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A inveja da carne

Alexandre Guimarães no espetáculo O Açougueiro. Lina Sumizono/Clix. Foto: Lina Sumizono/Clix

Alexandre Guimarães no espetáculo O Açougueiro. Fotos: Lina Sumizono/Clix

O monólogo O Açougueiro, com o ator pernambucano Alexandre Guimarães, recebeu elogios no 25º Festival de Teatro de Curitiba e ganhou até sessão extra no Fringe. Essa mostra paralela já revelou para o Brasil a encenadora, dramaturga e atriz Grace Passô e a companhia mineira Espanca!, com a peça Por Elise, na mostra paralela de 2005. Ou A Sutil Companhia de Teatro, em 2000, com A vida é Feita de Som e Fúria, dirigida por Felipe Hirsch com Guilherme Weber no papel principal. Foi também em Curitiba que o Angu de Teatro deu um salto em termos de projeção nacional.

Guimarães voltou ao Recife com mais fôlego para uma temporada. A peça, escrita e dirigida por Samuel Santos, está em cartaz às sextas-feiras de abril, às 20h, no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu.

A encenação destaca como a inveja é uma coisa perigosa e pode destruir vidas. Um açougueiro de um lugarejo do interior do Nordeste, apaixonado pela bela Nicinha, desperta a inveja na cidade. A felicidade é uma arma quente.

A grande ambição do protagonista é ter o seu próprio açougue. E se casar com a mulher que ama, a prostituta da cidade. O refrão “joga pedra na Geni…” é materializado pela intolerância e estupidez da sociedade, que inveja e condena seu relacionamento.

Com técnicas do Teatro Físico e Antropológico, o ator tira do corpo os sete personagens que, atravessam a trajetória de Antônio, produzindo um teatro altamente visual. O açougueiro vende o boi de abate. E encarna com o gestual, o boi de cercado, boi de rodeio, o boi de engorda, o boi reprodutor, que se metamorfoseiam quando tocados pelo amor. O intérprete se desdobra em muitos para narrar, entre aboios e toadas, essa história.

A dramaturgia é a transposição para o palco de uma conto de Samuel Santos. Ator e encenador traçam conexões entre a carne bovina, o gado, o consumo material e a ideia do corpo feminino, impuro, de Nicinha, a partir da visão dos seus juízes. A peça busca refletir sobre estigmas sociais. E apresenta um homem com expressão animalizada, cuja brutalidade é desconstruída pelo amor. Mas se vê ameaçado pela preconceito e zelotipia.

açougueiro. Lina Sumizono/Clix

Espetáculo está em cartaz no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, às sextas-feiras de abril

FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia, encenação e desenho de luz: Samuel Santos
Atuação: Alexandre Guimarães
Preparação corporal e figurino: Agrinez Melo
Maquiagem: Vinicius Vieira
Preparação vocal: Naná Sodré
Projeto gráfico: Curinga Comuniquê
Operação de Luz: Domdom Almeida
Fotografias: Lucas Emanuel / Curinga Comuniquê

SERVIÇO:
O Açougueiro – Temporada
Quando: sextas-feiras (01, 08, 15 e 22) de abril
Onde: Teatro Luiz Mendonça – Parque Dona Lindu
Quanto: R$ 20,00 e R$ 10,00
Classificação: 16 anos

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Encontro com Hilda Hilst

Fabiana Pirro estreou primeiro monólogo. Foto: Renata Pires

Fabiana Pirro estreou primeiro monólogo. Foto: Renata Pires

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A peça teatral contraria o seu próprio título e é pouco pornofônica, lasciva, desbocada, devassa, libidinosa, indecente, despudorada, escandalosa. Outro jeito de ser Hilda Hilst. A obra da criadora paulista é rica e ampla, escapa de rótulos. Seus textos estão além, porque ela é múltipla. É certo que a fase mais popular de escritura de Hilda é de conteúdo deliberadamente erótico e pornográfico. Mas a encenação cria deslocamentos e lembra que a palavra “Obscena” também remete para aquilo que está fora da cena.

O espetáculo agrega trechos dos escritos e de entrevistas de Hilst, rasgos de memória e dos estudos da atriz Fabiana Pirro e de Luciana Lyra (atriz, diretora e dramaturga pernambucana radicada em São Paulo, que assina a dramaturgia e encenação) para criar sua poética cênica.

Os questionamentos íntimos da intérprete vão buscar ressonância na elaboração criativa da escritora, que articula um eixo propagador de invenção no teatro – e através do teatro. É assim que a relação com os homens de sua vida, principalmente o pai, passa por ajustamento ficcional e friccional da composição de personagens de teatro, que estabelecem diálogos e buscam respostas.

Na cena, as complexas relações com Deus, com o pai, com a natureza, com os animais são apresentadas em camadas. A personagem Líria, uma mulher de mais de 40 anos, investiga desejos e lacunas; revezando com a figura da própria Fabiana, que dá espaço para a voz narrativa da atriz em solilóquio ou em diálogos com interlocutores fictícios.

A representação de uma árvore assume as forças divinas e da natureza, de extrema importância para o desenvolvimento da encenação, seja como cenografia ou elemento articulador do discurso.

No espetáculo, Fabiana Pirro vive Líria

No espetáculo, Fabiana Pirro vive Líria

Obscena é o primeiro solo de Fabiana Pirro e costura sentimentos. É um espetáculo de desenho bonito no palco, palavras fortes. A montagem apresenta uma intérprete que se jogou de cabeça nesse projeto. Que faz reluzir desejos, vindos da experiência. Que cresceu como atriz. A montagem deve amadurecer. Mas já nasceu bonita.

A expressividade da atriz ainda pede uma modulação mais definida do seu repertório vocal que, em muitos momentos, está impregnada das vozes de espetáculos anteriores. Não vejo acréscimo nos breves momentos de nudez e isso me fez lembrar um show de Gal Costa dirigido por Gerald Thomas, em que a cantora aparecia de peitos à mostra.

As sutilezas também podem ser intensificadas com uma possível temporada e o azeitamento do espetáculo. A poesia inundou a equipe de criação, mas a emoção, a intensidade, o que arde de misto de loucura e invenção, amor e desejo são comportas que não foram liberadas totalmente para atingir o público nas duas sessões.

Obscena foi apresentada no Teatro Marco Camarotti, como parte da programação do Janeiro de Grandes Espetáculos.

Montagem tem direção e dramaturgia de Luciana Lyra

Montagem tem direção e dramaturgia de Luciana Lyra

Ficha técnica:

Idealização do projeto e atriz-criadora – Fabiana Pirro
Dramaturgia, encenação e direção – Luciana Lyra
Trilha sonora – Ricardo Brazileiro
Preparação corporal – Silvia Góes
Direção de arte – Nara Menezes
Design de luz – Agrinez Melo
Operação de luz – Leo Ferrario
Figurino – Virgínia Falcão
Colaboração artística – Conrado Falbo
Produção – Fabiana Pirro e Lorena Nanes
Filmografia – Ernesto Filho e Renata Pires
Design gráfico – Tito França
Fotos – Renata Pires
Realização – Duas Companhias, Unaluna e Coletivo Lugar Comum

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Estreia // Anjo negro

Montagem do diretor Samuel Santos do texto Anjo negro estreia hoje

Montagem do diretor Samuel Santos do texto Anjo negro estreia hoje

Ismael não se aceita como negro e isso gera uma série de conflitos externos e internos para o protagonista de Anjo negro. Ele provoca a cegueira de um irmão, é amaldiçoado pela mãe e se casa com um moça branca, Virgínia, que mata os filhos do casal.

A pesquisa sobre a gestualidade africana levou o grupo de Samuel Santos ao texto Anjo negro, de Nelson Rodrigues. O espetáculo faz duas apresentações, hoje e amanhã às 19h, no Teatro Marco Camarotti (Sesc Santo Amaro), dentro da programação do 20º Janeiro de Grandes Espetáculos.

Com essa encenação o diretor prossegue com a busca de linguagem em que entram em cena, de alguma forma, o universo ancestral africano, os ritos católicos, numa linha expressionista extraída do teatro físico.

No elenco estáo Agrinez Melo, Ângelo Fábio, André Caciano, Maria Luísa Sá, Nana Sodré e Smirna Maciel.

Serviço
Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, direção geral de Samuel Santos e direção de arte de Fernando Kehrle
Quando: Hoje, às 19h
Onde: Teatro Marco Camarotti (Rua Treze de Maio, 455, Santo Amaro. Fone: 3216 1616)
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

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Boa sorte ao Cordel do amor sem fim

Thomas Aquino, o José, de O cordel do amor sem fim

O amor fica longe dos floreios românticos nos embates de quatro personagens apaixonados. Carminha ama José, José ama Tereza, que ama Antônio, que nem chega a aparecer em cena.

Entre batuques, sincopadas marcações de tamancos, sonoplastia ao vivo, Cordel do amor sem fim cresceu nesse tempo de temporadas esparsas.

O grupo que se apresenta hoje no festival Internacional de Londrina – FILO, tem no corpo e na voz uma energia concentrada para aquecer a audiência e contar uma história de amor. Amor desencontrado. Amor possessivo. Amor desesperado. De medos, de segredos e de esperanças.

Quando assisti novamente ao espetáculo no projeto do Palco Giratório percebi o engrandecimento da encenação (depois que o diretor Samuel Santos fez alguns cortes na montagem) e o crescimento interpretativo do elenco.

Nana Sodré como a velha e misteriosa Madalena, que parece que carrega o peso do mundo; Agrinez Melo como a dissimulada Carminha; e Eliz Galvão, como a ingênua e romântica Tereza. Thomás Aquino defende com muita dignidade seu José.

Vale destacar as máscaras que o elenco se apropria para tratar dessa ancestralidade tão cara na obra, que tem texto de Cláudia Barral, cenografia de Samuel Santos, criação de Iluminação de O Poste Soluções Luminosas, figurinos de Agrinez Melo e maquiagem de Rosinha Galvão.

Na apresentação de maio (Palco Giratório), no Teatro Hermilo Borba Filho, vi a peça de cima. E foi muito bom acompanhar o desenho coreográfico bem definido e atores plenos de seus personagens e de suas funções. E a poesia que ocupou os espaços nos gestos, nas falas, no silêncio.

Boa sorte ao grupo comandado por Samuel Santos nas sessões de hoje e amanhã no Festival de Londrina. Os ingressos, pelo menos desde o início da semana, já apareciam como esgotados no site da mostra

A poesia pode estar nos detalhes

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Melodrama em três quadros

Espetáculo Relações enquadradas

Primeiro quadro – Um papel em branco
Três textos do gaúcho José Joaquim de Campos Leão, conhecido como Qorpo Santo (1829-1883), são a base do espetáculo Relações enquadradas, do grupo Matraca, que cumpriu temporada recente no Teatro Marco Camarotti, no Recife. A montagem, que teve direção de Claudio Lira, foi dividida em quadros, costurados por dois personagens, apresentadores de uma espécie de programa de auditório.

Das linhas dos textos de Qorpo Santo, podem saltar questões como amor, poder, interesse, moral, sociedade e até política, mesmo que a lupa do autor esteja focada no relacionamento de casais.

Para a montagem, o grupo decidiu fazer algumas adaptações, entre elas a supressão de alguns personagens e a mudança de quadros de outros, e escolheu o invólucro do melodrama como estilo.

Segundo quadro – Separação de dois esposos
Parece ter sido exatamente nessa escolha que a crítica social tão pulsante no texto de Qorpo Santo se desprendeu da montagem, perdendo força e alcance.

Vamos ao enredo: no primeiro quadro, Um papel em branco, Espertalínio, professor e de Mancília, “seduz” a jovem. O verbo seduzir talvez nem seja o mais adequado, porque ela está mesmo doida para entregar-se ao senhor. No auge do amor, até uma criança eles tentam engabelar para ter alguns momentos de privacidade. Com o tempo, no entanto, as artimanhas não serão mais para se ver próximo, mas para conseguir alguma liberdade, mesmo que a volta para casa seja reconfortante.

Separação de dois esposos


No segundo, Separação de dois esposos, Farmácia e Esculápio têm uma relação em crise. Eles não sabem como agradar-se e nunca estão satisfeitos. Farmácia até já tem um namorado, Fidélis; e Esculápio também sai em busca de uma relação de “amizade”, mas ao final, os dois estão ali juntos para tudo, inclusive para morrer. Nesse texto, o autor parece usar esse casal para tratar de questões que vão muito além. “Mas quem poderá viver sem regras ou sem preceitos que regulem seus direitos; seus deveres; seus poderes!? Seriam as sociedades um caos. Anarquizar-se-iam, e logo depois — destruir-se-iam”, questiona Esculápio. No original, esse quadro tem ainda dois servos amantes, que ficaram para o final da montagem.

No terceiro, Mateus e Mateusa são idosos que se toleraram (ou não!?). Tem três filhas que lutam para ver quem consegue atrair mais o amor do pai. Nesse caso, o texto questiona a crença nas instituições, não só a do casamento, mas inclusive na justiça.

Terceiro quadro – Mateus e Mateusa
Ano passado, uma montagem fez muito sucesso na capital pernambucana: O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, da Trupe Ensaia Aqui e Acolá. A pesquisa do grupo também era baseada no melodrama. Para quem viu as duas peças, impossível não traçar paralelos: os gestos prolongados, as músicas, as caras e bocas dos personagens. Não que isso de alguma forma traga prejuízos à Relações enquadradas, mas é interessante notar como as duas montagens beberam na mesma fonte, sendo que a execução de O amor de Clotilde…, até por se tratar de um grupo com atores mais experientes, mostra-se melhor resolvida no palco. Alguns elementos em Relações enquadradas beiram o humor raso, escrachado, como quando um cupido de formas, digamos, um pouco avantajadas, entra em cena.

Outra questão é que, ao retirar os dois servos amantes do seu texto original e deixá-lo para o fim da montagem, a impressão que se dá é que aquele último quadro é forçado, estereotipado. Está certo que se baseia quase integralmente nas diretrizes do texto original, mas talvez fosse tratado de maneira mais orgânica à montagem se não tivesse sido deixado para o fim. Por outro lado, algumas soluções cênicas merecem elogios, como colocar as três irmãs do quadro Mateus e Mateusa vestindo a mesma saia.

Epílogo
Relações enquadradas foi montado por um grupo de ex-alunos do Sesc Piedade, o grupo de Teatro Matraca. E os textos escolhidos deram a possibilidade dos atores mostrarem realmente as suas potencialidades, inclusive com espaço para alguns curtos monólogos. Alguns desses atores se destacam. É o caso de Catarina Rossiter (Farmácia e Catarina) e de Maurício Azevedo (Esculápio, Silvestra, Tatu e Avó 1), esse último principalmente pelo talento para a comédia. Ainda estão no elenco Ariele Mendes (Menina e Mateusa), Geraldo Dias (Senhor Quadrado e Fidélis), Ju Torres (Quadradete e Avó 2), Mário Rodrigues (Espertalínio e Tamanduá), Ubiratan Cavalcante (Mateus) e Viviane Braga (Mancília e Pêdra).

Na ficha técnica, Claudio Lira assina direção, direção de arte, maquiagem e programação visual; Diogo Felipe a direção musical; Sandra Rino fez coreografias e preparação corporal; Agrinez Melo assina iluminação; Flávia Layme a preparação vocal; e a execução de cenário, figurinos e adereços foi de Manuel Carlos de Araújo.

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