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Fluxos do Rio São Francisco
Dossiê Aldeia do Velho Chico 2022
#1

Junina Renascer do Sertão. Foto André Amorim / Divulgação

Marujada. Foto André Amorim / Divulgação

 Jailson Lima,  Thom Galiano, Galiana Brasil, André Vitor Brandão e Rita Marize na abertura da Aldeia do Velho Chico. Foto André Amorim / Divulgação

Reisado da Mata de São José. Foto André Amorim / Divulgação

Samba de Véio da Ilha do Massangano. Foto André Amorim / Divulgação

A Aldeia do Velho Chico instala /propõe / produz experiências para ficar viva na memória. Pelo espírito de celebração, por tudo que transborda do Rio São Francisco transformada em arte expandida, pela beleza captada de relance nas coisas simples, pelos momentos revigorantes, inspiradores e a convivência com os humanos com tudo que cabe nessa palavra nas múltiplas camadas. É aprendizado concentrado / na veia.

Realizado pelo Sesc de Petrolina, esse Festival de Artes do Vale do São Francisco, a Aldeia do Velho Chico alcançou a maioridade neste 2022. Em sua 18ª edição, essa jovem chegou sedenta de encontros, de confluência qualificada. A prática curatorial acionou a ideia de “retomada”. Depois da gravidade da pandemia e dos estragos do pandemônio, a vida em potência urge como ação, atuação, ato político e poético.

Assim se fez. Assim se vai fazendo.

Ser o que se é amplia o ato político e poético. A organização do festival articula o sentido de retomada de territórios e das identidades, que são coisas muito complexas, mas que podem estar refletidas até em gestos cotidianos. Projetado na programação.

A inclusão de artistas da cidade na equipe de produção, com a contratação de bailarinos e atores da cena petrolinense e de seus arredores, assegura uma renda para o pessoal. É prática constante dos gestores da unidade Sesc Petrolina, como braço de apoio aos artistas. Os exercícios utópicos estão antenados com as pautas afirmativas e levam para a roda questões dos pretos, das mulheres, das trans, contra a violência prioritária contra esses grupos.

A ação cultural ocorreu de 19 a 28 de agosto, em Petrolina, um município do estado de Pernambuco, distante da capital, Recife, cerca de 750 km, o que equivale a cerca de 12 horas de carro. A viagem de avião São Paulo-Petrolina dura 2h40, duração de voo menor do que para o Recife.

A cidade

Petrolina abriga uma população estimada em 350 mil habitantes. A cidade faz divisa com o município de Juazeiro (BA) e ambas são banhadas pelo Rio São Francisco. “Eu gosto de Juazeiro e adoro Petrolina”, diz o refrão da música Petrolina-Juazeiro, de autoria de Jorge de Altinho, composta há mais de 40 anos e que até hoje embala os corações dos seus habitantes.

Essa foi a primeira vez que visitei Petrolina, apesar de já ter pisado em várias outras cidades do Sertão Pernambucano.

Sempre me disseram que Petrolina é uma cidade rica. São bem faladas suas vinícolas irrigadas pelas águas do São Francisco e indústrias de produção de vinho. Em um dos  dias do festival fui em comitiva percorrer uma vinícola, uma portuguesa. Quando um técnico da empesa disse que seus patrões portugueses estavam no Brasil há 18 anos, alguém de rápido raciocínio perguntou: “Só?!!!” Ai ai ai ai ai ai humor pernambucano. Certeiro, cortante.

O clima semiárido quente petrolinense cedeu espaço para os ventos e temperaturas mais frias nesses dias de agosto do festival, coisa que até os nativos estranharam.  O mundo está estranho e os efeitos do Antropoceno chegam aos quatro cantos do planeta.

A cidade orgulha-se das esculturas de Ana das Carrancas (1923 – 2008) e de outros rebentos artesãos. São comentadas suas frutas de exportação. São conhecidos os políticos antiquados (provincianos), de perfil oligárquico, com a família Coelho dando as cartas há mais de sete décadas.  

Na contracorrente da práxis do privilégio para poucos, resvala uma atmosfera libertária que contagia as corpas de artistas, gestores, fazedores e cidadãos da cultura ribeirinhes.  

Muitos flashes no decorrer dessas jornadas reforçam esse entendimento de que a Aldeia trabalha esse território em sintonia com as lutas e os avanços das chamadas pautas afirmativas, ou seja a busca por respeito, dignidade e protagonismo das pessoas que sempre estiveram alijadas desse processo: população negra, trans, LGBTQIA+, pobres e outros.

Exemplos felizes desses reconhecimentos foram vistos no desfile de abertura do festival, entre muitas cenas, a de um jovem de 16 anos que fazia malabarismos como a baliza desafiando os costumes obsoletos. Ou as funções de lideranças ocupadas por pessoas que geram representatividade, transformando o lugar que poderia ser de medo num espaço de vida.

Isso não é pouco. As ações para valorizar as manifestações tradicionais. Ou a valorização dos artistas da região, que permite criar uma sustentação de carreiras artísticas. Movimenta as bases do contexto social.

Rapaz da baliza, no desfile da Banda M Poeta C Drummond – Foto Andre Amorim / Divulgação

Ciel no Gogo. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Ciel Foto Fernando Pereira / Divulgação

Fazendo um arco desse espírito de liberdade do início com o fechamento da programação destaco a atuação compositor, ator, bailarino e cantor de timbre raro Ciel dos Santos. Contratenor, ele solta a voz na tessitura feminina e seu canto vai do contralto ao mezzo soprano, o que alguns chamam de uma voz andrógina.

Ciel mistura um som nordestino com ritmos latinos, coco, afoxé, música de matriz africana, umas pitadas de jazz, outras sonoridades e com uma saia minúscula, músculos à mostra, batom e purpurina “joga fora no lixo” qualquer espécie de caretice. E performa uma liberdade que atravessa suas vivências rurais e contagia em grau avançado xs espectadores que se afinam com suas experiências. Ele tem atitude, representatividade.  

São contraditórios os cenários das cidades brasileiras. A partir dos paradoxos, percebo que a Aldeia do Velho Chico funciona como microcosmo experimental onde a cultura é regada como prioridade tanto na perspectiva do desenvolvimento econômico quanto da valorização humana.

Aldeia do Velho Chico

Produzida pelo Sesc de Petrolina, a Aldeia do Velho Chico foi concebida em 2005 pela então professora de artes visuais do Sesc Edneide Torres, pelo atual diretor do Sesc Petrolina Jailson Lima, pela gestora Galiana Brasil (agora no Itaú Cultural, mas à época no Sesc PE) e pelo artista Thom Galiano. Inspirado no fluxo do rio e suas reverberações, navegam no festival múltiplas linguagens. Seus criadores mantêm forte ligação com o festival e algum grau de ingerência na programação.

Com perspectiva multicultural, a Aldeia é um desdobramento do Palco Giratório, um projeto de circulação das artes cênicas, que foi reduzido nos últimos anos, mas tem muita importância para a área.

Na rota do festival está valorização da cultura de Petrolina, principalmente. E a ativação do senso de pertencimento na ocupação de territórios. Na execução isso se reflete num programa que considere os trabalhadores da cultura da região e revigore os intercâmbios entre criadores que atuam nos interiores do Nordeste. Sentir-se inserido e aceito faz parte do processo.

Cortejo Abre Alas Pro Velho Chico. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Maracatu Beira Rio. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Banda Marcial Osa Santana. Foto Fernando Pereira Divulgação

Junina Renascer do Sertão. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Marujada. Foto André Amorim / Divulgação

Galiana Brasil, Jailson Lima, Ana Dias, Oswaldo e Rudimar no Cortejo Abre Alas Pro Velho Chico. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Desfile e Apresentações Palco Porta do Rio

Desde o primeiro dia da Aldeia do Velho Chico, um fim de tarde da sexta-feira 19 de agosto de 2022, a pisada seguia coesa à reconquista de identidades negro-indígenas. Sejam nas coreografias das quadrilhas juninas Buscapé, de Juazeiro e Renascer do Sertão, de Petrolina, que fizeram o esquente em frente ao Sesc Petrolina.

Ou nas apresentações no palco Porta do Rio do Reisado da Mata de São José (Orocó/PE), Reisado do Lambedor (Lagoa Grande/PE), Os Kongos (Sento Sé/BA), Marujada (Curaçá/BA) e Samba de Véio da Ilha do Massangano (Petrolina/PE).

Em cada passo, em cada gesto, nos cantos, palmas, partituras coreográficas, jogos de corpo eram reveladas constelação de lutas, orações e celebrações; a ancestralidade atravessada e manifesta, suas memórias de resistência, suas rotas de vivências negras e indígenas no Sertão do São Francisco.

Reisado do Lambedor na apresentação de abertura, no Palco Porta do Rio. Foto Fernando Pereira / Divulgação

O Reisado do Lambedor, da Comunidade Quilombola do Lambedor, localizada na zona rural de Lagoa Grande, por exemplo, tem quase 300 anos de tradição. Seus integrantes contam que Isaac Borges, um negro escravizado que fugiu das terras em que era explorado, no interior baiano, foi um dos fundadores da comunidade. O filho de Isaac, o líder quilombola José Borges formou a brincadeira do Reisado do Lambedor. Tornou-se uma das manifestações culturais mais tradicionais do Vale do São Francisco.  

No dia seguinte conhecemos um pouco mais da Comunidade Quilombola do Lambedor. Lá na comunidade, entre mugidos de bezerros, bodejar de bodes, os integrantes do Lambedor expõem suas lutas e desafios. Da sobrevivência do grupo à valorização do brinquedo para as novas gerações. Generosamente compartilham seus cânticos e danças, e oferecem uma mesa farta de alimentos que produzem no local.

Da abertura ao fechamento, muitas águas correram por baixo da ponte. O início estava carregado de uma ansiedade indisfarçável, a volta do evento à presencialidade. O Cortejo Abre-Alas para o Velho Chico com Bonecos Gigantes Zé Pereira e Vitalina, de Belém de São Francisco, e os petrolinenses Frevuca, Maracatu Beira Rio e Banda Marcial Osa Santana tomaram as ruas.

Esse ocupar as ruas tem também um sentido de resguardar corpas em festas pela vida, pela alegria e pela esperança.

Antes de chegar à beira do rio para as saudações, inalamos o cheiro do acarajé, atravessamos as bandeiras tremulando dos candidatos políticos locais a cargos elegíveis e flagrei olhares desatentos de uns, curiosos de outros e desejosos daqueles ainda “presos” às rotinas de trabalho.

O gerente do Sesc Petrolina, Jailson Lima enfatiza que o cortejo anuncia, vibrando, ao comércio que o Sesc produz cultura. “Chegue junto. Estamos há 18 anos celebrando a produção da cidade, independente do gosto”, assinala. “A tradição tem uma influência muito grande na produção cênica”, diz ele para mencionar ou assinalar que “aposta na produção daqui que não é visibilizada. Buscamos trazer o Rio em diálogo com a cidade. Olhar o contexto”, indica.

 

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Transfobia que mata
Crítica do espetáculo Sentimentos Gis

Sentimentos Gis, espetáculo de Cleybson Lima. Foto: Rubens Henrique

Acabou de chegar às livrarias brasileiras, neste mês de janeiro, o romance português Pão de Açúcar, de Afonso Reis Cabral, livro vencedor do Prêmio José Saramago em 2019. O enredo mistura dados reais e ficção para contar a história de uma brasileira: Gisberta Salce Junior, uma mulher trans de 45 anos, que foi brutalmente espancada, torturada e abusada durante três dias por um grupo de 14 adolescentes na cidade do Porto, em 2006. Quando acharam que Gisberta estava morta, jogaram o corpo dela, ainda viva, no poço do elevador de um edifício abandonado. De acordo com os laudos, Gisberta não morreu por conta das lesões e fraturas, mas por afogamento.

O crime bárbaro ficou sem punição, embora tenha instaurado um debate público sobre transfobia em Portugal e inspirado obras que continuam reverberando a sua história. Uma das mais tocantes é a interpretação de Maria Bethânia para Balada de Gisberta, do português Pedro Abrunhosa: “Perdi-me do nome/Hoje podes chamar-me de tua/Dancei em palácios/Hoje danço na rua/Vesti-me de sonhos/Hoje visto as bermas da estrada/De que serve voltar/Quando se volta para o nada/Eu não sei se um anjo me chama/Eu não sei dos mil homens na cama/E o céu não pode esperar/Eu não sei se a noite me leva/Eu não ouço o meu grito na treva/O fim quer me buscar (…)”.

Em Sentimentos Gis, a voz de Cleybson Lima parece ocupar cada espaço do teatro quando ele canta, sejam os mesmos versos de Bethânia ou a música forte que tem o nome do espetáculo, composta por Luisa Magaly. Se, “às vezes, respirar é difícil”, como diz o bailarino e ator,  o canto envereda por outras possibilidades dramatúrgicas sensíveis. Quanta potência de vida, de dor, de revolta, de superação, tem na sua voz. E olhe que essa impressão vem de um registro audiovisual da peça, que estreou em 2017 em Petrolina, Sertão pernambucano, depois do apoio do prêmio Klaus Vianna ao processo. A gravação do espetáculo, com direção de Thom Galiano e dramaturgia e operação de som de Lennon Raoni, foi disponibilizada dentro da programação do festival Janeiro de Grandes Espetáculos.

Numa conversa nas redes sociais, Cleybson Lima conta que foi a partir da música interpretada por Bethânia que começou a imaginar o espetáculo. Embora tenha sido um ponto de partida e de referência fundamental à dramaturgia, a montagem não se prende à biografia de Gisberta. Não se trata de um resgate da sua história, mas a trajetória dela, contada logo no início, serve como disparadora para nuances comuns a muitas vivências de travestis, que vão sendo desdobradas e sobrepostas ao longo do espetáculo. Uma delas, talvez a mais constante, é a violência.

Neste mês da visibilidade trans, o dado declaratório de desumanidade: o Brasil é o país que mais mata a população transgênera no mundo. Seria difícil que essa suscetibilidade à violência, em todos os seus graus, não se transformasse num dos pilares do espetáculo. Desde a violência moral, o preconceito, o bullying. Uma criança que é exposta às críticas porque gesticula demais enquanto fala. O que a nossa sociedade não é capaz de fazer com uma criança, um menino “afeminado”, por exemplo?

A relação com o sexo e a recorrência à prostituição como modo de sobrevivência das travestis também são elementos definidores na dramaturgia. Gisberta foi à Portugal fugindo da violência no Brasil. Trabalhava como transformista, mas o sustento vinha mesmo da prostituição. Depois da Aids, não conseguiu mais se manter e a sua situação de vulnerabilidade foi se agravando.

Na coreografia da relação sexual, o que era para ser prazer, rapidamente se transforma em violência. Ação-reação, proteção, gilete na boca. Resistência que se dá nas calçadas, transportada ao palco como manifesto e potência criativa.

A violência é uma das nuances do espetáculo. Foto: Rubens Henrique

Em alguns momentos, a trilha sonora envereda pelo barulho das ruas, das buzinas dos carros, da emergência das avenidas de grande circulação. A iluminação vai se delimitando como instrumento para mostrar ou esconder, para desenhar só o que é preciso, apenas o que se quer deixar ver ou que fazemos questão de não enxergar. As imagens visuais que o espetáculo constrói são carregadas de referências, de outras peças, de filmes, da luz do cabaré.

A personagem construída por Cleybson Lima evoca a força da travesti que não se rende à realidade da violência, que é dona das suas decisões, do seu corpo, do seu desejo. Nesse ensejo, muitas perguntas reverberam a partir de gatilhos do espetáculo. O que mudou desde 2006, quando Gisberta foi morta? O que mudou desde 2017, quando o espetáculo estreou? De quais maneiras  a transgeneridade é vista nos palcos? O que significa representatividade na vida e no teatro? Como superar os clichês? Como, de fato, imaginar novas formas de sociabilidade?

São questões que não se esgotam com o espetáculo, que precisam atravessar os limites, se instaurar como debate público. Não podem mais ser ignoradas, em todas as instâncias. São urgentes e demandam disponibilidade de escuta, de aprendizado, de construção. E a arte, definitivamente, é uma mola propulsora dessas discussões. 

A partir da arte, construímos possibilidades de existência, exploramos utopias e lançamos as bases para o que pode vir a ser. Quiçá uma realidade menos dura, um mundo melhor. O desafio encarado por Cleybson Lima e por toda a equipe é levar a crueza da vivência das travestis das ruas aos palcos. Para que Gisberta seja, definitivamente, símbolo de transformação social. 

Registro do espetáculo que estreou em 2017, em Petrolina, foi exibido no festival Janeiro de Grandes Espetáculos

Ficha técnica:
Sentimentos Gis
Bailarino/intérprete criador: Cleybson Lima
Direção: Thom Galiano
Dramaturgia e operador de som: Lennon Raoni
Cenografia: Cleybson Lima, Lennon Raoni, Thom Galiano
Confecção de cenografia: Rafael Sisant
Trilha sonora original: Luisa Magaly
Musicas incidentais: Diva da Dúvida (Claudia Wonder), Divino Maravilhoso (Gal Costa e Ney Matogrosso)
Designer de luz: Fernando Pereira
Execução de luz: Vinicius Carvalho
Figurino: Maria Agrelli
Confecção de figurino: Tia Nubes
Foto: Rubens Henquique
Produção: Cleybson Lima
Assistentes de produção/cenotécnico: Rafael Sisant e Wendell Britto

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Como formalizar o caos?

Amaranta, espetáculo da Trup Errante, apresentado na V Mostra Capiba. Foto: Rodrigo Moreira

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

(Identidade, de Mia Couto)

O desejo era o autoconhecimento. Era encontrar pontos de confluência, mas também convergências, que pudessem revelar mais deles mesmos. Afinal, decidiram entregar as suas vidas à arte, ao teatro, como fazem questão de dizer no espetáculo. Então nada melhor do que se debruçar sobre a história desse ofício não só para resgatar o passado, mas para conseguir se livrar de quaisquer amarras, preconceitos, e seguir adiante. Era pretensioso o projeto da Trup Errante, formada em Petrolina, no Sertão pernambucano: trazer à cena a história de 2.500 anos de teatro. Como era mesmo muito amplo, decidiram ao menos se concentrar um pouco mais no olhar feminino sobre essa arte. E assim surgiu Amaranta, espetáculo apresentado no último fim de semana da V Mostra Capiba de Teatro. É também o projeto de conclusão de curso do diretor Thom Galiano, sob a orientação de Érico José.

A execução da proposta do grupo ainda é um desafio a ser construído. Se logo no início a musicalidade, a participação lúdica do público – com estrelas brilhando que ganham nomes de atrizes – , a revelação da personagem Amaranta, prendem a atenção do espectador, isso vai se perdendo aos poucos. Para um grupo que leva ao palco uma organização caótica, a quebra da cena para que os próprios atores possam se colocar, deixa vários espaços para a improvisação, e encena até uma briga entre os próprios atores, é contraditório que, em muitos momentos, a opção seja pelo didatismo – e olhe que uma das próprias personagens brinca com isso. “Isso não vai dar certo, está muito didático”. Talvez o grupo tenha mesmo que aceitar que a identidade do espetáculo está na formalização do “caos”.

Se não dá mesmo para apresentar a história do teatro, como o próprio grupo percebe, há que existir uma apropriação maior e mais natural dessa história, para que o público possa compreendê-la, mas de forma mais fluida. Mesmo caótica, como se propõe a encenação de Thom Galiano, a dramaturgia (e para isso ela não precisa perder os pontos de fuga para a improvisação) precisa ser melhor costurada, repensada. Ao mesmo tempo em que é bom ver as atrizes refletindo em cena sobre o seu papel, assumindo os seus nomes e não o de personagens, não dá para que o espetáculo vire uma terapia de grupo. Isso até é possível, mas se a proposta for mesmo esquecer o público ou ao menos não se importar com a recepção do espetáculo.

Ainda assim, apesar das falhas na sua execução, Amaranta reflete a coragem de um grupo jovem, mas com muito talento. Nesse espetáculo, estão em cena Brisa Rodrigues, Joedson Silva e Raphaela de Paula. Dá para perceber o quanto há empenho e superação das dificuldades, seja na iluminação, nos elementos de cena, no próprio trabalho do ator. A musicalidade é um elemento que acrescenta e a participação do público, se eles conseguirem surpreendê-lo assim como no início da montagem, pode ser bastante efetiva. É um trabalho que tem tudo para amadurecer.

Três atores estão em cena no espetáculo

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