Arquivo da categoria: Notícias

Força desde a nascente
Dossiê Aldeia do Velho Chico 2022
#2

André Vitor Brandão. Foto: André Amorim Divulgação

Perguntei a André Vitor Brandão, supervisor de Cultura do Sesc Petrolina e coordenador do Festival, se a Aldeia do Velho Chico era feminino ou ile, André respondeu que a referência no nascedouro do festival são as mulheres e que Galiana Brasil fez a ponte com o Palco Giratório. “Então a inclinação é para o lugar do ile. A potência está nas diferenças estéticas, nesse conceito de diferenças”. Ele conta que em 2020 a proposta ao falar da transição foi o de pensar futuros nas várias linguagens.

2021 veio com a força de reencantar a vida, olhar para o mundo pós-transformado, com outras práticas de sociabilidade e afetos. “Neste ano, a Aldeia é uma retomada dos espaços, retomada das ruas, da economia”, pontua.

Brandão, que também é dançarino e coreógrafo, entende que o Rio São Francisco é um elemento fundamental tanto na vida social da cidade como na arte e na cultura. “A conexão é com o Rio. Como o Rio interfere na realidade simbólica, no modo de pensar. Na construção desse corpo ribeirinho. O Rio como elemento integrador da cidade. Tem a ver com as metáforas, com os fluxos”. E exemplifica com a rota flutuante das artes visuais, um espaço de produção da região, barco dispositivo.

Crianças durante apresentação do Samba de Veio da Ilha do Massangano. Foto Fernando Pereira

Jailson Lima, na minha chegada, dá o tom de que o festival busca valorizar a cultura de Petrolina, principalmente. Salienta, em outro momento, que não tem interesse de levar “qualquer” artista / pessoa /profissional para o seu festival. Aqueles que só pensem em usufruir dos banhos de rio e demais riquezas da região sem a intenção de trocar com a cidade estão dispensados. Aviso dado.

A realização da Aldeia assegura a entrada de 200 a 300 mil reais em Petrolina. Para além do dinheiro, a injeção de vida, a pulsação de Eros para reconectar com a alegria; isso não tem preço, como diz a sabedoria popular. O espírito de celebração impera nesses dias, é tempo de tomar fôlego.

André e Jailson, dois artistas e pensadores da dança de Petrolina, salientam que a cena da dança na cidade ribeirinha, transborda Pernambuco. Os dois têm razão para o orgulho. Além do trabalho criativo com a arte, a unidade do Sesc que eles tocam investe nas potencialidades no campo da educação e do pensamento crítico.

O espaço de apoio na formação da cidadania é desenvolvido entre crianças e adolescentes e ganham lugar de destaque durante a realização do festival. Um exemplo disso são os debates após os espetáculos, com alunos de escolas da região, quando é possível perceber a importância de ações como essas.

Postado com as tags: , , , , ,

Fluxos do Rio São Francisco
Dossiê Aldeia do Velho Chico 2022
#1

Junina Renascer do Sertão. Foto André Amorim / Divulgação

Marujada. Foto André Amorim / Divulgação

 Jailson Lima,  Thom Galiano, Galiana Brasil, André Vitor Brandão e Rita Marize na abertura da Aldeia do Velho Chico. Foto André Amorim / Divulgação

Reisado da Mata de São José. Foto André Amorim / Divulgação

Samba de Véio da Ilha do Massangano. Foto André Amorim / Divulgação

A Aldeia do Velho Chico instala /propõe / produz experiências para ficar viva na memória. Pelo espírito de celebração, por tudo que transborda do Rio São Francisco transformada em arte expandida, pela beleza captada de relance nas coisas simples, pelos momentos revigorantes, inspiradores e a convivência com os humanos com tudo que cabe nessa palavra nas múltiplas camadas. É aprendizado concentrado / na veia.

Realizado pelo Sesc de Petrolina, esse Festival de Artes do Vale do São Francisco, a Aldeia do Velho Chico alcançou a maioridade neste 2022. Em sua 18ª edição, essa jovem chegou sedenta de encontros, de confluência qualificada. A prática curatorial acionou a ideia de “retomada”. Depois da gravidade da pandemia e dos estragos do pandemônio, a vida em potência urge como ação, atuação, ato político e poético.

Assim se fez. Assim se vai fazendo.

Ser o que se é amplia o ato político e poético. A organização do festival articula o sentido de retomada de territórios e das identidades, que são coisas muito complexas, mas que podem estar refletidas até em gestos cotidianos. Projetado na programação.

A inclusão de artistas da cidade na equipe de produção, com a contratação de bailarinos e atores da cena petrolinense e de seus arredores, assegura uma renda para o pessoal. É prática constante dos gestores da unidade Sesc Petrolina, como braço de apoio aos artistas. Os exercícios utópicos estão antenados com as pautas afirmativas e levam para a roda questões dos pretos, das mulheres, das trans, contra a violência prioritária contra esses grupos.

A ação cultural ocorreu de 19 a 28 de agosto, em Petrolina, um município do estado de Pernambuco, distante da capital, Recife, cerca de 750 km, o que equivale a cerca de 12 horas de carro. A viagem de avião São Paulo-Petrolina dura 2h40, duração de voo menor do que para o Recife.

A cidade

Petrolina abriga uma população estimada em 350 mil habitantes. A cidade faz divisa com o município de Juazeiro (BA) e ambas são banhadas pelo Rio São Francisco. “Eu gosto de Juazeiro e adoro Petrolina”, diz o refrão da música Petrolina-Juazeiro, de autoria de Jorge de Altinho, composta há mais de 40 anos e que até hoje embala os corações dos seus habitantes.

Essa foi a primeira vez que visitei Petrolina, apesar de já ter pisado em várias outras cidades do Sertão Pernambucano.

Sempre me disseram que Petrolina é uma cidade rica. São bem faladas suas vinícolas irrigadas pelas águas do São Francisco e indústrias de produção de vinho. Em um dos  dias do festival fui em comitiva percorrer uma vinícola, uma portuguesa. Quando um técnico da empesa disse que seus patrões portugueses estavam no Brasil há 18 anos, alguém de rápido raciocínio perguntou: “Só?!!!” Ai ai ai ai ai ai humor pernambucano. Certeiro, cortante.

O clima semiárido quente petrolinense cedeu espaço para os ventos e temperaturas mais frias nesses dias de agosto do festival, coisa que até os nativos estranharam.  O mundo está estranho e os efeitos do Antropoceno chegam aos quatro cantos do planeta.

A cidade orgulha-se das esculturas de Ana das Carrancas (1923 – 2008) e de outros rebentos artesãos. São comentadas suas frutas de exportação. São conhecidos os políticos antiquados (provincianos), de perfil oligárquico, com a família Coelho dando as cartas há mais de sete décadas.  

Na contracorrente da práxis do privilégio para poucos, resvala uma atmosfera libertária que contagia as corpas de artistas, gestores, fazedores e cidadãos da cultura ribeirinhes.  

Muitos flashes no decorrer dessas jornadas reforçam esse entendimento de que a Aldeia trabalha esse território em sintonia com as lutas e os avanços das chamadas pautas afirmativas, ou seja a busca por respeito, dignidade e protagonismo das pessoas que sempre estiveram alijadas desse processo: população negra, trans, LGBTQIA+, pobres e outros.

Exemplos felizes desses reconhecimentos foram vistos no desfile de abertura do festival, entre muitas cenas, a de um jovem de 16 anos que fazia malabarismos como a baliza desafiando os costumes obsoletos. Ou as funções de lideranças ocupadas por pessoas que geram representatividade, transformando o lugar que poderia ser de medo num espaço de vida.

Isso não é pouco. As ações para valorizar as manifestações tradicionais. Ou a valorização dos artistas da região, que permite criar uma sustentação de carreiras artísticas. Movimenta as bases do contexto social.

Rapaz da baliza, no desfile da Banda M Poeta C Drummond – Foto Andre Amorim / Divulgação

Ciel no Gogo. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Ciel Foto Fernando Pereira / Divulgação

Fazendo um arco desse espírito de liberdade do início com o fechamento da programação destaco a atuação compositor, ator, bailarino e cantor de timbre raro Ciel dos Santos. Contratenor, ele solta a voz na tessitura feminina e seu canto vai do contralto ao mezzo soprano, o que alguns chamam de uma voz andrógina.

Ciel mistura um som nordestino com ritmos latinos, coco, afoxé, música de matriz africana, umas pitadas de jazz, outras sonoridades e com uma saia minúscula, músculos à mostra, batom e purpurina “joga fora no lixo” qualquer espécie de caretice. E performa uma liberdade que atravessa suas vivências rurais e contagia em grau avançado xs espectadores que se afinam com suas experiências. Ele tem atitude, representatividade.  

São contraditórios os cenários das cidades brasileiras. A partir dos paradoxos, percebo que a Aldeia do Velho Chico funciona como microcosmo experimental onde a cultura é regada como prioridade tanto na perspectiva do desenvolvimento econômico quanto da valorização humana.

Aldeia do Velho Chico

Produzida pelo Sesc de Petrolina, a Aldeia do Velho Chico foi concebida em 2005 pela então professora de artes visuais do Sesc Edneide Torres, pelo atual diretor do Sesc Petrolina Jailson Lima, pela gestora Galiana Brasil (agora no Itaú Cultural, mas à época no Sesc PE) e pelo artista Thom Galiano. Inspirado no fluxo do rio e suas reverberações, navegam no festival múltiplas linguagens. Seus criadores mantêm forte ligação com o festival e algum grau de ingerência na programação.

Com perspectiva multicultural, a Aldeia é um desdobramento do Palco Giratório, um projeto de circulação das artes cênicas, que foi reduzido nos últimos anos, mas tem muita importância para a área.

Na rota do festival está valorização da cultura de Petrolina, principalmente. E a ativação do senso de pertencimento na ocupação de territórios. Na execução isso se reflete num programa que considere os trabalhadores da cultura da região e revigore os intercâmbios entre criadores que atuam nos interiores do Nordeste. Sentir-se inserido e aceito faz parte do processo.

Cortejo Abre Alas Pro Velho Chico. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Maracatu Beira Rio. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Banda Marcial Osa Santana. Foto Fernando Pereira Divulgação

Junina Renascer do Sertão. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Marujada. Foto André Amorim / Divulgação

Galiana Brasil, Jailson Lima, Ana Dias, Oswaldo e Rudimar no Cortejo Abre Alas Pro Velho Chico. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Desfile e Apresentações Palco Porta do Rio

Desde o primeiro dia da Aldeia do Velho Chico, um fim de tarde da sexta-feira 19 de agosto de 2022, a pisada seguia coesa à reconquista de identidades negro-indígenas. Sejam nas coreografias das quadrilhas juninas Buscapé, de Juazeiro e Renascer do Sertão, de Petrolina, que fizeram o esquente em frente ao Sesc Petrolina.

Ou nas apresentações no palco Porta do Rio do Reisado da Mata de São José (Orocó/PE), Reisado do Lambedor (Lagoa Grande/PE), Os Kongos (Sento Sé/BA), Marujada (Curaçá/BA) e Samba de Véio da Ilha do Massangano (Petrolina/PE).

Em cada passo, em cada gesto, nos cantos, palmas, partituras coreográficas, jogos de corpo eram reveladas constelação de lutas, orações e celebrações; a ancestralidade atravessada e manifesta, suas memórias de resistência, suas rotas de vivências negras e indígenas no Sertão do São Francisco.

Reisado do Lambedor na apresentação de abertura, no Palco Porta do Rio. Foto Fernando Pereira / Divulgação

O Reisado do Lambedor, da Comunidade Quilombola do Lambedor, localizada na zona rural de Lagoa Grande, por exemplo, tem quase 300 anos de tradição. Seus integrantes contam que Isaac Borges, um negro escravizado que fugiu das terras em que era explorado, no interior baiano, foi um dos fundadores da comunidade. O filho de Isaac, o líder quilombola José Borges formou a brincadeira do Reisado do Lambedor. Tornou-se uma das manifestações culturais mais tradicionais do Vale do São Francisco.  

No dia seguinte conhecemos um pouco mais da Comunidade Quilombola do Lambedor. Lá na comunidade, entre mugidos de bezerros, bodejar de bodes, os integrantes do Lambedor expõem suas lutas e desafios. Da sobrevivência do grupo à valorização do brinquedo para as novas gerações. Generosamente compartilham seus cânticos e danças, e oferecem uma mesa farta de alimentos que produzem no local.

Da abertura ao fechamento, muitas águas correram por baixo da ponte. O início estava carregado de uma ansiedade indisfarçável, a volta do evento à presencialidade. O Cortejo Abre-Alas para o Velho Chico com Bonecos Gigantes Zé Pereira e Vitalina, de Belém de São Francisco, e os petrolinenses Frevuca, Maracatu Beira Rio e Banda Marcial Osa Santana tomaram as ruas.

Esse ocupar as ruas tem também um sentido de resguardar corpas em festas pela vida, pela alegria e pela esperança.

Antes de chegar à beira do rio para as saudações, inalamos o cheiro do acarajé, atravessamos as bandeiras tremulando dos candidatos políticos locais a cargos elegíveis e flagrei olhares desatentos de uns, curiosos de outros e desejosos daqueles ainda “presos” às rotinas de trabalho.

O gerente do Sesc Petrolina, Jailson Lima enfatiza que o cortejo anuncia, vibrando, ao comércio que o Sesc produz cultura. “Chegue junto. Estamos há 18 anos celebrando a produção da cidade, independente do gosto”, assinala. “A tradição tem uma influência muito grande na produção cênica”, diz ele para mencionar ou assinalar que “aposta na produção daqui que não é visibilizada. Buscamos trazer o Rio em diálogo com a cidade. Olhar o contexto”, indica.

 

Postado com as tags: , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

Minha pequena maratona pelos bosques do Mirada

Erupção – O levante ainda não terminou, da ColetivA Ocupação, de SP. Foto: Matheus José Maria / Divulgação

Fuck me, espetáculo da argentina Marina Otero. Foto: Diego Astarita / Divulgação

Hamlet, montagem com artistas com Síndrome de Down da Teatro La Plaza, de Lima, Peru. Foto: Divulgação  

Cuando Pases Sobre Mi Tumba, do dramaturgo e diretor franco-uruguaio Sérgio Blanco. Foto: Divulgação

La Mujer que soy, do Teatro Bombón, da Argentina. Foto: Divulgação

Fiz minha pequena maratona pelos bosques do Mirada. 13 espetáculos + um e uma abertura de processo em seis dias, de 12 a 17 de setembro. Minha curadoria particular seguiu alguns critérios. Montagens com maior dificuldade de ver depois, visto que não desceriam a serra ou pouco provavelmente circulariam pelo Brasil. Alguns grupos que já conhecia, interesse pela temática, disponibilidade de ingresso e intuição, ou seja, apostar no que a produção estava vendendo como espetáculo. Dessa forma consegui assistir peças de Portugal, Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai.

O Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas ocorreu entre 9 e 18 de setembro. Cheguei no quarto dia de festival e fui embora antes do fim. Acho que tenho algum problema com essa ideia de fim.

No Mirada acontecem tantas coisas ao mesmo tempo, com choques de horários, que é humanamente impossível acompanhar tudo. Então existem muitos Miradas dentro do Mirada, como ocorre com grandes festivais pelo mundo. Performances, ações formativas, lançamento de livros, etc. etc. etc.  Só de espetáculos programados foram 36.  Alguns não verei jamais e espero que não sejam os que me tocariam profundamente. Mas isso a gente nunca saberá. Parecem ideias tão abstratas como as possibilidades de encontros não concretizadas.

Foi um percurso irregular em meio a essa profusão de vozes que projetam, talvez, o recorte mais cintilante da produção contemporânea das artes cênicas ibero-americanas.

De gratas surpresas e pequenos desapontamentos (mas isso é porque de algum modo havia expectativa), confirmações e inquietações. A vida é um pouco assim, né?!!!

No ano que marca o bicentenário da “Independência” do Brasil, Portugal é o país homenageado. Independência com muitas aspas, mas a data é oficial. É uma provocação pensar sobre a relação entre os dois países. Isso foi posto em cena de alguma forma. Nós que avançamos de colônia à monarquia até chegar à República, já passamos por tanta coisa: “libertação”, eleições restritas, ditaduras, golpes, ditaduras, eleições amplas, democracia, golpe, de-mo-o-quê?, a “invasão” de Portugal por brasileiros que fugiram desse estado de coisas dos últimos quatro anos. Não sei se assisti aos mais impactantes espetáculos portugueses. Mas muitas redes foram trançadas, vi de longe.

Farei um passeio pelos espetáculos que acompanhei desse evento produzido pelo Sesc São Paulo, por ordem das peças que assisti, mas isso pode mudar ao longo do caminho. 

As atrizes Mayra Homar e Maiamar Abrodos estão no espetáculo La Mujer que Soy. Foto: Divulgação

La Mujer que soy, Teatro Bombón

O saguão do histórico Atlântico Hotel, situado defronte do mar de Santos ficou animado para as apresentações da peça La Mujer que Soy, uma produção do festival argentino Teatro Bombón, de Buenos Aires, Argentina, que se tornou o xodó do Mirada, com todas as sessões lotadas.  O número reduzido de espectadores, o local fora do teatro (a peça foi criada para ocorrer em site specific), a simultaneidade da encenação em dois apartamentos exibindo duas perspectivas da mesma história, talvez, tenham sido o chamariz.

As surpresas positivas ainda são maiores no jogo cênico. Escolhi começar pelo lado B, Martha’s, um apê sóbrio, que traduz o estilo de vida da moradora. Num pequeno espaço, com cerca de 30 espectadores “muito unidos”, a personagem Cecilia, a filha (Mayra Homar) chega com a namorada (Daniela Pal) na casa de Marta, a mãe (Silvia Villazur), para passar uma temporada. Marta, e a plateia, suspeitam que a namorada é uma tremenda aproveitadora, disposta a dar uns golpes enquanto faz declarações de amor.

No lado A, Mercedes’, um apê vibrante, de temática queer; Marta tenta reconquistar o carinho do ex-marido, a travesti Mercedes que fez a transição de gênero após o divórcio, vivida pela atriz transexual Maiamar Abrodos. É inspiradora como é conduzida na peça uma relação amorosa entre uma mulher trans e outra cisgênero, sem conotações estranhas ou discriminatórias: um exercício amoroso no fluxo de vida. 

É uma história de gente comum, às voltas com seus dramas ordinários, movida pela busca de felicidade, contada de forma emotiva e com uma proximidade desconcertante. A dramaturgia e direção de Nelson Valente equalizam as tensões com maestria.

Para mim se destacam nesta montagem as corpas insubmissas aos padrões de beleza, a bulir de desejo e que vão à luta para conquistar o que querem.

La Mujer que Soy me ganhou pelas interpretações fortes, com intensidade e entrega e vibração específica, marcadas de uma jeita argentina de ser, algo que vai do estridente à delicadeza. E como destaque dessa cena, a atuação de Silvia Villazur com sua presença intensa, com capacidade de dizer muito com um levantar de sobrancelhas ou um pequeno gesto com a cabeça. Fez o coração do público pulsar em suas mãos.

Essa lente de aumento para uma determinada realidade que o Teatro Bombón propõe é super interessante. Criado em 2014 enquanto festival de arte site-specific de obras curtas, o programa já chegou a dez edições, com mais de  60 obras originais de teatro, dança e performance. Com curadoria de Monina Bonelli, Cristian Scotton e Sol Salinas, o Teatro Bombón ativa o sentido comunitário do fazer teatral, que, ao que parece, tem resultados excelentes de reconexão humana.

A Produção no Brasil é assinada pela OFF Produções Culturais, com André Cajaiba, Celso Curi, Heloisa Andersen e Wesley Kawaai.

La Mujer que Soy foi um dos melhores momentos do meu percurso neste sexto Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas do Sesc, o Mirada 2022.

Orgia, Pasolini, montagem portuguesa com direção de Nuno M Cardoso. Foto: Raquel Balsa / Divulgação

ORGIA, PASOLINI Teatro Nacional 21 

Há uma radicalidade na encenação de Orgia, Pasolini, do diretor português Nuno M Cardoso, que não é fácil de entrar, ou de ficar. A densidade do texto exige muita atenção e disponibilidade da plateia. A ação cênica é rara, quase ausente. Os elementos da encenação são reduzidos. O diretor já disse que se espera que plateia ouça mais que veja.

O palco se transforma em altar sacrificial, um círculo de muitas toneladas de argila preta onde os atores se confundem com o material – uma instalação da artista Ivana Sehic. Um território enlameado combina violência, culpa e obsessão. Mas não é uma história pornográfica ou erotizada. O figurino negro, a luz baixa, os elementos são combinados para saturar o trajeto noturno.

Orgia ocorre num domingo de Páscoa. Um homem já morto vai ao teatro contar sobre os momentos finais da sua vida e elucidar o motivo do suicídio. Uma voz póstuma, entre narrador e protagonista a “rebobinar a existência”. Ele e uma mulher buscam se entregar aos prazeres sadomasoquistas, mas a moral hipócrita da sociedade produz a esquizofrenia, que pressiona a mulher a se suicidar. O homem vai atrás de outra parceira, mas ele se suicida.,

Teatro da palavra, protagonismo da palavra, Orgia é reflexão densa, profunda sobre Eros e Tânatos. É arma contra o pensamento precário destes tempos.

A peça adentra pelos rituais de continuidade em repetição. As figuras são ideias a serem ouvidas durante uma hora e meia. Três intérpretes (Albano Jerónimo, Beatriz Batarda e Marina Leonardo) se deslocam no palco. Albano Jerónimo e Beatriz Batarda lutam, sem fúria. Os movimentos são contidos, a velocidade é lenta. Mas a palavra fere.

Festa de inauguração, do Teatro do Concreto, com direção de Francis Wilker Foto: Diego Bresani

Festa de inauguração  – Teatro do concreto

A história é uma construção, com predominância das narrativas dos vencedores, ou seja, da elite, é o que performa o Teatro do Concreto na sua Festa de inauguração, apresentada na Casa da Frontaria Azulejada. Mas de vez em quando os subalternos driblam essa regra. A peça foi inspirada numa reforma por infiltração no teto do Salão Verde do Congresso Nacional, em 2011. Foram encontradas no local mensagens (para o futuro) escritas a lápis, nas paredes que ficam entre o forro e a laje, pelos operários que construíram o prédio em 1959.

Entre os registros, o de José Silva Guerra, datado de 22 de abril: “Que os homens de amanhã que aqui vierem tenham compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra”.

O espetáculo, com Gleide Firmino, Micheli Santini, Adilson Diaz e Diego Borges, trabalha o ciclo constante da humanidade de construção-destruição-construção para irradiar com humor corrosivo, às vezes com melancolia, ou até faíscas de esperança, a relação entre o público e o privado, o que de público é realmente usufruído pelo coletivo e o confisco da coisa pública por alguns privados.  

A dramaturgia de João Turchi e a direção de Francis Wilker manejam em quadros performativos os conteúdos soterrados que emergem em algum apontamento da história pela ação artística.

A plateia participa ativamente dos momentos de quebrar e do ajuste de compor os destroços para a próxima sessão. Há algo de esperançar nesse performar ruínas.

Uma alegria assistir a essa montagem em que o microfone da peça e a coroa do príncipe de Shakespeare são revezados pelos atores. Um Hamlet inesquecível. Foto: Divulgação

Levar ao palco uma visão de mundo revigorada por jovens e adultos com Síndrome de Down foi o que o grupo peruano Teatro La Plaza fez no espetáculo Hamlet. A experiência dessas pessoas preenche algumas lacunas da máquina da ficção e desloca outras brechas para criar diferentes percursos para o clássico de William Shakespeare.

Sem pudores nem autocomplacência, a turma segue e subverte as pulsações do príncipe da Dinamarca, potencializa Ofelia, cria outras armadilhas para Claudio. Ao falar direto com a plateia sobre a condição deles, algum tipo de comprometimento intelectual ou dificuldade motora, o elenco revela sobre a singularidade de cada artista, de forma engraçada e apaixonante. E mais, o elenco reafirma como é difícil e prazeroso fazer teatro.

Com irreverência, originalidade e eco pop, a montagem – assinada pela peruana Chela De Ferrari com dramaturgismo com Claudia Tangoa, Jonathan Oliveros e Luis Alberto León –  propõe algumas subversões. Dificuldades de fala e linguagem, problemas de habilidades sensoriais e perceptivas são levantados para apontar que nosotros / nosotras temos algo quebrado, insuficiente, qualquer um e como é difícil reconhecer.

Ao combater o preconceito e a discriminação com uma onda elétrica de humanidade, pela via do teatro, os artistas do La Plaza sinalizam para quem quiser ver e ouvir que como é baixa nossa vã filosofia sobre normalidade e arte.

Vida longa à ColetivA Ocupação, de São Paulo e a sua Erupção – O levante ainda não terminou, que estreou no Mirada. Foto: Divulgação

Erupção – O levante ainda não terminou

Estreia disputada do espetáculo Erupção – O levante ainda não terminouda ColetivA Ocupação, de São Paulo, com direção de Martha Kiss Perrone.  A montagem foi gestada da indagação: “O que é o fim do mundo para mundos que já terminaram há muito tempo?”. A existência é luta no trabalho desses jovens artistas que carregam a cena de revolução, festa, guerra, subversão no tempo espiralado entre passado e futuro, numa perspectiva decolonial. As corpas cis e trans fervem e desse calor são traçadas coreografias, experimentados breves virtuosismos da dança urbana, numa insubordinação da Terra que borbulha e gente se revolta.

Há uma mistura de bruxaria negra, levante dos Malês, Revolução de São Domingos e uma energia concentrada de que a guerra é contra todos aqueles que os querem matar, fisicamente, intelectualmente, psicologicamente, e de outros jeitos.    

A coletivA é feita por jovens artistas que buscam o protagonismo de suas histórias com sede de liberdade.  Erupção – O levante ainda não terminou é a segunda peça da companhia que chegou chegando com Quando Quebra Queima (2017), erguida nas ocupações de escolas públicas em São Paulo.

A presença quente dessas garotas e desses garotos nesta segunda peça da ColetivA Ocupação projeta-se vibrante e utópica. Em Quando quebra queima, o elenco transpirava arte com um jeito meio desengonçado das corpas desequilibradamente de adolescentes em  crescimento, aquela fase de transição em que há desajustes de domínio. Em Erupção – O levante ainda não terminou, a trupe chega com carga total de hormônios. E ainda destreza das corpas, ousadia e uma beleza coletiva contagiante, numa mostra de que a vida que importa é poesia, e essa poética se traduz em revolução. A montagem cruza temas como colonialidade, questões ambientais, genocídios e antirracismo. Vida longa e força na luta para a ColetivA Ocupação, de São Paulo e seu espetáculo Erupção – O levante ainda não terminou. Evoé!!!

Tijuana, com o ator Lázaro Gabino Rodríguez. Foto: Divulgação

A crise de representatividade como questão da política, e do teatro, é tensionada pelo coletivo mexicano Lagartijas Tiradas ao Sol, no espetáculo Tijuana. Nele, o ator Lázaro Gabino Rodríguez conta e performa sua experiência quando adotou / inventou a identidade, por quase seis meses, de Santiago Ramírez, um cidadão que vai morar em Tijuana (Baja California, na fronteira com os Estados Unidos), para ganhar um salário-mínimo numa fábrica.

Com essa experiência, o artista buscou explorar as possibilidades de representação. “Viver” a vida de outra pessoa, isso seria atuar? Essa é uma pergunta constante no trabalho.

Santiago Ramirez “escolheu” morar numa das regiões mais pobres da cidade, onde alugou um quarto numa casa de família.

Gabino Rodriguez é um ator com bom trânsito no circuito dos festivais internacionais. Em Tijuana ele expõe seus arquivos de texto e vídeo, narra o que passou e embaralha o status de verdade. A família que lhe alugou o quarto aceita tão plenamente o disfarce como real que Ramirez é agregado nos almoços de domingo.

O intérprete viveu esse tempo apartado do seu mundo de classe média e mergulhou na dureza da vida operária. Não atingiu os seis meses com 3,5€ euros por dia, desafio que tinha se proposto. Pesaram as dores nas costas, o medo de ser desmascarado e agredido por não ser quem dizia ser até a morte, a pressão do bairro, a falta de água quente. A rotina massacrante comprometeu, aos poucos, sua condição emocional.

Essa dramaturgia baseada em práticas dos teatros do real, documentário e performativo desloca a percepção do espectador. Os procedimentos do real e do ficcional são borrados durante a encenação provocando desequilíbrios constantes na apreensão cognitiva e percepção sensorial do espectador. 

A peça integra um ousado projeto chamado La Democracia in Mexico e prevê a criação de uma série de espetáculos na intenção de conjeturar acerca da realidade mexicana e suas contradições.

Fuck me, espetáculo de Marina Otero com cinco bailarinos. Foto: Divulgação

A argentina Marina Otero realmente me desconcertou com seu com Fuck me. Saí atordoada do espetáculo, sem saber o que pensar nos primeiros momentos. Sotero aparece em cena andando com dificuldade e convence que se arrebentou na lida da dança radical, nos traumas e tombos, nas quedas de quebrar ossos.  Mas em Fuck me, a fraqueza é apenas uma máscara da bailarina imponente.

A artista levou seu corpo ao limite humano em prol de seus projetos. Esse equipamento de carne-nervos-sangue-ossos submetido a tantos choques e aberturas aparece danificado na cena. Prejudicada com seu instrumento de trabalho, ela convoca cinco bailarinos, belos, musculosos e dispostos a tomar o lugar de sacrifício para substituí-la na cena, na derradeira parte de um autorretrato criado por Otero.

São cinco Pablos, nome escolhido pela dançarina e coreógrafa argentina, entregues à causa narcisista de Marina Otero. Cada um deles narra um pedaço da trajetória dela. Marina dança desde a infância. É uma obsessão desde lá. E ela revela mais de sua vida, a filha de pai militar, e a repercussão da trajetória da ditadura que devastou seu país, a misoginia e o machismo de homens com os quais se envolveu. A violência que sempre atravessou seu corpo.

Marina é convincente e os arquivos de sua vida pregressa comprovam as manobras corporais feitas pela artista, que beiram a autodestruição, alguns espetáculos, suas memórias familiares e os registros do hospital que dão testemunho de sua espinha estragada. O sofrimento, a operação, a dança que cai.

Foi numa cama de hospital que ela concebeu essa última parte da série auto fictícia Recordar para Vivir, iniciada em 2012 com Andrea, seguida em 2014 com Recordar 30 Años para Vivir 65 Minutos. Ela lembra uma Frida Kahlo do século 21, às voltas em expressar com arte suas dores de corpo quebrado, de ser ela própria arte apesar de toda ruína. É impactante, desafiador.

Essa peça-catarse remete para qualquer coisa de amodovariana na exposição desses destroços, desses elementos que a artista leva para o palco, da criação feita enquanto se recuperava de uma grave lesão na coluna, ocorrida em 2019. O acidente a deixou sem caminhar, dançar e trepar, que em sua prática está tudo relacionado.

Marina embaralha os tempos presente e passado. Mesmo quando se apresenta como uma velhinha com limitações motoras, ela se mostra altiva a exigir de seus bailarinos uma doação máxima. Sem poder dançar, ela passa para eles a missão de executar movimentos ousados, extravagantes, numa multiplicação dela mesma.

Essa peça arrebatadora atiça nas suas camadas os efeitos do passar do tempo. Traz um desempenho deslumbrante dos bailarinos Augusto Chiappe, Cristian Vega, Fred Raposo, Matías Rebossio, Miguel Valdivieso. É possível lembrar da autoflagelação de Angelica Liddell. Mas Marina Otero tem um percurso todo seu, deslumbrante na oscilação do tragicômico. E acima de tudo admirável e imprevisível em sua cena final.  

Cuando Pases Sobre Mi Tumba, com dramaturgia e direção de Sergio Blanco. Foto: Divulgação

“A verdade também se inventa”,  é uma frase do espetáculo Tijuuana, do coletivo mexicano Lagartijas Tiradas ao Sol, mas que cabe muito bem em outras peças.

As pistas falsas traçam os fios no jogo da autoficção do dramaturgo franco-uruguaio Sérgio Blanco na peça Cuando pases sobre mi tumba. Mais uma vez ele narra sua própria morte de forma fictícia e nesta montagem Blanco é interpretado por Sebastián Serantes. Ele decide morrer e para isso recorre ao suicídio assistido, em uma clínica em Genebra, na Suíça. Faz uma consulta com o Dr. Godwin (Gustavo Saffores). O último desejo de Sergio é que seu corpo, depois de enterrado, seja violado por um jovem necrófilo iraniano (Felipe Ipar).

Blanco faz uma autópsia do desejo de poder decidir sobre o término da existência. E explica na encenação a diferença entre a morte assistida e a eutanásia. O tema é tabu e quem já viu alguma coisa da trajetória do artista prossegue encantada com sua capacidade de criar tramas tão inventivas, que não sabemos o que é real e o que não.

 Blanco, que assina o texto e a direção, tem um estilo único de misturar elementos, de ajustar a progressão dramática, mexer com  gráficos projetados, utilizar intervenções musicais, manejar com precisão drama pesado com momentos engraçados. 

A encenação é dinâmica e encantadora, intensa e maneja bem as emoções. Blanco é expert em manter a plateia entusiasmada por suas histórias.

La Luna en El Amazonas, do Mapa Teatro, da Colômbia. Foto: Rolf Abderhalden / Divulgação

La Luna en el Amazonas – Mapa Teatro

Mas é preciso apressar o passo desse passeio. E serei mais suscita nas próximas paragens. Espero.

O espetáculo La Luna en el Amazonas, dirigido pelos irmãos Heidi Abderhalden e Rolf Abderhalden, do grupo Mapa Teatro, de Bogotá, faz conexões da realidade atual com episódio do século 19, sobre uma comunidade indígena que se isolou em virtude da violenta invasão ao seu território na Amazônia colombiana.

O espetáculo faz referências ao filme Memória (2021), do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, gravado na Colômbia e com atuação de dois atores da peça.

Para erguer a montagem eles fizeram uma cuidadosa pesquisa cruzando textos  científicos e ficcionais, articulando potente material visual, sons eletrônicos e música ao vivo e o resultado é uma enxurrada de imagens, arranjadas em variadas velocidades e combinações que se assemelha a uma viagem lisérgica.

 São muito graves denúncias de destruição, assassinatos, apropriações que o grupo faz com no espetáculo. A trupe fala em resistência poética das áreas da floresta contra uma possível nova colonização. Mas não consegui abraçar em plenitude o excesso de informações, imagens, jogos visuais e gráficos, dramaturgia desse quase-manifesto.

Brasa, de Tiago Cadete. Foto: Bruno Simão / Divulgação

Brasa – Tiago Cadete/Co-Pacabana

Séculos se passaram desde a chegada dos portugueses ao que hoje chamamos de Brasil. Depois disso, sabemos agora com mais consciência (torço), vieram a colonização, evangelização forçada, escravização dos povos originários e dos trazidos forçosamente da África, tudo isso realizado com muita violência e incalculável número de mortos. Tiago Cadete é um criador lusófono que investiga os impactos desses processos e as relações entre Brasil e Portugal atualmente.

Brasa, de Cadete examina essas negociações atuais desse ato de cruzar os oceanos de antigos colonizadores e colonizados, agora motivado por outras ordens e o aumento das migrações de brasileiros para Portugal.

O próprio Tiago Cadete vivenciou esse trânsito entre entre Lisboa e Rio de Janeiro nos últimos oito anos. Artista performativo e visual, o português veio ao Brasil para cursar pós-graduação na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ao lado de cocriadores migrantes dos dois países – Isabél Zuaa, Julia Salem, Keli Freitas, Magnum Alexandre Soares, Ana Lobato, Dori Nigro, Gustavo Ciríaco e Raquel André -, Cadete constrói sua Brasa de crítica histórica.

Na peça ele expõe atritos de percepções e convergências e tenta aprofundar a análise em algumas perspectivas. Leva à cena com doses de humor a “Carta do Achamento do Brasil”, do Pero Vaz Caminha, desdobrada em outras sequências em que são exploradas questões de xenofobia e ações antidemocráticas de vários tipos, em graus ampliados.

A plateia é alojada em um dos dois espaços cenográficos e acompanha imagens de uma floresta em chamas, dança das caveiras, referências ao futebol, à língua, aos sentimentos  para fazer arder um pensamento crítico sem subserviência.  

Discurso de Promocion, com o Grupo Yuyachkani. Foto:Musuk Nolte / Divulgação

Discurso de Promocion, com o Grupo Yuyachkani. Foto:Musuk Nolte / Divulgação

Discurso de Promocion – Grupo Yuyachkani

O grupo peruano Yuyachkani explora uma linha memorialística em seus trabalhos e em Discurso de promoción (Festa de formatura) passa em cena o bicentenário da Independência do Peru, agenciando criticamente as heranças coloniais. Existe uma exuberância na cena que beira o caótico e o exagero para apresentar vários períodos históricos e a crítica a esses momentos. A trupe teatral nascida em 1971 tem uma importância indiscutível para o mapa das artes do seu país, tanto por sua atuação coletiva quanto pelas escolhas políticas, das teatralidades peruanas e das tradições indígenas.

O Yuyachkani utiliza nas suas obras arquivo documental, fotografia, instalação, dança e jogo, valorização do corpo no espaço e ativismo cidadão, como eles chamam. Sob a direção de Miguel Rubio Zapata, Discurso de promoción tem de tudo isso um pouco, de forma muito intensa. Entre ações performativas, envolvendo cultura popular e dispositivos do teatro documentário são mais de duas horas.

Apresentado no Herval 33, uma espécie de grande galpão em Santos, a ação se deslocava no espaço cênico e o público precisava acompanhar as andanças, ora sentando-se no chão, ora ficando em pé, o que provocou um cansaço desnecessário. Há de ter outras soluções menos incômodas para a fruição do espetáculo.

A encenação passa por vários estados – do festivo ao fúnebre – e começa com uma espécie de quermesse em que estudantes com um civismo cego exaltam o bicentenário da independência e com apresentações amadoras buscam arrecadar dinheiro para a formatura da turma, que será comemorada com uma excursão a Machu Picchu, cidade edificada pelos incas.

O segundo ato dá uma guinada para a revisão crítica dos heróis oficiais e de outras representações históricas. São muitos dados específicos da contestação dos atos emancipatórios e da ocupação dos espaços de libertação por homens brancos com algum destaque político ou religioso e a representação secundária do povo. É extremamente louvável essa crítica e autocritica no trato da história. Mas há dificuldade de recepção para a cena, principalmente para quem não é do país do Yuyachkani.

Fronte[i]ra |Fracas[s]o, parceria do Teatro de Los Andes e Clowns de Shakespeare Foto: Rafael Telles  / Divulgação

Fronte[i]ra |Fracas[s]o – Teatro de Los Andes e Clowns de Shakespeare

Da parceria de duas importantes trupes cênicas de pesquisa, o Teatro de Los Andes, de Yotala, na Bolívia, com os brasileiros do Clowns de Shakespeare, de Natal (RN), nasceu o trabalho cênico Fronte[i]ra |Fracas[s]o, que começou a ser gestado no ambiente digital.

Parece-me um espetáculo com muito caminho pela frente, de reajustes dos procedimentos escolhidos. Na primeira parte, no pátio do espaço Arcos do Valongo, os atores expõem o processo criativo das trupes, dividindo a plateia em grupos menores para escutar as histórias das pesquisas de campo nas cidades de Brasiléia, no Acre, e Cobija, no Departamento de Pando, na Bolívia.

O procedimento dos pequenos deslocamentos no local, até a ação de pular corda mostrou-se como muito esforço para pouca fruição.

No segundo momento é apresentada uma fábula que orbita em torno do prenúncio da divisão territorial de um vilarejo fictício. Com presenças mornas no palco e um cansaço evidente por toda a luta empreendida, o espetáculo não empolgou na apresentação de estreia no Mirada.

Todo e qualquer revés registrado na cena, na minha opinião, é reflexo das garras insaciáveis do capitalismo. As nefastas ações (ou desações) de políticas culturais que vêm tentando sufocar os artistas, no Brasil e em outros países, tem repercussões no corpo individual e no corpo de cada conjunto.

Na encenação, o elenco fala que outros atores e atrizes foram embora, largaram os grupos, ou até mesmo deixaram (espero que momentaneamente) o teatro para conseguirem sobreviver em outra função. Isso é muito grave e além das questões políticas dos territórios, o que me chamou mais atenção foram esses relatos diluídos em meio à fábula. A sobrevivência dos artistas, a integridade de seus grupos, é uma questão urgente a se pensar.

Dragón, de Guillermo Calderón. Foto: Eugenia Paz / Divulgação

Dragón, do dramaturgo chileno Guillermo Calderón leva para a cena uma crise artística. Enquanto articula o próximo projeto, o coletivo teatral Dragón – que se reúne periodicamente no restaurante Plaza Italia, na região central de Santiago – vê emergir um conflito interno incontornável entre seus integrantes. Eles tinham elegido o tema da traição e o motivo se transforma em contexto. Qual a posição da arte nas batalhas políticas?

O historiador negro Walter Rodney (1942-1980), da Guiana, um panafricanista, e ativista político, morto vítima de atentado à bomba, em 1980, aos 38 anos, é uma das inspirações da dramaturgia. Ele é citado nas conversas do coletivo. As técnicas do teatro do oprimido, mais especificamente a do teatro invisível, do diretor Augusto Boal (1931-2009) estão entre as referências como método de ação.  

Falso e verdadeiro em tempos de fake News.

A peça propõe um debate ético sobre o que artistas podem apresentar e quem eles podem representar e de que forma. A maneira, a inflexão, acentuação, modulação. Configura-se que o grupo cai na própria armadilha. Ao deixar o Chile e escolher a América Latina como cenário, na sessão que vi no Mirada o grupo adota o Brasil como território das suas referências. Não foi bom, não.

Calderón já havia dito em alguma entrevista sobre Dragón que procurou “um novo sentido de humor, uma renovada ideia de comédia”.

O tom das referências ao Brasil – de deboche e de escárnio – faz perguntar até onde pode ir um artista ao formular enunciados ou tomar o lugar da representação. Em uma cena, alguém do elenco utiliza uma peruca para falar de cotas para negros no Brasil. Isso foi incendiário.   

Com racismo entranhado nas estruturas deste país, me parece que Calderón não tinha o direito de fazer esse tratamento. Com o Brasil tingido de sangue principalmente dos negros e uma situação política deplorável, é inaceitável determinadas alusões.

Para fazer uma exposição das contradições latentes o autor precisaria ter mais propriedade de fala. O humor ácido não é um salvo-conduto para enfiar um país nas suas experimentações.

O breve e acalorado debate que se seguiu à apresentação no Mirada trouxe a tona a indignação de parte da plateia com os procedimentos levados ao palco, que chegaram como zombaria, escárnio. Ou uma atitude tão arrogante de um artista que mostrou desprezo, desconsideração ou insensibilidade com as linhas tênues do que é possível performar e representar na casa alheia.   

Ou, como diz Pollyanna Diniz, a peça reproduz no palco o que a gente condena na arte. Dragón explicita (e é) uma arte branca, falsamente engajada, que não sabe se posicionar de modo efetivo, mas faz barulho. A cena conduz a crítica a partir da reprodução do modelo criticado. E o traído é o espectador. Será que para criticar o modo como fazemos arte precisamos insistir nos mesmos moldes? Vamos tentar ampliar para problematizar as escolhas: será que, para criticar o machismo, é necessário reproduzir o machismo em cena? Para criticar uma violência, é preciso reproduzir violência? Neste caso, o espectador é o traído, aquele que encontrou no palco uma dramaturgia, entendida de modo ampliado, que apenas reitera o que critica.

Cosmos, Cleo Diára, Isabél Zuaa, Nádia Yracema. Foto: Divulgação

Cosmos – Cleo Diára, Isabél Zuaa, Nádia Yracema

Dois momentos do espetáculo Cosmos ficaram acesos na memória, a da vibração do corpo coletivo, da grandeza para fazer a revolução, com potência para inventar novos mundos.

A jornada interplanetária de Cosmos, das artistas Cleo Diára, Isabél Zuaa, Nádia Yracema e elenco é feita de feixes de luz para transportar personagens entre guerras, atravessar fome e pandemia, enfrentar o capitalismo selvagem e o racismo e seguir em busca de liberdade.

A peça fala de criação de um novo mundo, mas que existem outros antecedentes. As artistas de linhagens cabo-verdiana, angolana e portuguesa buscam na mitologia africana e no afrofuturismo as sustentações do espetáculo.

Desse trajeto pelo Mirada, os sinais emanados do palco que chegam é que as democracias estão sempre em risco. É disso que o teatro está falando. Que o mundo é / está desumano, nós já sabemos. Mas mesmo com todo o histórico de colonização, golpes de estado, e violência há sempre injeções de ânimos na veia política, como propõe Erupção e da poética como investe Hamlet. Até o próximo festival Mirada!

  • A jornalista e crítica Ivana Moura viajou a convite da organização do Mirada 2022 – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas e do Sesc São Paulo
Postado com as tags: , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

CENA EXPANDIDA em Pernambuco
Iluminando os festivais de artes cênicas

Dançando Villa, da Curitiba Cia de Dança participou do Cena Cumplicidades. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Stabat Mater, um dos destaques da programação do FETEAG. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Leitura dramatizada do texto Planeta Tudo, (planeet Alles), no RESIDE FIT-PE. Em cena Iara Campos, Romualdo Freitas, Edjalma Freitas e Naruna Freitas e o viodeomaker Gabriel de Godoy, Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Cordel Estradeiro, Uma Viagem Impressionante ao Sertão, da Escola Municipal Maria De Lourdes Dubeux Dourado do Recife, em apresentação no FETED. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

ITAÊOTÁ, do Grupo Totem na programação do Transborda. Foto: Divulgação

Cinco festivais de artes cênicas de Pernambuco participaram de uma experiência inédita e promissora no estado chamada CENA EXPANDIDA. O Cena Cumplicidades – Festival Internacional de Artes da Cena, de Arnaldo Siqueira; o FETEAG – Festival de Teatro do Agreste, de Fábio Pascoal; o FETED  – Festival Estudantil de Teatro e Dança, de Pedro Portugal; o Transborda – As Linguagens da Cena, com curadoria de Ariele Mendes e equipe do Sesc-PE, e o RESIDE FIT-PE – Festival Internacional de Teatro de Pernambuco, de Paula de Renor, se juntaram numa ação conjunta no mês de setembro no intuito de produzir um bom impacto cultural nas cidades envolvidas (Recife e Caruaru)  e seus entornos, testar a força da união de seus realizadores e articular novas possibilidades de futuros a partir das atividades formativas e espetaculares propostas.  

A atriz, curadora e produtora Paula de Renor salienta que a CENA EXPANDIDA deste ano foi uma experiência, um teste, uma espécie de projeto-piloto, já provado em pequenas doses em 2018 e 2019. “Em 2022 fomos bem além! Unimos cinco festivais, ordenamos as programações, distribuindo-as nos teatros (o que acho foi o mais complicado, pelos poucos teatros que dispomos) e tentamos que programações dirigidas a um mesmo público não se chocassem em seus horários”. 

A CENA EXPANDIDA viabilizou uma aproximação e um diálogo mais ampliado entre os produtores dos festivais envolvidos, ressalta Ariele Mendes, do Transborda. O produtor, curador e professor Arnaldo Siqueira considera que foi um passo bem importante, “oxalá tenha continuidade e ampliação do apoio dos poderes públicos”. Fábio Pascoal, produtor e curador do FETEAG,  lembra que projetos como esse são importantes para o fortalecimento da rede produtiva e para ampliar público e o acesso.

“Essa prática tem sido uma constante com o FETEAG”, situa Pascoal, pois assegura que seu festival busca a cada edição construir novas parcerias e fortalecer as existentes. “Em 2013 fizemos uma edição partilhada com o TREMA!, em 2014 com a Mostra Capiba/SESC Casa Amarela e em 2017 com o TEMPO Festival/RJ, FIAC/BA e com a Bienal de Dança do Ceará. Acreditamos em parcerias”.

Ariele reforça o papel desse entrecruzamento. “Nesta rede que se estabeleceu, conseguimos vivenciar uma integração de maneira muito mais efetiva, o que possibilitou, por exemplo, a busca por soluções para imprevistos (eles sempre acontecem) que, normalmente, acarretariam um desgaste muito grande para a equipe de cada festival específico, mas que neste movimento, foi possível compartilhar e buscar apoio junto às lideranças de cada projeto, facilitando os processos”.

Já o Arnaldo Siqueira entende que a relação profissional e solidária dos/entre produtores foi incrível na CENA EXPANDIDA. “Apenas a título de exemplo, o próprio Cena Cumplicidades abriu mão de pautas/dias e horários para oportunizar que colegas de outros festivais pudessem pautar certos trabalhos”. Mas salienta que “de outra parte, o Cena Cumplicidades foi beneficiado com a força comunitária da articulação junto aos teatros e à FCCR (Fundação de Cultura Cidade do Recife).

Outro exemplo de cooperação citado por Siqueira foi a disponibilidade de Pedro Portugal, produtor do FETED e fotógrafo, que substituiu de pronto uma fotógrafa do Cumplicidades, que adoeceu de repente. “Tal comportamento demonstra o nível de entrosamento e colaboração, algo que põe por terra o mito do caranguejo na lata que puxa para baixo o que está subindo”, situa Arnaldo.

Pedro Portugal, mencionado por Siqueira, considera que a CENA EXPANDIDA trouxe benefício para o seu festival estudantil. “Por ser um festival mais ligado às escolas, uma coisa amadora, não é menor (*faz questão de frisar!), mas posso até dizer mais caseira, possibilitou mais visibilidade. Então nós ganhamos uma dimensão maior. Quanto mais estivermos juntos melhor”.

Paula de Renor. Foto Pedro Portugal

Paula de Renor, do RESIDE FIT-PE – Festival Internacional de Teatro de Pernambuco. Foto Pedro Portugal

Arnaldo Siqueira. Foto: Christina Rufatto

Arnaldo Siqueira, do Cena Cumplicidades – Festival Internacional de Artes da Cena Foto: Christina Rufatto

Fábio Pascoal, do FETEAG – Festival de Teatro do Agreste. Foto: Reprodução do Facebook

Pedro Portugal, do FETED  – Festival Estudantil de Teatro e Dança. Foto: Divulgação

Breno Fittipaldi, curador e produtor do Transborda Casa Amarela; Luiza Cordeiro, diretora-presidente do Centro Social Dom João Costa e Ariele Mendes, curadora e analista de artes cênicas do Sesc Pernambuco. Foto: Divulgação

Essa edição da CENA EXPANDIDA é só uma parte do que foi idealizado, conta Paula de Renor. “Essa ação de colaboração é mais ampliada, com a participação de mais festivais e uma divulgação potente e eficaz, com grupos de mediação em comunidades, nos teatros, mapeando públicos diversos e oferecendo um cardápio grande de atrações durante um mês em teatros e na rua”, arquiteta.

Mas como todos nós sabemos, as verbas são fundamentais para o bom andamento dos projetos. “Infelizmente sem dinheiro é muito difícil fazer qualquer festival, por menor que seja”, frisa Pedro Portugal. “Também tivemos muito pouco tempo para fazer uma coisa maior, uma cena expandida maior, com mais abrangência e divulgação”, diz ele. 

Paula de Renor fornece outros dados: “Trabalhamos dividindo recursos para pagamento de despesas de divulgação e algumas vezes potencializando ações com o compartilhamento de atrações, sem tirar a autonomia de cada festival”.

Ao ser perguntado o que pode ser melhorado na CENA EXPANDIDA, Arnaldo Siqueira foi bem suscinto: “Proatividade na relação com os entes públicos. E seletividade”. Paula de Renor reconhece que precisava de mais divulgação. A falta de patrocínio dificultou o que foi idealizado. “Conseguimos apoio da Prefeitura do Recife via Secult e FCCR, o que foi decisivo para darmos o ponta pé inicial e apresentar ao público nosso intensão, mas não chega perto dos valores de patrocínio que precisamos para que tenhamos investimento em uma coordenação de produção geral do projeto e divulgação em mídias espontâneas e pagas”, posiciona.

Fábio Pascoal diz que é necessário fazer uma “avaliação precisa do papel de cada festival dentro da rede, respeitando suas individualidades e programações”. Outro ponto que ele visualiza para as próximas edições é o compromisso das instituições parceiras, “que acreditam no potencial da iniciativa e possam apoiar financeiramente a proposta, tendo em vista que é uma iniciativa de produtores independentes, que deve ser reconhecida como tal”. Paula de Renor acrescenta: “Não buscamos captar verbas para cada festival que participe da CENA, esse não é nosso objetivo. Para isso cada festival luta individualmente na procura de recursos para sua realização. E justamente pela falta de verbas de patrocínio vários festivais deixaram de acontecer este ano”.

A experiência suscita diversas reflexões e inquietações que miram o futuro, na opinião de Ariele Mendes. “Entendo a CENA EXPANDIDA como um movimento, e desta forma, não a vejo iniciando ou se encerrando no mês de setembro. Ela precisa permanecer por todo ano, de maneira contínua e articulada, em diálogo com a classe, com as instituições, coletivizando junto a outros produtores, se colocando em atuação nas diversas esferas… A realização dos festivais é o momento de festa, da celebração… Mas para que eles possam acontecer, é necessário uma série de processos e conquistas, que só é possível quando se ocupa certos espaços nos debates contínuos da cultura, construindo pontes estruturadas, no dia a dia…” Ariele entende que “todos os produtores envolvidos já são muito atuantes nestes diálogos. Juntos, conseguiremos ainda mais força”.

“O que propomos”, evidencia Paula de Renor, “é que a CENA EXPANDIDA seja entendida como uma ação que, potencializada, pode entrar no calendário da cidade, movimentando o turismo cultural, atraindo público das cidades vizinhas”. Ela cita como exemplo a cidade de Edimburgo na Escócia. “Durante um mês, Edimburgo envolve uma quantidade enorme de festivais que acontecem simultaneamente e sua população de 500 mil habitantes chega a 1 milhão nesse período. A cidade vive deste turismo cultural. Essa é uma construção de muitos anos, mas se a gente não acreditar e não começar agora, nunca saberemos se em Recife poderá dar certo.
Estamos provocando e motivando Prefeitura e Governo do Estado para que percebam o que estamos oferecendo à cidade!”, alerta.

Se liga Recife!!!  Parodiando Carlos Pena Filho, é do sonho de mulheres como Paula de Renor que uma cidade se inventa.

Poeta Preto, da Trupe Veja Bem Meu Bem no FETEAG. Foto: Pedro Portugal Divulgação

Um Mero Deleite, da Nalini Cia de Dança (Go) , integrou a programação do Cumplicidades. Foto: Ivana Moura

Arnaldo Siqueira – Entrevista

Arnaldo Siqueira. Reprodução de tela do Youtube

Encaminhei perguntas para os representes dos cinco festivais no início da programação. Ariele Mendes respondeu pelo Transborda; Fábio Pascoal pelo seu FETEAG, Pedro Portugal pelo seu FETED, Paula de Renor deu um truque e Arnaldo Siqueira respondeu, agora já como balanço. 

Os números do Cena Cumplicidades chegaram a 23 trabalhos artísticos, em 40 apresentações de 3 Países (Portugal/Moçambique/Brasil), 6 estados da federação (PE/ RN /PB/ GO/ PR/ RJ), sendo de Pernambuco obras de Recife e Jaboatão dos Guararapes. Além disso o Cumplicidades teve como atividades complementares 5 workshops, uma residência artística de videodança (on line e presencial) e uma mostra de videodança. “Certamente não teria sido assim sem a articulação da CENA EXPANDIDA”, destaca.

Arnaldo, o Cumplicidades já levou espetáculos incríveis para os palcos de Pernambuco,
montagens internacionais ousadas, que contribuíram para a ampliação do olhar sobre a cena contemporânea. Pergunta: o que te motiva, o que te move a tocar o Cumplicidades? O que você busca com isso?
O que me motiva é fomentar as artes da cena, sobretudo a dança que, sendo uma arte da juventude, como tal, necessita de doses regulares de informações artísticas. Num mundo de acessos fáceis e reprodutibilidade, onde a cópia deu lugar à reprodução do original, sendo ela
mesma um (outro) original. Acredito que as artes do corpo, e a dança em especial, é a joia rara que só se capta na presencialidade (por isso joia, e também rara). Não há meio termo possível (a tela não dá conta disso), é preciso que súbito se tenha a impressão de ver e sentir algo que só naquele momento de presencialidade foi possível. E que um rosto adquira de vez em quando uma expressão só encontrável no orgasmo. É preciso que tudo isso que está na cena seja sem ser, mas que desabroche no olhar do espectador. E se plasme no encontro com o inesperado.

Qual a posição do seu festival no mapa da cidade (e do país) no que se refere à formação de público, a balançar as estruturas, a honrar a tradição nas artes cênicas ou traçar pontes com o contemporâneo?
O festival enfoca as artes da cena com atenção à singularidade da dança, do corpo e da performance. Desde 2008 o festival cultiva a experimentação de linguagem, a formação de plateias no Recife (que já foi um dos centros das artes cênicas), mas também se dedica ao
fomento de novos talentos na cidade, e à cooperação dos artistas locais e regionais com estrangeiros, dando ênfase ao intercâmbio com a produção ibero-americana. Enfim, busca a atualização estética tanto do público quanto dos artistas de cena, principalmente os da dança.

Como você interpreta as políticas públicas para as artes da cena do Recife e de Pernambuco? O que é prioritário e urgente?
Indiferente e sem compreensão NENHUMA do papel dos festivais.

Fale brevemente do cardápio dessa edição, os trabalhos. E como foi viabilizada a produção?
A edição de 2022 enfocou à produção artística considerada de superação e enfrentamento tanto dos impactos da pandemia do Covid 19, como das agruras do atual cenário de descaso e precariedade do país no âmbito da cultura. O Festival deu visibilidade a uma produção local que investiu em criação artística presencial, oportunizou a contratação de coreógrafos, técnicos e bailarinos locais, e, assim, contribuiu com a cadeia produtiva da dança do Recife. No âmbito internacional (e seguindo o mesmo raciocínio de consideração de investimento na produção local) o Festival programou os trabalhos desenvolvidos na Região NE (PB e PE) por artistas estrangeiros com artistas brasileiros (Oráculo do Corpo e Orivayá – o vento pediu para a folha dançar), ou trabalhos desenvolvidos fora do país por artistas nordestinos (Pin Dor Ama primeira lição e Santa Barba, ambos de Portugal, são alguns exemplos).
A formação da equipe atendeu aos mesmos requisitos de quem, a despeito das necessidades, manteve-se na produção cultural, resistindo. Diferentemente de anos melhores, nas últimas edições venho, eu mesmo, fazendo a produção executiva. “Bato o escanteio e corro para
cabecear para o gol”.

A praxe dos festivais em Pernambuco é tocar essas iniciativas “na raça”. Isso é motivo de orgulho ou preocupação? E como você vem realizando nos últimos anos?
É motivo de preocupação sobretudo para os festivais consolidados como o Cena
Cumplicidades. Nos últimos anos estamos realizando “na raça” como vc disse.

Neste ano, com previsão para os seguintes, o seu festival integra o CENA EXPANDIDA com mais quatro festivais. O que as artes da cena (e seu público) da cidade do Recife e de Pernambuco ganham com essa ação?
Uma pluralidade incrível de opções e a oportunidade de perceber a força das artes da cena da cidade.

Qual a pergunta que não quer calar?
Quando o poder público vai atentar para o valor de festivais consagrados? Tem resposta? Está no tempo…

 

Deslenhar, do Teatro Miçanga, se apresentou no Transborda

José Neto Barbosa, na leitura Os Titãs, de Paola Trazuk, com direção de Monina Bonelli, na programação do RESIDE FIT-PE. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Outros textos sobre o CENA EXPANDIDA postados:

Cena Expandida na reta final

Festival RESIDE avança na internacionalização com dramaturgia holandesa e proposta argentina *Ação Cena Expandida*

A resistência dos vaga-lumes Feteag chega à 31ª edição*Ação Cena Expandida*

Transborda integra o Cena Expandida

Festival Estudantil garimpa artistas e investe na formação de público *Ação Cena Expandida*

Cena Expandida em Pernambuco Uma ação articulada com cinco festivais

Postado com as tags: , , , , , , , , , , , , , , ,

Cena Expandida na reta final

Um Mero Deleite, com a Nalini Cia de Dança, está no Cena CumpliCidades. Foto Daniel Calvet / Divulgação

Gabriela Holanda é atração do Feteag – Festival de Teatro do Agreste com Sopro D’Água. 

Leitura dramatizada do Festival Reside, com direção de Rodolfo García Vázquez

Com leituras de peças, lançamento de livros da dramaturgia holandesa, shows, espetáculos de teatro e dança, três dos festivais que integram o Cena Expandida finalizam a edição de 2022 nesta semana. São eles: CenaCumplicidades, Feteag – Festival de Teatro do Agreste e Reside Festival. Também integram o Cena Expandida, ação de articulação e colaboração entre os festivais, o Transborda -as linguagens da cena, do Sesc/PE e o Festival Estudantil de Teatro e Dança, todos eles realizados neste mês de setembro.

O Cena CumpliCidades, que privilegia a dança e a performance, oferece no seu quadro de programação Um Mero Deleite, da Nalini Cia de Dança, na quinta-feira (29/09) e na sexta-feira (30/09) no Teatro Hermilo Borba Filho, O espetáculo que resgata o Mito do Andrógino, do livro  O Banquete de Platão, para discutir a busca inquietante pelo amor conjugal.

O Mito do Andrógino fala de seres completos e quase perfeitos, que foram partidos ao meio pelos deuses e, se sentindo mutilados, vagam por toda a vida em busca da sua outra metade. O trabalho cutuca essa característica humana de buscar no outro uma completude. Um Mero Deleite pergunta em movimentos coreográficos se a solução para a inquietude humana é o amor romântico.

Na sexta-feira (30/09) tem uma obra inspirada em Heitor Villa-Lobos (1887-1959), o mais importante e reconhecido maestro brasileiro, chamado Dançando Villa, do Curitiba Cia de Dança, no Teatro de Santa Isabel. Villa-Lobos alargou o imaginário do Brasil para os brasileiros, valorizando a diversidade cultural, identitária e sonora. No espetáculo de dança contemporânea, as coreógrafos Nicole Vanoni e Rosa Antuña levam ao palco partituras que destacam um corpo coletivo desejoso, que comungam alegria e fé de suas origens, das expressões das danças brasileiras.

Ainda na sexta ((30/09), tem Santa Barba, com Paulo Emílio, de Portugal, no Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro. Culmina com uma festa, no próprio museu, o MUAFRO, com as participações de Santa Barba, Dinian Calazans e Samba no Canavial.

Desde março de 2017, que Santa Barba (Paulo Emílio) circula por cafés e espaços culturais do Porto e Coimbra, em Portugal, semeando seu universo poético performativo de canções e muitas memórias. Essa curadoria artística carrega uma mistura de alegria e dor, reminiscências da descoberta da sexualidade e a consciência de abusos sexuais e morais sofridos na infância e adolescência. Acompanhada por dois amigos, músico e DJ, a artista projeta as referências impregnadas na corpa, como Santa Paula Barbada, de Ávila, Espanha; Carmen Miranda; Clovis Bornay; Elke Maravilha; Ney Matogrosso; Dzi Croquetes; Frenéticas…, e suas vivências religiosas, amorosas, etc. etc. etc.

Ivam Cabral, tradutor; Esther Gerritsen, dramaturga e Rodolfo García Vázquez, tradutor e diretor da leitura

Os atores Romualdo Freitas, Iara Campos e Edjalma Freitas. Foto: Divulgação

Já o trunfo da 4ª edição do Reside Festival é o Projeto de Internacionalização de Dramaturgias, que ganha duas ações nesta quarta-feira (28/09) no Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h. A leitura dramatizada de Planeta Tudo, de Esther Gerritsen, com tradução de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez. E o lançamento da coleção de cinco textos de autores holandeses contemporâneos, traduzidos por artistas brasileiros e editados pela editora Cobogó.

A leitura, com o Coletivo Caverna, é resultado de uma residência artística com o diretor Rodolfo García Vázquez, da Cia Os Satyros, de São Paulo.

Planeta Tudo –  Alles (planeet Alles) é uma comédia absurda, crítica do comportamento  dos  humanos. A lupa de aumento sobre os procedimentos dos terráqueos ocorre quando três alienígenas, do Planeta Tudo, chegam à Terra para arranjar uma pecinha para um botão de volume deles. Como no território desses ETs tem de tudo, mas apenas uma unidade, quando quebra eles correm o universo para consertar. No caso, a Terra, que tem uma abundância de trecos diferentes.

A autora de Planeta Tudo –  Alles (planeet Alles), a holandesa Esther Gerritsen, além de dramaturga é romancista e roteirista. Em 2014 recebeu o prêmio Frans Kellendonk pelo conjunto de sua obra. Ela assina o roteiro do filme Instinct (Instinto), de 2019.

Semana passada, o Reside apresentou dois textos criados dentro do contexto do Bombón Gesell-Violência e Justiça na Ibero-América, outro projeto curatorial colaborativo internacional esse realizado em parceria com o Festival de Teatro Bombón, da Argentina. Foram lidos os textos O Aquário, de Janaína Leite e Colors Bars, de Giordano Castro, ambos com direção Juliana Piesco e elenco formado por alunos de Artes Cênicas da UFPE. Além de Os Titãs, da dramaturga argentina Paola Trazuk, com o ator potiguar José Neto Barbosa e direção de Monina Bonelli.

Idealizado por Márcia Dias, diretora e curadora do TEMPO_FESTIVAL, o Projeto de Internacionalização de Dramaturgias foi fortalecido com o envolvimento do Núcleo dos Festivais. O Núcleo produziu as duas primeiras edições, que traduziram as obras de autores espanhóis e franceses contemporâneos seguidas de encenação.

A diretora do Reside, Paula de Renor, insiste que seu festival oferece um contato estreito do público e dos artistas pernambucanos com expressões dramáticas contemporâneas. Com a residência do coletivo A Caverna com o diretor Rodolfo Garcia Vazquez e o workshop Arte e Comunidade com Monina Bonelli  e Sol Salinas, do Teatro Bombón, na Argentina, o Reside planta outras sementes e faz articulações para verticalizar sua vocação de difusão, formação e  reflexão da cena teatral.

A´s situações hídricas estão no centro da pesquisa de Gabriela Holanda. Foto Divulgação

Estudo N°1 Morte e Vida, do Grupo Magiluth. Foto: Vitor Pessoa / Divulgação

Rubi. Foto Victor Soldano / Divulgação

Em Caruaru, a preocupação com as mudanças climáticas ganha potência de arte. Sopro D’Água, com Gabriela Holanda (Olinda/PE) é exibido no Teatro Rui Limeira Rosal, nesta quarta-feira (28/09) às 20h. Essa peça reivindica a reconexão com o mundo aquático e pergunta:  qual o lugar da água numa sociedade à beira de um colapso ambiental? A dança de Gabi Holanda parte da tríade água-corpo-ambiente, e se sustenta na compreensão de que somos e viemos da água,

A questão da migração motivada por condições “melhores”, a  relação do ser com a a terra, com o trabalho, com a morte e com o poder político estão na base do espetáculo Estudo Nº1: Morte e Vida, do Grupo Magiluth, do Recife. As urgências alarmantes dos últimos tempos atravessam essa peça-palestra, que dialoga com João Cabral de Melo Neto, e segue tecendo sua própria linguagem teatral. Com posicionamento político, com alegrias estéticas.  “Olé, Olé, Olé, Olá, Severino, Severino”. Está na programação do Feteag desta quinta-feira (29/09), às 20h, no Teatro Rui Limeira Rosal em Caruaru

Nem toda pausa é espera, do cantor Rubi faz o show de despedida da Feteag deste ano, na sexta (30/09), às 20h, no  Teatro Rui Limeira Rosal, em Caruaru. Dono de voz afinadíssima e forte presença de palco, Rubi ganha relevo no cenário nacional por saber editar a vida, isso inclui a escolha de repertório, que revisita a tradição da música brasileira e adota compositores contemporâneos. Impressionou positivamente por sua força cênica e vocal quando participou de shows de Elza Soares, A Mulher do Fim do Mundo e Deus é mulher.

 

Reside Festival

Dia 28/09 

Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h
Leitura dramatizada do texto Planeta Tudo(planeet Alles), 
de Esther Gerritsen/Holanda,
com tradução de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez – Satyros (Brasil-São Paulo).
Direção de Rodolfo García Vázquez com Coletivo Caverna/PE.
Elenco: Edjalma Freitas, Iara Campos, Mozart Oliveira e Naruna Freitas. 
Iluminação: João Guilherme de Paula, 
Vídeo: Gabriel de Godoy, 
Adereços: Romualdo  Freitas, 
Produção: Luiz  Manuel.
Transmissão da leitura ao vivo, pelo canal no YouTube do RESIDE, com a participação da dramaturga holandesa Esther Gerritsen, direto da Holanda, e com Ivam Cabral (um dos tradutores), que estará em Estocolmo.

Lançamento da Coleção Holandesa: após a leitura, haverá o lançamento da coleção de livros com cinco volumes, editada pela editora Cobogó:
– Ressaca de palavras, (Spraakwater) de Frank Siera, tradução: Cris Larin
– No canal à esquerda (Bij het kanaal naar links), de Alex van Warmerdam, tradução: Giovana Soar
– Planeta tudo (Alles – planeet Alles),  de Esther Gerritsen; tradução: Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez
– Eu não vou fazer Medeia (I won’t play Medea), de Magne van den Berg, tradução Jonathan Andrade
– A Nação – Uma peça em seis episódios ( The Nation), de Eric de Vroedt / Het Nationale Theater, tradução: Newton Moreno e Almir Martines

Cena CumpliCidades

29/09, quinta-feira, às 19h
30/09, sexta-feira, às 19h

UM MERO DELEITE
com Nalini Cia de Dança
Teatro Hermilo Borba Filho
55 minutos
Classificação: 10 anos
FICHA TÉCNICA
Direção Geral e Coreografia: Valeska Vaishnavi (Valeska Gonçalves)
Assistente de Direção e Produção: Gandha Leite
Intérpretes Criadores: Isabel Mamede, Inaê Silva, Roh Witcth, Gandha Leite, Gabriela Neri
Trilha Sonora Original: Erick Galdino
Desenho de Luz e Figurino: Gandha Leite e Valeska Vaishnavi
Produção Executiva: Marcilene Dornelas
Apoio: World Group Company e Centro Cultural UFG

 

30/09, sexta-feira, às 20h

Dançando Villa. Foto: Divulgação

DANÇANDO VILLA
Curitiba Cia de Dança

Teatro de Santa Isabel
50 minutos
Classificação: Livre
FICHA TÉCNICA
Direção Artística e Geral: Nicole Vanoni
Coreografia: Rosa Antuña
Produção: Flávia Sabino
Direção de Produção: Augusto Ribeiro
Assistente de Direção: Hamilton Felix
Iluminação: Fábia Regina
Integrantes da Companhia: Patrich Freire, Nicole Vanoni, Rubens, Jackson, Giulia Santos, Julia Melo, Davi Nascimento, Nathalia Tedeschi, Fábia Regina, Lucília Maria, Leonardo Kabitschke, Isabela Venâncio, Isaías Estevam, Hamilton Felix, Vanessa Santos, Tatiana Araújo

30/09, sexta-feira, 22h

Santa Barba. Foto: Dori Nigro

SANTA BARBA
Paulo Emílio (Portugal)
Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro
90 minutos
FICHA TÉCNICA
Criação e performance: Paulo Pinto
Músico: Maurício Alfaya
Dj: Coby
Produção: Dori Nigro e Patrícia Alfaya

FESTA
Santa Barba / Dinian Calazans / Samba no Canavial
Local: MUAFRO

Feteag – Festival de Teatro do Agreste 

28/09, quarta-feira, 20h

Gabriela Holanda. Foto: Divulgação

Sopro D’Água
Gabriela Holanda( PE)
Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)

29/09, quinta-feira, 20h

A bandeira de Kiribati e as mãos levantadas como pedido de socorro, no espetáculo do Magiluth

Estudo Nº1: Morte e Vida
Grupo Magiluth (Recife/PE)
Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)

30/09, sexta-feira, 20h 

Show – Nem toda pausa é espera
Rubi (Brasília/DF)
Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)

Postado com as tags: , , , , , , , , , , , , , , , , , ,