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Potência criativa
em busca de amplitude 
eis as artes cênicas no Recife

Édipo REC, do Grupo Magiluth. Foto: Camila Macedo

Pedro Wagner como Tirésias em Édipo REC. Foto: Camila Macedo

Circo Godot, com direção de Quiecles Santana, já viajou por vários países

O Grupo Magiluth está em casa, no Recife, neste fim de semana festejando duas décadas de pesquisa cênica que posicionam o coletivo como uma das companhias mais inventivas do teatro brasileiro contemporâneo. Édipo REC, com dramaturgia de Giordano Castro e direção de Luiz Fernando Marques (Lubi), abarca o amadurecimento de uma linguagem que atravessa experimentalismo, teatro político e reinvenção de clássicos. A montagem exige execução complexa ao articular teatro, performance, música e cinema com projeções ao vivo – um desafio técnico que encontra no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, o espaço adequado para sua realização.

A temporada meteórica do Magiluth se soma a uma programação que revela um “flagrante” de diversidade do circuito teatral recifense: o giro de O Mercador de Veneza, com Dan Stulbach e elenco, pela estrutura nacional da Caixa Cultural, montagens como Circo Godot, dirigido por Quiercles Santana, ocupando o Teatro Hermilo Borba Filho (equipamento municipal vocacionado para trabalhos mais experimentais) e Caliuga no Teatro Joaquim Cardozo, espaço universitário da UFPE que abriga a reflexão da Cia. de Teatro Negro Macacada sobre identidade racial e mercado de trabalho.

O Diário de Villeneuve apresenta o teatro de terror da Cia Imaginarium; Histórias do Meu Povo desenvolve trabalho decolonial no Espaço O Poste, o 21º Festival de Teatro para Crianças celebra inclusão e tradição, e o fenômeno de longevidade que é A Noviça Mais Rebelde, com 16 anos consecutivos em cartaz, mais de 600 mil espectadores, um sucesso que se renova.

Esta movimentação, contudo, também expõe limitações estruturais. Enquanto teatros municipais Santa Isabel, Parque e Hermilo são ocupados intensamente, o Teatro Arraial Ariano Suassuna passa sem programação neste fim de semana, assim como os teatros Marco Camarotti e Capiba do SESC.

Para uma capital de 1,7 milhão de habitantes – 4 milhões na região metropolitana – que já presenteou o mundo com o Manguebeat e faz o público se orgulhar do cinema brasileiro, com suas produções audiovisuais, a cena teatral atual, por mais qualificada que seja, ainda opera aquém de seu potencial.

Recife é uma metrópole que pulsa cultura em suas veias desde os tempos coloniais. Capital que gerou movimentos estéticos inovadores, mantém tradições seculares e continua produzindo artistas que conquistam o país, a cidade possui criadores, público e vocação para sustentar um circuito teatral muito mais amplo.

Faltam políticas públicas mais ousadas e consistentes para as artes cênicas pernambucanas: tanto no fomento institucional a grupos locais quanto na modernização e ampliação dos equipamentos culturais.

Mas será que o problema se resume apenas ao poder público? Recife também carece de investidores privados que compreendam o valor cultural e econômico de uma cena teatral articulada – e aqui cabe perguntar: ainda existem mecenas verdadeiros, amantes do teatro dispostos a apostar nesta arte viva?

Narrativas encontradas numa garrafa pet na beira da maré. Foto: Jorge Farias

Uma provocação recente de um diretor e curador bem conceituado, que conhece bem a realidade teatral recifense, merece reflexão: além do Magiluth, que circula nacionalmente com seu repertório diversificado, e do Grupo São Gens de Teatro, que recentemente com Narrativas Encontradas Numa Garrafa Pet na Beira da Maré furou a bolha, percorreu festivais e conquistou o Brasil, quantos outros espetáculos produzidos no Recife estariam verdadeiramente “prontos” para encarar uma temporada em São Paulo, por exemplo?

Para esse curador, o problema central não são os recursos: falta desejo de fazer, de ousar, de quebrar paradigmas, de marcar a diferença para além dos circuitos locais. Falta ambição artística que tenha potência para uma circulação nacional sem perder a identidade pernambucana.

E você, leitora, leitor? O que pensa sobre essa provocação? Concorda que falta ousadia criativa ou acredita que a questão é mesmo estrutural?

Grupo Experimental leva Zambo com a 5ª geração para a França

Há evidências de que quando o incentivo chega, a arte pernambucana demonstra sua força. O Grupo Experimental de Dança, que desde 1993 assume lugar de destaque na dança contemporânea nordestina pela originalidade e contribuição para a profissionalização da cena recifense, comprova essa potência. Enfrentando o quadro geral das artes cênicas em Pernambuco – escassez de recursos, poucos editais, dificuldades estruturais –, o grupo resiste e insiste, como muitos outros. Agora, através do Programa Funarte Brasil Conexões Internacionais, no âmbito do Ano Cultural Brasil-França 2025, leva o espetáculo Zambo para terras francesas.

Da andada pelo mangue à travessia do oceano, cantarola o grupo. Zambo, criado em 1997 como homenagem ao Movimento Manguebeat e a Chico Science, será apresentado no Festival Baluê, em Lyon, com a 5ª geração de bailarinos da obra. Quase 30 anos depois de sua criação, o espetáculo reforça a atemporalidade do movimento mangue e a importância da manutenção cultural através da resistência artística. É vida o que brota desse mangue fértil recifense, e quando há incentivo adequado, essa vida corre e move o mundo.

VAMOS AOS ROLÊS CÊNICOS NO RECIFE

Magiluth redefine a tragédia clássica em chave contemporânea

Édipo REC faz festa e chama para a reflexão sobre o “destino”. Foto: Camila Macedo / Divulgação

Vinte anos de investigação cênica do Grupo Magiluth culminam em Édipo REC, espetáculo que chega como confluência poética e política de uma trajetória que redesenhou fronteiras do teatro experimental brasileiro. Desde 2004, o coletivo pernambucano estabeleceu-se como laboratório de linguagens híbridas, circulando por festivais nacionais e internacionais com propostas que interrogam obsessões do tempo presente. Esta montagem configura-se como o ápice dessa pesquisa: uma reflexão vertiginosa sobre identidade, poder e representação na era digital.

A inventividade de Luiz Fernando Marques (Lubi) na direção materializa-se na construção de um dispositivo cênico que dissolve hierarquias tradicionais entre palco e plateia, transformando o teatro em arena participativa onde espectadores se tornam testemunhas ativas da tragédia. A dramaturgia de Giordano Castro opera em estratos temporais simultâneos, tecendo conexões inesperadas entre o mito sofocliano e neuroses contemporâneas, criando uma experiência que é simultaneamente espetáculo teatral, happening performático e ensaio crítico sobre nossos vícios imagéticos.

O universo sonoro e visual da montagem está repleto de sofisticação técnica : Jathyles Miranda assina design de luz que dialoga com as projeções ao vivo, enquanto Chris Garrido desenvolve figurinos que transitam entre referências clássicas e estética digital. A trilha sonora, executada em tempo real pelo próprio grupo, atua como outra voz dramatúrgica, comentando e amplificando tensões narrativas. Clara Caramez coordena o vídeo maping que transforma o espaço em território instável, onde realidade e simulacro se confundem deliberadamente.

Nash Laila injeta energia quase juvenil em Jocasta, construindo uma matriarca que oscila entre vulnerabilidade e manipulação midiática. Erivaldo Oliveira comanda o Coro-drag com maestria afiada, destilando crítica social através de humor corrosivo que expõe contradições do espetáculo político brasileiro. Giordano Castro, além de dramaturgo, interpreta um Édipo dilacerado entre sede de fama e terror da exposição, personificando o sujeito contemporâneo viciado em likes e aterrorizado pela própria imagem.

Bruno Parmera desenvolve performance notável como Corifeu-cameraman, figura que questiona a própria natureza do olhar teatral. Lucas Torres transforma o Mensageiro em personagem complexo, dotado de densidade que supera a função tradicional de porta-voz dos acontecimentos. A interpretação ganha dimensões adicionais quando descobrimos que, diferentemente das tragédias clássicas, este Mensageiro possuía intimidade especial com Laio, tornando-se depositário de segredos e cúmplice de rituais privados.

Reconhecido do audiovisual brasileiro por atuações marcantes em Irmandade (Netflix), O Jogo que Mudou a História (Globoplay) e mais recentemente em Guerreiros do Sol (Globoplay), além de participações em Cangaço Novo (Prime Video) e no filme Lispectorante, de Renata Pinheiro, Pedro Wagner constrói um Tirésias de múltiplas identidades. Seu figurino que combina elementos femininos e masculinos faz referência à metamorfose mitológica do personagem e comenta a fluidez de gênero e performance identitária. Mário Sergio encarna Creonte, irmão de Jocasta e político pragmático que ambiciona o poder através de alianças estratégicas.

Édipo REC opera como um caleidoscópio crítico de nossa época. Tempo em que todos produzimos, editamos e performamos versões idealizadas de nós mesmos, alimentando algoritmos que nos observam e julgam incessantemente. O espetáculo expõe engrenagens de uma sociedade obcecada por autorrepresentação, investigando como a fronteira entre pessoa e personagem se torna cada vez mais porosa e problemática.

SERVIÇO
📍 Teatro Luiz Mendonça – Parque Dona Lindu
📅 25 e 26 de julho, às 20h
🎟️ R$ 30 a R$ 120
Mais Informações: @magiluth | @teatroluizmendonca

FICHA TÉCNICA
Criação: Grupo Magiluth, Nash Laila e Luiz Fernando Marques
Direção: Luiz Fernando Marques
Dramaturgia: Giordano Castro
Elenco: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Nash Laila e Pedro Wagner
Design de luz: Jathyles Miranda
Designe gráfico: Mochila Produções
Figurino: Chris Garrido
Trilha sonora: Grupo Magiluth, Nash Laila e Luiz Fernando Marques
Cenografia e montagem de vídeo: Luiz Fernando Marques
Cenotécnico: Renato Simões
Vídeo maping e operaçao: Clara Caramez
Captação de imagens: Bruno Parmera, Pedro Escobar e Vitor Pessoa
Equipe de produção de vídeo: Diana Cardona Guillén, Leonardo Lopes, Maria Pepe e Vitor Pessoa
Produção: Grupo Magiluth

 

O Mercador de Veneza na Caixa Cultural 

O Mercador de Veneza. Foto: Ronaldo Gutierrez / Divulgação

A montagem de O Mercador de Veneza que chega ao Recife propõe uma leitura contemporânea radical de um dos textos mais controversos de William Shakespeare. Sob a direção de Daniela Stirbulov, a adaptação desloca o foco narrativo tradicional para construir Shylock como protagonista absoluto, transformando o agiota judeu de vilão shakespeariano em centro moral da história. Esta escolha dramatúrgica ressignifica completamente a obra, revelando as estruturas de poder e preconceito que sustentam a sociedade veneziana – e, por extensão, a nossa.

A transposição temporal para os anos 1990 vai além da estética. A direção identifica nessa década o momento de aceleração da globalização e emergência de uma nova ordem mundial, contexto que dialoga diretamente com o capitalismo emergente do século XVI retratado por Shakespeare. Stirbulov cria um universo onde as tensões entre tradição e modernidade, local e global, se materializam através de conflitos religiosos e econômicos que ecoam tanto na Veneza renascentista quanto na sociedade neoliberal contemporânea.

O núcleo dramático permanece o mesmo: Antônio, o mercador cristão, contrai empréstimo com Shylock para financiar os planos românticos de seu amigo Bassânio. A garantia macabra – uma libra de carne humana – funciona como metáfora sobre os custos humanos do sistema financeiro. Quando a dívida não é quitada, o julgamento que se segue expõe a sede de vingança de Shylock e a hipocrisia de uma sociedade que pratica antissemitismo sistemático enquanto se beneficia dos serviços financeiros dos judeus.

A cenografia concebida para a montagem materializa essas tensões através de linguagem visual que utiliza uma estrutura acrílica transparente no centro do palco como tablado elevado, criando múltiplos níveis de representação que sugerem tanto tribunal quanto mercado financeiro. O painel circular de LED no alto do palco desenha palavras e frases conectadas à ação, funcionando como comentário visual que amplifica subtextos da narrativa. A presença de um operador de câmera captando imagens em tempo real, projetadas simultaneamente no painel, estabelece diálogo direto com nossa era de vigilância digital e espetacularização da vida privada.

A trilha sonora executada ao vivo por uma baterista no palco adiciona pulsação contemporânea à dramaturgia, criando atmosfera que oscila entre tensão financeira e violência urbana. Dan Stulbach, no papel de Shylock, constrói interpretação que humaniza o personagem sem romantizá-lo, revelando as contradições de um homem que é simultaneamente vítima do preconceito social e algoz implacável quando obtém poder de retaliação.

A montagem confronta o público com questões sobre intolerância, identidade e justiça que permanecem urgentes, evidenciando como vilões e heróis se confundem nas máscaras sociais. A obra, atravessada por tensões religiosas e preconceitos, mantém sua relevância ao abordar transformações nas relações humanas e tensões sociais que atravessam séculos.

A produção chega ao Recife após temporada de sucesso na CAIXA Cultural do Rio de Janeiro, consolidando-se como uma das adaptações shakespearianas mais provocativas em cartaz no país.

FICHA TÉCNICA
Texto: William Shakespeare
Direção: Daniela Stirbulov
Tradução, Adaptação e Assistência de Direção: Bruno Cavalcanti
Elenco: Dan Stulbach, Augusto Pompeo, Amaurih Oliveira, Cesar Baccan, Gabriela Westphal, Júnior Cabral, Marcelo Diaz, Marcelo Ullmann, Marisol Marcondes, Rebeca Oliveira, Renato Caldas, Thiago Sak
Baterista em Cena: Caroline Calê
Cenografia: Carmem Guerra
Cenotécnico: Douglas Caldas
Desenho de Luz: Wagner Pinto e Gabriel Greghi
Figurino e Visagismo: Allan Ferc
Assistente de Figurino: Denise Evangelista
Peruqueiros: Dhiego Durso e Raquel Reis
Direção de Movimento: Marisol Marcondes
Aderecista: Rebeca Oliveira
Consultoria sobre Shakespeare: Ricardo Cardoso
Vídeo e Imagem: André Voulgaris
Fotos: Ronaldo Gutierrez
Design Gráfico: Rafael Oliveira Branco
Operação de Luz: Jorge Leal
Operação de Som: Rodrigo Rios
Assistente de Produção: Amanda Nolleto
Produção Executiva: Raquel Murano
Direção de Produção: Cesar Baccan e Marcelo Ullmann
Produção: Kavaná Produções e Baccan Produções
Realização: CAIXA Cultural

SERVIÇO
📍CAIXA Cultural Recife – Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife
📅 24 de julho a 2 de agosto (quinta a sábado)
🕐20h
🎟️ R$ 30 (inteira) | R$ 15 (meia-entrada para clientes CAIXA e casos previstos em lei)
📞(81) 3425-1915
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🔞Não recomendado para menores de 12 anos
♿Acesso para pessoas com deficiência

 

Circo Godot é comédia física que espelha relações de poder

Asaías Rodrigues e Charles de Lima em Circo Godot. Foto: Divulgação

A Companhia Circo Godot de Teatro, fundada em 2010 por Asaías Rodrigues, Andrezza Alves e Damiano Massachesi, com posterior chegada de Charles de Lima, desenvolve há mais de uma década uma linguagem cênica singular que entrelaça teatro físico, circo e crítica social. O coletivo de artistas encontrou na fusão dessas linguagens uma forma potente de comunicação que atravessa barreiras culturais e geracionais, como comprova a circulação internacional do grupo por países como Grécia, Tunísia e Itália.

O espetáculo Circo Godot constrói-se sobre alicerces dramatúrgicos sólidos: a comicidade rústica dos bufões medievais e a tradição da comédia pastelão se combinam ao teatro físico contemporâneo e ao gromelô – linguagem gestual que prescinde de palavras para comunicar emoções e situações complexas. Esta escolha estética permite que a obra dialogue com públicos diversos, independentemente de idioma ou origem cultural.

A inspiração beckettiana surge de forma livre e criativa através dos personagens Pozzo e Lucky, figuras de Esperando Godot que aqui ganham nova roupagem como Gatropo e Tropino. Asaías Rodrigues e Charles de Lima constroem uma dupla de vagabundos que perambula pelo mundo oferecendo entretenimento para sobreviver, mas que carrega em sua dinâmica relacional uma crítica feroz às estruturas de poder que permeiam nossa sociedade.

A força da proposta reside na simplicidade aparente que revela múltiplas possibilidades de leitura: Gatropo emerge como o chefe autoritário que ordena, explora, desconfia e intimida, empunhando o chicote como símbolo de sua autoridade. Tropino, por sua vez, representa o subalterno ingênuo e alegre, faz-tudo que aceita sua condição com resignação aparente. A tensão dramática nasce da mesquinhez do primeiro e da ameaça latente que o segundo representa ao posto de comando estabelecido.

O desenvolvimento dramatúrgico conduz a plateia através de ações cotidianas que gradualmente revelam a toxicidade da relação hierárquica entre os personagens. Conforme evoluem os números circenses – equilibrismo, malabarismo, acrobacias -, emergem sentimentos mútuos de desprezo que culminam em reviravolta inesperada provocada por um descuido aparentemente insignificante. Esta estrutura narrativa espelha como pequenos eventos podem desestabilizar sistemas de poder aparentemente sólidos.

A direção de Quiercles Santana solicita participação ativa da plateia, transformando cada apresentação em experiência única e irrepetível. O espetáculo se apresenta como provocação reflexiva sobre ganância dos poderosos e sadismo inerente às relações de dominação, ativando o que o diretor define como “sentido lúdico do existir”.

A versatilidade da montagem manifesta-se em sua capacidade de adaptação a diferentes espaços: teatros convencionais, ruas, praças e pátios se transformam em palcos para esta comédia física que prescinde de cenários elaborados. O desenho de luz delicado de Luciana Raposo valoriza a expressividade corporal dos intérpretes, enquanto a produção executiva de Juan Saucedo garante a circulação eficiente do espetáculo.

A temporada recifense oferece oportunidade rara de contato com uma proposta original do teatro físico brasileiro contemporâneo, trabalho que demonstra como poucos recursos cênicos podem gerar grande impacto teatral quando sustentados por pesquisa artística consistente e olhar crítico sobre a realidade social.

SERVIÇO:
📍Teatro Hermilo Borba Filho
📅 24 e 25 de julho (quinta e sexta), às 20h
📅 26 de julho (sábado), às 17h
🎟️Ingressos www.sympla.com.br e na bilheteria do teatro (abre 1h antes do evento)

FICHA TÉCNICA
Criação e Interpretação: Asaías Rodrigues e Charles de Lima
Direção: Quiercles Santana
Desenho de Luz: Luciana Raposo
Fotos: Walton Ribeiro
Produção Executiva: Juan Saucedo
Companhia: Circo Godotde Teatro

 

Caliuga, teatro negro em diálogo com a luta contemporânea

Caliuga da Cia. de Teatro Negro Macacada. Foto: Gabriel Mesgo / Divulgação 

Caliuga da Cia. de Teatro Negro Macacada mergulha nas intersecções entre identidade racial e  mercado de trabalho. Através de situações concretas e reconhecíveis, a produção explora discriminação estrutural, construindo narrativa que provoca reflexão genuína sobre realidades complexas. O espetáculo faz duas apresentações no Teatro Joaquim Cardozo, espaço universitário da UFPE,

Luiz Apolinário assina dramaturgia e direção que transformam a jornada de Caliuga em espelho das contradições sociais brasileiras. Com assistência de direção de Roby Nascimento – ambos estudantes de teatro na UFPE -, a encenação parte da morte da avó protetora para explorar como a busca por trabalho se converte em luta contra destinos impostos pela própria família. Entre a maldição familiar e o sonho de cavalgar, a protagonista navega por territórios onde emprego e liberdade se entrelaçam de forma indissociável, revelando como questões raciais permeiam desde processos seletivos até a construção da identidade pessoal.

A trilha sonora concebida por César Seco e Raul Vaubruma subverte expectativas ao empregar instrumentos infantis para abordar temáticas adultas e complexas. Sons de brinquedos ganham densidade dramática inesperada, criando paisagem sonora que oscila entre nostalgia da infância perdida e dureza da realidade laboral. Diana Paraiso, comandando a produtora GRAVE!, articula produção executiva com concepção de iluminação e técnica, construindo unidade estética onde cada elemento cênico dialoga organicamente com os demais, potencializando a força narrativa do espetáculo.

Ashley Gouveia, Eva Oliveira, Roby Nascimento, Ruibeni Sales e Yastricia Santos formam elenco que materializa as múltiplas facetas da experiência negra no mundo corporativo. Inserindo-se no movimento crescente do teatro negro brasileiro, a montagem contribui para diversificação do panorama cênico.

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia e Direção: Luiz Apolinário
Assistente de Direção: Roby Nascimento
Produção Executiva: Diana Paraiso
Assistente de Produção: Grazielly Santana
Elenco: Ashley Gouveia, Eva Oliveira, Roby Nascimento, Ruibeni Sales, Yastricia Santos
Figurino: Ruibeni Sales
Criação de Sonoplastia: Raul Vaubruma + Seconuncaraso
Cenografia: Luiz Apolinário
Concepção de Iluminação e Técnica: Diana Paraiso
Fotografia: Gabriel Mesgo
Companhia: Cia. de Teatro Negro Macacada

SERVIÇO
📍 Teatro Joaquim Cardozo – UFPE
📅 25 (sexta) e 26 (sábado) de julho
🕰️ 19h30
🎟️ Inteira R$ 20 | Meia R$ 10
🔞 Classificação: 16 anos

 

O Diário de Villeneuve: o terror que vem de longe

Espetáculo explora o suspense psicológico. Foto: Kurt Correia

O Diário de Villeneuve da Companhia Imaginarium mergulha no território do teatro de terror para recriar parte do imaginário colonial brasileiro sob ótica sombria. Com roteiro autoral de Paiva Teodósio e direção de Ester Soares, a obra explora suspense e terror psicológico através da chegada de um forasteiro misterioso ao Brasil em 1596, carregando um diário, passado repleto de sombras e sede de vingança.

Villeneuve, imigrante italiano que desembarca em terras brasileiras no século XVI, protagoniza jornada entre pactos e manipulações onde encontra figuras históricas como Branca Dias, Antônia Maria (a Senhora dos Mortos), o temido Barão de Beberibe e a enigmática Felícia Tourinho. A dramaturgia utiliza personagens reais do período colonial para construir narrativa que reconstitui Recife e Olinda através de perspectiva gótica, transformando a história em material para exploração de medos ancestrais e tensões sociais do período.

A Companhia Imaginarium, fundada em 2015 e reativada em 2022, reúne Ester Soares, Núbia Ketly e Carlos Teodósio, artistas com mais de dez anos de trajetória teatral em Jaboatão dos Guararapes e região metropolitana do Recife. O grupo tem histórico de trabalho com montagens de terror, experiência que se materializa agora em O Diário de Villeneuve, onde elementos sobrenaturais e atmosferas tensas ganham contornos através da temática colonial brasileira.

O espetáculo conta com elenco de 14 atores, demonstrando ambição cênica que permite representar múltiplas camadas da sociedade colonial. Realizada através do Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), a produção conta com apoio da Fundarpe, Secretaria de Cultura do Recife, Solo Gens e Catamaran Tours, sendo realizada pela ONG Arco em parceria com a própria Imaginarium. A montagem oferece acessibilidade com intérprete de libras, garantindo democratização do acesso cultural.

FICHA TÉCNICA

Roteiro: Paiva Teodósio
Direção: Ester Soares
Preparação de Elenco: Carlos Teodósio
Direção de Produção: Núbia Ketly
Design: Carlos Santos
Figurino: Altino Francisco
Coordenação Geral: Ester Soares
Fotografia: Matheus Bento
Sonoplastia: SECOnuncaraso
Iluminação: Anderson G-zuis
Elenco: Ester Soares, Núbia Ketly, Carlos Teodósio, Gusttavo Revorêdo, Stephan Levita, Nando Araújo, Larissa Lira, Lucas Cardoso, Cora Lima, Gui Vicente, Luna, Lucas Vinícius, Kallin Alves, Marina Lino
Apoio: Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), Fundarpe, Secretaria de Cultura do Recife, Solo Gens, Catamaran Tours
Realização: ONG Arco e Cia Imaginarium

SERVIÇO:
📍 Teatro do Parque (24/07) e Teatro Apolo (15/08)
📅 Quinta (24) e 15 de agosto, às 19h
🎟️ R$ 20 (meia) e R$ 40 (inteira)
♿ Apresentação com intérprete de libras

 

Histórias do Meu Povo: Decolonialidade em Ação

Roma Júlia apresenta Histórias do Meu Povo. Foto: Reprodução do Instagram

O Espaço O Poste confirma sua vocação como território de experimentação e resistência cultural ao receber Histórias do Meu Povo, projeto que desde 2015 desenvolve trabalho consistente de valorização de narrativas ancestrais. Roma Julia, contadora de histórias e pedagoga, conduz uma experiência que constrói um ambiente sensorial e afetivo para celebra culturas afro-indígenas através de múltiplas linguagens.

A proposta engloba contos africanos, narrativas indígenas, itãs de orixás e histórias de lavadeiras, tudo embalado por música ao vivo e elementos visuais que incluem flores, folhas e objetos que fazem referência ao nordeste brasileiro. Para aproximar pessoas cegas e com baixa visão, aromas suaves de folhas e café são inseridos ao longo da narração, criando acessibilidade que vai além de protocolos técnicos para se tornar parte integrante da experiência estética.

O projeto se insere na programação decolonial do Espaço O Poste, que conta com apoio da Funarte através do Programa de Apoio a Ações Continuadas 2023. Esta parceria exemplifica como políticas públicas podem fomentar trabalhos que valorizam memórias historicamente marginalizadas, contribuindo para a diversidade do panorama cultural recifense. Roma Julia transforma o espaço em “jardim de memórias” onde tradição oral encontra contemporaneidade, provando que narração ancestral continua sendo ferramenta poderosa de transmissão cultural e transformação social.

SERVIÇO:
📍Espaço O Poste – Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista
📅26 de julho, às 16h
🎟️Entrada gratuita (retirar no Sympla

 

Comédias Consolidadas

A Noviça mais rebelde, irreverência (con)Sagrada

Wilson de Santos em A Noviça mais rebelde. Foto: João Caldas / Divulgação

Wilson de Santos retorna ao Recife com um fenômeno teatral brasileiro que desafia as regras de longevidade artística. A Noviça Mais Rebelde celebra 16 anos ininterruptos em cartaz – número impressionante em qualquer contexto cultural, mas especialmente notável tratando-se de um monólogo que se reinventa a cada apresentação através da espontaneidade entre ator e plateia.

Irmã Maria José surge como personagem que desafia estereótipos religiosos: uma freira cujo passado “nada católico” serve de combustível para um show beneficente improvisado, criando tensão cômica entre vocação atual e memórias mundanas.  A inteligência da criação se finca no aspecto familiar do conflito – quem nunca precisou conciliar diferentes versões de si mesmo? Wilson constrói identificação imediata ao apresentar uma religiosa que lida com as mesmas contradições humanas do público, transformando confessionário num palco de comedia.

A interatividade torna cada apresentação um evento único, onde jogos e números musicais emergem do diálogo espontâneo com os espectadores. Esse procedimento exige maturidade cênica, desenvolvida por Wilson ao longo de carreira que inclui trabalhos com Bibi Ferreira, Jorge Takla e Charles Möeller, além de passagem marcante pela Cia Baiana de Patifaria nos anos 1990 – quando já encantava plateias recifenses.

SERVIÇO:

A Noviça Mais Rebelde
📍 Teatro do Parque – R. do Hospício, 81, Recife
📅 25 (sexta) e 27 (domingo) de julho
🕰️ Sexta às 20h | Domingo às 19h
🎟️ Inteira: R$ 120 | Meia: R$ 60 | Social: R$ 60 + 1kg de alimento não perecível
⏱️ Duração: 90 minutos
🔞 Classificação: 12 anos
📱 Informações: (81) 98463-8388

FICHA TÉCNICA
Criação e Interpretação: Wilson de Santos
Figurino: Celso Werner
Fotografia: João Caldas
Arte Gráfica: Vicente Queiroz
Direção de Produção: Leonardo Leal
Realização: Teatro do Riso e Roberto Costa Produções
Vendas: Sympla (antecipadas) | Bilheteria no local (1h antes do espetáculo)

 

NÃO!, a terapia que virou comédia 

O!, com Adriana Birolli  e texto e direção de Diogo Camargos,

Dezoito anos de terapia para aprender uma palavra de duas letras. Se isso não merece aplausos pela persistência, pelo menos pode motivar uma gargalhada coletiva. A atriz Adriana Birolli retorna ao Recife carregando um dilema bem constrangedor da vida contemporânea: a incapacidade crônica de recusar convites, pedidos e obrigações que preferíamos evitar.

NÃO!, com direção e texto de Diogo Camargos, transforma em comédia a tragédia cotidiana de quem vive dizendo sim quando o coração grita não. A protagonista enfrenta situação reconhecível por qualquer pessoa que já se viu presa entre a educação social e a sanidade mental: não quer ir ao próprio jantar de aniversário, mas não consegue simplesmente… não ir. O drama dela pode ser a diversão do público.

 Enquanto se arruma relutantemente, mensagens bombardeiam de todos os lados – mãe, irmã, namorado, chefe – cada uma com um tipo diferente de pressão social que conhecemos intimamente. O trunfo está em mostrar como essa dificuldade aparentemente simples contamina todos os aspectos da vida: pessoal, profissional, familiar. É o tipo de reconhecimento que faz o público rir e se sentir levemente atacado ao mesmo tempo.

A resposta do público confirma que a questão afeta muito mais gente do que se imagina.

No Teatro Santa Isabel, espaço que já presenciou dramas épicos e comédias memoráveis, NÃO! promete três apresentações para quem quer rir das próprias neuroses enquanto questiona por que diabos é tão difícil estabelecer limites básicos. 

SERVIÇO

📍 Teatro Santa Isabel – Praça da República, s/n, Recife
📅 25 (sexta), 26 (sábado) e 27 (domingo) de julho
🕰️ Sexta às 20h | Sábado às 19h | Domingo às 18h
🎟️ Ingressos: R$ 40 a R$ 140 (conforme setor)
💳 Vendas: Sympla (parcelamento em até 12x)

FICHA TÉCNICA

Texto e Direção: Diogo Camargos
Atuação: Adriana Birolli
Iluminação: Leandro Mariz
Cenário e Adereços: A Dupla Dinâmica
Figurino: Letícia Birolli
Execução do Figurino: Artha Atelier
Direção Musical: Carlito Birolli
Produção Musical: Eugênio Fim
Fotografia: Nando Machado
Vídeos: Mauro Marques
Participações em Off: Dida Camero, Ivan Zettel, Juliana Knust, Letícia Birolli, Maria Joana
Realização: Casona Produções
Produção: Lakshmi Produções e Camargos Camargos Produções

 

Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco:
Duas décadas formando plateias

Hélio o balão que não consegue voar Foto Ricardo Maciel

Os super três porquinhos, numa produção de Roberto Costa 

O 21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco encerra sua programação neste fim de semana reafirmando seu papel como um dos mais longevos festivais do Brasil dedicados ao público infantil. Com duas décadas de existência ininterrupta, o evento se consolidou como referência nacional na promoção de espetáculos.

Os números impressionam pela magnitude e consistência: 270 espetáculos presenciais realizados em mais de 485 apresentações, 154 mil espectadores entre pagantes e gratuitos, e mais de 5.200 trabalhos diretos e indiretos gerados ao longo destas duas décadas. Estes dados comprovam que o FTCPE se transformou em plataforma de formação de plateia e circulação de produções infantis, contribuindo significativamente para o desenvolvimento do setor teatral pernambucano.

Hélio, o Balão que Não Consegue Voar, que se apresenta neste sábado (26) às 16h30 no Teatro do Parque, aposta no que há de mais articulado no teatro infantil inclusivo contemporâneo. Baseado no livro homônimo do escritor pernambucano Cleyton Cabral – vencedor do Prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia da Fundarpe -, o espetáculo utiliza formas animadas e manipulação de objetos para abordar poeticamente o Transtorno do Espectro Autista. A narrativa de Hélio, um balão que não consegue voar em uma loja mágica chamada Festa de Ar, transforma diferenças em potencialidades, ensinando que a verdadeira magia está em encontrar caminhos próprios mesmo quando eles divergem das expectativas sociais.

Os 3 Super Porquinhos, programado para domingo (27) no mesmo horário e local, investe  nas tradições clássicas. A adaptação de Roberto Costa para o conto tradicional insere questões contemporâneas sobre paz mundial e preservação ambiental. Segundo o próprio Roberto, produtor e adaptador, este é “disparado o mais querido pelas famílias para iniciação da vida cultural de seus pequenos”, característica que mostra a importância de espetáculos que conseguem dialogar simultaneamente com crianças e adultos.

Ambas as apresentações contarão com acessibilidade em Libras. Os ingressos estão disponíveis pela plataforma Sympla, através do site www.teatroparacrianca.com.br , e nas bilheterias dos teatros duas horas antes das apresentações. 

Realizado pela Métron Produções, sob coordenação de Edivane Bactista e Ruy Aguiar, o festival conta com incentivo do SIC (Sistema de Incentivo à Cultura), Fundação de Cultura Cidade do Recife, Secretaria de Cultura e Prefeitura da Cidade do Recife. A curadoria é assinada por Marcondes Lima, Ruy Aguiar e Williams Sant’Anna, garante critérios artísticos rigorosos que mantêm a qualidade das seleções. 

SERVIÇO:

“Hélio, o Balão que Não Consegue Voar”
📅 Sábado (26) de julho
🕰️ 16h30
📍 Teatro do Parque – Rua do Hospício, 81, Boa Vista
🎟️ R$ 60 (inteira) | R$ 30 (meia-entrada)
⏱️ Duração: 50 minutos
🔞 Classificação: Livre
♿ Apresentação com intérprete de Libras

Os 3 Super Porquinhos
📅 Domingo (27) de julho
🕰️ 16h30
📍 Teatro do Parque – Rua do Hospício, 81, Boa Vista
🎟️ R$ 80 (inteira) | R$ 40 (meia-entrada)
⏱️ Duração: 45 minutos
🔞 Classificação: Livre
♿ Apresentação com intérprete de Libras

🌐 Ingressos:

www.teatroparacrianca.com.br
(Sympla)

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Uma joia que dilata nossos corações para celebrar a vida
Crítica de Circo de los pies

Foto: Ivana Moura

O que podem pés deficientes? Eles podem mostrar que enquanto a vida pulsa, tudo é possível. Eles podem fazer cambalhotas no ar.  E quando eles encontraram a palhaçaria, eles esbanjam humor, compõem poesia. Foi isso que aconteceu ontem, dia 18 de maio, no Teatro Marco Camarotti, no Recife, dentro da programação do Palco Giratório, com o espetáculo Circo de los pies.

Fruto do projeto O que meus pés me contam?, da La Luna Cia de Teatro, o espetáculo busca investigar o universo circense a partir das potencialidades e limitações de corpos plurais, visando tornar esse universo mais inclusivo para pessoas com deficiência. O projeto teve o incentivo do programa Entre Arte e Acesso do Itaú Cultural (2022) e do Prêmio Elisabete Anderle de estímulo à Cultura (2022).

A La Luna Cia. de Teatro, fundada em 2016 e sediada na cidade de Canelinha (SC), é uma companhia que enfrenta com determinação os desafios concretos da produção artística,  enquanto permite que sua criatividade e imaginação voem livres, explorando novos horizontes e possibilidades. Eles se dedicam à difusão e fruição artística por meio de pesquisa, montagem e circulação de espetáculos, encontrando um delicado equilíbrio entre a realidade prática e a liberdade criativa.

O grupo é formado por quatro artistas: Emeli Barossi, Amália Leal, Pedro Torres e Thiago Leite, que pesquisam diferentes linguagens como música, cultura popular, palhaçaria e pedagogia teatral.

Foto: Ivana Moura

Emeli Barossi, a intérprete da palhaça Asmeline, nasceu com Hemimelia Fibular, uma má formação congênita na perna direita. Pequenininha em estatura, mas gigante em talento e carisma, ela cria uma cumplicidade imediata com a plateia, contando brevemente sua história pessoal e, em outras camadas, falando sobre a arte da palhaçaria. Suas pernas, que sempre chamaram a atenção das pessoas, são as protagonistas de uma dramaturgia criada a partir da assimetria e da criatividade do seu corpo.

Em Circo de los pies, Emeli transforma sua patologia em arte, dialogando com a deformidade que existe em todo ser humano, independentemente de ser uma pessoa com deficiência ou não.

O espetáculo se propõe a ser acessível, colocando o corpo com deficiência como protagonista e autor do seu próprio discurso. A interpretação em Libras, realizada por Suzi Daiane, e a audiodescrição, feita por Pedro Torres, são intrínsecas à cena e ao jogo da palhaça, fazendo-se presentes como fios dramatúrgicos. Com uma acessibilidade poética, estética e inclusiva, que vai além de uma tradução e descrição técnica da cena, a obra gera sensações e constrói um jogo cativante com o público, seja ele vidente, não vidente, surdo ou ouvinte.

Emeli se entrega de forma intensa, fazendo uma interpretação de tirar o fôlego. Seus pés, Pezinho e Pezão, são os protagonistas desse show sensacional. É inevitável usar adjetivos para descrever a experiência: um banho de alegria e lirismo, uma enxurrada de ludismo, mas com os pés firmes na realidade. Circo de los pies é um conforto para o coração, mas também traz espetadas nos nervos, lembrando-nos que sempre podemos mais, sem cair nos clichês da superação. A técnica apurada e a entrega total da atriz capturam e amplificam nossa imaginação, levando-nos a uma jornada inesquecível.

É um convite para dilatarmos nossos corações ao infinito, como propôs a poeta Hilda Hilst e nos entregarmos à magia transformadora da arte.

“Circo de los pies” é uma pequena joia que nos contamina de alegria, mas com um fio-terra existencial de que a vida é uma luta constante, abordada com uma leveza perturbadora. Emeli Barossi e a La Luna Cia de Teatro nos presenteiam com uma obra necessária, que ultrapassa limites e nos faz acreditar na essência transformadora da arte.

Ficha Técnica

Atuação e concepção: Emeli Barossi
Trilha Sonora e Sonoplastia: Pedro Torres
Iluminação: Thiago de Castro Leite
Roteiro de Audiodescrição: Fernanda Rosa, Matheus Costa e Emeli Barossi
Figurino: Adriana Barreto
Produção: La Luna Cia de Teatro
LIBRAS: Suzi Daiane
Audiodescrição: Pedro Torres

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Estreia // Anjo negro

Montagem do diretor Samuel Santos do texto Anjo negro estreia hoje

Montagem do diretor Samuel Santos do texto Anjo negro estreia hoje

Ismael não se aceita como negro e isso gera uma série de conflitos externos e internos para o protagonista de Anjo negro. Ele provoca a cegueira de um irmão, é amaldiçoado pela mãe e se casa com um moça branca, Virgínia, que mata os filhos do casal.

A pesquisa sobre a gestualidade africana levou o grupo de Samuel Santos ao texto Anjo negro, de Nelson Rodrigues. O espetáculo faz duas apresentações, hoje e amanhã às 19h, no Teatro Marco Camarotti (Sesc Santo Amaro), dentro da programação do 20º Janeiro de Grandes Espetáculos.

Com essa encenação o diretor prossegue com a busca de linguagem em que entram em cena, de alguma forma, o universo ancestral africano, os ritos católicos, numa linha expressionista extraída do teatro físico.

No elenco estáo Agrinez Melo, Ângelo Fábio, André Caciano, Maria Luísa Sá, Nana Sodré e Smirna Maciel.

Serviço
Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, direção geral de Samuel Santos e direção de arte de Fernando Kehrle
Quando: Hoje, às 19h
Onde: Teatro Marco Camarotti (Rua Treze de Maio, 455, Santo Amaro. Fone: 3216 1616)
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

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Nem todo irmão é Caim

Tatto Medinni é Mariano. Fotos: Ivana Moura

Tatto Medinni é Mariano. Fotos: Ivana Moura

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Não gostava muito do título da peça: Mariano, irmão meu. Sei que relações conflituosas e/ou de proteção de uma das partes mobilizam sentimentos nobres. E neste mundo de contatos escorregadios e contratos descartáveis um pouco de segurança parece um oásis. Não sei se pelo que o título entrega ou pelo que ele esconde. Mas ontem o espetáculo estreou, no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro, dentro do Festival Palco Giratório e o título se diluiu, ganhou outro sentido. A montagem é do grupo Engenho de Teatro, que já encenou quatro peças antes, todas com alguma ligação com uma poética da imagem e do verbo autoral.

No caso, Alexsandro Souto Maior assina o texto e também está no palco, no papel de Damião, o irmão mais velho. O irmão do título da encenação é interpretado do Tatto Medinni, um garoto com problemas cognitivos. A terceira figura dessa trama é a atriz Ana Cláudia Wanguestel, que faz a sóbria tia Augusta, e mais dois personagens de ligação (atendente de um serviço de seleção de cargo de trabalho e enfermeira de um posto médico).

Encenação é assinada por Eron Villar e direção de arte por Java Araújo

Encenação é assinada por Eron Villar e direção de arte por Java Araújo

Os dois irmãos foram abandonados pela mãe quando Mariano nasceu. O mais novo é quem mais sofre com essa ausência e até mesmo pelo desconhecimento do rosto da mãe. Para minorar a dor do caçula, o mais velho adaptou um trecho do Apocalipse para a vida deles, (que ela fugiu de um dragão com sete cabeças e dez chifres) para justificar a lacuna materna.

Afeto e dependência. Essas duas coisas se misturam na vida da dupla. A sobrevivência é fruto da caridade alheia. O mais novo depende do mais velho, e não tem consciência disso. O mais velho é dependente do mais novo e tem consciência disso. Ambos têm a vida paralisada. Mariano espera todos os dias no cais pela volta da mãe. Que não vem.

A direção de Eron Villar aproveita bem os traçados espaciais e as mudanças de localização. As portas do cenário se transformam em outros objetos, manipuladas pelos próprios atores. Eron também imprime um andamento, um tempo que abre frestas para tocar os sentimentos do espectador.

Ana Cláudia Wanguestel interpreta Tia Augusta

Ana Cláudia Wanguestel interpreta Tia Augusta

A iluminação (também de Eron Villar) é de grande encanto plástico. Não há alegria na peça. O que existe é o sofrimento de dois seres, ligados pela genética e pelo amor. Cru é o tratamento, da temática aos diálogos. Mas não são rudes.

Eles habitam um lugar e um tempo não especificados. Seus trajes e algumas falas dizem de sua pobreza, da carência em todos os sentidos.

No início o autor pensou em escrever sobre a relação de Van Gogh e seu irmão Theo. Talvez eles existam em partículas do texto. O grupo fala que se inspira na estética e na linguagem do escritor Guimarães Rosa. Boas pegadas.

Damião (Alexsandro Souto Maior) cuida do irmão menor

Damião (Alexsandro Souto Maior) cuida do irmão menor

Mariano, irmão meu conta com música ao vivo, de uma trilha que foi composta especialmente para o espetáculo. Isso garante um enriquecimento do todo.

A peça precisa de alguns ajustes, detalhes, reforço. Mas o diretor vai continuar a mexer na sua cria. A mão do diretor parece firme, mas não dura.

As interpretações vão crescer. Mas vale destacar o desempenho de Tatto Medinni como o louquinho, meio ingênuo, totalmente perdido e com um grande sentimento em desassossego. É um papel difícil, e qualquer um corre o risco de cair no clichê já divulgado pela televisão. Medinni leva a dor do seu personagem para o corpo, com um tique ao andar, um tique na cabeça. A voz, o gesto, a respiração, se harmonizam com a proposta para o personagem.

Apesar de conhecer tão bem o papel que escreveu, Alexsandro Souto Maior pode dar mais ao seu Damião. Algo que mexa com as tripas. E que essa agonia que sente, associada à culpa da invenção da história do dragão estejam vibrando na pele.

A tia de Ana Cláudia é pesada, solene cheia de vazios. Falta-lhe nuances.

É um espetáculo que deve crescer com a temporada. Mariano, irmão meu entra em cartaz no Teatro Marco Camarotti, às quartas e quintas, de 5 a 27 de junho.

Montagem estreou no Palco Giratório e agora fica em cartaz no Marco Camarotti

Montagem estreou no Palco Giratório

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A cena de Nelson Rodrigues, repensando a obra

Seminário pernambucano discute obra e sopro criativo do escritor

Seminário pernambucano discute obra e sopro criativo do escritor

Nelson Rodrigues jamais imaginou o que viria a ser. Um nome de interesse nacional. Com projeção intergalática. Depois do período de rejeição pela intelligentzia, de ser tachado de pornográfico (quando isso dizia alguma coisa), passou a ser exaltado. E cada frase sua, e até palavra, chega como um mantra. “Os idiotas da objetividade” o respeitam. O povo do futebol o trata como um craque, ou melhor como um craque que desmantela o adversário e como um observador de fina sensibilidade e cultura que vê naquelas coreografias um balé para as massas.

Como todos sabem o centenário do dramaturgo, nascido em Pernambuco e formado no Rio de Janeiro, foi festejado com pompa durante todo o ano de 2012. Mas diante da grandeza do homenageado, os estudos sobre sua obra prosseguem e se multiplicam. Muitos outros querem decifrá-lo, chegar mais perto do sopro de criação e ressignificar sua obra.

O Seminário Pernambuco Nelson Rodrigues: Texto e Cena traz mais investigação sobre a obra do dramaturgo. Começa neste domingo (14) e vai até o dia 21, no Teatro Marco Camarotti. Idealizado por Rudimar Constâncio, o programa está dividido em três ciclos: as Conferências Nelson Rodrigues: Texto e Cena, com uma série de estudiosos abordando um aspecto da obra do autor. O segundo momento está reservado para o curso Nelson Rodrigues: Teatro, Cena e Crítica, ministrado por Fátima Saadi, de 17 a 21 de abril. E no terceiro bloco estão as peças montadas recentemente por grupos pernambucanos: Valsa nº 6, Beijo no Asfalto e Viúva, Porém Honesta. Elas serão apresentadas domingo, segunda e terça, respectivamente.

Para assistir aos espetáculos, o interessado deve retirar o convite duas horas antes da apresentação, na pela bilheteria do Teatro Marco Camarotti. É o que orienta a produção. Já não há mais vagas para o curso com Fátima Saadi. E para participar das conferências, a criatura deve preencher uma ficha de inscrição no Setor de Cultura do Sesc Santo Amaro.

O projeto foi contemplado com o Funcultura 2012, da Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco, Fundarpe e Governo do Estado de Pernambuco.

Encenação de 'Senhora dos Afogados', de 1993, dirigida por Antonio Cadengue. Acervo pessoal

Encenação de ‘Senhora dos Afogados’, de 1993, dirigida por Antonio Cadengue. Acervo pessoal

Confira a programação completa:

Conferências, de 17 a 21 de abril, das 19h às 22h

17/04 – Nelson Rodrigues: a modernidade de um clássico” com a conferencista Ângela Leite Lopes

18/04 – Álbum de Família: crise dos desejos inconfessos com o conferencista Érico José

19/04 – Senhora dos Afogados: obsessões da sombra e da luz com o conferencista Antonio Cadengue

20/04 – Vestido de Noiva: expressão trágica do dizível e do indizível com o conferencista João Denys

21/04 – Nelson Rodrigues: a recepção crítica com a conferencista Fátima Saadi

Curso Nelson Rodrigues: Teatro, Cena e Crítica, ministrado por Fátima Saadi, de 17 a 21 de abril.
Não há mais vagas.

Espetáculos, às 19h30:

14/04 – Valsa nº6, direção de Carlos Sales.

15/04 – Beijo no Asfalto, direção de Claudio Lira.

16/04 – Viúva Porém Honesta, direção de Pedro Vilela.

SERVIÇO
Seminário Pernambuco Nelson Rodrigues: Texto e Cena
Quando: De 14 a 21 de abril, das 19h às 22h.
Onde: Teatro Marco Camarotti (Sesc Santo Amaro), Praça do Campo Santo, s/n, Santo Amaro, Recife
Informações: (81) 3216.1728

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