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O palco do mundo para além do eurocentrismo 9ª edição da MITsp investe no decolonial

Broken Chord [Acorde Rompido] faz a abertura da MITsp. Foto: Thomas Müller / Divulgação

Na sua nona edição, a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo aprofunda sua essência experimental e crítica, apostando numa perspectiva curatorial que destaca espetáculos oriundos das margens das hegemonias geográficas. Encontramos aqui obras e artistas cujas raízes territoriais, étnicas e culturais manifestam diversificadas teatralidades e investigações. A presença de criadores, grupos e pesquisadores/as da África, Ásia, Oriente Médio e América Latina reflete um esforço da MITsp de descentralizar do cânone  das narrativas eurocêntricas do teatro e ampliar o palco para outras vozes. “Neste sentido, a curadoria intensificou a perspectiva decolonial”, afirma Antonio Araujo, no material de divulgação. 

Araujo, diretor artístico, e Guilherme Marques, diretor geral, idealizadores da Mostra, aquecem as provocações sobre nosso tempo com as discussões que atravessam os trabalhos, carregadas de novos olhares para questões como memória, racismo, transfobia, identidade, conhecimento, colonialismo, entre outros.

A MITsp é um dos principais eventos de artes cênicas do país e funciona em quatro eixos principais: Mostra de Espetáculos, Ações Pedagógicas, Olhares Críticos e MITbr – Plataforma Brasil.  A programação ocorre entre entre os dias 1º e 10 de março de 2024 e conta com nove montagens internacionais, uma estreia nacional, dez espetáculos na MITbr série de oficinas, debates e conversas ao longo dos dez dias de evento.

O espetáculo Broken Chord [Acorde Rompido], uma colaboração entre Gregory Maqoma e Thuthuka Sibisi, faz a abertura dessa intensa maratona cênica no Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros. A obra mergulha  A peça mescla dança e música tradicionais africanas com elementos da dança contemporânea e música clássica europeia, e mergulha nos efeitos duradouros do apartheid, para investigar as feridas históricas.

Também da África do Sul, O Circo Preto da República Bantu, solo de Albert Ibokwe Khoza, discute racismo e violência contra corpos negros através da história dos zoológicos humanos na Europa.

Lolling and Rolling, do sul-coreano Jaha Koo. Foto de Marie Clauzade

Nesta edição da MITsp o foco se volta para a obra do diretor e compositor sul-coreano Jaha Koo, que traz ao evento sua Trilogia Hamartia, composta por Lolling and Rolling, Cuckoo e A História do Teatro Ocidental Coreano. Essa série explora a intersecção e o impacto do encontro entre culturas orientais e ocidentais na vida individual, ancorada no conceito grego de “hamartia”, que se refere a um defeito ou falha trágica.

Contado pela Minha Mãe, do libanês Ali Chahrour, outra obra da mostra, utiliza uma combinação de dança, teatro e música para narrar a história de uma mãe que se recusa a aceitar a morte de seu filho, criando poemas e canções na esperança de seu retorno.

Profético (nós já nascemos), da costa-marfinense Nadia Beugré, aborda questões de racialidade, transsexualidade e preconceito com um enfoque crítico e engajado.

A Argentina contribui com duas estreias: PERROS – Diálogos Caninos, uma colaboração entre Monina Monelli, Celso Curi e Renata Melo, explora a complexidade das relações entre humanos e cachorros; enquanto Wayqeycuna [Meus Irmãos], de Tiziano Cruz, investiga a memória e a identidade cultural através dos quipus, um artefato andino tradicional.

A MITsp investiu como produção nacional na estreia de Agora tudo era tão velho – FANTASMAGORIA IV, sob a direção de Felipe Hirsch, marcando a continuidade do festival em ser uma plataforma de lançamento para obras de artistas brasileiros renomados e emergentes.

A MITsp de 2024 reforça que é um evento chave no calendário cultural da cidade de São Paulo, e do Brasil, e reflete o compromisso do festival em oferecer um espaço para diálogos transculturais e a exploração de temas contemporâneos através do teatro, dança e performance.

Em 2024, a MITsp tem patrocínio  da Redecard, Sabesp e Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura. A mostra tem correalização do Sesi, Consulado Francês, Instituto Francês, Centro Cultural Coreano no Brasil e Goethe Institut; e copatrocínio do IBT – Instituto Brasileiro de Teatro. A realização do evento é da Olhares Cultural, ECUM Central de Produção, Itaú Cultural, Sesc SP e Ministério da Cultura – Governo Federal.

MITbr Plataforma Brasil

Lançada em 2018, a MITbr – Plataforma Brasil emerge como um componente vital da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), dedicada à promoção e internacionalização das artes cênicas brasileiras. A cada ano, a plataforma se propõe a apresentar uma seleção de obras nas áreas de teatro, dança e performance, enfatizando a diversidade regional do Brasil e abordando temas contemporâneos e urgentes.

Para a seleção dos projetos, a MITbr conta anualmente com a expertise de curadores convidados, que são encarregados de escolher entre 10 e 12 trabalhos de um conjunto de inscrições que, desde sua primeira edição, supera a marca de 400 candidaturas. O objetivo é destacar a riqueza e a qualidade da cena artística brasileira em um contexto global.

Neste ano, os curadores Marise Maués, Cecilia Kuska e Marcelo Evelin analisaram 446 inscrições provenientes de 19 estados do Brasil, do Distrito Federal e de países da América Latina. A seleção resultou em dez obras que serão vistas entre o público geral por um grupo composto por cerca de 100 programadores nacionais e internacionais, uma investida para  ampliar o reconhecimento e a circulação das artes cênicas brasileiras no cenário mundial.

As obras escolhidas para a nona edição da MITsp são representativas da riqueza artística brasileira, cada uma originária de diferentes cidades do país, demonstrando a vasta gama de estilos e temáticas abordadas pelos artistas nacionais:

Ané das Pedras da Coletiva Flecha Lançada Arte, é uma obra que vem do Crato (CE) e da aldeia Kariri-Xocó (AL). O espetáculo explora a relação indígena com a terra e a natureza através de um ritual de plantação de pedra, destacando a visão indígena sobre a existência e a comunicação com o meio ambiente. Por sua vez, Dança Monstro”, da Cia. dos Pés, vem de Maceió (AL) e investiga a interação entre o corpo humano e a natureza, utilizando a dança como meio de conexão com o essencial.

EU NÃO SOU SÓ EU EM MIM – Estado de Natureza – Procedimento 01, do Grupo Cena 11, originário de Florianópolis (SC), propõe uma reflexão sobre a identidade brasileira, misturando dança e teoria para questionar o conceito de “povo brasileiro”. 

Gente de Lá, de Wellington Gadelha, traz uma perspectiva de Fortaleza (CE), apresentando um olhar crítico sobre a violência estrutural dirigida à população negra no Brasil, através de uma performance que mescla artes visuais e movimento.

Já O que mancha, de Beatriz Sano e Eduardo Fukushima, é um projeto de São Paulo (SP), que desafia as fronteiras entre o movimento e o som, questionando dualidades como humano/animal e masculino/feminino. 

Meu Corpo Está Aqui”, produzido pela Fábrica de Eventos do Rio de Janeiro (RJ), aborda as experiências de pessoas com deficiência, explorando questões de relacionamento, corpo e desejo.

Lança Cabocla, da Plataforma Lança Cabocla, é um espetáculo multimídia que une São Luís (MA), Fortaleza (CE), Salvador (BA) e São Paulo (SP), explorando danças populares e afrodiaspóricas em um contexto contemporâneo.

7 Samurais, de Laura Samy do Rio de Janeiro (RJ), inspira-se no clássico filme Os Sete Samurais para criar uma ponte entre os guerreiros japoneses e os artistas de hoje, investigando suas lutas e existências.

Eunucos, das Irmãs Brasil, com origens em São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), reflete sobre a castração, a transição de gênero e as performances de gênero em uma abordagem crua e simbólica.

Wilemara Barros é a artista em Foco da MITbr e apresenta o espetáculo Preta Rainha. Foto: Luciano Gomes

E por fim, a peça da “Artista em Foco” deste ano. Preta Rainha é um solo autobiográfico que percorre a vida de Wilemara Barros, bailarina e educadora vinculada à Cia. Dita, sediada em Fortaleza. Aos 60 anos, Barros apresenta uma obra que funciona tanto como uma introspecção pessoal quanto uma exposição pública de sua rica jornada artística. 

Preta Rainha é mais do que uma performance; é um mergulho profundo nas memórias pessoais e afetivas de Barros, traçando sua evolução desde os primeiros passos no balé clássico até a consagração como artista contemporânea. Este solo narra a história de sua vida e reflete sobre a herança cultural e ancestral que lhe foi transmitida por sua família. A peça se destaca por seu caráter introspectivo e pela maneira como Barros se apropria de seu legado, reafirmando sua identidade e contribuição para a dança brasileira.

Além de criar uma vitrine para os talentos brasileiros no cenário global, a MITbr – Plataforma Brasil, incorporou uma série de programas educacionais e de reflexão, como o Seminário de Internacionalização das Artes Cênicas Brasileiras e workshops destinados a capacitar artistas e produtores locais. Guilherme Marques destaca a importância da preparação além da produção artística. Ele ressalta que o mercado internacional, com sua estrutura altamente organizada, exige dos profissionais não apenas excelência artística, mas também um profundo entendimento das dinâmicas de negociação e comunicação. Isso é fundamental para que as obras alcancem os programadores e plataformas ideais. Marques aponta para a lacuna existente no Brasil em relação ao papel do agente-difusor, uma figura chave no mercado internacional de artes, mas ainda pouco presente no contexto nacional.

Ações críticas e pedagógicas

O segmento Olhares Críticos destaca a participação de Achille Mbembe, renomado filósofo, historiador e acadêmico camaronês. Mbembe, uma figura proeminente nos estudos pós-coloniais, é conhecido por suas análises afrocêntricas dos impactos do colonialismo tanto na África quanto globalmente, além de ter introduzido o conceito de necropolítica. Sua participação na MITsp inclui uma aula magna programada para ocorrer na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) no dia 4 de março, marcando um dos pontos altos do evento.

Para o ano de 2024, a curadoria do Olhares Críticos está sob a responsabilidade de Leda Maria Martins, ensaísta, dramaturga e professora, que visa fomentar o debate sobre as intersecções entre as artes cênicas e questões contemporâneas. Este eixo do evento será enriquecido por uma série de atividades que incluem conversas com pensadores e pesquisadores de diversas disciplinas, além da publicação de uma variedade de materiais críticos, como críticas, artigos e entrevistas. Entre os destaques da programação estão as sessões de Reflexões Estético-Políticas, Pensamento-em-Processo, Diálogos Transversais e Prática da Crítica, prometendo um ambiente rico em diálogo e reflexão crítica sobre o papel e a influência das artes cênicas na sociedade contemporânea.

No segmento de Ações Pedagógicas da MITsp, sob a curadoria de Dodi Leal, que é performer, docente e investigadora, o público é convidado a mergulhar no universo criativo dos artistas participantes por meio de uma programação diversificada que inclui diálogos, oficinas, apresentações musicais e atuações. Um dos pontos centrais é o Encontro de Pedagogias Teatrais, que visa a renovação das técnicas de criação no teatro através da exploração de metodologias educacionais influenciadas pelos conhecimentos transgêneros. Outra iniciativa significativa é o Laboratório de Pedagogias da Performance, que promove o encontro de artistas e acadêmicos, tanto nacionais quanto internacionais, para discutir e praticar a arte performática, destacando-se a participação da artista argentina Susy Shock.

Além desses eixos, a MITsp oferece a edição de Cartografias, um catálogo que funciona como um compêndio de ensaios, entrevistas e artigos elaborados por pesquisadores e artistas do Brasil. Esta publicação resulta de uma colaboração com o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), sendo editada pelo professor e pesquisador de artes cênicas, Ferdinando Martins. Cartografias busca não apenas documentar as diversas vozes e perspectivas presentes na MITsp, mas também contribuir para o debate acadêmico e prático dentro das artes cênicas contemporâneas.

9ª MOSTRA INTERNACIONAL DE TEATRO DE SÃO PAULO

Quando De 1º a 10 de março 

Onde: São Paulo: Biblioteca Mário de Andrade, Centro Cultural Olido, CCSP – Centro Cultural São Paulo, Cúpula do Theatro Municipal de São Paulo, Itaú Cultural, Teatro Cacilda Becker, Teatro Paulo Autran – Sesc Pinheiros, Teatro Antunes Filho – Sesc Vila Mariana, Teatro Anchieta – Sesc Consolação, Teatro do Sesi-SP e Tendal da Lapa.

A programação completa está disponível no site www.mitsp.org.

 

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Uma razão de viver
Crítica do espetáculo Estádio
+ abertura da MITsp

Torcida do Lens Racing Club, conhecida como a mais fanática entre os franceses. 

Provocação do público do futebol ao teatro e seus artistas

Mascote e torcida

Sempre me perguntei por que não, ou porque não mais, o teatro não mobiliza multidões, as paixões idólatras. As possibilidades de respostas são milhares e inconclusivas e não vou mergulhar em nenhuma delas. Cito apenas a frase do filósofo Gilles Deleuze, já convocada pelo dramaturgo, encenador, ator e escritor franco-marroquino Mohamed El Khatib, para pensar sobre o espetáculo Estádio (Stadium). “Basicamente, o que diferencia um público de teatro de um público de futebol?”, pergunta Deleuze para emendar jocoso, “Quero dizer, além de roupas?”

Mohamed El Khatib é amante do futebol e jogou como meio-campista por alguns anos. A opinião do pai, também grande fã das partidas futebolísticas, inspirou o filho a construir essa pesquisa. A torcida do Lens Racing Club é conhecida como a mais fanática claque francesa, apesar de o time só ter conseguido a façanha de conquistar um único título na história, em 1997/8. O dramaturgo passou mais de um ano em Lens, situada na região norte da França, entrevistando moradores da pacata cidade de 35 mil habitantes.

Khatib ousa entrar em territórios difíceis, como ocorreu com Finir en beauté, que esteve na MITsp de 2019. Uma narrativa íntima pautada pela tristeza da ausência com a morte e o luto de sua mãe. Ou C’est la vie (2017) que parte dos depoimentos de dois atores sobre a experiência dolorosa da perda dos filhos, em circunstâncias diversas.

Estádio (Stadium), que abriu a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo de 2022, leva a assinatura dos diretores Khatib e Fred Hocké. Eles colocam em cena torcedores do clube para friccionar os campos do futebol e do teatro e pôr na roda aquela pergunta do Deleuze, o que diferencia essas audiências para além dos códigos de vestimenta.

São muito interessantes as dobras dessa peça de teatro documental. O caráter intimista dos depoimentos dos apoiadores do LRC, levados à cena em vídeos ou testemunhos ao vivo com a projeção coletiva.  A dedicação ao time faz as conexões pessoais com o senso de comunidade da classe trabalhadora. As camadas mais políticas são puxadas com as declarações sobre rivalidades, desemprego, pertencimento, solidariedade, espírito de equipe e amor incondicional ao clube.

O autor e diretor, de costas, e o turma do Corinthians . Foto Silvia Machado

Em Estádio, Mohamed está no palco para apresentar seus convidados, as garotas pompom, os mascotes e a banda marcial. O autor-realizador faz muitas perguntas aos torcedores.  Mas, em algum momento, o líder da galera pergunta a Mohamed – e ao teatro, e aos artistas – se existe mais liberdade de expressão no teatro do que no futebol. Fica a pergunta.

Da perspectiva dos apoiadores do LRC – trabalhadores das minas e operários, alguns empregados na limpeza e na segurança no Louvre – há um viés de violência de classe no acossamento da polícia. Avisam numa das faixas: “Somos violentos, nem mais e nem menos que a polícia”.  

Os torcedores devotos de um clube de futebol de segunda divisão estão no palco.  O match com a plateia do teatro parece que chega parcial para Estádio na temporada paulistana. Li que na França, o projeto de El Khatib foi um sucesso. 

As apresentações no Brasil contaram com adeptos do Corinthians, um time grande (mas acho que não tinha muito corinthiano na plateia). A zombaria irônica da peça proposta em perguntas por El Khatib ficou dispersa entre os torcedores do Corinthians.

Parece-me que o país do futebol gosta de falar do seu futebol. As conexões testadas pela encenação não visualizaram gerar grande empolgação por aqui. Pelo menos foram as falas que mais escutei depois da apresentação. As provocações da torcedora lembrando da derrota do Brasil por 7 x 1 para a Alemanha ou a Copa do Mundo 2018 para os Les Bleus (Os Azuis) não foram encaradas como uma piada agradável.

Garotas do pompom. Foto Silvia Machado

Bandeira foi confeccionada pela avó do torcedor

As garotas de pompom reforçaram a distância de realidades. A fala supostamente feminista da jovem que se diz acima de peso, mas que conseguiu se firmar na torcida e encontrar uma libertação soou um pouco estranha na argumentação. As entrevistas em vídeo, sem filtros nem grandes intervenções de edição, com o tempo estendido para falar do cotidiano, chegavam como um “tudo isso poderia ser resumido”.

Um dos momentos mais impactantes, e belos, é quando um torcedor agita a grande bandeira do clube, que foi confeccionada por sua avó. O coração da torcida cola naquele gesto, enquanto o estandarte traça desenhos no ar.

Público vai ao palco para pegar cerveja, água e batata frita no intervalo

Como se fosse um jogo de futebol, depois dos 45 minutos do primeiro tempo há um intervalo de 25 minutos. Parece que espetáculo parou, mas podemos dizer que continua com a distribuição de copos de cerveja, batatas fritas e água no food-truck instalado no palco. Em alguns lugares, os produtos eram vendidos; na temporada brasileira, foram distribuídos gratuitamente. Muitos seguiram o chamado, mas não podemos comparar a animação com a dos torcedores em um estádio de futebol.

É uma outra experiência, subir ao tablado reservado para o elenco e atentar para o teatro em outra perspectiva. E observar da plateia os espectadores criarem coreografias corais não programadas.  

A performance documental vem carregada das pulsões dessas pessoas, que dedicam parte da vida à torcida. Há algo de tocante e cáustico nas escolhas, (na falta de) horizontes do capitalismo, desenvolvido nessa partitura coral repleta das energias do coletivo.

Não aparece o esporte espetacular, que o brasileiro tanto gosta. Mas o projeto utópico dos franceses, de gerar transformações segue o efeito de produzir pensamento. Afastar noções óbvias. Mohamed El Khatib atua no limite no teatro. Seu trabalho é desestabilizador.

 

Abertura da MITsp

Zahy Guajajara e Dodi Leal, mestras de cerimônia da abertura da MITsp. Foto Silvia Machado

Guilherme Marques,  Rafael Steinhauser e Antonio Araujo, diretores geral, institucional e artístico

Público no Teatro Paulo Autran, do Sesc Pinheiros

As corpas falam muito de si e do mundo. Algumas mais. Gritam coisas que não podem mais ser caladas. Na abertura da 8ª edição da MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo no Teatro Paulo Autran, do Sesc Pinheiros, na noite de quinta-feira (2/6), as mestras de Cerimônia Dodi Leal e Zahy Guajajara deram um recado que muitos de nós queremos dar.  “As placas tectônicas não param de se mexer… Nunca urgimos tanto pela vida pública como agora…”, pontuaram.

Dodi, curadora do Eixo Ações pedagógica da MITsp deste ano, professora e performer trans; e Zahy, atriz e ativista indígena, prosseguiram provocando, acedendo as moléculas e talvez revelando o estado de espírito de quem trabalha com cultura, depois de tanta redução de direitos. “Quais as vidas que importam para o Estado Brasileiro?”, perguntam para afirmarem em seguida: “Não há democracia étnico-racial no Brasil atual. Não há diversidade no Brasil atual. Não há igualdade de gênero no Brasil atual. Não há inclusão no Brasil atual”.

Para traduzir os impactos que esses tempos árduos trouxeram, ela soltaram que essa é uma mostra de teatro pó-colonial, “pois é a partir do pó da colonização, no resto da modernidade, que elaboramos a nossa cena”.

Foram chamados ao palco o Diretor Regional do Sesc SP, Danilo Santos de Miranda, que reforçou a importância da cultura em nosso país e saudou a volta presencial da MITsp. Depois Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural também salientou a relevância da mostra.

O secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, Sérgio Sá Leitão, aproveitou para falar que entre os editais da sua pasta foi lançado um de apoio para intercâmbio de grupos teatrais paulistas ao festival de Edimburgo.

Secretária municipal de cultura da cidade de São Paulo, Aline Torres

Durante o discurso da secretária municipal de Cultura da cidade de São Paulo, Aline Torres, alguém da plateia gritou “Fora, Bolsonaro”. Ela não perdeu a deixa e comentou “É isso que a gente quer gritar para o mundo”. E emendou que tem pouco tempo para isso acontecer.

O diretor geral de produção Guilherme Marques, da MITsp, falou em seu nome e do parceiro Antonio Araujo, diretor artístico, ambos idealizadores da Mostra. Com uma edição mais concisa, feita nas condições do possível, ele se declarou agradecido em retornar aos palcos presenciais, após uma edição totalmente on-line devido à pandemia. Passou um vídeo em que homenageia a equipe que trabalha na MITsp e que realizou tarefas hercúleas para levantar essa edição. Lembrou dos esforços da mostra na internacionalização das artes cênicas. Emocionado, citou o verso da canção do Belchior, que diz “ano passado eu morri, mas este ano eu não morro!”.

Nessa abertura havia um desassossego no ar. Um contentamento descontente. Seguimos pulsando e atuantes, mas não podemos esquecer dos nossos mortos. São mais de 600 mil brasileiros mortos pela pandemia. Um quadro econômico absolutamente inaceitável e um cenário social difícil para dizer o mínimo. Todos nós sabemos. Mas são a arte e cultura nossos instrumentos de luta e de mudança.

 

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Ganhar o mundo é uma proposta da Plataforma Brasil, da MITsp

Alessandra Negrini em A Árvore.  Foto: Divulgação

in.verter. Foto: Cacá Bernardes / Divulgaçao

Glitch com Flavia Pinheiro. Foto: Divulgação

Marta Soares em Vestigios. Foto João Caldas / Divulgação

Alargar horizontes e encontrar novos portos de chegada são desejos da maioria dos artistas e grupos brasileiros das artes cênicas. A Mostra Internacional de Teatro de São Paulo – MITsp vem apostando no fomento e promoção de grupos e artistas nacionais rumo à internacionalização há alguns anos. Mais uma ação nesse sentido é a programação especial de espetáculos e performances nacionais, a Plataforma Brasil – Mostra Digital de Artes Cênicas, que a MITsp apresenta entre 1° e 5 de dezembro, pelo site MIT+ (mitmais.org), braço digital da Mostra.

O evento, destinado a programadores nacionais e internacionais, mas estendido ao público gratuitamente, inclui 18 montagens de 14 artistas e grupos de vários estados brasileiros. A MITsp também anuncia a 8ª edição da MITsp, programada para a primeira quinzena de junho de 2022.

Os espetáculos que estão na mira da MITsp são aqueles que priorizam a pesquisa experimental e investigação da linguagem cênica, definem os idealizadores da MITsp, Antonio Araújo (Teatro da Vertigem) e Guilherme Marques (Ecum – Encontro Mundial das Artes Cênicas), diretor artístico e diretor geral de produção, respectivamente. Além da programação de espetáculos nacionais, a MITsp tem investido nas atividades pedagógicas voltadas para a capacitação de gestores e produtores culturais.

A Plataforma Brasil – Mostra Digital de Artes Cênicas em 2021 tem curadoria de Kil Abreu e Sônia Sobral e foi pautada pela escolha de produções de todo Brasil em diálogo com questões urgentes no mundo.

A seleção em teatro, dança e performance oferece espetáculos inéditos na plataforma e outros do acervo da MITbr, que já se apresentaram presencialmente em edições anteriores da Mostra. O conteúdo ficará disponível na MIT+ durante o período da Mostra com opção de legendas em inglês, Libras e audiodescrição.

Programação

Loess uma das quatro performances que Marise Maués apresenta. Foto: Divulgação

Serenatas Dançadas, de Soraya Portela, do Piauí. Foto: Divulgação

Desfazenda Me enterrem fora desse lugar, do Coletivo O Bonde Foto: Jose de Holanda / Divulgação

Loess é um conceito da geologia que aponta um tipo de solo arenoso, inconsistente, sedimentado. Loess é uma das quatro performances que Marise Maués apresenta como reflexão sobre a fragmentação do humano contemporâneo, com múltiplas identidades e em contínuo processo de mudança. As outras três são Nóstos, Kali, Paisagem Derruída, exibidas pela primeira vez na Mostra e que investigam questões do território paraense.

Serenatas Dançadas, de Soraya Portela, do Piauí, articula o encontro de quatro mulheres do Nordeste brasileiro com suas memórias, suas paisagens íntimas e seus desejos. O cotidiano fabulado e bem-humorado de Lara Luz, Vera Lu, Tetê Souza e Raimunda Flor do Campo é dançado celebrando o amanhã.

“Vapor” é uma gíria que significa sumir, nos becos das periferias de Teresina (PI) ou outras urbanidades. O morador da quebrada que morre, evapora. O cara que vende a ilícita aos consumidores. Pode dar conta do olheiro que vigia as entradas da favela e avisa à rede. Ou os mais vulneráveis, vítimas da ação policial, executados na juventude. A Original Bomber Crew apresenta Vapor, a partir da pesquisa e cultura do hip hop.

Glitch, palavra que quer dizer “deslizar”, “escorregar”, entrou na linguagem da informática para indicar um mau funcionamento. No uso corrente vale para qualquer tipo de pequeno problema inesperado que atrapalha o bom funcionamento de qualquer coisa. Flavia Pinheiro adota o nome Glitch no trabalho que investiga como corpos queer, desobedientes, podem hackear e desestabilizar sistemas hegemônicos de poder. Em cena, performers expõem suas individualidades, mas essa coletividade sofre colapso no palco.

Na coreografia Delirar o Racial, os artistas cariocas Wallace Ferreira e Davi Pontes conectam dança e filosofia para desafiar a lógica da violência moderna. É uma dança de autodefesa, repleta de movimentos acrescidos de artes marciais e da capoeira, para que o corpo negro exista sem a repetir a violência colonial sem se autodestruir , com os dois corpos em cena em constante diálogo e negociação.

Na peça-filme Desfazenda – Me enterrem fora desse lugar, do Coletivo o Bonde, de São Paulo, quatro pessoas pretas vivem na fazenda de um Padre Branco. Quando crianças, 12, 13, 23 e 40 foram salvas da guerra pelo homem. A guerra nunca atingiu a fazenda. O Padre nunca sai da capela. E em qualquer questionamento, um sino soa.

Eduardo Fukushima, de São Paulo, experimenta o desconfortável em si, com o solo Homem Torto, uma dança não simétrica que sugere um corpo frágil, mas com o vigor dos fortes. É uma dança que investe nos opostos como a dureza e a leveza, a fragilidade e a força, o equilíbrio e o desequilíbrio, movimentos fluidos e cortados, o dentro e o fora do corpo.

In-verter à Deriva, da paulista Les Commediens Tropicales, mistura ficção e documentário, em um experimento cênico audiovisual, que traz imagens do grupo em suas intervenções urbanas com dança, performance e teatro.

Em A Árvore, Alessandra Negrini interpreta A, escritora solitária que se metamorfoseia em uma árvore. É um relato poético que peregrina pelo isolamento, pela esperança, pelo íntimo contato com o estranho e pelo desconhecido de um novo ser em um novo mundo. A peça híbrida entre teatro e cinema, da dramaturga mineira Silvia Gomez, se inspira no fantástico e no absurdo para falar da relação de amor e ruína com o meio ambiente em que vivemos.

Boca de Ferro. Foto: Gelson Catatau

Dinamarca. Foto: Bruna Valença / Divulgação

Renata Carvalho. Foto: Nereu Jr / Divulgação

Algumas peças que foram apresentadas nas edições anteriores da MITbr estão na programação. Boca de Ferro, das cariocas Marcela Levi e Lucía Russo, traz a sonoridade de Belém em uma dança irreverente, provocadora. Dinamarca, do Grupo Magiluth, de Pernambuco, foi inspirado em Hamlet e propõe uma reflexão sobre o fenômeno das bolhas sociais.

Com Manifesto Transpofágico, a autora e atriz paulista Renata Carvalho questiona a construção de corpos, identidades e preconceitos contra travestis.

O Grupo Cena 11, de Santa Catarina, resgata, em Protocolo Elefante, o exílio da morte dos elefantes para falar de pertencimento e deslocamentos. Vestígios, da Marta Soares, é resultado de uma imersão em cemitérios indígenas pré-históricos na região de Laguna, em Santa Catarina, e mistura performance, videoinstalação e dança.

Ver(ter) à Deriva, espetáculo da paulista Les Commediens Tropicale, é formado por um conjunto de intervenções cênicas propostas para espaços externos e públicos, que dialogam com o silêncio das imagens de uma metrópole.

A Plataforma Brasil – Mostra Digital de Artes Cênicas tem apresentação da Prefeitura Municipal de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Apoio institucional do Goethe Institute, Sesc SP, Festival Panorama, Faroffa. Apoio Cultural do Núcleo dos Festivais, KVS – Proximamente, Art Republic. A realização é da MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo e do Olhares Instituto Cultural.

Parcerias com festivais: resultados práticos

A MITsp, por meio da MITbr – Plataforma Brasil já fechou acordos com eventos de artes cênicas. São parceiros os festivais de Edimburgo; o Proximamente da KVS, em Bruxelas, o Lift, em Londres e o Festival de Santarcangelo, na cidade italiana de mesmo nome.

Alguns resultados das ações. Altamira 2042, de Gabriela Carneiro da Cunha, está em turnê por festivais de países como França, Portugal, Suíça e Uruguai até o início de 2022. Lobo, de Carolina Bianchi, foi convidado a se apresentar no Skirball, em Nova York, em 2020. A atriz e diretora Janaína Leite, que se apresentou na edição de 2020, dará um workshop no Festival Proximamente, na Bélgica. O Grupo Mexa levou Cancioneiro Terminal para o Festival Traansform, em Leeds, na Inglaterra.

Outros espetáculos como violento., solo encenado por Preto Amparo, com concepção de Preto Amparo, Alexandre de Sena, Grazi Medrado e Pablo Bernardo; Caranguejo Overdrive, da Aquela Cia de Teatro; Isto é um Negro?, do grupo E Quem É Gosta?; Vaga Carne, de Grace Passô; De Carne e Concreto, da Anti Status Quo Companhia de Dança estiveram em festivais como o Festival Mladi Levi, na Eslovênia, o Proximamente e o FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, no Porto, Portugal.

Serviço

Plataforma Brasil – Mostra digital de artes cênicas
On Demand – De 1º, às 11 horas, ininterruptamente, até 23 horas do dia 5 de dezembro de 2021
Conteúdo legendado em inglês e acessível com audiodescrição e Libras.
MIt+:
Informações e acesso gratuito em www.mitmais.org
Para ter acesso ao conteúdo, basta fazer o cadastro, gratuitamente, no site da plataforma e acessar a página de programação para escolher o espetáculo.

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MITsp lança plataforma com programação inédita e de acervo

Réquiem, direção de Romeo Castellucci, abre programação. Foto: Pascal Victor/ArtComPress

 

Pensamento em Processo com elenco de Isto é um negro? está disponível na plataforma. Foto: Nereu Jr

O ano era 2014. Na plateia cheia do Auditório Ibirapuera, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, muita gente conhecida da cultura. Havia um burburinho, pairava um clima que era uma mistura de ansiedade e entusiasmo. Há muito tempo, talvez desde os festivais de Ruth Escobar, que o Brasil não tinha um festival internacional na dimensão que se projetava a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, sob a direção de Guilherme Marques e Antonio Araújo.

Naquele ano, além da abertura com Romeo Castellucci e o seu Sobre o conceito de rosto no filho de Deus, vimos espetáculos de nomes como Mariano Pensotti, Guillermo Calderón, Rodrigo Garcia, Angélica Lidell, Marcelo Evelin. Só para citar alguns. Quem não tinha ingresso garantido, como era o nosso caso, já que estávamos contratadas para fazer críticas, enfrentava filas gigantescas, três horas de espera para conseguir o tíquete para ver os espetáculos.

Acompanhamos ainda, talvez o grande diferencial da MITsp desde aquele ano inicial, uma programação crítica e reflexiva com uma potência que era… incrível. Sei o peso do adjetivo, mas escolho usar com consciência, não encontro outro nome olhando para trás. Debates a partir dos espetáculos com pessoas de outras áreas que não o teatro, conversas com todos os encenadores, publicação de críticas diárias, um catálogo, com textos de vários acadêmicos.

Lembro que, depois daqueles dias, do tanto de troca que aconteceu naquele curto período, voltamos ao Recife com a sensação de que tinha rolado uma pós-graduação inteira. A cabeça fervilhava. Dali surgiu, por exemplo, a DocumentaCena – Plataforma de Crítica.

Nunca mais deixamos de acompanhar a MITsp como críticas e, durante alguns anos, como equipe de produção, já que eu assumi a coordenação de conteúdo editorial da mostra durante três edições: 2017, 2018 e 2019. Claro que sempre fizemos a propaganda do quão importante seria ter mais pernambucanos acompanhando a programação da MITsp. E voltávamos com as malas pesadas, carregadas de catálogo para quem pedia.

A distância, os custos financeiros, a disponibilidade de tempo para se ausentar da cidade por um período mais longo, sempre foram impeditivos para que tivéssemos mais pernambucanos vivendo essa experiência conosco.

Com a pandemia, o fechamento dos teatros, o suporte da internet, as coisas mudaram. A partir desta sexta-feira (12), começa a programação da MIT+ (www.mitmais.com), um dos braços do festival, que é uma plataforma virtual de conteúdo de arquivo e de outros inéditos. O acesso é gratuito, sendo necessário apenas um cadastro. Para as exibições de espetáculos, no entanto, há horários pré-definidos, assim como um festival tradicional. O acervo de encenações não fica disponível por todo tempo.

“Democratizar o acesso a todo esse arquivo era uma ideia de 2016. A gente também queria conhecer o público da MIT, uma informação muito importante, para saber onde estávamos chegando, para ter um canal mais direto”, explica Natalia Machiaveli, idealizadora e diretora da plataforma. “Queremos disponibilizar todo o acervo da parte reflexiva e pedagógica, porque os espetáculos temos sempre uma questão de direitos autorais. Essa disponibilização vai ser ao longo do tempo, porque estamos reeditando, fazendo legendas, dando a cara da MIT+, o que leva um tempo e tem um custo”, complementa.

A abertura dessa programação inicial é com Réquiem, versão de Romeo Castellucci para a missa fúnebre de Mozart, com orquestração do maestro Raphael Pichon. Depois do espetáculo, será exibida uma entrevista feita por Julia Guimaraes com o encenador italiano sobre sua trajetória.

A artista em foco da edição é a sul-africana Ntando Cele que, em 2018, apresentou Black Off. Imagina a imagem de uma negra, pintada de branco, peruca loura, como apresentadora de um talk show, querendo fazer piada com a plateia sobre racismo. Foi um dos principais destaques daquela edição, que será reexibido agora, ao lado do inédito Go Go Othello, onde a artista faz um paralelo com Otelo e intercala cenas de stand-up, videoarte, dança e música, perpassando a história de artistas negros, questionando os estereótipos racistas no mundo da arte. Ntando Cele vai conduzir ainda um workshop, uma residência e vai participar de uma conversa com a filósofa Denise Ferreira da Silva e a bailarina Jaqueline Elesbão.

Go Go Othello. Foto: Manaka Empowerment

A sul-africana Ntando Cele apresenta o inédito Go Go Othello. Foto: Manaka Empowerment

Janaina Leite, artista em foco na MITbr (braço com a programação nacional na mostra) no ano passado, abre o processo de Camming – 101 Noite. Janaina faz um paralelo entre o livro As Mil e umas Noites e as camgirls profissionais, que precisam garantir a atenção dos clientes. Depois das exibições, no dia 14 de março, vai acontecer também uma conversa sobre o processo de criação.

Da programação do acervo disponibilizada na plataforma e aberta a qualquer momento, há mesas e debates que fizeram parte dos eixos Olhares Críticos e Ações Pedagógicas, como uma conversa com o elenco de Isto é um negro? e todas as edições da Revista Cartografias, catálogo da mostra, além de conteúdos inéditos.

PROGRAMAÇÃO:

ESPETÁCULOS

Réquiem
Em sua versão de Réquiem, o encenador italiano Romeo Castellucci faz da missa fúnebre de Mozart um espetáculo de celebração à vida. O espetáculo é conduzido pela orquestração do maestro Raphaël Pichon, que faz uma costura entre a composição original e outras peças sacras, menos conhecidas, do compositor austríaco.
Quando: 12, 13, 14 e 15 de março, às 19h
Duração: 1h40min

Ntando Cele apresentou Black Off na MITsp 2018. Foto: Guto Muniz

Black Off
A sul-africana Ntando Cele aborda e enfrenta estereótipos racistas. Na primeira parte do espetáculo, numa espécie de comédia stand-up, a performer assume o seu alter ego, Bianca White, uma comediante, viajante do mundo e filantropa. Depois, numa mistura de performance musical e vídeo, Ntando passa a destrinchar estereótipos de mulheres negras e tenta descobrir como o público a vê.
Quando: 13, 14, 15, 16 e 17 de março, às 21h
Duração: 1h40min

Go Go Othello
Para discutir o espaço do negro no meio artístico, Ntando Cele faz um paralelo com Otelo, o mouro de Veneza, um dos raros protagonistas negros da história do teatro. Ela intercala cenas de comédia stand-up, performance, videoarte, dança e música num ambiente que remete a uma casa noturna. A sul-africana perpassa a história de artistas negros e se transforma em personagens diversos para questionar estereótipos racistas no mundo da arte.
Quando: 16, 17, 18, 18, 20 e 21 de março, às 20h
Duração: 1h20min

Descolonizando o conhecimento
Na palestra-performance, Grada Kilomba faz um apanhado de seu próprio trabalho e utiliza vários formatos, de textos teóricos e narrativos a vídeo e performance, para questionar as configurações de poder e de conhecimento.
Quando: 17 e 18 de março, às 18h
Duração: 1h10min

Entrelinhas
Num diálogo entre o passado e o presente, a coreógrafa e intérprete Jaqueline Elesbão discute a violência contra a mulher e evidencia como a voz feminina, em especial a da mulher negra, é historicamente silenciada dentro de uma sociedade machista e de mentalidade escravocrata.
Quando: 19, 20, 21, 22, 23 e 24 de março, às 20h
Duração: 30min

O encontro. Foto: Stavros Petropoulos

O encontro, de Simon McBurney. Foto: Stavros Petropoulos

O Encontro
Por meio de tecnologias de som, o inglês Simon McBurney leva o espectador a uma imersão pela Amazônia brasileira. Inspirado no livro Amazon Beaming, de Petru Popescu, ele conta a história de um fotógrafo que, no fim dos anos 1960, se viu perdido em meio à terra indígena do Vale do Javari.
Quando: 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de março, às 20h
Duração: 2h17min

sal., espetáculo de Selina Thompson, visto na MITsp 2018, está na programação. Foto: Guto Muniz

sal.
Em 2016, Selina Thompson embarcou em um navio cargueiro para refazer uma das rotas do comércio transatlântico de escravos: do Reino Unido à Gana e, de lá, à Jamaica. As memórias, questionamentos e sofrimentos desse percurso levaram a performer ao universo de um passado imaginário.
Quando: 26 de março, às 19h
Duração: 1h

Em Legítima Defesa
A performance, encenada em meio à plateia, logo após alguns espetáculos da MITsp 2016, traz discursos históricos entrelaçados a depoimentos pessoais, músicas e poesias. Em suas falas, os artistas do Coletivo Legítima Defesa remetem à diáspora negra e a seus desdobramentos históricos, numa ação que busca resistir à narrativa hegemônica e dar voz à própria história.
Quando: 28, 29 e 30, às 19h
Duração: 20min

ABERTURAS DE PROCESSO

Camming – 101 Noites
Janaina Leite faz um paralelo entre o livro As Mil e uma Noites – no qual Sherazade precisa entreter o rei – e as camgirls profissionais, que têm que garantir a atenção dos clientes, num trabalho que vai além do sexual, passando também pela narrativa imaginária, dramatúrgica e até terapêutica.
Quando: 12 e 13 de março, às 23h
Duração: 1h
Bate-papo: 14 de março, às 16h

Ué, Eu Ecoa Ocê’ U É Eu?
Celso Sim, Cibele Forjaz e Manoela Rabinovitch abrem o processo da performance audiovisual, que dialoga com a pandemia e o caos político. Os artistas apresentam dois ritos: um de antropologia funerária, em homenagem aos indígenas mortos em decorrência da Covid-19, e outro de canibalismo guerreiro, uma reação de caça ao inimigo. A performance tem duas versões, uma censurada (ela precisou receber cortes para ser apresentada em Brasília, em dezembro de 2020) e outra sem censura. Ambas serão transmitidas na sequência.
Quando: 22, 23 e 24, às 22h
Duração: 45min (as duas versões)

Um Jardim para Educar as Bestas
O ator Eduardo Okamoto, a diretora Isa Kopelman e o músico Marcelo Onofri realizam abertura de processo de duo para piano e atuação. A encenação alterna dança, música e a história de Seu Inhês, um sertanejo de olhos apertados que, como forma de evitar uma predição de morte da esposa, decide construir um jardim de pedras em meio ao sertão.
Quando: 26, 27 e 28 de março, às 18h30
Duração: 20min

WORKSHOPS

Petformances
A performer Tania Alice e a veterinária Manuela Mellão propõem aos participantes realizar práticas artísticas diversas (performances, escrita, fotografia, pintura etc.), sempre permeadas pelo afeto, ao lado de seus pets.
Quando: 18 de março, das 15h às 17g, e 19 de março, das 15h às 18h
Número de vagas: 20 (os participantes serão escolhidos por ordem de inscrição)

Curando a Branquitude
A sul-africana Ntando Cele propõe um trabalho em conjunto na tentativa de sanar traumas de uma sociedade marcada pela hegemonia da branquitude. A artista busca sabedorias ancestrais e pré-colonialistas na tentativa de reimaginar um futuro e criar um espaço não violento, em que se possa enfrentar a crise global de maneira coletiva.
O workshop será ministrado em inglês, com tradução para o português.
Quando: 20 de março, das 10h às 13h

RESIDÊNCIA

Inter Pretas
A residência virtual é voltada a mulheres artistas e ativistas, em especial pessoas não brancas, que queiram trabalhar com materiais biográficos. Nos encontros, a sul-africana Ntando Cele foca o autocuidado na prática artística e algumas estratégias de empoderamento, além de propor um espaço não violento para “sonhos coletivos”. Ela se alterna entre atividades em grupo e conversas individuais com as participantes.
Quando: de 25 a 28 de março, das 10h às 13h. Os horários dos atendimentos individuais serão combinados com as participantes
Número de vagas: 12

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Teatro de reflexão e resistência. Vem aí a MITsp!

Espetáculo belga abre a 4ª MITsp. Foto: Phile Deprez

Espetáculo belga abre a 4ª MITsp. Foto: Phile Deprez

Que estamos vivendo uma crise econômica, política, social, não há nisso novidade. Um golpe arquitetado por homens brancos, ricos, corruptos e vestindo ternos tirou do poder a presidenta Dilma Rouseff. Depois disso, diariamente, nos deparamos com notícias e declarações que nos fazem quase perder a fé de que ainda há alguma possibilidade neste país. Mas qual o papel dos artistas diante disso? E de um festival de teatro? A quarta edição da MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, que começa na próxima terça-feira (14) e dura uma semana (21), decidiu ao menos (um grande intento) tentar refletir sobre o momento que estamos atravessando. O texto curatorial, praticamente um manifesto, assinado por Antônio Araújo, diretor artístico da MITsp, e Guilherme Marques, diretor geral de produção, fala sobre resistência. “Não apenas resistência de sobrevida para um festival ainda novo, mas de fortalecimento da imaginação, de recusa ao cinismo, de superação da apatia e, principalmente, de continuar acreditando na nossa capacidade de ação e de transformação. Recusamos, em igual medida, tanto o estado de coisas a que chegou este país, quanto o estado de ‘coisa’ que insistem em nos imputar”.

Desde a primeira edição da MITsp, não só a curadoria dos espetáculos faz com que a mostra tenha se tornado a mais significativa do país para o teatro de pesquisa, mas a ideia fundamental de que teatro e reflexão andam juntos. Se os espetáculos conseguem, em sua grande maioria, nos tirar do eixo pela experimentação artística, pelas temáticas, pelas abordagens, pelo hibridismo de linguagem, a discussão criada em torno desses espetáculos e do próprio teatro sempre foi um dos pilares da mostra. Este ano, a curadoria do eixo denominado Olhares Críticos, responsável por pensar todas essas conexões em torno da reflexão que a mostra pode gerar, foi assinada pelos jornalistas e críticos Kil Abreu e Luciana Romagnolli. As ações pedagógicas continuam sob a responsabilidade da jornalista Maria Fernanda Vomero. Há ainda o seminário internacional Discursos sobre o Não Dito: racismo e a descolonização do pensamento, cuja curadoria é de Eugênio Lima e Majoí Gongora.

A mostra começa oficialmente (algumas atividades pedagógicas já iniciaram) no Theatro Municipal de São Paulo, dia 14, com o espetáculo belga Avante, Marche!, direção de Alain Platel, Frank Van Laecke e Steven Prengels. Uma banda de música, que pode servir como retrato da nossa sociedade, e a situação de saúde de um músico nos colocam diante da resistência e da finitude. O espetáculo vai contar com músicos brasileiros, sob a regência do maestro Carlos Eduardo Moreno. Para quem for na segunda sessão, no dia 15, um presente: Tom Zé vai comentar o espetáculo ao final da apresentação, na ação intitulada Diálogos Transversais.

Artista libanês Rabih Mroué apresenta três trabalhos. Foto: Houssam Mchiemech

Artista libanês Rabih Mroué apresenta três trabalhos. Foto: Houssam Mchiemech

Ainda no dia 14, começam as sessões da Mostra Rabih Mroué. O artista visual, dramaturgo, diretor e performer libanês apresenta três espetáculos: Tão Pouco Tempo, Revolução em Pixels e Cavalgando Nuvens. Na coletiva de imprensa da mostra, Antônio Araújo revelou que tenta trazer o artista à MITsp há alguns anos. O trabalho de Rabih Mroué condiz com um dos principais eixos da mostra este ano: o teatro documentário, produções que utilizam fatos reais, documentos, história. No caso do libanês, o contexto de guerra do seu país é levado ao palco, como em Revolução em Pixels, quando ele discute como os sírios estavam documentando a guerra e a própria morte; ou em Cavalgando Nuvens, que tem como performer seu irmão, vítima de um tiro durante a guerra civil libanesa. A ação Pensamento-em-processo, uma conversa com Rabih Mroué, sua esposa (que também é performer em Tão Pouco Tempo) Lina Majdalanie, e seu irmão Yasser, será mediada no dia 16, às 10h, no Itaú Cultural, por Pollyanna Diniz, uma das editoras do Satisfeita, Yolanda?.

Por que o Sr. R, Enlouqueceu? Foto: Ju Ostkreuz

Por que o Sr. R, Enlouqueceu? Foto: Ju Ostkreuz

Outros três espetáculos internacionais compõem a MITsp: o alemão Por que o Sr. R. Enlouqueceu?, com direção de Susanne Kennedy para a Münchner Kammerspiele, uma montagem que faz a adaptação do filme homônimo de Rainer Werner Fassbinder; Mateluna, continuação de Escola, vista na primeira MITsp, do chileno Guillermo Calderón; e Black Off, de Ntando Cele, diretora e performer da África do Sul. Esse último trabalho compõe outro eixo significativo na MITsp: a discussão sobre racismo, empoderamento negro, branquitude e opressão. Tanto que dois dos três espetáculos brasileiros que integram a mostra, A Missão em Fragmentos: 12 cenas de descolonização em legítima defesa, com direção de Eugênio Lima, e Branco: o cheiro do lírio e do formol, de Alexandre Dal Farra e Janaina Leite, enveredam por esse caminho, mas por diferentes vias. O terceiro espetáculo brasileiro da mostra é Para que o céu não caia, da Lia Rodrigues Companhia de Danças. Os ingressos já estão esgotados, mas quem teve a sorte de comprar para a sessão do dia 18 de Para que o céu não caia, no Sesc Belenzinho, vai ter a chance de ouvir o xamã yanomami Davi Kopenawa, cujo livro inspirou o espetáculo, ao fim da apresentação, nos Diálogos Transversais.

Branco: o cheiro do lírio e do formol. Foto: André Cherri

Branco: o cheiro do lírio e do formol. Foto: André Cherri

Dentro dos Olhares Críticos, alguns destaques: o seminário Dimensões públicas da crise e formas de resistência, que contará com quatro mesas e convidados como Heloisa Buarque de Hollanda, Marcio Abreu, Vladimir Safatle, Suely Rolnik e Marcelo Freixo; uma discussão sobre teatro na Palestina, com o diretor Ihab Zahdeh, a atriz Andrea Giadach e Maria Fernanda Vomero; uma entrevista pública com Guillermo Calderón; o lançamento da nona edição da Trema! Revista de Teatro, do Recife; e a mesa Crítica e engajamento, uma proposta da DocumentaCena – Plataforma de Crítica (que reúne Satisfeita, Yolanda?, Questão de Crítica e Horizonte da Cena), que será mediada por Ivana Moura, editora do Satisfeita, Yolanda?.

O Satisfeita, Yolanda?, aliás, acompanha a MITsp desde a sua primeira edição. Este ano, participamos novamente da mostra escrevendo críticas que serão distribuídas nos teatros e publicadas aqui no blog e no site da MITsp.

Confira a programação completa da MITsp no site da mostra.

Mateluna. Foto: Felipe Fredes

Mateluna. Foto: Felipe Fredes

Para Que o Céu Não Caia. Foto: Sammi Landweer

Para Que o Céu Não Caia. Foto: Sammi Landweer

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