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A cidade é um corpo marginal , repleto de poesia
Crítica de Miró: Estudo nº 2

Estudo N°2 – Miró. Erivaldo Oliveira e Bruno Parmera. Foto: Ivana Moura

O Grupo Magiluth, um dos mais atuantes do Brasil, está celebrando 20 anos de trajetória e, por isso, tem apresentado nos últimos meses algumas das peças de seu repertório no Recife. A trupe tem se notabilizado pelas experimentações e busca de uma linguagem que pulse as inquietações destes tempos. Em seus dois últimos trabalhos, Estudo N°1 – Morte e Vida e Estudo N°2 – Miró, enfatiza a importância de “concretizar” na cena o estudo da prática teatral, expandindo sua linguagem singular que combina jogo cênico e crítica social, ironia e humor, pesquisa e performance. Na peça-palestra Miró – Estudo N°2, a trupe investiga a tênue e complexa fronteira entre inteprerte e personagem.

Uma cena exemplifica a transformação de um coadjuvante em protagonista: durante uma abordagem policial violenta, três jovens da periferia são interpelados, e um deles é agredido com um tapa no rosto por um dos policiais. Esse ato de violência faz com que o jovem se torne o protagonista da cena. E o que dizer disso tudo? O Magiluth dá um curto-circuito para de uma apatia social e apontar para o público, que assiste passivamente, sem esboçar reação.

Miró: Estudo N°2 é o 12º trabalho desse grupo e estreou em abril de 2023, no Itaú Cultural, em São Paulo. Mais do que uma biografia cênica, o espetáculo é uma experiência sensorial e poética que nos convida a perceber a cidade como um corpo vivo, feito de carne e concreto, sonhos e escombros. 

Miró da Muribeca, nome artístico de João Flávio Cordeiro da Silva (1960-2022), foi um poeta marginal do Recife, que fez das ruas da cidade seu palco, vendendo seus livros nas pontes e praças, declamando versos que falavam da realidade dura da periferia. Sua poesia, inicialmente lírica, ganhou contornos políticos ao denunciar a violência, o preconceito e a desigualdade que marcam a vida dos pobres e negros nas grandes cidades brasileiras.

No palco, os atores Giordano Castro, Erivaldo Oliveira e Bruno Parmera investigam o processo de criação de um personagem teatral, se revezam nos papéis de protagonista, antagonista, coadjuvante e figurante, numa estrutura que questiona as possíveis hierarquias do teatro e a relação entre arte, cidade e resistência, desestabilizando esses papéis com o protagonismo de um poeta que deu voz aos invisibilizados.

A encenação explora a linguagem híbrida que tem sido uma das marcas do Magiluth, conectando teatro, performance, música, vídeo e poesia. Essa pesquisa de linguagem do grupo é muito importante, e quem acompanha a trajetória dessa trupe percebe as tentativas de ampliar e aprofundar a linguagem própria do grupo. As cenas se sucedem num fluxo fragmentado, como lampejos de memória, evocando a trajetória de Miró e a história do Recife, com a cidade como personagem, revelando suas contradições e encruzilhadas.

Erivaldo Oliveira assume o papel de Miró, buscando uma comunhão com a essência inquieta e a criatividade febril do poeta, sem apagar o Erivaldo. Em cena, Miró ganha potência para denunciar a especulação imobiliária que destruiu o conjunto habitacional da Muribeca, onde viveu, para celebrar a palavra e para rir e chorar diante das grandezas e mazelas da vida na periferia.

O espetáculo nos provoca a repensar as relações entre centro e periferia, entre a cidade oficial dos cartões-postais e a cidade real dos becos e favelas. Miró é a encarnação poética dessa cidade à margem, ou dessa porção da urbe, feita de carne e sonho, que resiste e se reinventa a cada dia. Sua poesia é indissociável de que ele foi – poeta, negro, periférico, das ruas onde viveu e amou, das pontes onde declamou seus versos.

Giordano Castro. Foto: João Maria Silva Jr/ Divulgação

Com Miró, o Magiluth celebra a força da poesia como arma de combate num mundo cada vez mais prosaico e desencantado. 

A encenação fragmentada articula realidade e ficção, biografia e poesia. As rupturas e repetições na linguagem cênica podem ser lidas como metáforas dos ciclos de violência e resistência que marcam a experiência de quem vive à margem. Grita a dimensão política do espaço urbano e a necessidade de reinventá-lo a partir do periférico. 

Nesse sentido, a destruição do conjunto habitacional da Muribeca, onde Miró viveu, surge como símbolo dos processos de exclusão e apagamento que caracterizam o desenvolvimento urbano no Brasil. A especulação imobiliária aparece como força antagonista, que expulsa os pobres para os abismos da cidade e da cidadania, conectando-se com lutas históricas pelo direito à moradia e à cidade.

Conhecido por incorporar referências e citações de seus trabalhos anteriores em suas novas montagens, esse procedimento do Magiluth sugere uma compreensão do fazer teatral como um processo contínuo e interconectado, onde cada obra não é apenas uma resposta às questões e inquietações do mundo atual, mas também estabelece um diálogo com a própria trajetória artística do grupo. Ao revisitar e ressignificar elementos de suas obras passadas, o Magiluth cria uma narrativa metateatral,.

Na apresentação no Teatro do Parque, ontem, 20 de maio, durante o Festival Palco Giratório, no Recife, algumas falas dos atores foram perdidas, – seja por terem sido pronunciadas em volume baixo, sem projeção, ou por terem sido sobrepostas por músicas ou sons, ou por existir um problema de acústica no teatro -, o que dificultou o entendimento de algumas passagens. Como a poesia de Miró é um elemento central do espetáculo e deve ser ouvida pelo público, é importante que o grupo fique atento a essas questões pontuais para garantir a melhor experiência possível para a plateia.

Ficha Técnica:
Miró: Estudo nº2, do grupo Magiluth
Direção: Grupo Magiluth
Dramaturgia: Grupo Magiluth
Atores: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Giordano Castro
Stand in: Mário Sergio Cabral e Lucas Torres
Fotografia: Ashlley Melo
Design gráfico: Bruno Parmera
Colaboração: Grace Passô, Kenia Dias, Anna Carolina Nogueira e Luiz Fernando Marques
Realização: Grupo Magiluth

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O Magiluth desnuda as engrenagens do colapso
Crítica do espetáculo Estudo Nº1: Morte e Vida

Temporada comemorativa dos 20 anos do grupo. Foto: Vitor-Pessoa

                                           Por Ivana Moura

“Não faltaram alertas. As sirenes apitaram o tempo todo. A consciência dos desastres ecológicos é antiga, viva, fundamentada, documentada, provada, mesmo desde o início da chamada ‘era industrial’ ou ‘civilização da máquina’. Não podemos dizer que não sabíamos.  Contudo, existem muitas maneiras de saber e de ignorar ao mesmo tempo”, pondera o filósofo francês Bruno Latour no seu livro Diante de Gaia: Oito Conferências sobre a Natureza no Antropoceno (Ubu Editora, 2020), um dos mais contundentes manifestos sobre as alterações climáticas que assombram nosso presente. Para Latour, vivemos um momento de profunda ruptura, em que as certezas da modernidade desmoronam diante de Gaia, essa força indomável que reage às agressões humanas e nos obriga a repensar radicalmente nossa relação com a Terra.

É nesse cenário de urgência e perplexidade que se insere Estudo Nº1: Morte e Vida, um mergulho visceral nas entranhas do nosso tempo, conduzido por um grupo de artistas-pesquisadores que se lançam no desafio de atualizar a obra de João Cabral de Melo Neto à luz das urgências do presente. Nessa travessia, o Grupo Magiluth – formado pelos atores Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Mário Sergio Cabral, Lucas Torres e Pedro Wagner (que não está no elenco desta montagem) – mobiliza um arsenal de recursos cênicos e dramatúrgicos para expor as engrenagens do capitalismo global e seus impactos sobre a vida humana e o planeta. A peça está em cartaz no Teatro Arraial Ariano Suassuna como parte das comemorações dos 20 anos de trajetória da trupe recifense.

Com direção de Luiz Fernando Marques e direção musical de Rodrigo Mercadante, o Magiluth implode as fronteiras entre o teatro, a performance e a instalação para dissecar as vísceras expostas de um sistema que produz morte e desigualdade em escala mundial. No palco-mundo, os “severinos” do nosso tempo ganham carne, osso e grito: refugiados climáticos, trabalhadores precarizados, populações deslocadas pela seca, pelas guerras e pela fome.

Ao longo do espetáculo, somos chacoalhados por imagens que nos arrancam da zona de conforto e nos obrigam a encarar a realidade crua da crise que nos devora. Das enchentes que arrasaram o sul do Brasil à elevação do nível dos oceanos que ameaça engolir nações insulares como Kiribati, o Magiluth cartografa a geografia desigual dos desastres ambientais, expondo como eles atingem de forma desproporcional os mais pobres e marginalizados. Uma radiografia implacável da insustentabilidade do modelo de desenvolvimento predatório que rege nossa civilização.

Ressoa no palco as consequências da crise climática no Rio Grande do Sul, que são devastadoras: mais de 1 milhão de pessoas impactadas, mais de cem mortos e desaparecidos. Um cenário de guerra alertado pela ciência há décadas e que hoje é parte da nova (e grave) realidade do clima. Uma realidade que se impõe de forma brutal, escancarando a negligência e a ganância dos políticos abutres que historicamente trataram a questão ambiental com desprezo no Brasil.

É importante lembrar que Estudo Nº1: Morte e Vida estreou em janeiro de 2022, em um momento de grande tensão política no país, às vésperas de uma eleição presidencial decisiva. Naquele contexto, o espetáculo já trazia em suas camadas de sentido uma reflexão sobre o papel crucial do Nordeste e de seu povo na resistência democrática, como ficou evidente com a vitória de Lula sobre Bolsonaro, graças em grande parte aos votos nordestinos.

Agora, em maio de 2024, na temporada comemorativa dos 20 anos do Magiluth, as questões ambientais abordadas na peça ganham ainda mais relevância e urgência, diante da tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul.

Mas Estudo Nº1: Morte e Vida não se limita a um diagnóstico sombrio do presente. Ele é, sobretudo, um grito de alerta e convocação, que nos desafia a reimaginar radicalmente nossa relação com a natureza, com os outros seres e com o próprio sistema econômico que nos governa. Ao atualizar a obra de João Cabral à luz das urgências do nosso tempo, o Magiluth reafirma o papel da arte como trincheira de luta por um mundo mais justo e sustentável, capaz de fabular outros futuros possíveis a partir dos escombros do Antropoceno.

Essa postura implica em reconhecer que não há saídas fáceis ou individuais para a crise sistêmica que vivemos, e que precisamos construir coletivamente novas formas de existência e coexistência na Terra. Formas que passam necessariamente por uma reinvenção radical de nossa relação com os outros seres, com os ecossistemas e com os próprios limites do planeta. Uma reinvenção que exige criatividade, coragem e compromisso ético-político, para além das fórmulas prontas e das soluções de mercado.

É nesse sentido é preciso prestar atenção e dar visibilidade às histórias, práticas e modos de vida que brotam nas brechas e nas ruínas do capitalismo. Modos de vida que muitas vezes são invisibilizados ou desqualificados pelos discursos hegemônicos, mas que carregam consigo sementes de resistência e reinvenção.

Cena do canavial, trabalhador da cana dança Michael Jackson. 

Sugiro que o espetáculo do Magiluth se alinha a uma postura ético-estética de habitar as contradições do presente e de buscar saídas coletivas para a crise que nos assola. Uma postura que se traduz na própria forma fragmentária e multivocal da encenação, que recusa as narrativas lineares e totalizantes em prol de uma dramaturgia mais aberta e porosa, em condições de acolher diferentes vozes, saberes e modos de existência.

Ao mesmo tempo, ao trazer para o palco os corpos e as histórias dos “severinos” do nosso tempo – os refugiados climáticos, os trabalhadores precarizados, as populações deslocadas pela seca e pela fome -, o Magiluth parece abraçar a densidade poética desses modos de vida que resistem e reexistem nas margens do capitalismo. Modos de vida que carregam consigo não apenas o testemunho da catástrofe em curso, mas também a potência de outros mundos possíveis.

Bruno Latour no prefácio de Diante de Gaia, escrito para a edição brasileira lançada em 2020, fala que, naquele momento, o Brasil enfrentava uma verdadeira “tempestade perfeita”, com a sobreposição de múltiplas crises – sanitária, política, ecológica, moral e religiosa. Um cenário agravado pela postura negacionista e irresponsável do governo Bolsonaro, que não apenas negligenciou a gravidade da pandemia, mas também aprofundou o desmonte das políticas ambientais e o ataque aos direitos dos povos indígenas e das populações mais vulneráveis.

Na estreia de Estudo Nº1: Morte e Vida em janeiro de 2022, vivíamos em meio às incertezas de um ano eleitoral decisivo para os rumos do país. Naquele momento, a cena em que os atores entoam “olé, olé, olá, Severino, Severino” ganhava uma conotação política explícita, com o público progressista respondendo com o grito de “Lula lá”. Uma manifestação espontânea da esperança de que a eleição de Lula representasse uma inflexão no enfrentamento das crises que assolavam (e ainda assolam) o Brasil.

Passados dois anos, e com Lula novamente à frente do governo, o espetáculo ganha novas camadas de sentido em sua temporada comemorativa dos 20 anos do Magiluth. Se, por um lado, a cena do “olé, olé, olá”” perde protagonismo, por outro ela se reveste de uma dimensão histórica, como um lampejo da memória de um tempo que não podemos esquecer. Um tempo em que a própria possibilidade de vislumbrar outros futuros parecia ameaçada pela sombra do autoritarismo.

Paralelamente, as questões das migrações e da crise climática, que já estavam presentes no espetáculo desde sua estreia, ganham ainda mais relevância e urgência no contexto atual.

Mudar nossa ideia sobre a Terra, sobre a vida, sobre nós mesmos. Eis o desafio que o Magiluth nos lança, com a coragem de quem sabe que a arte não pode mais se dar ao luxo da inocência.  E é nessa travessia incerta, feita de perguntas sem resposta e de gestos de reinvenção, que o teatro se faz trincheira e semente, luto e luta, morte e vida severina. Um teatro que nos ajuda a fabular outros mundos, antes que seja tarde demais.

Serviço
Espetáculo Estudo nº1: Morte e Vida
Teatro Arraial Ariano Suassuna (Rua da Aurora, 457, Boa Vista – Recife-PE)
Dias: 9, 10, 11, 12, 16, 17, 18 e 19 de maio de 2024
Horários: Quintas, sextas e sábados, às 20h; Domingos, às 17h
R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia), à venda no Sympla
Classificação indicativa: 16 anos

Leia Mais. A crítica da temporada de estreia em 2022:  Ensaio nº 1: Morte e Vida. 2022.

 

Este texto integra o projeto arquipélago de fomento à crítica, com apoio da Corpo Rastreado.

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Corpo e poesia: Magiluth e Miró no teatro

Miró: Estudo Nº2 estreia em curta temporada no Itaú Cultural. Foto: Ashlley Melo

“A minha poesia, ela não é só a minha poesia, ela é o meu corpo.”
Miró da Muribeca em entrevista para a Trip TV

Giordano Castro, ator e dramaturgo do grupo Magiluth, do Recife, disse que já viu acontecer: “As pessoas pegarem o livro e alguém dizer, ah, mas tu tem que ver, bota o vídeo dele na internet. Caralho! Não, porra. Lê, caceta. Ele é foda e tal, mas a gente é finito. Ele morreu, a gente vai morrer, todo mundo vai. E o que vai ficar é o que o cara produziu. E obviamente era incrível ver a performance dele, mas isso era ele. E o que cabe ao Magiluth? O que vai caber a outra pessoa fazer?”, questiona.

Nesta quinta-feira, 20 de abril, o encontro entre o grupo de teatro pernambucano e Miró da Muribeca, poeta que andava pelas ruas do Recife vendendo os próprios livros e fazendo poesia do que via, vai estrear no Itaú Cultural. Miró: Estudo nº2 segue a trilha aberta por Estudo nº1: Morte e Vida, inspirada em Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, que também estreou em São Paulo, em janeiro de 2022, no Sesc Ipiranga.

Mas, antes desses dois, tiveram também os trabalhos da sobrevivência, quando só dava para criar de dentro de casa e o corpo era materializado na imaginação de quem ouvia a voz dos atores em Tudo que coube numa VHS, Todas as histórias possíveis e Virá. E, se a gente puxar, o novelo vai longe, porque as coisas estão entrelaçadas e vão se desdobrando na trajetória de um grupo que permanece junto desde os tempos dos corredores do Centro de Arte e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, em 2004, quando o grupo foi formado.

Se a principal pergunta de Estudo nº1 é “como montar uma peça de teatro?”, a pergunta evocada em Estudo nº2 é “como fazer um personagem?”, a partir da obra e da figura de Miró, que morreu em julho de 2022, aos 61 anos. “A gente tem uma perspectiva muito particular sobre personagem, sobre se colocar em cena. Não há uma investigação muito stanislavskiana ou aprofundada mesmo. É algo muito mais perto do jogo, do estado de presença, do que da ideia da própria figura”, conta Castro.

Miró escrevia poesia sobre a cidade, o amor, a violência e tudo que via. Foto: Ashlley Melo

O grupo pensou em montar uma peça a partir da obra de Miró em 2015, quando ocupava uma sala no Edifício Texas, no bairro da Boa Vista, região central do Recife, e passou a encontrar e conviver com Miró mais de perto. Em parceria com o diretor Pedro Escobar, chegaram a gravar alguns vídeos com poesias e mostraram ao cronista lírico do cotidiano, como se definia João Flávio Cordeiro da Silva, nome de registro de Miró.

O poeta, que sim, performava suas poesias de maneira única, disse algo que marcou os atores. “Nossa, eu gosto muito de ver os vídeos de vocês porque eu vejo a minha poesia e isso é muito forte. Sempre quando me dizem poeta, dizem que minha poesia é minha performance, como se uma coisa estivesse sempre ligada a outra e quando eu vejo vocês fazendo, eu não vejo a minha performance, eu vejo o meu texto, a minha poesia”, relembra Giordano Castro.

E ainda que palavra seja corpo, principalmente depois da morte de Miró, vincular sua poesia à sua performance não seria matar ou deixar morrer também a poesia? E o quanto a pecha de performático, que nesse caso carrega muitos julgamentos, como àqueles relacionados ao consumo de álcool, uma questão com a qual Miró teve que lidar principalmente depois da morte da mãe, pode reduzir ou restringir a obra em tantos âmbitos?

Se as coisas não mudaram (já que essa conversa com Giordano Castro foi no fim de março), você, espectador, pode esperar uma cena de 20 minutos, só com textos de Miró. “E vai ser uma cena de teatro”, avisa. “E a gente diz, velho, vê como é possível a poesia desse cara se transformar e ir para lugares além dele! Não, nós não vamos reduzir a poesia de Miró a ele mesmo”.

Miró: Estudo N°2, do Grupo Magiluth

Quando: de 20 a 30 de abril, de quinta-feira a domingo
Horário: Quinta-feira a sábado, às 20h; domingos e feriados às 19h
Quanto: Gratuito.
Ingressos: Para retirar ingressos com antecedência, é preciso acessar o site do Itaú Cultural. Os ingressos reservados valem até 10 minutos antes do início da sessão. Após esse horário, os ingressos que não tiverem o check-in feito na entrada do auditório, perdem a validade e serão disponibilizados para a fila de espera organizada presencialmente. A bilheteria presencial abre uma hora antes do evento começar para retirada de uma senha, que posteriormente pode ser trocada pelos ingressos de pessoas que não compareceram.
Duração: 90 minutos

Ficha Técnica:
Direção: Grupo Magiluth
Dramaturgia: Grupo Magiluth
Atores: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Giordano Castro
Stand in: Mário Sergio Cabral e Lucas Torres
Fotografia: Ashlley Melo
Design gráfico: Bruno Parmera
Colaboração: Grace Passô, Kenia Dias, Anna Carolina Nogueira e Luiz Fernando Marques
Realização: Grupo Magiluth

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Olé, olé, olá, Severino, Severino
Critica do espetáculo Estudo Nº1: Morte e Vida,
do Grupo Magiluth

Estudo-N°1- Morte e Vida. Foto: Vitor Pessoa  / Divulgação

Estudo-N°1- Morte e Vida. Mário Sergio e Parmera, Erivaldo no chão. Fotos: Vitor Pessoa  / Divulgação

A montagem do Grupo Magiluth, com direção de Luiz Fernando Marques, o Lubi, explora muitas camadas. 

Giordano Castro, em primeiro plano na peça-palestra

Busco dialogar com o Estudo Nº1: Morte e Vida, espetáculo do pernambucano Grupo Magiluth. Esse desejo de interlocução traça um movimento contrário ao predomínio de intolerância, condenações e cancelamentos desses tempos. Minha vontade é sintonizar com as possibilidades de trocas, perseguindo delicadezas e ludicidade, mesmo para tratar de concretos de durezas, de barbarismos. Esperançando ampliar o círculo. Esse texto que me atravessa, é passado pelo rio Capibaribe, imagino que por outros rios: Tietê, Sena, Tejo, até o Riacho do Ipiranga (onde, conta a História oficial, foi gritada a independência do Brasil) e carrega muito da hidrografia soterrada. É um ensaio ansioso, repleto de incômodos, como o que sinto há semanas no braço direito de tendinite e outras dores de viver mais difíceis de traduzir.

O Grupo Magiluth – com seus atores Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Mário Sergio Cabral, Lucas Torres e Pedro Wagner – é uma trupe de homens, rapazes, meninos que fazem arte, que performam, que jogam cenicamente, posicionados (e movendo-se) de lugares para problematizar as masculinidades, o patriarcado, as questões estruturais que escamam de seus corpos, descontruindo. Observo esse universo, não o capto em sua plenitude movente, não só por ser mulher, mas por toda experiência interseccional de identidade. Somos subjetividades não totalmente decifráveis. E a arte faz um mergulho em águas profundas, oferece e desfaz os sentidos em sequência, em paralelo ou de maneira aleatória.

Os artistas do Magiluth, seu diretor Luiz Fernando Marques, o Lubi, e o assistente de direção e diretor musical Rodrigo Mercadante, essa turma toda cria, de modo arbitrário, os recursos expressivos a partir da peça-poema Morte e Vida Severina – Um Auto de Natal, de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) para compor um caleidoscópio das ruínas contemporâneas.

A palavra arbitrariedade vem determinada para falar de escolhas que não seguem réguas, testa outras possibilidades. Tem a ver com impacto da sonoridade da língua no corpo, na caixa preta, nas distorções de vozes da tecnologia digital. Convoca materialidade e seu oposto. Saussure sussurrando. Imagem acústica, representação da palavra. A partir das pontes do Recife desafia regras para desestabilizar certezas – de ideias, de soberanias, das cenas.

Percebo o trabalho do Magiluth erguido feito um ensaio como estimou o filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão Theodor W. Adorno: um jogo aberto de linhas temáticas que se cruzam a partir da ideia de migração, que expõe tensões e contradições do real. Tudo isso encarado de frente, sem o impulso de sublimação. Perguntas e provocações são expostas, num caldeirão que ferve naquele território.

E agora me vem fortemente a imagem da intensa Elis Regina (1945 – 1982), uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos, cantando Aprendendo a jogar, uma música de Guilherme Arantes. [Dig dig dig dig dig dagá ah ah Dig dig dig dig dig dagá ah ah (…) Vivendo e aprendendo a jogar … / Nem sempre ganhando / Nem sempre perdendo / Mas, aprendendo a jogar (…) Água mole em pedra dura / Mais vale que dois voando (…)]. No show Saudade do Brasil, de 1980, Elis usava uma camiseta preta, com a imagem da bandeira do Brasil ao centro, escrito “Elis Regina”, no lugar de “ordem e progresso”. Como acontece com frequência nos regimes autoritários, a Ditadura Militar proibiu a intérprete de usar o figurino, numa demonstração feérica de Censura. Eita danou-se. Estou fazendo a minha dramaturgia. Tem vídeo na internet da cantora, que morreu há 40 anos num 19 de janeiro.

Parmera em primeiro plano e Má´rio Sergio ao fundo

Ao se arriscar, Estudo Nº1: Morte e Vida rejeita as formas bem-acabadas, dá um passo além em alguma direção, mas reaproveita antropofagicamente outros processos / estratégias de montagens anteriores da trupe e os atritos do real. O contato com o objeto disparador – a peça-poema de João Cabral – ganha diversas tessituras, amarrações, entradas, desenvolvendo uma rede que aponta para outras ressonâncias, ampliando alcances da obra cabralina.

Dito de outro jeito, a peça é uma transpiração de vitalidade cênica de artistas que sobreviveram / sobrevivem “agarrados a caixas de isopor” neste país afundado em tantas desgraças. É grito por dignidade, que segue de mãos dadas com poemas de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina e outros como O Rio (ou Relação da Viagem que faz o Capibaribe de Sua Nascente À Cidade do Recife) e O Cão Sem Plumas. É forte nos nexos com o real – de que somos muitos Severinos –, da uberização dos trabalhadores às consequências palpáveis do Antropoceno, essas ações destrutivas cometidas contra o planeta Terra.

O abraço com João Cabral é fato e ficção. Está no tom crítico nos vínculos aos problemas sociais, no mergulho no contexto humano e geográfico do Nordeste brasileiro, que espelha em estilhaços outros nordestes do mundo. As palavras que ressaltam o cotidiano de quem se vira com o mínimo compõem quadros inspirados e inspiradores. O inabalável trabalho artesanal cabralino é destacado pelo Magiluth em idas e vindas de significâncias. A abdicação do sentimentalismo lírico é valorizada pelo grupo.

A experiência de assistir ao espetáculo está plena de pequenos abalos sísmicos e da constatação no que se transformou o humano, do alto de sua arrogância. E vem numa construção de imagens de intensa plasticidade, sejam elas para os olhos, ouvidos ou outros sentidos.

Foto: Vitor Pessoa  / Divulgação

Publicado em 1955, Morte e Vida Severina é um poema de gênero lírico que traça o percurso de Severino, um migrante nordestino que sai do Serra da Costela, (local fictício, mas com características idênticas ao sertão pernambucano) em busca de uma vida menos “Severina” no Recife capital. Na seca região “magra e ossuda” onde a personagem morava, morre-se de “morte Severina”: “que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte; de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte Severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida)”.

Sabemos que migrações existem desde sempre. Nas melhores hipóteses, por curiosidade, pela aventura, pela descoberta. Há outras, não tão prazenteiras. Situações de seca ou alterações climáticas graves e ausência de políticas públicas de enfrentamento dessas situações, a exclusão social e a falta de condições para a sobrevivência. As migrações, que são também movimentos, revelam múltiplas “geometrias do poder”. A montagem do Magiluth obliqua que as mobilidades dos sujeitos contemporâneos são desiguais e faz cintilar palavras como injustiça, miséria, fome, política, violência, fronteiras materiais e simbólicas, poder, uberização.

Pensado em fragmentos, que reflete de maneira multifacetada um painel de forma espiralar (salve Leda Maria Martins),– do cruzamento de ciclos do passado, presente e futuro – esse Ensaio nº 1 desmantela a obviedade do que se pode se entender como Severino, Morte e Vida, Nordeste, nordestino, artista nordestino, João Cabral de Melo Neto. De novo o farol de Adorno: para o filósofo o ensaio se situa na fronteira entre a filosofia e a arte. Rigor e representação não-idêntica, revelando na porosidade as contradições.

Em estudo publicado em 1950, que pensava a pintura de Joan Miró, João Cabral já disse que desaprender é fundamental, sair do automatismo da tradição. Quebrar com procedimentos e hierarquias de valor na arte e na vida. Desaprendo frente à cena do Magiluth.

No campo do poema, João Cabral traça uma constelação de elementos heterogêneos. Ao estudar a obra do poeta pernambucano, o filósofo Benedito Nunes detecta que nesta máquina do mundo, que é o poema, Melo Neto trabalha à maneira de um tear que tece num sentido e destece noutro os fios de diversas tramas complicadas. Em O dorso do tigre (1969) Nunes aponta que Cabral fabrica e destrói, agrega e desagrega, mediante operações diferentes, as várias peças da realidade social e humana. Enxergo essas ações cabralinas no palco.

Acompanhemos o curso do rio, o discurso-rio do Marigluth.

Os microfones, as projeções, o Magiluth joga com a ideia de peça-palestra

A bandeira de Kiribati e as mãos levantadas num pedido de socorro em referência a outro espetáculo do grupo

Na peça são explorados quatro marcos estilísticos: Metateatro, Épico, Documental e pós-contemporâneo, em acúmulos e partículas. Nessa dança estética, a correnteza traz memória de outras obras magiluthianas: Viúva, porém honesta; O ano que sonhamos perigosamente; Dinamarca; Aquilo que meu olhar guardou para você; 1 Torto. São muitas camadas, numa polifonia que aponta para dentro, como a cena do modo de viver hygge (um bem-estar tão acolhedor dos privilegiados) ou o foco de luz, uma reivindicação de Mário Sergio em outra encenação que agora chega tranquilo.

A polifonia aponta para Kiribati (ou Quiribati), na real um arquipélago no Pacífico Central, com quase 120.000 habitantes. Assinala também os Severinos-Thiagos, Severinos-Galos, Severinas-Pretas. Dos rios que correm dentro de cada um de nós. De Kiribati, já em 1989, um relatório da ONU alertou, que esse seria o primeiro país a ser devorado, em decorrência da elevação do nível dos mares, ou seja pela mudança climática. Existem outras correspondências com o Severino saído da seca, como a escassez de água potável.

Um humor carregado da gozação pernambucana (irônico, sagaz, malicioso, diria autoimune, cruel, que manga inclusive de nossa impotência; talvez Roger de Renor possa traduzir melhor essa especificidade de humor), abarca o palco, em fluxos, mirando efeitos variados: gerar reflexões e críticas sociais, produzir jogos num cruzamento dos procedimentos cênicos das peças contemporâneas, desafiar qualquer método absolutista.

Quando navega nas águas épicas traça um paralelo ente a palavra fome como necessidade de comer e o estado de morrer de fome, defendido como um assassinato. O tom mais político lembra da montagem de Morte e Vida Severina, pelo TUCA, em 1965, que ganhou prêmio no festival de Nancy, na França. Esquadrinha que os privilégios de hoje são consequência da usurpação de antes.

Punk rock, hardcore, sabe onde é que faz?
Lá no alto José do Pinho. É do caralho!
Tem Devotos, 3° Mundo que botam pra fuder
Todo sentimento obtido em seu viver…

Quando chegar ao Recife essa cena deve explodir. O cenário é… Em 1988, Cannibal, Neilton e Celo Brown, formaram a banda de punk rock e hard-core Devotos do Ódio (tempos depois o ódio do nome foi suprimido), no Alto José do Pinho, bairro da zona norte do Recife. A atuação do grupo foi fundamental para a mudança do perfil do morro. Com a assinatura de contrato com a Gravadora BMG, e o lançamento do disco Agora tá valendo, de 1997, a banda chega ao sucesso. Mais de 20 anos depois, o Grupo Magiluth constata que os direitos e lucros desse disco estão reservados à gravadora Sony Music, que em 2004 comprou a BMG. O Magiluth assinala: “Nem tudo o que o trabalhador produz a ele pertence.”

É tudo muito engenhoso. A trupe convoca Marx, sem citar o Karl, expõe os paradoxos e contradições do capitalismo com os jogos do próprio teatro. Somos atingidos, alguns de nós, pela ave-bala. O ouro-azul do jeans vem problematizar a noção de independência econômica, de autonomia financeira.

O polo industrial de jeans, em Toritama, é uma espécie de China com um carnaval no meio. Esse ouro-azul está na roupa dos rapazes, e está repleto dos questionamentos levantados pelo documentário Estou me guardando para quando o Carnaval chegar, de Marcelo Gomes. O filme não é uma apologia ao empreendedorismo, ou não somente, nem um réquiem saudosista de uma Toritama mais rural. Seus produtores de jeans batem no peito com orgulho que são “donos do próprio tempo”, mesmo trabalhando 12 horas ou mais por dia. É… são muitas dobras.

Em uma potência assombrosa, o ouro-azul se congrega com os entregadores de aplicativo, entre eles Thiago Dias, que trabalhava 12 horas por dia e morreu durante uma entrega aos 33 anos, vítima de AVC. Fato que se conecta com as Ligas Camponesas e os assassinatos de seus líderes.

Essa cena do canavial, que cruza Michael Jackson com maracatu rural, vale muitas teses

Michael Jackson do Canavial, um vídeo que pode ser encontrado no Youtube, fornece rico material da cultura que se movimenta, sem abandonar totalmente a tradição, mas utilizando as possiblidades do presente. O Magiluth confronta o caboclo de lança com o vídeo, em que a voz do astro do pop anima o trabalhador rural a seguir seus passos na dança. Ele canta que “Billie Jean is not my lover”, ela é apenas uma garota e o menino não é seu filho. Mais uma questão das mulheres não reconhecidas, e essa e uma problemática muito complexa, que apenas pontuo.

O Estudo Nº1: Morte e Vida utiliza as tecnologias, as projeções, justaposições. Quebras de fronteiras se alimentam das práticas teatrais, subverte, testa combinações. É interessante saber que numa entrevista 1998, João Cabral disse que “gostaria de ter sido cineasta”. Sua composição poética aproxima-se das teorias da montagem do cineasta Eisenstein ou do teatrólogo Bertolt Brecht.

O Magiluth expõe dados de pesquisa da internet sobre refugiados e migrantes que tentam fugir de guerras e tentar asilo oficial em países europeus. Em botes e em embarcações superlotadas e sem as mínimos condições de segurança, esses humanos arriscam as próprias vidas (muitos barcos afundaram) sem nenhuma garantia de asilo oficial. Para outros, a travessia é um negócio altamente lucrativo, que pode render por embarcação US$ 1 milhão. São muitos tentáculos do capitalismo, em que a vida importa pouco. Ponte com Brecht.

Deslocamento é uma questão discutida na peça

Em uma cena, depois de anunciar que Kiribati sumiu do mapa, afundou e de já ter citado um trecho do poema O Rio (Para os bichos e rios / nascer já é caminhar), Giordano propõe um jogo a Mário Sergio e Parmera. Os dois, como representantes das duas maiores potências, terão que chegar a um acordo para salvar o mundo. É um diálogo surreal, em que nenhuma parte cede, e a conversa vai ficando cada vez mais insana, com proposta de matar populações inteiras de uma determinada região. Em um jogo de afrontamento direto, o coletivo expõe o esfacelamento da ética, as engrenagens de manutenção de poder e a guerra como saída para o impasse defendida sempre pelos capitalistas.

Todos os dias temos notícias de demonstrações de desumanidades. Em 24 de janeiro o congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, foi assassinado a pauladas por um grupo de homens, na barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Moïse teria ido cobrar o pagamento de diárias atrasadas no quiosque em trabalhava por comissão. No dia 19 de janeiro, o fotógrafo suíço René Robert morreu aos 84 anos de hipotermia, após longa exposição ao frio intenso. Ele desmaiou em uma rua de Paris e ficou sem ajuda por nove horas. Esses dois fatos não são citados na cena do Magiluth. Mas ecoa no ar como espirito desse tempo, sim. 

A humanidade está doente, não há dúvidas. Intolerância, racismo e xenofobia são sintomas dessa deterioração.

Mas apesar de todo esse quadro difícil, Estudo Nº1: Morte e Vida aponta para / e aposta na vida. No seu desejo de convívio, o grupo convoca o espectador a atuar no jogo cênico no entusiasmado grito dos grevistas. Severino está sinalizando alguma saída. Olé, olé, olá, Severino, Severino.

Depois de tantas palavras, o espetáculo prossegue reverberando de afetos.

 

* Assisti ao espetáculo Estudo Nº1: Morte e Vida na estreia, dia 28 de janeiro e no domingo, dia 30 de janeiro.
** Nessas duas sessões, o diretor-assistente/ diretor musical Rodrigo Mercadante substituiu Lucas, que estava positivado com Covid-19 naquela semana. 

Ficha técnica:
Criação e realização: Grupo Magiluth
Direção: Luiz Fernando Marques
Assistente de direção e direção musical: Rodrigo Mercadante
Dramaturgia: Grupo Magiluth
Elenco: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres e Mário Sergio Cabral
Produção: Grupo Magiluth e Amanda Dias Leite
Produção local: Roberto Brandão

Estudo Nº 1: Morte e Vida, com o grupo Magiluth
Quando: De 28 de janeiro a 6 de março de 2022, sextas e sábados às 21h, domingos, às 18h
Onde: Sesc Ipiranga (Rua Bom Pastor, 822 – Ipiranga – São Paulo SP)
Quanto: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)
Classificação indicativa: 16 anos

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Morte e Vida Severina na visão do Magiluth

Estudo1 Morte e vida. Foto: Vitor Pessoa / Divulgação

Pernambuco é um celeiro de escritores e poetas, com obras importantes para a literatura brasileira. João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é um dos grandes, adverte de cara o ator Giordano Castro ao ser perguntado sobre a escolha do texto. O centenário do poeta pernambucano ocorreu em 2020 no auge do isolamento social. Se o mundo não tivesse parado, a montagem do Grupo Magiluth inspirada em Morte e Vida Severina – Um Auto de Natal teria estreado para celebrar os 100 anos do autor de O Cão Sem Plumas. Muita coisa pifou com a pandemia da Covid-19. O trabalho do Magiluth, que primeiro seria um espetáculo de rua, ganhou outras feições durante esse percurso. Chega ao palco do Teatro Ipiranga, em São Paulo, como Estudo Nº1: Morte e Vida.

Com encenação de Luiz Fernando Marques, Lubi, parceiro da trupe pernambucana desde 2012 e diretor dos espetáculos Aquilo que meu olhar guardou para você e Apenas o Fim do Mundo, esse último juntamente com Giovana Soar, essa quase “peça-palestra”, vale-se do livro como disparador para discussões das migrações contemporâneas, a questão climática, da seca, e a repercussão na vida de pessoas de várias partes do planeta. Perpassada pela política, a montagem expande a figura do Severino para fluxos mundiais de deslocamentos.

O estudo do título expõe elementos que muitas vezes ficam ocultos nas encenações, como os sistemas de som e luz. A direção musical é de Rodrigo Mercadante, que reforça a ideia dos ciclos de vida e morte da peça em sua trilha, com sonoridades originais e músicas de artistas do punk e do hardcore de Pernambuco.

O retirante Severino, protagonista da peça cabralina, se apresenta como sujeito individual e coletivo. Ao investigar as migrações forçadas, o Estudo Nº1: Morte e Vida cavouca as perspectivas geográficas, simbólicas e humanas dos impulsos que se deslocam.

Entrevista || Giordano Castro 

Por que João Cabral?

É importante levar em consideração que Pernambuco é um estado com muitos escritores, muitos poetas que têm uma obra importantíssima para a literatura brasileira. E de um caráter estético muito inovador e peculiar. Cada um tem uma identidade muito forte. Dentre eles, João Cabral é um dos que chama bastante atenção para a gente por causa da questão do rebuscamento da própria escrita. Algo que ele levava com muito cuidado e muita atenção. Ele é conhecido por ser um poeta que lapidava muito os seus trabalhos e que ainda assim conseguia manter uma dureza naquilo ele falava.

Para nós, Morte e Vida Severina – apesar de ser uma obra que João Cabral não era muito carinhoso por ela – guarda uma célula muito potente de apontamentos de caminhos para abrir discussões. É como se dentro daquele poema-peça ele abrisse muitas questões. Ele não fala apenas sobre um homem que se vê na necessidade de migrar por problemas naturais e da seca, o que não seria pouca coisa, mas ele coloca questões sobre o trabalho, sobre o próprio homem, sobre a característica desse homem, sobre a terra, sobre a reforma agrária. Enfim, são muitos apontamentos e talvez esse trabalho tenha chamado a atenção da gente por causa disso. E dentro do Magiluth cada um foi atravessado por algo diferente, então acaba sendo uma poesia muito plural de abordagem. E a própria palavra, a forma como ele, João Cabral, como escolhe as palavras dentro do seu poema e como aquelas palavras têm uma maneira de organizar aquela poesia. A escolha foi por uma questão estética mesmo e também por uma questão política.

As migrações e travessias são marcas de cada tempo, que traduzem colonizações e buscas por territórios. Como o Magiluth atualiza esses movimentos nesta montagem?

As questões de migração e de travessia como você fala, de fato, são coisas que continuam acontecendo. Desde a ideia da existência humana até os dias de hoje a necessidade de migrar se faz. A gente sempre entende isso como um movimento político. Nas migrações hoje temos encontros com outros Severinos. O Severino que João Cabral aborda, nordestino, ganha ares mundiais. A gente entende hoje que os Severinos não são somente outros sotaques, mas outras línguas. As questões climáticas que fizeram com que o Severino do Morte e Vida saísse da sua região, hoje atinge e vai continuar atingindo e piorando para cada vez mais outras pessoas. Serão outros Severinos saindo de Quiribati, que vão começar a sair das cidades mais baixas do mundo depois do aquecimento global, com o derretimento das geleiras e o aumento dos oceanos. Serão Severinos americanos, italianos, recifenses. E essas questões climáticas, elas estão – hoje e ontem – absolutamente ligadas às questões políticas – como o homem politicamente usa a natureza, como como tudo isso interfere em ganhos, na estrutura, está tudo interligado

O que essa pandemia trouxe para o trabalho de vocês?
A pandemia, o que a gente consegue falar em muitas camadas. Ela foi desesperadora no começo, forçar o Magiluth a uma série de situações, parar as atividades e tudo mais. Depois ela foi uma descoberta para gente, o que gerou os três trabalhos online – (uma trilogia de experimentos sensoriais em confinamento, composta pelas obras Tudo que coube numa VHS, Todas as histórias possíveis e Virá)

Mais especificamente falando do Estudo Nº1: Morte e Vida, a pandemia deu um molde poético para o trabalho. O trabalho começou a ser pensado no final de 2019, passou por muitas possibilidades. Esse espetáculo já foi pensado, por exemplo no princípio, de um espetáculo de rua; depois foi pensado para se fazer no palco; depois ele virou o estudo. E a cada retomada por causa da pandemia, a gente também se encontrava com uma nova proposta poética. E aí eu acho que o resultado é uma soma de todos os momentos. Eu acho que a gente conseguiu amontoar todos eles.

Ficha Técnica
Criação e realização: Grupo Magiluth
Direção: Luiz Fernando Marques
Assistente de direção e direção musical: Rodrigo Mercadante
Dramaturgia: Grupo Magiluth
Elenco: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres e Mário Sergio Cabral
Produção: Grupo Magiluth e Amanda Dias Leite
Produção local: Roberto Brandão

Estudo Nº 1: Morte e Vida, com o Grupo Magiluth
Quando: De 28 de janeiro a 6 de março de 2022, sextas e sábados às 21h, domingos, às 18h
Onde: Sesc Ipiranga )Rua Bom Pastor, 822 – Ipiranga – São Paulo SP)
Quanto: R$ 40(inteira) e R$ 20 (meia)
Classificação indicativa: 16 anos

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