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CENA EXPANDIDA em Pernambuco
Iluminando os festivais de artes cênicas

Dançando Villa, da Curitiba Cia de Dança participou do Cena Cumplicidades. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Stabat Mater, um dos destaques da programação do FETEAG. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Leitura dramatizada do texto Planeta Tudo, (planeet Alles), no RESIDE FIT-PE. Em cena Iara Campos, Romualdo Freitas, Edjalma Freitas e Naruna Freitas e o viodeomaker Gabriel de Godoy, Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Cordel Estradeiro, Uma Viagem Impressionante ao Sertão, da Escola Municipal Maria De Lourdes Dubeux Dourado do Recife, em apresentação no FETED. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

ITAÊOTÁ, do Grupo Totem na programação do Transborda. Foto: Divulgação

Cinco festivais de artes cênicas de Pernambuco participaram de uma experiência inédita e promissora no estado chamada CENA EXPANDIDA. O Cena Cumplicidades – Festival Internacional de Artes da Cena, de Arnaldo Siqueira; o FETEAG – Festival de Teatro do Agreste, de Fábio Pascoal; o FETED  – Festival Estudantil de Teatro e Dança, de Pedro Portugal; o Transborda – As Linguagens da Cena, com curadoria de Ariele Mendes e equipe do Sesc-PE, e o RESIDE FIT-PE – Festival Internacional de Teatro de Pernambuco, de Paula de Renor, se juntaram numa ação conjunta no mês de setembro no intuito de produzir um bom impacto cultural nas cidades envolvidas (Recife e Caruaru)  e seus entornos, testar a força da união de seus realizadores e articular novas possibilidades de futuros a partir das atividades formativas e espetaculares propostas.  

A atriz, curadora e produtora Paula de Renor salienta que a CENA EXPANDIDA deste ano foi uma experiência, um teste, uma espécie de projeto-piloto, já provado em pequenas doses em 2018 e 2019. “Em 2022 fomos bem além! Unimos cinco festivais, ordenamos as programações, distribuindo-as nos teatros (o que acho foi o mais complicado, pelos poucos teatros que dispomos) e tentamos que programações dirigidas a um mesmo público não se chocassem em seus horários”. 

A CENA EXPANDIDA viabilizou uma aproximação e um diálogo mais ampliado entre os produtores dos festivais envolvidos, ressalta Ariele Mendes, do Transborda. O produtor, curador e professor Arnaldo Siqueira considera que foi um passo bem importante, “oxalá tenha continuidade e ampliação do apoio dos poderes públicos”. Fábio Pascoal, produtor e curador do FETEAG,  lembra que projetos como esse são importantes para o fortalecimento da rede produtiva e para ampliar público e o acesso.

“Essa prática tem sido uma constante com o FETEAG”, situa Pascoal, pois assegura que seu festival busca a cada edição construir novas parcerias e fortalecer as existentes. “Em 2013 fizemos uma edição partilhada com o TREMA!, em 2014 com a Mostra Capiba/SESC Casa Amarela e em 2017 com o TEMPO Festival/RJ, FIAC/BA e com a Bienal de Dança do Ceará. Acreditamos em parcerias”.

Ariele reforça o papel desse entrecruzamento. “Nesta rede que se estabeleceu, conseguimos vivenciar uma integração de maneira muito mais efetiva, o que possibilitou, por exemplo, a busca por soluções para imprevistos (eles sempre acontecem) que, normalmente, acarretariam um desgaste muito grande para a equipe de cada festival específico, mas que neste movimento, foi possível compartilhar e buscar apoio junto às lideranças de cada projeto, facilitando os processos”.

Já o Arnaldo Siqueira entende que a relação profissional e solidária dos/entre produtores foi incrível na CENA EXPANDIDA. “Apenas a título de exemplo, o próprio Cena Cumplicidades abriu mão de pautas/dias e horários para oportunizar que colegas de outros festivais pudessem pautar certos trabalhos”. Mas salienta que “de outra parte, o Cena Cumplicidades foi beneficiado com a força comunitária da articulação junto aos teatros e à FCCR (Fundação de Cultura Cidade do Recife).

Outro exemplo de cooperação citado por Siqueira foi a disponibilidade de Pedro Portugal, produtor do FETED e fotógrafo, que substituiu de pronto uma fotógrafa do Cumplicidades, que adoeceu de repente. “Tal comportamento demonstra o nível de entrosamento e colaboração, algo que põe por terra o mito do caranguejo na lata que puxa para baixo o que está subindo”, situa Arnaldo.

Pedro Portugal, mencionado por Siqueira, considera que a CENA EXPANDIDA trouxe benefício para o seu festival estudantil. “Por ser um festival mais ligado às escolas, uma coisa amadora, não é menor (*faz questão de frisar!), mas posso até dizer mais caseira, possibilitou mais visibilidade. Então nós ganhamos uma dimensão maior. Quanto mais estivermos juntos melhor”.

Paula de Renor. Foto Pedro Portugal

Paula de Renor, do RESIDE FIT-PE – Festival Internacional de Teatro de Pernambuco. Foto Pedro Portugal

Arnaldo Siqueira. Foto: Christina Rufatto

Arnaldo Siqueira, do Cena Cumplicidades – Festival Internacional de Artes da Cena Foto: Christina Rufatto

Fábio Pascoal, do FETEAG – Festival de Teatro do Agreste. Foto: Reprodução do Facebook

Pedro Portugal, do FETED  – Festival Estudantil de Teatro e Dança. Foto: Divulgação

Breno Fittipaldi, curador e produtor do Transborda Casa Amarela; Luiza Cordeiro, diretora-presidente do Centro Social Dom João Costa e Ariele Mendes, curadora e analista de artes cênicas do Sesc Pernambuco. Foto: Divulgação

Essa edição da CENA EXPANDIDA é só uma parte do que foi idealizado, conta Paula de Renor. “Essa ação de colaboração é mais ampliada, com a participação de mais festivais e uma divulgação potente e eficaz, com grupos de mediação em comunidades, nos teatros, mapeando públicos diversos e oferecendo um cardápio grande de atrações durante um mês em teatros e na rua”, arquiteta.

Mas como todos nós sabemos, as verbas são fundamentais para o bom andamento dos projetos. “Infelizmente sem dinheiro é muito difícil fazer qualquer festival, por menor que seja”, frisa Pedro Portugal. “Também tivemos muito pouco tempo para fazer uma coisa maior, uma cena expandida maior, com mais abrangência e divulgação”, diz ele. 

Paula de Renor fornece outros dados: “Trabalhamos dividindo recursos para pagamento de despesas de divulgação e algumas vezes potencializando ações com o compartilhamento de atrações, sem tirar a autonomia de cada festival”.

Ao ser perguntado o que pode ser melhorado na CENA EXPANDIDA, Arnaldo Siqueira foi bem suscinto: “Proatividade na relação com os entes públicos. E seletividade”. Paula de Renor reconhece que precisava de mais divulgação. A falta de patrocínio dificultou o que foi idealizado. “Conseguimos apoio da Prefeitura do Recife via Secult e FCCR, o que foi decisivo para darmos o ponta pé inicial e apresentar ao público nosso intensão, mas não chega perto dos valores de patrocínio que precisamos para que tenhamos investimento em uma coordenação de produção geral do projeto e divulgação em mídias espontâneas e pagas”, posiciona.

Fábio Pascoal diz que é necessário fazer uma “avaliação precisa do papel de cada festival dentro da rede, respeitando suas individualidades e programações”. Outro ponto que ele visualiza para as próximas edições é o compromisso das instituições parceiras, “que acreditam no potencial da iniciativa e possam apoiar financeiramente a proposta, tendo em vista que é uma iniciativa de produtores independentes, que deve ser reconhecida como tal”. Paula de Renor acrescenta: “Não buscamos captar verbas para cada festival que participe da CENA, esse não é nosso objetivo. Para isso cada festival luta individualmente na procura de recursos para sua realização. E justamente pela falta de verbas de patrocínio vários festivais deixaram de acontecer este ano”.

A experiência suscita diversas reflexões e inquietações que miram o futuro, na opinião de Ariele Mendes. “Entendo a CENA EXPANDIDA como um movimento, e desta forma, não a vejo iniciando ou se encerrando no mês de setembro. Ela precisa permanecer por todo ano, de maneira contínua e articulada, em diálogo com a classe, com as instituições, coletivizando junto a outros produtores, se colocando em atuação nas diversas esferas… A realização dos festivais é o momento de festa, da celebração… Mas para que eles possam acontecer, é necessário uma série de processos e conquistas, que só é possível quando se ocupa certos espaços nos debates contínuos da cultura, construindo pontes estruturadas, no dia a dia…” Ariele entende que “todos os produtores envolvidos já são muito atuantes nestes diálogos. Juntos, conseguiremos ainda mais força”.

“O que propomos”, evidencia Paula de Renor, “é que a CENA EXPANDIDA seja entendida como uma ação que, potencializada, pode entrar no calendário da cidade, movimentando o turismo cultural, atraindo público das cidades vizinhas”. Ela cita como exemplo a cidade de Edimburgo na Escócia. “Durante um mês, Edimburgo envolve uma quantidade enorme de festivais que acontecem simultaneamente e sua população de 500 mil habitantes chega a 1 milhão nesse período. A cidade vive deste turismo cultural. Essa é uma construção de muitos anos, mas se a gente não acreditar e não começar agora, nunca saberemos se em Recife poderá dar certo.
Estamos provocando e motivando Prefeitura e Governo do Estado para que percebam o que estamos oferecendo à cidade!”, alerta.

Se liga Recife!!!  Parodiando Carlos Pena Filho, é do sonho de mulheres como Paula de Renor que uma cidade se inventa.

Poeta Preto, da Trupe Veja Bem Meu Bem no FETEAG. Foto: Pedro Portugal Divulgação

Um Mero Deleite, da Nalini Cia de Dança (Go) , integrou a programação do Cumplicidades. Foto: Ivana Moura

Arnaldo Siqueira – Entrevista

Arnaldo Siqueira. Reprodução de tela do Youtube

Encaminhei perguntas para os representes dos cinco festivais no início da programação. Ariele Mendes respondeu pelo Transborda; Fábio Pascoal pelo seu FETEAG, Pedro Portugal pelo seu FETED, Paula de Renor deu um truque e Arnaldo Siqueira respondeu, agora já como balanço. 

Os números do Cena Cumplicidades chegaram a 23 trabalhos artísticos, em 40 apresentações de 3 Países (Portugal/Moçambique/Brasil), 6 estados da federação (PE/ RN /PB/ GO/ PR/ RJ), sendo de Pernambuco obras de Recife e Jaboatão dos Guararapes. Além disso o Cumplicidades teve como atividades complementares 5 workshops, uma residência artística de videodança (on line e presencial) e uma mostra de videodança. “Certamente não teria sido assim sem a articulação da CENA EXPANDIDA”, destaca.

Arnaldo, o Cumplicidades já levou espetáculos incríveis para os palcos de Pernambuco,
montagens internacionais ousadas, que contribuíram para a ampliação do olhar sobre a cena contemporânea. Pergunta: o que te motiva, o que te move a tocar o Cumplicidades? O que você busca com isso?
O que me motiva é fomentar as artes da cena, sobretudo a dança que, sendo uma arte da juventude, como tal, necessita de doses regulares de informações artísticas. Num mundo de acessos fáceis e reprodutibilidade, onde a cópia deu lugar à reprodução do original, sendo ela
mesma um (outro) original. Acredito que as artes do corpo, e a dança em especial, é a joia rara que só se capta na presencialidade (por isso joia, e também rara). Não há meio termo possível (a tela não dá conta disso), é preciso que súbito se tenha a impressão de ver e sentir algo que só naquele momento de presencialidade foi possível. E que um rosto adquira de vez em quando uma expressão só encontrável no orgasmo. É preciso que tudo isso que está na cena seja sem ser, mas que desabroche no olhar do espectador. E se plasme no encontro com o inesperado.

Qual a posição do seu festival no mapa da cidade (e do país) no que se refere à formação de público, a balançar as estruturas, a honrar a tradição nas artes cênicas ou traçar pontes com o contemporâneo?
O festival enfoca as artes da cena com atenção à singularidade da dança, do corpo e da performance. Desde 2008 o festival cultiva a experimentação de linguagem, a formação de plateias no Recife (que já foi um dos centros das artes cênicas), mas também se dedica ao
fomento de novos talentos na cidade, e à cooperação dos artistas locais e regionais com estrangeiros, dando ênfase ao intercâmbio com a produção ibero-americana. Enfim, busca a atualização estética tanto do público quanto dos artistas de cena, principalmente os da dança.

Como você interpreta as políticas públicas para as artes da cena do Recife e de Pernambuco? O que é prioritário e urgente?
Indiferente e sem compreensão NENHUMA do papel dos festivais.

Fale brevemente do cardápio dessa edição, os trabalhos. E como foi viabilizada a produção?
A edição de 2022 enfocou à produção artística considerada de superação e enfrentamento tanto dos impactos da pandemia do Covid 19, como das agruras do atual cenário de descaso e precariedade do país no âmbito da cultura. O Festival deu visibilidade a uma produção local que investiu em criação artística presencial, oportunizou a contratação de coreógrafos, técnicos e bailarinos locais, e, assim, contribuiu com a cadeia produtiva da dança do Recife. No âmbito internacional (e seguindo o mesmo raciocínio de consideração de investimento na produção local) o Festival programou os trabalhos desenvolvidos na Região NE (PB e PE) por artistas estrangeiros com artistas brasileiros (Oráculo do Corpo e Orivayá – o vento pediu para a folha dançar), ou trabalhos desenvolvidos fora do país por artistas nordestinos (Pin Dor Ama primeira lição e Santa Barba, ambos de Portugal, são alguns exemplos).
A formação da equipe atendeu aos mesmos requisitos de quem, a despeito das necessidades, manteve-se na produção cultural, resistindo. Diferentemente de anos melhores, nas últimas edições venho, eu mesmo, fazendo a produção executiva. “Bato o escanteio e corro para
cabecear para o gol”.

A praxe dos festivais em Pernambuco é tocar essas iniciativas “na raça”. Isso é motivo de orgulho ou preocupação? E como você vem realizando nos últimos anos?
É motivo de preocupação sobretudo para os festivais consolidados como o Cena
Cumplicidades. Nos últimos anos estamos realizando “na raça” como vc disse.

Neste ano, com previsão para os seguintes, o seu festival integra o CENA EXPANDIDA com mais quatro festivais. O que as artes da cena (e seu público) da cidade do Recife e de Pernambuco ganham com essa ação?
Uma pluralidade incrível de opções e a oportunidade de perceber a força das artes da cena da cidade.

Qual a pergunta que não quer calar?
Quando o poder público vai atentar para o valor de festivais consagrados? Tem resposta? Está no tempo…

 

Deslenhar, do Teatro Miçanga, se apresentou no Transborda

José Neto Barbosa, na leitura Os Titãs, de Paola Trazuk, com direção de Monina Bonelli, na programação do RESIDE FIT-PE. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

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Cena Expandida na reta final

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Transborda integra o Cena Expandida

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Cena Expandida em Pernambuco Uma ação articulada com cinco festivais

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A resistência dos vaga-lumes
Feteag chega à 31ª edição
*Ação Cena Expandida*

Trans(passar), peça com Sophia William. Foto Divulgação 

Stabat Mater, com Janaina Leite e Amália Fontes. Foto: André Cherri / Divulgação

A Trupe Veja Bem Meu Bem (Caruaru) faz seu protesto com Poeta Preto. Foto: Divulgação

Luiz Lua Gonzaga, com o Grupo Magiluth. Foto: Divulgação

Apesar de todas as tentativas de paralisar o pensamento, o abraço, a emoção; a pulsação humana ainda é possível. O filosofo Didi-Huberman defende a plena experiência no livro Sobrevivência dos vaga-lumes. Os vaga-lumes do título espelham as múltiplas formas de resistência da cultura, do corpo, da ideia e diante dos fulgores ofuscantes do poder da política, da mídia e do capitalismo. O Feteag – Festival de Teatro do Agreste escolheu o livro de Didi-Huberman como farol para seguir a caminhada na edição deste ano.

A partir da articulação do mapa programático de espetáculos e ações formativas, o Feteag se propõe a refletir sobre a resiliência de grupos e ideias que acendem novas trilhas e formas de existência. A curadoria, então, aposta em proposições que investigam artisticamente as questões sociais, identitárias, políticas e afetivas. O caráter humana é friccionado, tensionado em peças de teatro, a dança, performance, circo e outras linguagens.

Criado há 41 anos, o Feteag chega à 31ª (pois não foi realizado em alguns anos) e enaltece a resistência dos artistas e fazedores de cultura; o papel transformador dessas atuações. O programa ocorre de 16 e 30 de setembro, no Recife e em Caruaru, com espetáculos pernambucanos, de outros estados do Brasil e internacionais, além de atividades formativas.

Na programação estão Pela Nossa Pele, de Yael Karavan (Israel) e Rita Vilhena (Portugal). O espetáculo  aponta para o lugar onde vivemos e adverte que somos natureza. E que ações humanas estão provocando as catástrofes no planeta Terra, como enchentes, crises de refugiados, incêndios florestais e pandemias.

O inquieto Grupo Magiluth, do Recife, apresenta dois trabalhos Luiz Lua Gonzaga e Estudo Nº1: Morte e Vida. Já o Grupo São Gens que vem furando a bolha e se apresentando em vários festivais com Narrativas Encontradas Numa Garrafa PET na Beira da Maré, tem uma cena que destaca o espaço urbano do Recife e sua relação com as margens, do ponto de vista da favela e seus fluxos.

A atriz Janaína Leite (São Paulo), articula de forma radical temas historicamente inconciliáveis como maternidade e sexualidade. Apresenta Stabat Mater, peça que a participação de sua mãe Amália Fontes e um ator pornô.  

A Trupe Veja Bem Meu Bem (Caruaru) faz seu protesto com Poeta Preto, um grito, um desabafo com o ator Rosberg Adonay, que revisita os medos, angústias de homem negro, e apresenta-se como porta voz de todos aqueles que foram e são silenciados todos os dias.

O Teatro Agridoce (Recife) participa do Feteag com Trans(passar), peça com Sophia William e Aurora Jamelo, que expõe a vivência da mulheridade trans, evidenciando as dificuldades sociais sofridas por essa população no Brasil.

Sopro dÁgua. Foto: Thais Lima / Divulgação

Odília Nunes em Decripolou Totepou. Foto: Silvia Montico /Divulgação

Lavagem, com a Cia REC  do Rio de Janeiro. Foto: Christopher Mavric

Narrativas Encontradas Numa Garrafa PET na Beira da Maré. Foto Gabriel Melo / Divulgação

Gabriela Holanda (Olinda), em Sopro D’Água aposta na dimensão aquática, na materialidade ancestral-geológica a partir da compreensão de que somos água. Enquanto a e Cia REC (Rio de Janeiro), usa baldes, água, sabão e espuma para realizar a ação de limpar como gesto performativo e político em Lavagem.

O Coletivo FusCirco (Fortaleza)  expõe sua comicidade com A Risita. Odília Nunes (Afogados da Ingazeira), mostra seu encanto de palhaça e bonequeira com Decripolou Totepou. O músico Rubi (Brasília), encerra a programação com o show Nem Toda Pausa É Espera. 

Além dos espetáculos, o Feteag 2022 oferece duas atividades formativas. No dia 22, a diretora, atriz e dramaturga Janaína Leite participa da conversa Conexões entre teatro e pesquisa, com mediação dos professores Luís Reis e Virginia Maria Schabbach. O encontro acontece das 14h às 15h, no Teatro Milton Baccarelli (Centro de Artes e Comunicação da UFPE), com acesso livre.

Em Caruaru, Odília Nunes ministra a oficina Corpos brincantes – pensando a comicidade, de 26 a 30 de setembro, no Teatro João Lyra Filho. A oficina foca na prática e criação de cenas, a partir da experimentação de repertórios vivenciados pela orientadora. As inscrições podem ser feitas através deste link: https://forms.gle/nNwWSMzL8XDLcLPC6. 

O FETEAG 2022 é uma realização do Teatro Experimental de Arte (TEA) e conta com incentivo do Funcultura e apoio da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Fundação de Cultura de Caruaru e SESC PE.

O FETEAG 2022 é uma realização do Teatro Experimental de Arte (TEA) e conta com incentivo do Funcultura e apoio da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Fundação de Cultura de Caruaru e SESC PE.

Este programa cênico integra a Cena Expandida, articulação que reúne o Cena Cumplicidades – Festival Internacional de Artes da Cena @ccumplicidades e cenacumplicidades.com.br (10 a 30 de setembro), o FETEAG – Festival de Teatro do Agreste – @feteag e feteag.com.br (20 a 30 de setembro); o FETED – Festival Estudantil de Teatro e Dança – @feted.pe (8 a 18 de setembro), o Reside – Festival Internacional de Teatro de PE – @residefestivalbr e residefestival.com.br (22 a 28 de setembro), e o Transborda – as linguagens da cena – @sescpe (1º a 17 de setembro), do SESC PE.

PROGRAMAÇÃO

16/09

Luiz Lua Gonzaga
Grupo Magiluth  (Recife/PE)
Local: Largo da Imperial Matriz da Várzea (Paróquia Nossa Srª do Rosário – Recife)
Horário: 17h

17/09

Poeta Preto
Trupe Veja Bem Meu Bem (Caruaru/PE)
Local: Teatro João Lyra Filho (R. Visc. de Inhaúma, 999 – Maurício de Nassau, Caruaru)
Horário: 20h

20/09

Pela Nossa Pele
Yael Karavan e Rita Vilhena (Portugal)
Local: Teatro Apolo-Hermilo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife – Recife)
Horário: 20h

21/09

Stabat Mater
Janaína Leite (São Paulo/SP)
Local: Teatro Hermilo Borba Filho (Av. Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife – Recife)
Horário: 20h

22/09

Stabat Mater
Janaína Leite (São Paulo/SP)
Local: Teatro Hermilo Borba Filho (Av. Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife – Recife)
Horário: 20h

23/09

Poeta Preto
Trupe Veja Bem Meu Bem (Caruaru/PE)
Local: Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro (Rua Mariz e Barros, 328, Bairro do Recife – Recife)
Horário: 20h

24/09

A Risita
Coletivo FusCirco (Fortaleza/CE)
Local: Academia das Cidades (R. Maria Antonieta, 578, Salgado – Caruaru)
Horário: 17h

Lavagem
Cia REC (Rio de Janeiro/RJ)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

25/09

A Risita
Coletivo FusCirco (Fortaleza/CE)
Local: Estação Ferroviária (Rua Silva Filho, s/n, Maurício de Nassau – Caruaru)
Horário: 17h

Lavagem
Cia REC (Rio de Janeiro/RJ)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

26/09

Decripolou Totepou
Odília Nunes (Afogados da Ingazeira/PE)
Local: Escola Municipal Professora Cesarina Moura Vieira Costa (Rua Profª. Mirian Vieira Costa Vila do Rafael 2° Distrito – Vila Do Rafael, Caruaru)
Horário: 8h

Trans(passar)
Teatro Agridoce (Recife/PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

27/08

Decripolou Totepou
Odília Nunes (Afogados da Ingazeira/PE)
Local: Escola Municipal Professor José Florêncio Neto Machadinho (R. Olegário Bezerra, s/n, São Francisco – Caruaru)
Horário: 8h

Narrativas Encontradas Numa Garrafa PET na Beira da Maré
Grupo São Gens de Teatro (Recife/PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

28/09

Decripolou Totepou
Odília Nunes (Afogados da Ingazeira/PE)
Local: Escola Municipal Presidente Kennedy (R. Antonio Teles, Agamenon Magalhães – Caruaru)
Horário: 10h

Sopro D’Água
Gabriela Holanda (Olinda/PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

29/09

Decripolou Totepou
Odília Nunes (Afogados da Ingazeira/PE)
Local: Escola Municipal Professora Teresa Neuma Pereira Pedrosa (Rua Maria Júlia da Conceição, s/n, Cedro – Caruaru)
Horário: 9h

Estudo Nº1: Morte e Vida
Grupo Magiluth (Recife/PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

30/09

Decripolou Totepou
Odília Nunes (Afogados da Ingazeira/PE)
Local: Escola Municipal Professor Leudo Valença (Rua Odilon Ramos da Silva, Rendeiras – Caruaru)
Horário: 8h

Show – Nem toda pausa é espera
Rubi (Brasília/DF)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

 

Entrevista: Fábio Pascoal – diretor do Feteag

Fábio Pascoal, idealizador e diretor do Festival do Teatro do Agreste – Feteag. Foto: Divulgação

– Fábio, o Feteag tem mais de 50 anos e nesse tempo festival mudou de perfil? Quais as marcas dessas mudanças, antes e de agora?

O Feteag foi criado em 1981 com o objetivo de expandir as ações de formação praticadas pelo TEA – Teatro Experimental de Arte, ou seja ele tem 41 anos, e sua atualização faz parte do próprio percurso do teatro, com foco principal na profissionalização, porém sem perder o seu grande norte que é a formação de público, desenvolvido através de um trabalho contínuo junto a classe estudantil, principalmente do ensino fundamental da rede pública de ensino.

– O que te motiva, o te move a tocar o Feteag? O que você busca com isso?

Nascido e criado nas coxias do teatro, seria impossível não desenvolver o gosto por ele, conforme Bourdieu, e realizá-lo é sempre me colocar em novos desafios, pois isso é o que move a vida.

– Qual a posição do seu festival no mapa da cidade (e do país) no que se refere à formação de público, a balançar as estruturas, a honrar a tradição nas artes cênicas ou traçar pontes com o contemporâneo?

Primeiro gostaria de lembrar que o FETEAG é uma ação conjunta de produtores, curadores e artistas, que juntamente com o público compõem o grupo de “fazedores de festivais”, como nos lembra Felipe de Assis do FIAC-BA,  e o que procuramos é sempre nos colocar em risco, para que a cada edição possamos proporcionar uma nova experiência ao espectador, com uma curadoria que busca aprofundar o diálogo com a cena contemporânea nacional e internacional.

– Como você interpreta as políticas públicas para as artes da cena do Recife e de Pernambuco? O que é prioritário e urgente?

O Recife, Caruaru, Pernambuco e o Brasil andam a passos curtíssimos quando pensamos em políticas de incentivos culturais. Em Pernambuco temos um edital de fomento que se encontra estagnado, em termos de valores de aportes, há anos, e com uma lei de fomento via mecenato que não sai do papel e que poderia ser a salvação para as produções já consolidadas no calendário cultural, como os festivais, que a cada ano tem que concorrer com os iniciantes e que, sinceramente, acho isso muito desleal.

– Fale brevemente do “cardápio” dessa edição, os trabalhos. E como foi viabilizada a edição?

 Para elaborarmos o “cardápio” de cada edição começamos a sonhar pelo menos 2 anos antes para assim podermos estabelecer parcerias importantes, como com os institutos internacionais. Esta edição foi pensada em 2020, quando já estávamos sondando possíveis atrações e está sendo viabilizada pelo edital Funcultura PE, nosso incentivador, e os apoios fundamentais da Prefeitura de Caruaru/Fundação de Cultura, SESC e Prefeitura do Recife/Secult que nos apoio via ação Cena Expandida.

– A praxe dos festivais em Pernambuco é tocar essas iniciativas na raça. Isso é motivo de orgulho ou preocupação?

É um motivo de MUITA preocupação, pois realizar um festival deve ser encarado como um trabalho e não um sacrifício, pois não temos a obrigação de fazê-lo, fazemos pois acreditamos na sua importância para nossa evolução enquanto profissional e humano.

– Neste ano, com previsão para os seguintes, o seu festival integra a Cena Expandida com mais quatro festivais. O que as artes da cena (e seu público) da cidade do Recife da cidade do Recife e de Pernambuco ganham com essa ação?

Esta é uma ação gestada desde 2018 e que finalmente colocamos para rodar e que busca, neste momento específico, mobilizar o público e trazê-lo de volta ao teatro, depois de um período muito difícil para as artes presenciais que foi a pandemia.

– Qual a pergunta que não quer calar? Tem resposta?

Melhor será o amanhã.

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Transborda integra o Cena Expandida

Transborda encerra com apresentação do Barbarize e Mun-há. Foto: Divulgação

Fabiana Pirro apresentou Cara de Pau. Foto: Divulgação

Coletiva fez performances no centro do Recife e Morro da Conceição. Foto: Divulgação

O Transborda surgiu da urgência de trazer uma ação integrada entre as unidades do Sesc Pernambuco, promovendo um diálogo efetivo sobre questões que vazam a cena, sinaliza Ariele Mendes, técnica de Artes Cênicas do Sesc-PE e uma das curadoras do programa. O projeto está estruturado em três eixos: acessibilidade, mediação e sustentabilidade. Só na cidade do Recife são desenvolvidas duas edições do Transborda, e cada uma delas, com recortes bem diferenciados e característicos.

Neste ano, o Transborda integrou três Unidades do Sesc: Piedade, Casa Amarela e Santo Amaro. Em Jaboatão (Sesc Piedade), a ação ocorreu de 28 de agosto a 03 de setembro, e promoveu um forte diálogo com a Colônia de pescadoras de Barra de Jangada e com espaços culturais independentes, lançando um olhar sobre as águas e os elementos naturais da cidade. Tudo isto pelo viés da dança, performance e música.

As ações que integram o Cena Expandida foram tocadas pelo Transborda de Casa Amarela e Santo Amaro. Em Casa Amarela, o recorte temático escolhidos foi Altos e Baixos. Entre 5 e 11 de setembro foram realizadas intervenções, performances e espetáculos nas praças, ruas e centros culturais. Entre as atrações da programação participaram as Violetas da Aurora, que ocuparam a Praça do Sebo, a Coletiva, com performances na Rua Nova, Praça do Diário e Morro da Conceição e A Escola Pernambucana de Circo, que se apresentou no Centro Social Dom João da Costa. No dia 10 o projeto chegou ao Centro de Educação e Cultura Daruê Malungo, com apresentações de Fabiana Pirro (com o espetáculo Cara de Pau), a Ciranda Sant’anna e o Bloco Afro Daruê Malungo. E também no Daruê, o Coletivo D(Elas) em Cena realiza a performance O que você deseja?

Cavalo, da Qualquer um dos dois, de Petrolina. Foto: Divulgação

Já em Santo Amaro as ações se instalaram a partir das premissas: ancestralidade, corpo e território. Na programação, já foram exibidos Cavalo, da Qualquer um dos dois, de Petrolina, e Ser Rizoma, de Lane Luna Luz. A Praça do Campo Santo recebeu uma programação intensa, com apresentações de Lippe Dj, do Afoxé Afefé Lagbará, Bione e o espetáculo Deslenhar do Coletivo Miçanga.

Também passaram pela programação Na Bagagem Poesia e O Dia em que a Morte Sambou.

Grupo Totem mostrou seu trabalho mais recente, ITAÊOTÁ. Foto Divulgação

O Grupo Totem exibiu ITAÊOTÁ, com encenação de Fred Nascimento, trabalho conduzido pelo conceito de descolonização, tendo como referência os modos de resistir e existir de povos indígenas e africanos, para a construção de um futuro ancestral. Em ITAÊOTÁ, a ideia é mostrar uma maior comunhão, chamando as pessoas para a autoresponsabilidade em relação ao momento difícil que vivemos, propor esta mudança prática entre todas as nossas relações.

O Transborda finaliza neste sábado, em festa, com o Baile Barbarize e performance de Mun-há.

Vale ressaltar que esta programação é fruto celebrativo de relações que são construídas pelas equipes do Sesc e suas lideranças (em Piedade de Isis Agra, em Casa Amarela, Breno Fittipaldi e em Santo Amaro, Ailma Andrade) com espaços e coletivos no decorrer do ano.

 Neste ano o Transborda integra o projeto Hub PE Criativo, uma realização do Sesc e Sebrae em Pernambuco. Este projeto conduz ações disparadoras de processos junto a sete territórios de atuação (Recife, Goiana, Jaboatão dos Guararapes, Arcoverde, Petrolina, Triunfo e Garanhuns), e visa estimular ações que desencadeiem formação e fomento para a cadeia produtiva da cultura. 

Entrevista: Ariele Mendes – técnica de Artes Cênicas do Sesc-PE

Ariele Mendes é técnica de Artes cênica do Sesc. Foto: Divulgação

– Quais as características específicas do Transborda? Pergunto isso porque o Sesc-PE tem vários festivais. E no Recife e em Pernambuco também existe uma fartura nesse quesito. 

O Transborda surgiu da urgência de trazer uma ação integrada entre as unidades do Sesc Pernambuco, promovendo um diálogo efetivo sobre questões que transbordam a cena. Para além de abordagens estéticas, mas também sobre elas. O encontro entre os supervisores de cada território friccionava os temas urgentes para discussão, tomando como base as territorialidades de cada unidade envolvida. Este é um projeto feito a várias mãos, que conta em sua natureza, desde o princípio, com discussões coletivas, mas sempre priorizando respeitar a identidade de cada território. 

Não tardou para se chegar nas perguntas latentes que atravessam o fazer artístico: Qual a dimensão da cadeia produtiva da cultura? Quais os possíveis caminhos para a sustentabilidade do artista? Como fortalecer as redes, pontos de cultura e as articulações comunitárias a partir da ação deste projeto? Como buscar formas mais assertivas de chegar ao nosso público? 

Hoje o projeto se estrutura em três eixos basilares de abordagem: acessibilidade, mediação e sustentabilidade. 

Para efetivar estes pilares, foram desenvolvidas, junto às Unidades, um profundo estudo sobre os territórios, investigando fatores como os pontos de cultura e coletivos artísticos existentes nas cidades. Também foi feita uma pesquisa com os agentes culturais para mapear seus contextos e as percepções que tinham sobre seu próprio fazer, além de efetivar uma profunda busca sobre a territorialidade de cada lugar em que o projeto era desenvolvido. 

Assim, o diferencial do Transborda, as linguagens da cena é exatamente o seu escopo estrutural: a busca para o fortalecimento do trabalho de redes internas e externas ao Sesc, as perguntas motoras que o estimulam e a organicidade com que este processo é desenvolvido. Trata-se de uma ação que traz o artista para a cena, mas também o convida a pensar junto sobre a sua trajetória pelo viés dos meios de produção que o levaram àquele lugar. 

– Quais as motivações do Sesc em realizar esse Festival? 

Entendemos que o Transborda, mais do que um Festival, se trata de um movimento, uma pesquisa contínua. Os recortes curatoriais são flutuantes, se renovam a cada instante. 

Na pandemia foi necessário se reinventar, buscar estratégias, continuar o diálogo com os fazedores da cultura, para resistir e seguir existindo.

Hoje, mais do que nunca, sintonizar no radar os possíveis caminhos que tragam respostas para as perguntas propulsoras do projeto seguem urgentes. E em cada território, novas inquietações e disparadores surgirão a cada ano. E assim será a cada edição. Trata-se de um movimento contínuo e constante, que precisa de estruturação. 

Longe de mim achar que temos respostas prontas, e que bastamos para solucionar uma questão tão intrigante que é a incessante busca pela sustentabilidade da cadeia produtiva da Cultura. Somos uma pequena parte de algo muito grande e diversificado – isto fica claro, por exemplo, quando percebemos que só na cidade de Recife desenvolvemos duas edições do Transborda, e cada uma delas, com recortes bem diferenciados e característicos –

mas nosso papel é de propor ações, instigar reflexões, mediar processos e garantir o acesso e a diversidade em nossas programações. As mudanças só serão consolidadas a partir da inteiração e atravessamento de cada agente deste ecossistema, se percebendo parte de um todo e expandindo sua atuação de maneira consciente na mobilização e articulação de cada iniciativa, para buscar possibilidades junto ao poder público, às instituições e à sociedade civil.

 – Qual a posição do Transborda no mapa da cidade (e do país) no que se refere à formação de público, a balançar as estruturas, a honrar a tradição nas artes cênicas ou traçar pontes com o contemporâneo? 

Neste ano o Transborda integra o projeto Hub PE Criativo, uma realização do Sesc e Sebrae em Pernambuco. Este projeto conduz ações disparadoras de processos junto a sete territórios de atuação (Recife, Goiana, Jaboatão dos Guararapes, Arcoverde, Petrolina, Triunfo e Garanhuns), e visa estimular ações que desencadeiem formação e fomento para a cadeia produtiva da cultura. Esta iniciativa busca estratégias para a sustentabilidade dos agentes culturais durante todo o ano, e surge com muita força junto ao Transborda, por instigar processos de reflexões e inquietações que já se faziam presentes, mas agora ganham uma perspectiva concreta. 

As ações desenvolvidas em setembro dizem respeito ao período do Festival Transborda, onde realizamos apresentações e oficinas, mas as atividades do Hub PE Criativo seguem até 2023, com feiras, roteiros de turismo criativo, formações artísticas e de empreendedorismo, palestras, desfile e exposições artísticas. O público-alvo passa a ser, além da comunidade, os agentes do setor cultural e da rede de serviços ligado a ele (hotelaria, transporte, turismo, alimentação, etc.), visando o mapeamento e a qualificação profissional numa perspectiva ampliada, considerando a cena, o festival e os desdobramentos de impacto da ação que transbordam a cena. 

A sustentabilidade é um fator que sempre foi uma questão para o setor cultural. É de extrema importância nos questionarmos sobre caminhos possíveis e lançarmos a provocação para artistas e a sociedade civil sobre a importância da cultura na estruturação do país, tanto do ponto de vista simbólico e educativo, quanto sobre o fator econômico, pois o movimento que geramos vai além de impactos diretos, reverberando e fortalecendo outros setores da economia também.  

 – Quais as estratégias do Sesc para as artes da cena do Recife e de Pernambuco? O que é prioritário e urgente? 

O Sesc Pernambuco é uma Instituição referência na formação, fruição fomento e difusão das artes cênicas. Projetos como as Escolas Sesc de Teatro e Dança garantem uma ação sistemática de sensibilização e experimentação artística, impulsionando o surgimento de novos artistas/coletivos em todo o estado. Já os projetos especiais, como as Aldeias, o Transborda, as mostras de artes, movimentam a cadeia produtiva, promovem encontros, intercâmbios e parcerias. Particularmente, em minha trajetória, fui uma das pessoas impactadas diretamente pela ação do Sesc a partir dos anos 2001, quando iniciei meus estudos em teatro na Unidade do Sesc de Piedade. Lá pude experienciar processos nos cursos livres, no Curso de Interpretação para Teatro (CIT), no Núcleo de pesquisa e no Grupo artístico. Também Piedade foi meu campo de estágio, e onde me formei gestora, participando ativamente das produções e curadorias de projetos como Aldeia Yapoatan, Congresso Internacional Sesc de Arte/Educação, Mostra Na Onda da Dança, Projetos Aplausos, Mostra de Formas Animadas, entres muitas outras iniciativas. Por isto, compreendo que é preciso olhar sempre com muito carinho e respeito a história do que já foi construído, fortalecendo toda a tecitura que estrutura estas ações e trabalhar a partir delas, com proposições que visem atender as necessidades de hoje. 

Atualmente, o Sesc Pernambuco possui 24 Unidades Operacionais localizadas em todo o estado. Destas, 17 atuam com ações de artes cênicas, sendo 10 delas sedes da escola sistemática de teatro, 9 de dança e 1 com o viés de circo social que está prevista para iniciar suas atividades no 2° semestre de 2022. O que posso dizer é que a diversidade é a nossa grande potência e também um desafio. O respeito aos territórios deve estar sempre na ponta da lança de nossa ação. Para isto, é necessário o mapeamento e diálogo contínuo com a comunidade, com a classe artística e com os espaços e agentes culturais/sociais, para a partir deles, entender qual será o formato e as linhas de ações propostas para cada cidade/localidade. Mas existem diretrizes que acredito que precisamos fortalecer em todos os espaços: 

– Um olhar pedagógico: toda ação de cultura é formação, ainda que em formato de fruição. Durante todo o ano, as atividades desenvolvidas devem dialogar umas com as outras, em um processo de retroalimentação continuado. Em algumas Unidades, isto já acontece de maneira muito orgânica, e faz toda diferença. Em outras, é preciso estruturar mais este direcionamento. 

– Percebo a urgente necessidade de considerar com mais amplitude o espaço da linguagem de circo em todo regional. Temos uma presença majoritária da dança e do teatro em nossas programações, o que entendo ser natural, tendo em vista que temos as escolas consolidadas há bastante tempo. Sei que existem muitas especificidades, tanto técnicas, de estrutura, quanto a realidade dos circos tradicionais, que possuem características bem próprias, mas percebo a necessidade de um diálogo aberto, reconhecendo que precisamos nos adaptar, buscar estratégias mais acessíveis para ampliar oportunidades. 

– O Sesc também é um importante agente cultural, com quadro técnico especializado, com pesquisas e experimentações aprofundadas. Olho para nosso corpo de professores e supervisores, para os alunos/atores/bailarinos que fazem parte ou passaram pelo Sesc, e enxergo o quanto promovemos iniciativas importantes e quanto temos pessoas dedicadas, competentes e comprometidas. Cada processo desenvolvido em sala de aula tem uma importância fundamental, inclusive, para realimentar a classe cultural das cidades. Temos trabalhos de bastante qualidade e relevância. Fortalecer essa rede, promovendo encontros e intercâmbios entre as Unidades é uma diretriz que propomos porque sei o quanto essas trocas instigam e inspiram, reoxigenando as ações diárias. Também ressalto o processo de coletivos artísticos que se formam, oriundos destas experiências e que, com o tempo, se tornaram independentes e tem grande representatividade e atuação em suas cidades. Digo isto pois acredito que esta diretriz não diz respeito apenas ao Sesc, mas ao surgimento de novos coletivos. 

– Penso que as nossas programações devem focar, de maneira prioritária, nas produções locais, promovendo um encontro entre os coletivos, estimulando o setor das regiões e valorizando as produções, por exemplo, do interior, onde encontramos obras de bastante qualidade. No entanto, não pretendemos fechar as portas para as produções oriundas de outros lugares. Estas virão para dialogar, trocar, aprender e ensinar, mas precisam fazer sentido nos contextos em que irão atuar. Reconhecemos sua extrema importância para trazer provocações, inspirar e desestruturar possíveis paradigmas. 

Por fim, entendo que políticas estruturantes precisam de tempo para maturar e se efetivar. Cada passo, cada provocação, talvez só reverbere daqui há anos… É preciso paciência para alimentar diariamente o processo e muita humildade para ouvir e aprender. Para conduzir processos, é necessário escuta e observação, para então, mediar, colaborar e propor. 

 – Neste ano, com previsão para os seguintes, o Transborda integra a Cena Expandida com mais quatro festivais. O que as artes da cena (e seu público) da cidade do Recife do Recife e de Pernambuco ganham com essa ação? 

A inserção do Transborda na Cena Expandida faz todo sentido para a ação do projeto, pois se trata de uma articulação entre festivais que buscaram trabalhar em rede para se fortalecer, tal qual foi o primeiro estímulo para o surgimento do Transborda, mas em instâncias institucionais. 

O público terá acesso no mês de setembro à uma vasta programação, organizada de maneira estratégica para que seja possível acompanhá-la de forma mais integral possível, pois as datas e horários foram pensados, evitando o choque entre as programações. Também, pela diversidade de contextos e perfis de cada festival, chegamos a públicos variados: conseguimos trazer a produção local, dar espaços de compartilhamento para os experimentos cênicos desenvolvidos pelas escolas de artes, contamos com programações de projeção nacional e internacional, evidenciamos a rica produção desenvolvida pelos grupos do interior do estado e oportunizamos processos de residências e experimentos a partir de mediadores de renome nacional e internacional. O Cena Expandida é um presente para o público, para os artistas e todos aqueles que compõe o organismo vivo da Cultura. 

– Qual a pergunta que não quer calar? Tem resposta? 

Como podemos multiplicar iniciativas como esta, articulando ações em cadeia, como forma de resistência e cumplicidade? A resposta não possa dar sozinha. Precisamos estar juntos na caminhada, traçando novas rotas, nos organizando de maneira estratégica para seguir em frente, articulando o discurso em conjunto, sem perder nossa essência e identidade.

 

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Festival Estudantil garimpa artistas
e investe na formação de público
*Ação Cena Expandida*

A Praieira, do Pantomima Grupo de Dança do Recife. Foto: Divulgação

Veredas da Salvação tem adaptação e direção de Rodrigo Hermínio. Foto: Divulgação

O Festival Estudantil de Teatro e Dança (Feted) funciona como um laboratório estético, uma porta de entrada artística na perspectiva de renovar quadros da cena na cidade do Recife. Essa partilha do sensível atua na base também para a formação de novos púbicos.

A sua 19ª edição acontece de 8 a 18 de setembro, no Teatro Apolo, região central do Recife, com trabalhos de alunos das escolas públicas e privadas inscritas no edital.

Retrato de Família abre a programação. Com texto de Nelson Rodrigues, a livre adaptação das peças Senhora dos Afogados, Toda Nudez Será Castigada e Álbum de Família discute as hipocrisias da sociedade. Já Vereda Da Salvação, clássico brasileiro de Jorge Andrade, mergulha no debate sobre fanatismo religioso e posse de terra.

Versões de Molière, Gil Vicente e Ariano Suassuna, respectivamente, Médico à Força, Auto da Barca do Inferno e A Farsa da Boa Preguiça, estão no repertório do programa.

Uma empresa de cupidos, mas com alguns funcionários atrapalhados movimentam a peça Departamento de Emergências Amorosas.

Fred Nascimento dirige peça de Samuel Beckett, em Fim de Jogo – Desmontagem para grupo da Escola Municipal de Arte João Pernambuco. A programação completa está no final do post.

Fim do Jogo, encenação da Escola João Pernambuco, dirigida por Fred Nascimento. Foto: Divulgação

As peças de dança estão concentradas no dia 18 de setembro, com participações do Ballet COMPAZ,  Pantomima Grupo de Dança , Grupo Celeiro do Passo, Studio oito de Danças, Colégio Equipe e Grupo Soma.

Criado em 2003 pelo produtor cultural Pedro Portugal, o Feted busca dar visibilidade e incentivar novos talentos. Alguns integrantes de grupos consolidados na cidade do Recife já passaram pelo festival, a exemplo do Magiluth, Trupe Ensaia Aqui e Acolá, Grupo Teatral Ariano Suassuna e a Trupe Mulungu Teatro de Bonecos e Atores.

Duas mulheres da cultura pernambucana são as homenageadas neste ano: a professora, diretora teatral, atriz e produtora cultural Albanita Almeida e a professora, coreógrafa e diretora artística Viviane Lira.

O Feted – Festival Estudantil de Teatro e Dança integra a Cena Expandida, articulação que junta cinco festivais no mês de setembro: o Cena Cumplicidades – Festival Internacional de Artes da Cena, o Feteag- Festival de Teatro de Agreste, o Reside – Festival Internacional de Teatro de PE, e o Transborda – as linguagens da cena, do SESC PE.  Atualizações sobre a iniciativa podem ser conferidas nas redes sociais @cenaexpandidarec.

19º FESTIVAL ESTUDANTIL DE TEATRO E DANÇA (FETED)
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife. Telefone: 3355 3321).
Ingressos: R$ 20,00 (deste valor, R$ 12,00 são direcionados a cada grupo, como forma de incentivo à produção).

Retratos de Família abre a programação do festival. Foto Divulgação

PROGRAMAÇÃO – TEATRO

Dia 8 de setembro de 2022 (quinta-feira), 19h
RETRATOS DE FAMILIA (Espaço Cênicas – Recife-PE)
Texto: Livre adaptação de três obras clássicas de Nelson Rodrigues: Senhora dos Afogados, Toda Nudez Será Castigada e Álbum
de Família.
Direção Antônio Rodrigues

Dia 9 de setembro de 2022 (sexta-feira), 19h
DEPARTAMENTO DE EMERGÊNCIAS AMOROSAS (SESC/Cine Teatro
Samuel Campelo- Jaboatão dos Guararapes-PE)
Texto: O Grupo.
Direção Anderson Damião

Dia 10 de setembro de 2022 (sábado), 16h
BOI ESTRELADO (Grupo Teatral Ariano Suassuna – Igarassu-PE)
Texto: Albanita Almeida.
Direção André Ramos

Dia 10 de setembro de 2022 (sábado), 19h
VEREDA DA SALVAÇÃO (Desvendando o Teatro – Teatro do Amanhã – Recife-PE)
Texto: Jorge Andrade / Adaptação: Rodrigo Hermínio.
Direção Rodrigo Hermínio

Dia 11 de setembro de 2022 (domingo), 16h
MÉDICO À FORÇA (Grupo Teatral AchylesCoqueijo – GTAC – Recife-PE)
Texto: Molière adaptação: Fabio Siqueira.
Direção: Marcos Santos

Dia 11 de setembro de 2022 (domingo), 19h
NARRATIVAS DE UMA HISTÓRIA DE FÉ (Desvendando o Teatro – Teatro do Amanhã – Recife-PE)
Texto: Coletivo.
Dramaturgismo/Direção: Rodrigo Hermínio

Dia 13 de setembro de 2022 (terça-feira-feira), 19h
QUEBRANTO DE UMA LUA CHEIA (Escola Estadual Cônego Jonas Taurino – Recife-PE)
Texto e direção: Sérgio Neves Barbosa

Dia 14 de setembro de 2022 (quarta-feira), 19h
AUTO DA BARCA DO INFERNO (Espaço Cênicas- Recife-PE)
Texto: Livre adaptação da obra de Gil Vicente.
Direção: Antônio Rodrigues

Dia 15 de setembro de 2022 (quinta-feira), 19h
A FARSA DA BOA PREGUIÇA (SESC Casa Amarela – Recife-PE)
Texto: Ariano Suassuna
Direção: Adriana Madasil / Iná Paz

Dia 16 de setembro de 2022 (sexta-feira), 19h
CORDEL ESTRADEIRO, UMA VIAGEM IMPRESSIONANTE AO SERTÃO (Escola Mun. Maria De Lourdes Dubeux Dourado Recife – Ipojuca-PE)
Texto e Direção: Márcio Silva Lima

Dia 17 de setembro de 2022 (sábado), 16h
UM SONHO ENCANTADO (Organização de Auxilio Fraterno – OAF –Recife-PE)
Texto e direção: Marcelinho Maracá

Dia 17 de setembro de 2022 (sábado), 19h
FIM DE JOGO – DESMONTAGEM (Escola Municipal de Arte João Pernambuco -Recife-PE)
Texto: Samuel Beckett.
Direção: Fred Nascimento

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 16h
CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS (Espaço Cultural Socorro Raposo – Recife-PE)
Texto e Direção: Sissi Loreto

PROGRAMAÇÃO – DANÇA
Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19h
DANÇA DAS BONECAS (Ballet COMPAZ – Recife-PE)
Coreografa: Liliane Freitas

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:05h
A PRAIEIRA (Pantomima Grupo de Dança Recife-PE)
Coreografas: Taynanda Carvalho e Viviane Lira

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:10h
CocoDub (Pantomima Grupo de Dança) – Recife-PE)
Coreografas: Taynanda Carvalho e Viviane Lira

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:15h
CAMARÁ: TERRA DE BRINCANTE (Grupo Celeiro do Passo – CCVA – Recife-PE- Recife-PE)
Coreografo: Anderson Henry

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:20h
FERVENDO/ ANDANDO NO PASSO DO FREVO (Studio oito de Danças – Recife-PE)
Coreografa: Liliane Freitas

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:25h
ENCONTRO (Colégio Equipe Recife-PE)
Coreografas: Taynanda Carvalho e Viviane Lira

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:30h
CHORINHO (Grupo Soma)
Coreografas: Brenda Schettini;

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:35h
WE CAN DO IT (Grupo Soma)
Coreografas: Sabrina Arruda

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:40h
CORRA (Grupo Soma)
Coreografas: Sabrina Arruda

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:45h
VALSA DAS HORAS (Grupo Soma)
Coreografas: Juliana Siqueira

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:50h
REVOLUTION (Grupo Soma)
Coreografas: Sabrina Arruda

Dia 18 de setembro de 2022 (domingo), 19:55h
MIRLITONS (Grupo Soma)
Coreografas: Juliana Siqueira

Programação da Cena Expandida

Feted – 8 a 18 de setembro (@feted.pe)
Transborda – 8 a 18 de setembro (@sescpe e sescpe.org.br)
Cena Cumplicidades – 10 a 30 de setembro (@ccumplicidades e cenacumplicidades.com.br)
Feteag – 20 a 30 de setembro (@feteag e feteag.com.br)
Reside – 22 a 28 de setembro (@residefestivalbr e residefestival.com.br)

 

Entrevista: Pedro Portugal

Pedro Portugal, produtor do Feted – Festival Estudantil de Teatro e Dança. Foto: Divulgação

– Pedro, o que te motiva, o te move a tocar o Festival Estudantil de Teatro e Dança?

Eu comecei a mexer com teatro em 1981 com Marcus Siqueira (criador do Grupo de Teatro Hermilo Borba Filho). Trabalhamos um ano juntos. Depois eu fui fazer CFA (Curso de Formação do Ator) no Teatro Joaquim Cardozo. E virei produtor em 1989. Trabalhei com Enéas (Alvarez) muitos anos no TEBO. Nos últimos anos do TEBO Enéas estava muito obeso e não podia subir as escadas. No Teatro do Forte das Cinco Pontas tinha que subir as escadas. E Sonia Medeiros fazia anos que não aparecia lá. Então, os últimos cinco anos do TEBO quem fez fui eu. Praticamente eu que fazia; Enéas dava as coordenadas, mas quem botava para moer era eu. Então, qual o motivo? O motivo era aquele que Enéas tinha: de descobrir novos talentos, de descobrir gente nova na cidade, mexer com o público, mexer com a cidade e realmente isso nós estamos conseguindo. Para você ter uma ideia, nessa nova geração, o festival este ano faz 20 anos. É a 19ª edição porque teve um ano que não aconteceu por causa da pandemia. Ano passado nós fizemos online. Então o festival tem 20 anos e a geração que está aí dessa época, 90% que trabalha com teatro passaram pelo festival estudantil. Ou como técnico, como ator, como diretor, como autor. Você não faz ideia da minha emoção quando vejo um espetáculo de um amigo, não sei porque é tanta gente que passou no festival que não sei… não me lembro de todos, claro… Praticamente 400 que passam pelo teatro por ano, tem anos que é mais. Teve um ano que só de dança foram 36 coreografias. Tinha coreografias com mais de 30 meninas e meninos. Então, faz as contas de 18 edições … multiplica por isso. Então, esse é o motivo para continuar fazendo. Eu não sei se vou continuar fazendo, eu estou ficando cansado. Tenho 65 anos e estou ficando cansado. E trabalhar sem dinheiro é muito complicado. Todo ano eu tenho que ir atrás de um amigo “ohhh meu amigo, faça a arte para mim. Oh, companheiro faça isso, oh amigo faça isso”. Aí sempre dou um agrado, mas não é o preço justo, porque a gente não tem dinheiro. A minha motivação é ver as pessoas passando na rua e muitas pessoas falando comigo: “Pedro, eu faço teatro por sua causa!”, “Pedro, eu comecei a fazer teatro com você”. Rapaz, você não faz nem ideia. Então essa é a minha motivação.  

– Você “herdou” esse festival de Enéas Alvarez, é isso? Como foi isso?

Olha, realmente, eu não herdei o festival de Enéas, não. O festival é em cima de ideias de Enéas, o TEBO. O TEBO começou como festival estudantil de teatro na Casa da Cultura e eu participei desde o primeiro ano. Eu trabalhava na Casa da Cultura. Foi lá que conheci Marcus Siqueira; nós trabalhamos mais de um ano juntos. E comecei a me envolver com o festival. Aí Enéas ficou muito chateado com o festival, porque não dava dinheiro e as pessoas ainda falavam mal do festival. Ele não ganhava dinheiro e ainda era esculhambado. Enéas iria terminar no 13º. E dona Clea Krause (primeira-dama do Recife de 1979-1982  e de 1985-1988), que faleceu, a mãe de Priscila Krause, essa mulher gostava muito de teatro. Mas isso é outra coisa. Então dona Clea disse a Enéas: “Rapaz, termina com 15”. Aí ele fez 15 anos de festival e aí o festival parou por sete, oito anos, eu não me lembro agora não. Não tenho isso na cabeça, não. O festival passou mais de sete anos parado. Aí eu conversei com alguns amigos para a gente fazer o festival e um produtor quis fazer comigo e nós fomos atrás de algumas pessoas. Fomos atrás do Sesc, formos na Fundarpe – e não vou dizer o nome das pessoas por ética – e as algumas disseram “ah isso já passou, o tempo não é mais disso, não”; “Pedro, isso é uma viagem sua”. E o produtor cultural que estava pensando em fazer comigo, também desistiu. Aí eu disse: “sabe de uma coisa, vou fazer esse negócio sozinho”. Então, é ideia do TEBO sim, mas é uma coisa em outro formato, no meu estilo, não mais do TEBO. Agora tem teatro e dança.

– Seu festival está num lugar estratégico para a formação de público, pois a mostra de vem de produções de escolas públicas e particulares, cursos livres de teatro e dança, ONGs e universidades. Que análise você faz desse papel de formador de público?

Acho o teatro Apolo um teatro legal; no centro da cidade, um teatro pequeno, que se você botar 100 pessoas tem um público legal. A gente fez todos os anos lá. Teve um ano que a gente fez a dança no Barreto Júnior. Já teve anos que a gente fez a dança no teatro do Chocolate. Mas não foi legal. Já fizemos no teatro do Parque também, a parte da dança, quando eram muitas meninas dançando. Teve ano que eram mais de 36 coreografias. E eram em dois dias. O Apolo é um lugar estratégico e o teatro é bem equipado, dá pra fazer os nossos trabalhos.

O Festival estudantil trabalha com ONGs, cursos de teatro, escolas públicas e privadas. Como é que a gente consegue formar público? Trazendo os pais para ver os filhos. Para fazer pessoas que nunca foram ao teatro sair de casa só se for para ver a família. Então a gente tira os pais de casa, tira a família inteira; vai primos, vai vizinhos, vai colegas, vai amigos. Isso é a nossa estratégia de formar público. E até os atores. Claro, 90% ou mais não serão atores, até porque não tem campo para todo mundo. É feito jogador de futebol. Eu mesmo gosto de futebol. Jogador de futebol, minha filha, é um milhão para sair sete ou oito jogadores. É feito o teatro. Como eu disse, 300, 400 passam pelo Festival Estudantil –atores, bailarinos e técnicos –,mas a maioria não será nem uma coisa nem outra.  Mas pelo menos leem um texto de teatro, vão ao teatro ver os espetáculos, sabem o que é o teatro. E outra coisa: abre a cabeça das pessoas. E é nossa ideia de as escolas chamarem arte-educadores para montar espetáculos nas escolas. Isso aconteceu durante um tempo, algumas escolas montaram espetáculos para o festival. Vinham para o festival estudantil, depois iam para o Feteag de Caruaru, iam para Vitória, iam para os festivais de estudante, que Pernambuco tem muito festival de estudante. O Feteag praticamente já não faz mais com escolas, só em Caruaru mesmo, mas não tem mais aquele festival grande, de competição, não existe mais. O Feteag se voltou para o lado profissional e até um lado mais internacional. Então era nossa ideia, mas o tempo vai mudando e a gente vai tentando adequar. Mas uma coisa é certa, as pessoas que passam pelo teatro e pela dança serão outras pessoas no futuro. Isso eu tenho certeza.

– Como você interpreta a política públicas para as artes da cena do Recife e de Pernambuco? O que é prioritário e urgente.

Eu vou ser muito sincero. Eu não tenho partido político. Eu voto em pessoas, geralmente de esquerda. Porque acho que a esquerda é mais ligada à cultura. Mas não tenho partido. Tenho as minhas convicções, gosto de estudar o candidato para votar nele.

Nós tivemos um boom muito grande na cidade do Recife na era PT de João Paulo. João da Costa começou a desmontar tudo. Então você vê que são as pessoas. PT de João Paulo e PT de João da Costa, entendeu. João da Costa acabou com o SIC municipal e outras coisas que não quero comentar aqui. O que é que falta? Faltam políticas sérias na cidade. Mas o político geralmente não investe em cultura. Por que não investe em cultura? Porque a pessoa quanto mais analfabeta melhor para eles. Dá para ver a porcentagem da pessoa que vota na direita e na esquerda. Na área da cultura as pessoas são mais antenadas. E eles não querem isso. O político em si quer as pessoas quanto mais – não são todos, claro, tem as exceções – mas a maioria deles, quanto mais burra melhor para eles, porque fica feito manada. Quem lê um livro, quem vai ao teatro, vai ao cinema, vai a uma dança, quem vai ver espetáculo de ópera ou até mesmo vai a um show, já tem outra cabeça e isso eles não querem. O que a gente precisa é de político na câmara ligado à arte. Sem política a gente não chega em canto nenhum. As pessoas que entram, tem uns que tem umas ideias boas, boa-vontade, mas esbarra. A arte é sempre última coisa que o político olha.

– Fale brevemente do cardápio dessa edição, os trabalhos. E como foi viabilizada a edição.

Nesta edição temos 12 espetáculos de teatro e 10 coreografias. Então é um cardápio bem legal de espetáculos de todas as linhas que você possa imaginar. Os textos são muito interessantes. Vou dizer feito um amigo meu dizia: o espetáculo em si pode não ser a oitava maravilha do mundo, mas só você escutar o texto já sai do teatro mais culto um pouquinho. Ultimamente temos espetáculos muito interessantes. Tem gente do Sesc, da Cênicas que é Toni Rodrigues que faz trabalhos muito legais. E tem coreografias muito boas. A dança é sempre um ponto alto no festival. Tem muitas escolas de dança boas que estão participando com a gente.

– Você sempre fala que faz o festival “na raça”. Isso é motivo de orgulho ou preocupação.

É verdade. São 20 anos de festival, mas 19 edições. A gente ganhou patrocínio: três Funcutura, três SIC municipal (teve um que a gente ganhou, mas o dinheiro não foi entregue, mexerem em tudo, acabaram com o SIC. Como é que se acaba com um edital depois de estar na rua, depois da comissão julgadora julgar os projetos, tudinho e não pagar as pessoas?!). Eu soube que meu projeto tinha sido classificado. Tinha já uma pessoa captando o dinheiro … é muito complicado. Em dois anos ou três – não me lembro direito – a prefeitura deu um dinheiro que chama do balcão. Foi na época de João Paulo – que foi muito bom para a cultura  – e arrumaram um patrocínio para a gente. Não era um patrocínio grande, mas dava para a gente fazer alguma coisa. Mas o resto dos anos, nós fazemos com o dinheiro da bilheteria e com as inscrições.

Dizem “Pedro, teu festival não passa no Funcultura porque cobra ingresso”.  Minha gente se não cobrasse ingresso o festival tinha acabado. Outra coisa. Esse ano o ingresso é R$ 20, mas desses R$ 20, R$ 12 é para as escolas, para ajudar num figurino, num adereço, num ônibus, para se mexer. Então para nós sobra R$ 8 este ano, porque ano passado era R$ 6. Nós vivemos muito em cima do ingresso. Dá para pagar uma parte das contas. A gente podia oferecer cursos e várias outras coisas, mas como fazer isso sem dinheiro? A gente não tem dinheiro nem para pagar decentemente uma pessoa que faça a arte. Tem horas que fico morrendo de vergonha. Ontem eu estava falando como o menino que faz a programação visual, Douglas Duan, – gente da melhor qualidade e a programação visual dele é linda. Eu disse a ele, “Duan, é tão chato pedir todo ano a você”. A gente dá um trocado ao cara.

Agora a preocupação é que tenha um ano ruim de público e a gente tenha que pagar do nosso bolso. Houve ano que paguei do meu bolso sim. Porque a gente viajou em coisas. Foi prometido dinheiro… Instituições prometeram e a gente botou a logomarca nos cartazes e no fim não deram dinheiro, não. Este ano nós temos o apoio da Prefeitura do Recife, pela Secretaria de cultura e Fundação de Cultura.

– Neste ano, com previsão para os seguintes, o festival estudantil integra o Cena Expandida com mais quatro festivais. O que as artes da cena (e seu público) da cidade do Recife e de Pernambuco ganham com essa ação?

A Cena Expandida, como é um piloto, vamos ver no que vai dar. Eu, Paula (de Renor), Fábio (Pascoal) e Arnaldo (Siqueira) principalmente os quatro – o Transborda é do Sesc – estamos com muita esperança de ser uma coisa muito legal. E vão chegar mais festivais, que já estiveram conosco, mas por causa do tempo não ficaram este ano. Acho que vai ser uma coisa muito interessante essa Cena Expandida. Daqui a um ano ou dois, um mês vai ser pouco para abrigar tanto festival. É aquela história, unidos somos fortes.

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“Eu me fiz.
De certa forma,
eu fiquei grávida
de mim mesma, eu me pari”.
ENTREVISTA: Renata Carvalho

Atriz, escritora e transpóloga Renata Carvalho, no lançamento do livro Manifesto Transpofágico, em São Paulo. Foto: Ivana Moura

“O olhar dela melhora o meu. Depois que a conheci, meu mundo se transformou completamente”, revelou a produtora Gabi Gonçalves, da Corpo Rastreado, sobre as micro revoluções provocadas pela trajetória da atriz, diretora, escritora e transpóloga Renata Carvalho. A emoção de Gabi ao falar da potência dos caminhos trilhados pela autora do livro Manifesto Transpofágico foi um momento lindo numa noite repleta de amorosidades. O lançamento ocorreu no dia 6 de abril, na Biblioteca Mário de Andrade, no centro de São Paulo.

Manifesto Transpofágico é a transpofagia da transpologia de uma transpóloga. Em outras palavras, Renata se veste de sua própria pele, seu corpo travesti. Alimentando-se de sua “transcestralidade”, ela narra a historicidade que carrega no corpo. A artista devora, deglute e subverte posições do pesadelo conservador de forma combativa contra a herança colonial, numa experiência pessoal renovada. Renata cria o seu festim transpofágico.

A publicação da Editora Monstra, iniciativa editorial da ONG Casa 1, tem edição bilíngue (inglês e português) e duas brochuras extras, em espanhol e francês. Além de introdução assinada pela professora Jaqueline Gomes de Jesus (IFRJ). “O texto é uma forma de registrar como memória que em 2022 tinha uma travesti fazendo um espetáculo, que esse espetáculo tinha uma pesquisa aprofundada, uma transpofagia”, avalia Renata.

Meu corpo (TRAVESTI) veio antes de mim,
(pausa)
sem eu pedir.
Ele é mais velho do que eu.
(TRAVESTI)

A pesquisa, chamada de Transpologia, foi iniciada em 2007, quando Renata Carvalho atuou como agente de prevenção voluntária de ISTs, hepatites e tuberculose.  Em Santos (SP), ela cuidou de travestis e mulheres trans na prostituição, por 11 anos. Essa vivência motivou a criação do solo Dentro de Mim Mora Outra, que levou aos palcos em 2012, narrando sua travestilidade.

O livro é versão editada do solo que protagoniza e que assina a “travaturgia”, encenado desde 2019. Com direção de Luiz Fernando Marques, o Lubi, a peça Manifesto Transpofágico expõe acontecimentos ligados à travestilidade, compartilhamento íntimo da existência de Renata e sua subjetividade e resgate histórico de dados de sua “transcestralidade”.

Ao expor os fluxos do próprio caminho de forma corajosa, ela questiona a visão cisnormativa sobre o corpo travesti, tratamento social, violências intensas ou sutis, a patologização, a criminalização, a sexualização, enfim a construção social, imagética, midiática do corpo transgênero. E ressalta que o que está em jogo é a sobrevivência, é a própria vida.

A entrevista em vídeo foi realizada no dia do lançamento do livro Manifesto Antropofágico, no dia 6 de abril de 2022, no auditório da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo.

A conversa está dividida em cinco partes curtas.

Na primeira, Renata Carvalho discorre sobre sua percepção do tempo, diz que se sente mais calma, mesmo que o clima de ameaça de morte dos corpos trans ainda seja uma realidade no Brasil.

Transfake e da representatividades trans é tema do segundo bloco.

No terceiro bloco, a artista defende que é preciso celebrar as conquistas – como a deliberação do STJ (Supremo Tribunal de Justiça), do dia 5 de abril. A Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 2006), é aplicável a mulheres transexuais no país. A decisão inédita passa a proteger com essa Lei todas as mulheres vítimas de violência doméstica. E destaca a importância da atuação de figuras trans nos espaços de entretenimento, como ocorreu com Linn da Quebrada, no BBB.

A encenação O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu estreou em agosto de 2016, no Festival Internacional de Londrina (FILO). Teve grande repercussão e muitas polêmicas foram geradas em função de censuras. O monólogo prega a tolerância, a harmonia, o perdão, o acolhimento, o respeito e o amor e Jesus é interpretado por Renata Carvalho. O espetáculo foi censurado em Jundiaí, Salvador e Garanhuns por ordens judiciais. No Rio de Janeiro e no Recife por pressões religiosas. E muitas tentativas de censura por ódio injustificável, resistência de bandos fundamentalistas religiosos, juízes de direito e grupos conservadores. Renata conta sobre essas memórias doloridas na quarta parte.

No quinto bloco, ela vislumbra futuros possíveis e festeja sua atuação no audiovisual.

Obrigada Renata pela entrevista, pela gentileza e vivacidade de sempre. Parabéns Corpo Rastreado, Editora Monstra, ONG Casa 1,e todos os envolvidos nesta ação do lançamento do livro, “que foi pensado há muito tempo e há muitas mãos”, e que “vai ganhar lugares que a gente nem consegue ter noção”, como salientou a Gabi Gonçalves

RENATA CARVALHO, nasceu em 1981, em Santos (São Paulo).
É atriz, diretora, dramaturga, escritora e transpóloga (antropóloga transgênero).
Fundadora do MONART – Movimento Nacional de Artistas Trans, onde criou o Manifesto Representatividade Trans, que visa que artistas transgêneros interpretem personagens transgêneros.
Lançou o Coletivo T, o primeiro coletivo artístico formado integralmente por artistas transgêneros em São Paulo.

 

 

 

 

 

SERIVÇO

     

Livro Manifesto Transpofágico
Edição bilíngue: de R$ 20,00 a R$ 40,00
Brochuras em espanhol e/ou francês: de R$ 10,00 a R$ 20,00

Para solicitar um exemplar:
contato@corporastreado.com
(11) 3031-7138
corporastreado
corporastreado.com
@casa1 / @editoramonstra 

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