

Daniel Barros e Júnior Aguiar atuam em Paideia

Daniel Barros e Júnior Aguiar atuam em Pa(ideia). Foto: Divulgação

Paulo Freire foi aquele filósofo e pedagogo que colocava em prática ideias como “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre” ou “Não há saber mais ou saber menos: Há saberes diferentes”. Que falta faz esse homem neste mundo de tanto obscurantismo.

PA(IDEIA) – pedagogia da libertação, a segunda da Trilogia Vermelha, investe cenicamente na prisão de Paulo Freire em 1964, além de falar do Brasil de hoje. A peça ganha ainda mais força com o desmonte de um sistema de educação que ocorre no país. Os atores Daniel Barros e Júnior Aguiar ressaltam essas contradições para provocar um diálogo reflexivo com a plateia.

Com atuação de Dinho Lima Flor e direção de Rodrigo Mercadante, Ledores no Breu costura histórias de leitores que se debatem na lama da compreensão e analfabetos ainda no século XXI. O pensamento e a prática do educador Paulo Freire e as obras do poeta Zé da Luz e do ficcionista Guimarães Rosa são matéria-prima do espetáculo. Ledores no Breu narra episódios como a do homem que matou o seu amor porque não sabia ler uma carta ou de outro que reelabora seu afeto a partir das letras do seu nome.

Em 20 anos do Palco Giratório é a primeira vez que um seminário desse porte entra no projeto. Arte e Ancestralidade – Povos Indígenas é a mesa de abertura. Outras discussões estão focadas em Negros e Quilombolas; Questões de Gênero e Sexualidade -Trans-Posições Artísticas: Diversidade Sexual e Representatividade Política com a mediação de Robéyonce, primeira advogada Trans de Pernambuco; Dramaturgias e a Construção de Narrativas; Gestão Cultural e Curadoria na Experiência do Sesc: Desafios e Oportunidades; Mapeando experiências e articulando sentidos: o trabalho de críticos e curadores dos festivais cênicos; e Acessibilidade, Mediação Cultural e Formação de Público.

Serviço:
Seminário 20 anos do Palco Giratório
Quando:De 24 a 28 de julho
Onde: Teatro Marco Camarotti

Ledores do Breu reflete sobre as repercussões do analfabetismo

Ledores do Breu reflete sobre as repercussões do analfabetismo. Foto: Divulgação

PROGRAMAÇÃO

Espetáculos:
Dia 25 – Espetáculo Pa(IDEIA) – pedagogia da libertação | 20h | R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia entrada)
Dia 26 – Ledores do Breu | 20h | R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia entrada)
Dia 27 – Pensamento Giratório | 20h – Acesso gratuito

Seminário:
Inscrição gratuita:www.sescpe.org.br
24/07
14h | mesa –Arte e Ancestralidade – Povos Indígenas
Zeca Ligiéro, Vânia Fialho, Guila Xucuru e Fred Nascimento (mediação)
19h | mesa –Arte e Ancestralidade – Negros e quilombolas
Fernanda Júlia, Samuel Santos, Lara Rodrigues, Maria Bianca (mediação)

25/07
14h |Questões de Gênero e Sexualidade –Trans-Posições Artísticas: Diversidade Sexual e Representatividade Política
Dodi Leal, Marcondes Lima, Robeyoncé (mediação)

26/07
14h |Dramaturgias e a construção de Narrativas:(Des)territorializando espaços e (Re)inventando dramaturgias
Rodrigo Dourado, Mônica Lira, Eliana Monteiro, Anamaria Sobral (mediação)

27/07
14h| mesa 01 – Gestão Cultural e Curadoria na Experiência do Sesc: Desafios e Oportunidades
Maria Carolina Fescina, André Santana, Rita Marize e Raphael Vianna
16h| mesa– Mapeando experiências e articulando sentidos: o trabalho de críticos e curadores dos festivais cênicos
Michelle Rolim, Fábio Pascoal, Nara Menezes e mediação de Pedro Vilela

28/07
14h |Acessibilidade / Mediação Cultural / Formação de Público
Felipe Arruda, Bernardo Klimsa, Emanuella de Jesus e Andreza Nóbrega (mediação).

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A curadora do Palco Giratório

Palco Giratório

Um circuito de artes cênicas que engloba 126 cidades nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Os números de dimensões continentais são do Palco Giratório, programa idealizado e bancado pelo SESC, que se revela não só um quebra-cabeças logístico, mas também um recorte significativo do que se produz em artes cênicas no Brasil. Este ano, 20 grupos, companhias e coletivos de todo o país estão no projeto. Há espetáculos do Acre, do Piauí, da Bahia, do Rio Grande do Sul. Além da circulação, também são promovidos debates ao final dos espetáculos, oficinas e rodas de conversa intituladas Pensamento Giratório. No Recife, há o festival Palco Giratório, que acontece durante todo o mês de maio, a Aldeia Velho Chico – mostra de cultura em Petrolina -, e ainda a circulação de vários espetáculos por unidades do Sesc no interior. “Nenhum grupo passa incólume no Palco Giratório”, acredita Galiana Brasil, a representante pernambucana na rede de 32 curadores que idealizam essa programação do Palco anualmente. Conversamos com a atriz, professora e gestora cultural sobre como se dá esse processo de escolha, a participação dos artistas pernambucanos no projeto e a força do programa como política cultural.

Galiana Brasil. Foto: Renata Pires

Galiana Brasil. Foto: Renata Pires

Entrevista // Galiana Brasil

Como foi o processo de escolha dos espetáculos para a circulação nacional este ano? Podemos dizer que alguma linguagem se destacou?
O processo é, via de regra, marcado pelo atrito, pelo debate caloroso. É sempre assim, por conta da escolha do SESC em apostar no seu corpo técnico. Vez por outra surge alguém (desavisado) que propõe a criação de um edital. De fato, seria menos complexo, mas a maioria dos técnicos do SESC – principalmente aqueles que tiveram a chance de ver esse processo nascer-, criou gosto pela coisa. É outra política, outra prática discursiva. Todo artista que se submete aos processos seletivos, via editais, conhece o gosto amargo da burocracia, ver um projeto ser excluído por conta da ausência de uma, entre dezenas de assinaturas, uma certidão negativa vencida. Acho muito importante numa época assim existir alguma forma diferente de praticar política cultural. Ademais, é um paradoxo tão significativo uma instituição extremamente burocrática, como o SESC, investir num corpo curatorial de técnicos. Dá muito mais trabalho para quem seleciona, acredite, mas, para quem não está ali de forma burocrática, apática, é um exercício político sofisticado, um espaço de aprendizado incrível. Quanto aos “destaques”, penso que mais que algum gênero, a grande força foi a da diversidade geográfica, a resposta à lógica perversa da hegemonia das regiões Sul/Sudeste. Este ano tivemos grupos oriundos de diferentes estados do Nordeste – Pernambuco, Paraíba, Ceará, Bahia, Piauí; da região Norte há grupos do Acre, Tocantins; há o Centro-Oeste com o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul. Para quem é dado à pesquisa histórica, sugiro uma visada no catálogo do Palco Giratório, na sessão “grupos e espetáculos que passaram pelo Palco” – ali consta o registro ano a ano. A virada do projeto se deu com a criação dessa curadoria nacional, a partir da gestão compartilhada do projeto, em todas as suas fases. Como num grito de guerra, bradamos, em 2006, em meio à euforia do recorte emblemático que se deu na seleção dos grupos daquele ano, o bordão “mudamos o sotaque do Palco Giratório”, e isso se deu, porque assumimos que o Brasil não tem sotaque oficial – muito menos o teatro! Ele é múltiplo, misturado e diverso. E gostamos disso.

Conhecer as indicações feitas por cada curador e discutir essas propostas deve ser, talvez, um dos momentos mais interessantes do Palco. Será que você poderia lembrar grupos que conheceu, ou teve mais informações, através dessas discussões, e que te marcaram, te surpreenderam, ou continuam fazendo coisas interessantes até hoje?
As indicações acontecem em um processo que antecede o encontro presencial que chamamos de “Análise Prévia”. É quando cada representante dos estados indica até cinco grupos/espetáculos, que podem ser de qualquer lugar do Brasil – ou seja, o curador não está limitado a indicar espetáculos apenas de seu estado, contanto que ele tenha visto o trabalho presencialmente, pois essa é condição primeira para uma indicação. Até o ano passado, esses espetáculos eram distribuídos para todos os curadores em vídeos, e suas informações em cds (também projetos, folders e clippings impressos) que deveriam ser previamente analisadas antes do encontro nacional. A partir deste ano, inauguramos uma ferramenta virtual, e a análise prévia se dará a partir desse canal. Quando nos reunimos para o encontro de curadoria – que dura cerca de dez dias -, já assistimos quase tudo em vídeo, mas sabemos o quanto se perde assistindo teatro em vídeo, por isso que a “defesa” de quem está indicando pesa muito, é o que define a aposta coletiva. Daí o SESC investir na ida de grupos de curadores a diversos festivais ao longo do ano, para que mais gente possa assistir aos trabalhos que estarão circulando nas indicações. Por isso também nosso investimento, aqui no SESC Pernambuco, em trazer curadores dessa rede para o Janeiro de Grandes Espetáculos – para que conheçam a produção pernambucana; daí também assistirmos, durante o encontro, a uma média de 08 a 10 espetáculos presencialmente. Só nesse processo, de análise prévia, com média de oitenta trabalhos de todos os cantos do país, temos acesso a uma cartografia de grupos luxuosa. Eu sempre soube da potência dos grupos em São Paulo, por exemplo, mas foi nessa curadoria que conheci a força do teatro catarinense. Ano passado fui chamada para participar da comissão de seleção de um prêmio estadual do governo de Santa Catarina e fiquei perplexa: simplesmente conhecia quase toda a produção que estava concorrendo e é conseqüência, exclusivamente, da minha ação junto ao Palco Giratório. Porque o edital era estadual, então, além dos grupos de Florianópolis, havia muitos grupos do interior e eu reconheci inúmeros trabalhos, grupos de Chapecó, Criciúma, Jaraguá do Sul.

Qual a força do Palco para a trajetória de um grupo? Quais exemplos poderíamos dar?
Penso que nenhum grupo passa incólume no Palco Giratório. Ou ele potencializará sua energia criadora – inferindo mudanças, inspirando criações, friccionando as relações pessoais, ou ele revelará suas mais profundas fragilidades – inferindo mudanças, friccionando as relações pessoais… Porque o contato humano é por demais intensificado. São contatos com diversos públicos, de forma quase ininterrupta. O grupo se apresenta e já senta pra uma roda de bate-papo. No dia seguinte, provavelmente terá uma oficina, um pensamento giratório, ou seja, mais contato com outros públicos, com os artistas locais, e depois o grupo entra numa esfera de convivência tão intensa que, de alguma forma, gera algum estranhamento. A privacidade nesse circuito é quase zero. Por conta dos custos do projeto, as hospedagens precisam ser coletivas (duplos ou triplos), com algumas exceções devido à condição física, ou limitações de saúde, obviamente. Vi um grupo cuiabano recém criado, cheio de som e fúria, chegar de forma estrondosa, com um trabalho lindo apresentado na mostra Cariri e, no ano seguinte, ganhar o Brasil pelo Palco Giratório. Não resistiu e acabou junto com a circulação. Sempre digo isso aos grupos selecionados, porque tem gente que fantasia. É muita transpiração, não há glamour. O Sesc não é a CVC e o Palco não é a Rede Globo, não é uma viagem de férias e muito menos um circuito de estrelas. De vez em quando, entram uns coletivos meio “desavisados”, às vezes é um diretor, um técnico. Lembro que, há alguns anos, no Festival Palco Giratório de Fortaleza, uma coreógrafa queria cobrar cachê quando soube que o projeto previa um bate-papo após cada apresentação. Antigamente, eu ficava pra morrer, hoje acho até engraçado! Porque, no primeiro “choque de realidade” – e ele vai se dar, afinal, estamos no Brasil -, ou a pessoa se transforma, ou “pede pra sair”. Tempos atrás, um artista questionou a acomodação de um hotel, argumentando que não estava à altura de um “doutor da USP”. A gente ainda escuta coisas desse tipo. E olha que é mais que sabido o perfil de grupo que interessa a esse projeto. Mas, afinal, trabalhamos com o humano, e também nos equivocamos, temos, em todas as esferas, muito o que aprender. Lembrei de um grupo que se desfez depois da circulação, gostaria de ressaltar aqui outros que, durante a circulação, tiveram inspiração para novos trabalhos, entraram em gestação durante o projeto – como o Pedras, do Rio de Janeiro, que teve inspiração para o Mangiare, a partir da diversidade de sabores que experimentaram enquanto cruzavam o Brasil; e a cia. Munguzá, que circulou ano passado com o Luis Antonio Gabriela e também ficou bastante contaminada para nova cria… vamos aguardar o que vem por aí.

Muitos curadores já conheciam o trabalho Viúva, porém honesta, do Magiluth. Foto: Renata Pires

Muitos curadores já conheciam o trabalho Viúva, porém honesta, do Magiluth. Foto: Renata Pires

Quais os argumentos utilizados para a defesa do Magiluth e do Peleja, grupos que representam Pernambuco na circulação nacional este ano? Como foi a recepção dos outros curadores?
São dois grupos completamente diferentes do ponto de vista funcional e de suas linguagens poéticas. Fato que somou muito para o retrato final dos grupos dessa seleção 2014 e que revelou uma diversidade de trabalho de grupo bastante significativa da produção pernambucana. O Magiluth vinha de um ano de bastante exposição, o que ajudou muito, pois muitos curadores tinham assistido a mais de um trabalho deles, tanto na semana de curadores do Janeiro de Grandes Espetáculos 2013, como numa curta temporada que fizeram no Rio de Janeiro. A leitura deles do Viúva, porém honesta foi o grande trunfo, a abordagem libertadora, a coragem de assumir os “erros”, os desvios. A confusão ordenada na poética do caos despertou, nas pessoas, uma possibilidade de ver Nelson trabalhado de uma forma diferente, o que gerou a vontade de ver esse grupo desafiado em outras praças, medir seu fôlego em uma circulação de grandes contrastes como é o Palco Giratório. Uma aposta na irreverência planejada. O grupo Peleja tem todo o “perfil” para o projeto – o que nem sempre quer dizer muita coisa, visto que a quantidade de grupos com qualidade de trabalho é sempre maior do que o projeto pode abarcar-, porque tem um trabalho de pesquisa de linguagem obsessivo, persistente, não “atira para todos os lados”, não trabalha por edital, como tantos coletivos da atualidade. Venho acompanhando o trabalho deles há um certo tempo, as possibilidades de ação formativa são extremamente relevantes, necessárias ao projeto. Cada artista tem sua pesquisa individual e isso é posto à prova. Já vi o grupo em apresentações, já vi seus artistas em mesas de discussão, ministrando oficinas e a forma com que encaram o ofício é digna de nota. Penso que contribuirão bastante tanto para o crescimento da cena como para o fortalecimento das relações éticas intrínsecas a um projeto dessa monta.

Gaiola de moscas, do grupo Peleja, está circulando pelo país. Foto: Pollyanna Diniz

Gaiola de moscas, do grupo Peleja, está circulando pelo país. Foto: Pollyanna Diniz

Como você seleciona essas indicações aqui em Pernambuco? Existe uma “pressão” dos grupos? Como é o relacionamento com eles? Você tenta assistir a tudo? Algum grupo já ficou “na agulha” ou na “repescagem” desde o ano passado? Já tem uma ideia do que vai levar este ano para a roda de debates?
Sim, houve grupos que foram selecionados, mas ficaram no stand-by, no caso de alguma desistência/impossibilidade de algum dos grupos, assim como houve grupos que entraram depois de mais de um ano de defesa. Às vezes, não é o momento, tem que saber recuar, tem que saber se vale a pena repetir a indicação. Tem que entender quando não dá mais. É um jogo, há que se conceber estratégias. A seleção é processual. Antes de tudo, entendo que todo grupo queira participar de um projeto como o Palco Giratório, mas não acredito em grupo que faça trabalho para o Palco Giratório. Enxergado por essa lente o projeto fica muito menor. É ele quem está a serviço do teatro, o teatro é muito maior. Às vezes, vejo que o grupo tem potencial e fico observando, acompanhando a postura, a atuação, o repertório. Mas tem uma questão delicada que se impõe: não existe o ofício de curador no quadro de SESC, de nenhum SESC do Brasil. Com exceção de São Paulo, que envia os técnicos (principalmente para fora do país) para festivais e mostras o ano inteiro – independentemente do Palco Giratório, em que eles passaram a trabalhar um dia desses-, com o intuito de identificar, negociar e trazer grupos, todos nosotros somos estimulados a acompanhar a programação cênica de nosso estado como “mais uma atribuição” do cargo – de técnico de cultura, de gerente de cultura, de assessor de teatro, ou de Professor de Teatro, como é o meu caso hoje, no SESC – PE. Não há uma gratificação ou algum acréscimo salarial. Porque, sabemos, o papel do curador, sua função na contemporaneidade, é algo relativamente novo, que vem sendo bastante debatido e, dentro do SESC, é um processo inaugural. Penso que temos crescido muito, conseguido um espaço de discussão e de escuta privilegiado na instituição, temos alcançado ganhos importantes, como um suporte financeiro para compra de ingressos de espetáculos de teatro e dança, ou o acompanhamento a festivais nacionais de grande relevância, ao menos uma vez por ano. Mas ainda não é o suficiente para estar na obrigação de acompanhar toda a programação do estado. Temos uma gama de serviços e ações práticas e burocráticas ligadas a diversas outras ações de que precisamos dar conta. Toda a análise prévia dos espetáculos do palco, eu faço na minha casa, durante as noites, nos fins de semana, e essa super hora extra não é computada, não faz parte de minha carga de trabalho no SESC, que comporta 40 horas semanais, das 8h da manhã às 17h, de segunda a sexta-feira. Quem está em temporada nesse horário?

Como você avalia a força do Palco pelo país? Pergunto isso porque aqui em Pernambuco, sabemos o quão importante é o projeto. Mas quando converso, por exemplo, com amigos de Belo Horizonte ou Curitiba, é como se o Palco não fosse tão significativo. Você acha que isso tem a ver com a relação dos festivais específicos de cada cidade?
Acho que quase nada no Brasil se efetiva de forma homogênea. Ainda bem, não? O projeto tem papel, força e impacto completamente diverso em cada praça. Existe há 17 anos, e, no início, era composto por cinco ou seis estados que, junto ao Departamento Nacional, aderiram ao projeto. Literalmente “compraram” a ideia, pois aderir significa repartir os custos. Pernambuco está nisso desde o primeiro ano. Todas essas cidades que você mencionou, pertencem a estados que entraram anos depois (há menos de 4 anos). Os Departamentos Regionais do SESC, em todo o Brasil, trabalham com o princípio de autonomia de gestão. E quanto mais construção e menos imposição, tanto melhor. Ressalte-se o poder de sedução do projeto que hoje, no ano de 2014, arrebanhou todos os estados para, juntos, trabalharem na composição desse caleidoscópio transgressor.

O que norteou a escolha dos espetáculos convidados para o festival deste ano?
Além da seleção de representantes da curadoria nacional que assistiram à semana de curadores no Janeiro de Grandes Espetáculos, houve um recorte curatorial defendido por técnicos do Sesc de Casa Amarela, Santa Rita, Piedade e Santo Amaro – a partir de trabalhos que participaram de mostras e projetos do Sesc-PE-, além de grupos que sabíamos estar em processo conclusivo e convidamos para estrear o espetáculo no festival.

Odília Nunes, que ano passado participou da circulação do Palco com a Duas Companhias, estreou Cordelina. Foto: Pollyanna Diniz

Odília Nunes, que ano passado participou da circulação do Palco com a Duas Companhias, estreou Cordelina. Foto: Pollyanna Diniz

Sentimos que a programação este ano está menor em número. Apesar de a qualidade do festival não ser medida absolutamente por números, o que aconteceu de fato? Tivemos menos dinheiro? Porque ações como a Cena Bacante e a Gastrô não vão acontecer?
O Palco Giratório é um projeto (um dentre centenas) financiado integralmente pelo SESC, gerido pela instituição até quando ela entender que ele é importante, necessário. Minha opinião quanto a isso importa bem pouco, eu procuro sempre seguir as diretrizes da instituição, e estou subordinada a gerências e direções, em âmbito regional (jargão do SESC para nos referirmos à administração nos estados) e nacional. Ações como as que você citou foram criações exclusivamente nossas. A Cena Bacante foi inspirada no “Horário Maldito”, que acontecia a partir da meia-noite, na mostra Cariri (CE). Já a Gastrô, uma tentativa minha de criar novos públicos para o festival, de explorar as possibilidades poéticas e seu diálogo com os sentidos, além de aproximar os criadores da gastronomia – arte que pessoalmente admiro bastante-, dos criadores da cena. O percurso de sair do teatro para comer – geralmente em grupo-, é uma ação habitual que pode ser encarada como ritualística. Afinal, e se os pratos, o vinho, o doce, também tivessem relação com a cena? Eu sonhei em ver isso potencializado. Então, essas ações (assim como o Jornal Ponte Giratória, a Cena Fotô), foram criações nossas, e têm um custo significativo que não faz parte da esfera cênica, habitual do projeto.

De que forma você pensa o Palco nos próximos anos?
Eu espero que ele continue, porque ainda se faz muito necessário.

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