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A brincadeira mais querida do Natal
Crítica do Baile do Menino Deus

Foto: Hans von Manteuffel

Os Mateus Arilson Lopes e Sóstenes Vidal com o grupo de bailarinos. Foto: Hans von Manteuffel / Divulgação

Foto: Hans von Manteuffel

Praça do Marco Zero no Recife, elenco e público. Foto: Hans von Manteuffel / Divulgação

O Baile do Menino Deus – uma brincadeira de Natal é um dos mais emblemáticos eventos natalinos do Brasil, quiçá do mundo. Apresentado anualmente há 21 dezembros na Praça do Marco Zero, no centro do Recife, ele atrai milhares de espectadores em busca de uma experiência cultural singular. Escrito por Ronaldo Correia de Brito (também diretor da peça) e Assis Lima e com músicas de Antônio Madureira, esse auto de Natal habilmente entrelaça a narrativa universal do nascimento de Jesus com elementos da cultura popular nordestina. O resultado é irresistível. Então eu digo, o Baile do Menino Deus salva o Natal de muita gente.

Além de oferecer um refúgio coletivo ao calor intenso, com a brisa do mar à beira do Capibaribe, essa obra revitaliza o espírito comunitário. Transformando o espaço público em um palco potente, o espetáculo toca corações e mentes de maneira particular. Ele reúne na plateia pessoas de várias classes sociais, reafirmando a rua como um espaço de pertencimento e expressão popular ao ar livre.

Em um mundo onde o consumismo frequentemente ofusca o verdadeiro espírito do Natal, o espetáculo propõe uma vivência carregada da essência da data: o nascimento de Jesus, simbolizando esperança, renovação e amor. Ao se concentrar nesses valores, o Baile convida o público a refletir sobre o que realmente importa nesta época do ano.

Para tantos, o espetáculo é um elo de conexão com suas raízes e identidade cultural. Ao incorporar elementos das manifestações populares do Nordeste, como o maracatu, o frevo, o cavalo-marinho, o bumba meu boi, a ciranda, o pastoril, o coco, e outros, o Baile fortalece o senso de pertencimento e orgulho de territoridade. Ele salva o Natal ao reafirmar a riqueza e a diversidade da cultura brasileira, em um ato de resistência contra a homogeneização cultural.

Diante de tantos desafios e incertezas, o Baile do Menino Deus oferece uma alegria do presente e esperança renovada. A cada ano, ao atualizar suas referências e adaptar sua narrativa, a encenação reforça a ideia de que, apesar das adversidades, há horizonte. E inspira cada espectador a maravilhar-se com a vida, com cada nascimento.

Pego esse verbo, maravilhar-se para acompanhar essa montagem.

Foto: Hans von Manteuffel

José e Maria, ao fundo, na festa de casamento. Foto: Hans von Manteuffel / Divulgação

Como contar para uma pessoa que não conhece as tradições populares do Nordeste, nunca viu um bumba meu boi, um cavalo-marinho ou um reisado, o que é aquela lindeza do Baile do Menino Deus na Praça do Marco Zero? Seja uma francesa ou uma paulistana, como explicar que magia é essa? Ou mesmo para um recifense que ainda não foi ao Baile? Como traduzir em palavras o que se passa naquele palco imenso, com suas casinhas, com as passagens de tantos personagens, com tantas cenas simultâneas, tanta dança e canto, música e alegria?

A estrutura da peça é baseada no reisado e na lapinha do Cariri, manifestações culturais enraizadas no sertão do Ceará. Estas tradições, que envolvem a encenação do nascimento de Jesus, a adoração dos Reis Magos e a montagem de presépios, que encantaram Ronaldo Correia de Brito em sua infância, serviram como a principal fonte de inspiração para a criação deste trabalho, que agrega elementos de outros brinquedos do Nordeste.

O Baile é para saudar o Menino que nasceu. Os Mateus – um mais lírico, outro mais cômico, assumem um papel central como condutores da brincadeira e são acompanhados por um coro infantil –  Agatha Carille, Alice Vitória de Souza, Ayla Kristie, Ana Kostic, Anna Jardim, Heitor Miranda, João Guilherme, Karina Paes, Luan Rian, Madiba Florentino, Maria Clara Araújo, Rodrigo Travassos- que confere leveza na missão de avançar na história. Juntos, eles buscam abrir a porta fechada que “esconde” a Sagrada Família. Nesta busca, eles convocam um mundaréu de seres, tanto reais quanto fantásticos, cada um contribuindo de maneira única para o desenrolar da trama.

Foto: Hans von Manteuffel

Coro infantil. Foto: Hans von Manteuffel / Divulgação

Essa celebração da cultura brasileira é uma produção grandiosa. Realizada pela Relicário Produções sob a liderança de Carla Valença, a obra reúne um impressionante contingente de cerca de 300 profissionais, dos quais 70 são artistas, entre performers e criadores. Os realizadores afirmam que a encenação é assistida anualmente por mais de 70 mil pessoas.

A sacada genial deste espetáculo, concebido em 1981 (texto original e letras das canções de Ronaldo Correia de Brito e Assis Lima, e música de Antônio Madureira), foi eleger o Brasil como cenário e imaginário central. Os criadores devem ter visto pouco sentido em adotar elementos como neve, típicos de representações natalinas tradicionais de outros países, no Nordeste brasileiro. Em uma decisão deliberada e inovadora, os criadores excluíram figuras como Papai Noel com seus trenós, optando por valorizar as expressões dos três principais povos formadores da identidade brasileira: indígenas, negros e ibéricos. 

Desde sua estreia, – em 1983 , no  Teatro Valdemar de Oliveira lotado -, o Baile do Menino Deus passou por diversas fases e locais de apresentação. Mas foi a partir de 2004, com a mudança para o Marco Zero do Recife que o espetáculo ganhou a magnitude e a visibilidade que possui hoje. Neste ano de 2024 o Baile do Menino Deus foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Recife, título concedido pela Câmara Municipal. A encenação ocorre todos os anos nos dias 23, 24 e 25 de dezembro.

Lia de Itamaracá pela primeira no palco do Baile. Na foto, ao lado de Lucas dos Prazeres. Foto: Hans von Manteuffel

Maestros Forró e Spok. Foto: Hans von Manteuffel / Divulgação

Uma constelação de talentos garante o primor artístico do Baile, que inclui os atores Arilson Lopes e Sóstenes Vidal como os Mateus, com Paulo de Pontes e Daniel Barros como seus substitutos. Arilson e Sóstenes brilharam no primeiro e terceiro dias de apresentação, enquanto Paulo e Daniel assumiram os papéis com maestria no segundo dia, mantendo a energia e o carisma característicos dos personagens.

Os músicos estão posicionados no palco, integrando a música de forma mais direta à narrativa. A equipe musical, em plena vista do público, é composta pelos instrumentistas Karol Maciel no acordeom, João Pimenta no contrabaixo, Laila Campelo na viola, e Aristide Rosa alternando entre violão e viola nordestina formam o núcleo harmônico. A percussão, essencial para o ritmo pulsante do espetáculo, fica a cargo de Emerson Coelho, Jerimum de Olinda e José Emerson. Alexandre Rodrigues (Copinha) e Henrique Albino nos sopros adicionam camadas melódicas, enquanto o próprio Rafael Marques alterna entre bandolim e cavaco, dirigindo o conjunto do palco. Esta disposição cênica permite intercâmbios interessantes  entre músicos e atores. Um exemplo é a interação cômica entre um dos Mateus e um músico careca.

Foto: Hans von Manteuffel

Coreografias assinadas por Sandra Rino. Foto: Hans von Manteuffel / Divulgação

A coreógrafa Sandra Rino integra diferentes estilos de dança, do tradicional ao contemporâneo, criando uma movimentação visualmente fascinante. O elenco de dança, composto por Beatriz Gondra, Fernando Gomes, Gabi Carvalho, Isabela Loepert, Jonas Alves, José Valdomiro, Marcela Aragão, Marina Vidal, Pinho Fidelis e Tiago Vieira, ocupa o palco com graça e energia.

Este ano, a estreia de Lia de Itamaracá – nossa rainha cirandeira –  brilhou com intensidade singular (antes ela tinha atuado no no segundo filme do Baile). Sua presença magnética tocou fortemente a plateia, transformando sua participação em um momento verdadeiramente histórico para o Baile. Ao lado de Lucas dos Prazeres, Lia interpretou a música da burrinha Zabilin. O figurino de Lia, elaborado com as sete saias mencionadas na própria letra da música, acrescentou uma camada visual à sua performance.

As participações dos maestros de frevo Spok e Forró contribuíram para elevar o calibre musical desta edição. Spok, reconhecido por sua maestria instrumental, também apresentou suas habilidades vocais, na canção Romã, Romã. Ele confessou que sempre quis participar desse espetáculo. O Baile tem essa coisa desejante. Paralelamente, Forró, fiel à sua essência, impregnou o espetáculo com generosas doses de irreverência, adicionando um toque de humor e espontaneidade que se harmonizou perfeitamente com o espírito do Baile.

A riqueza musical do Baile foi ainda mais evidenciada pela atuação de diversos solistas. Silvério Pessoa, Isadora Melo, Surama Ramos, Carlos Filho, Sarah Leandro, Sue Ramos, Cláudio Rabeca, Elon Damaceno e Ricardo Pessoa criaram momentos de puro deleite sonoro. A jovem Júlia Souza, como solista adolescente, adiciona uma camada de frescor à produção.

Surama Ramos, preparadora vocal e solista. Foto: Hans von Manteuffel / Divulgação

Foto: Hans von Manteuffel

Laís Senna, a Maria do Baile do Menino Deus. Foto: Hans von Manteuffel / Divulgação

Nos papéis de Maria e José, temos a atriz, cantora e compositora Laís Senna e o poeta, brincante e sanfoneiro Lucas Dan.

Laís Senna, em sua segunda participação no espetáculo desde sua estreia em 2023, demonstra um crescimento significativo em sua performance. Sua presença cênica  mostra-se mais confiante e expressiva. Como atriz e cantora, ela consegue transmitir a complexidade emocional de Maria com delicadeza. Sua interpretação da música Acalanto é particularmente comovente, revelando suas habilidades vocais, como também sua capacidade de incorporar a essência maternal de sua personagem.

Por outro lado, Lucas Dan traz uma ternura ao papel de José. Sua formação como poeta, brincante e sanfoneiro enriquece sua interpretação. A cumplicidade e o entrosamento entre os atores são evidentes em cada interação, cada olhar trocado, cada gesto sutil. Esta sintonia expande a qualidade da atuação, reforça a credibilidade da narrativa, e envolve emocionalmente o público com a jornada do casal.

A sequência do casamento entre José e Maria exibe o casal sob uma luz mais romântica e humana. Ao fazê-lo, a produção consegue um equilíbrio delicado entre o sagrado e o secular, permitindo que o público se conecte com José e Maria não apenas como figuras divinas, mas como um casal enfrentando desafios e emoções muito humanos.

Hip hop do Okado do Canal e seu grupo PE Original Style. Foto: Hans von Manteuffel / Divulgação

O Baile do Menino Deus, embora profundamente enraizado na cultura nordestina e comprometido com a preservação de suas tradições, não se fecha para o mundo. Desde o ano passado, e com maior amplitude neste ano, a inclusão de bailarinos de breakdance, componentes centrais do movimento cultural do hip hop, trouxe um impacto visual e cultural significativo ao espetáculo, com Okado do Canal, nome artístico do multiartista Ellan Barreto, e seu grupo PE Original Style.

A integração do hip hop adiciona dinamismo ao espetáculo e traça uma ponte entre gerações. Os passos de break da Favela do Canal, no bairro do Arruda, trazem uma autêntica representatividade da periferia ao Baile.

Nos bastidores, o estafe de profissionais dedicados assegura a excelência em cada aspecto da produção. Quiercles Santana lidera a preparação de elenco e atua como assistente de direção; e Célia Oliveira faz a preparação do elenco infantil. Sandra Rino é responsável pela coreografia, enquanto Marcondes Lima e Sephora Silva comandam a direção de arte e cenografia. A iluminação cênica fica a cargo de Jathyles Miranda, e Tomás Brandão assume a direção técnica. Juntos, esses artistas e suas equipes contribuem para criar uma experiência visual e sensorial ampla.

Cláudio Rabeca e Lucas D’Ann  na abertura do espetáculo. Foto: Foto: Hans von Manteuffel / Divulgação

Silvério Pessoa, o Boi e Carlos Filho, observados pelos Mateus, Maria e José. Foto: Hans von Manteuffel

O Baile do Menino Deus inicia-se com um arranjo nordestino da festiva Hevenu Shalom Aleichem, tradicional canção folclórica hebraica cujo significado é “Trouxemos paz sobre vocês”. A parceria entre Cláudio Rabeca e Lucas D’Ann cria uma atmosfera de celebração, que segue até o término do espetáculo.

Uma série de cenas memoráveis trouxe esse Baile do Menino Deus de 2024. O dueto entre Carlos Filho e Silvério Pessoa, interpretando o Boi, é um ponto alto, complementado pela formosura da nova versão do boi confeccionada para esta edição. O solo de saxofone do maestro Spok, acompanhado por um passista lírico executando um frevo, cria um momento de pura magia cênica. A chegada majestosa dos Reis Magos e a risada contagiante do Mateus adicionam doses de encantamento à montagem, além de lances já citados e outros fragmentos que me abraçarão depois. Cada espectador tem a liberdade de eleger suas cenas prediletas dentre esse rico mosaico de momentos. Ao final, o público já anseia pela próxima edição em 2025, renovando a esperança que o espetáculo tão engenhosamente cultiva.

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

 

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Espetáculo Noite escava os escombros da memória

 

Zuleika Ferreira, Márica Luz e arinë Ordonio, elenco da montagem Noite. Foto: Morgana Narjara / Divulgação

O espetáculo Noite, dirigido por Claudio Lira e baseado no texto de Ronaldo Correia de Brito, faz sua estreia nesta sexta-feira (12/07), às 20h, no Teatro Hermilo Borba Filho, dentro da programação da Semana Hermilo. A peça aborda os escombros da memória de duas irmãs idosas, Mariana (interpretada por Zuleika Ferreira) e Otília (interpretada por Márcia Luz), que vivem confinadas em um casarão decadente transformado em museu pela própria família. Enquanto as duas se confundem com as antiguidades expostas, sua sobrinha, interpretada por Karinë Ordonio, é o único elo que as liga ao presente. Próximo à casa, um casal de namorados se jogou na represa, e caminhões e escavadeiras varam a noite à procura dos corpos. Essa situação evoca as memórias das irmãs, enquanto resíduos de afetos do passado voltam à tona e elas refletem sobre seus valores, família e amores, desenhando nas ruínas dessas lembranças possíveis de um outro futuro.

Ronaldo Correia de Brito, autor do texto, compartilha em seu Facebook: “Duas irmãs se movem numa casa em ruínas. Sentem-se acuadas pelas lembranças do passado. Em torno delas, tratores cavam a terra para a construção de uma adutora. As máquinas remexem fantasmas da família numerosa, com seus vivos e mortos. Mariana e Otília, velhas sobreviventes, confundem-se com as tralhas da casa transformada em museu. A tarde entra pela noite. ‘Noite’ é o primeiro conto do meu livro O amor das sombras. Foi o último da coletânea a ser escrito. Eu tinha um enredo que me parecia bom, mas faltava um desfecho para a trama. Não posso revelar qual era, vocês descobrirão assistindo à encenação dessa peça, cuja dramaturgia escrevi a pedido do diretor Claudio Lira e da atriz Márcia Luz.”

O autor continua: “Às vezes acompanho a encenação dos meus textos, mas dessa vez deixei-o entregue aos artistas da equipe, conhecidos e consagrados. Fui apenas à primeira leitura, o suficiente para convencer-me de que Zuleika Ferreira, Márcia Luz e Karine Ordonio me surpreenderiam dando vida às mulheres que criei, todas elas carregadas de paixão e sofrimento. Esperei anos que a encenação se viabilizasse, sou testemunha da luta para se conseguir patrocínio e fazer arte em nossa cidade. Mas aí está Noite, um espetáculo assombroso, cheio de nuances e sombras, uma montagem tchekhoviana comovente, um respiro de teatro em meio a tantos musicais.”

Depois da estreia, a peça contará com uma breve temporada ainda neste mês de julho, aos sábados e domingos, de 20 a 28. Os ingressos para hoje são gratuitos, com retirada antecipada. A montagem é uma produção da Luz Criativa.

Márcia Cruz e Zuleika Ferreira. Foto: Divulgação

Produção: Luz Criativa
Elenco: Zuleika Ferreira, Márcia Luz, Karinë Ordonio
Direção: Claudio Lira
Texto: Ronaldo Correia de Brito

SERVIÇO

Estreia na programação da 21ª Semana Hermilo Borba Filho
Sexta, 12/julho, 20h 
Teatro Hermilo Borba Filho
Ingressos GRATUITOS – retirada na bilheteria 1h antes da sessão
Temporada no Teatro Hermilo Borba Filho
R$ 40 (inteira)/ R$ 20 (meia) – compra na bilheteria do teatro
Sábado, 20/07, 20h
Domingo, 21/07, 18h
Sexta, 26/07, 20h
Sábado, 27/07, 20h
Domingo, 28/07, 18h

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Para pensar sobre portas trancadas

Os dois Mateus do Baile do Menino Deus procuram a casa da Família Sagrada. Foto: Ivana Moura

Os dois Mateus do Baile do Menino Deus procuram a casa da Família Sagrada. Foto: Ivana Moura

Todos os anos, a chuva e o vento atuam como vilões do espetáculo O Baile do Menino Deus, erguido no Praça do Marco Zero, no centro do Recife, a céu aberto. Na sexta-feira, 23 de dezembro, estreia da temporada de 2016 eles fizeram o seu papel. Molharam o cenário,  desequalizaram o sistema de microfones, desafinaram refletores, instalaram uma guerra de nervos e provocaram um atraso de quase uma hora. Foi uma estreia tensa. Enquanto Quiercles Santana, diretor de cena, atores e coro; Tomás Brandão, assistente de direção musical e outros integrantes da equipe tentavam resolver esses percalços técnicos, os dois Mateus – Arilson Lopes e Sóstenes Vidal buscavam acalmar o público que aguardava impaciente com seus bordões e tiradas bem-humoradas.

Esses dois personagens indômitos da trama – a chuva e o vento – chegam sem avisar. É preciso saber conviver com eles. Sofri com os atores testando o som, naqueles minutos que pareciam infindáveis, torcendo para que tudo desse certo. Deu.

E o Baile começou com toda a garra e alegria que esse elenco de atores e dançarinos e a orquestra podem transmitir. Teve início uma magia que se repete há 13 anos no Marco Zero. Em busca dessa casa onde estão Jesus, José e Maria seguem os dois Mateus.

Para quem já viu tantas vezes consegue perceber até os defeitos, as falhas, o funcionamento do jogo. Mas o espetáculo é maior que tudo isso. Ele é grande. O Baile tem aquelas belas músicas de Antonio Jose Madureira (Zoca Madureira) executadas por uma orquestra regida pelo maestro José Renato. Um coro de vozes infantis e adultas afinadas e até quando saem do tom dão conta do recado.

Os solistas quebram a narrativa e conferem relevância às músicas nas variadas modalidades. Isadora Melo e José Barbosa, que interpretam também Maria e José; Silvério Pessoa em várias canções com pleno domínio de palco; e as vozes poderosas de Jadiel Gomes, Surama Ramos e Virgínia Cavalcanti.

Depois de muitas tentativas, os Mateus conseguem permissão para fazer a festa.

Depois de muitas tentativas, os Mateus conseguem permissão para fazer a festa

O espetáculo investe na busca do ser humano pelo sagrado, traduzido de uma forma bem concreta na perseguição dos dois Mateus por encontrar Jesus, José e Maria. Eles precisam descobrir o local e depois fazer com que a porta se abra.  É interessante a metáfora que o diretor e dramaturgo Ronaldo Correia de Brito costuma usar para as portas fechadas nesse mundo capitalista, dos muros segregadores (reais ou invisíveis) que excluem pessoas aos acessos aos direitos e bem-estar e o individualismo que predomina na sociedade.

Essas coisas estão nos subtextos dos dois bufões que amenizam a gravidade das coisas com suas brincadeiras e presepadas, cenas de efeito e um talento para comandar essa brincadeira. Arilson diz que faz um Mateus lírico. Sóstenes faz um contraponto mais prosaico. Os dois comandam bem o jogo nessa peregrinação.

Coro infantil.

Coro infantil.

Mas o encanto vem da recriação dos passos e danças dos brinquedos populares do Nordeste. A coreografia assinada por Sandra Rino cria desenhos de movimentos e ressalta a combinação do povo brasileiro na sua diversidade cultural.

Esse espetáculo popular usa estratégias de demonstração, reforçando algumas imagens que são aludidas na trilha sonora ou nos diálogos, como por exemplo a aparição de um galo, uma vaca e um carneiro. 

Já assisti ao Baile do Menino Deus muitas vezes. E fico me perguntando o que me atrai para ir de novo. O encontro, o clima, a orquestração de um espetáculo popular de rua, a energia da plateia – formada por pessoas tão diferentes.

Dessa vez captei na montagem um tom melancólico, isso a partir da trilha sonora e suas músicas de andamento mais suave como Beija-Flor, Ciganinha, Acalanto, Lua e Estrela, Sol, que lembram as apresentações dos blocos líricos nos Carnavais de Olinda e Recife.  Mesmo as canções que aceleram como Boi, Jaraguá, Anjo bom, Jesus da Lapa, Cabocinhos e Zabilin carregam alguma nostalgia.

O figurinista (e também professor, encenador, cenógrafo) Marcondes Lima criou novas peças com inspiração na cultura africana e do Oriente Médio. As roupas mais coloridas causaram uma percepção mais alegre no conjunto da obra. 

O espetáculo que também incentiva uma desacelerada típica do período funciona como ritual para pensar sobre os valores de humanidades e solidariedades que o dinheiro não compra.  Assim como Um Conto de Natal, de Charles Dickens que dá as lentes para que o leitor enxergue que o Natal pode tocar a vida de cada um e desadormecer os melhores sentimentos, o Baile do Menino Deus insiste que é possível construir um mundo mais justo. É uma semente. 

SERVIÇO
Baile do Menino Deus – Uma Brincadeira de Natal
Quando: 23, 24 e 25 de dezembro de 2016, às 20h
Onde: Praça do Marco Zero, Bairro do Recife
Acesso gratuito
Classificação livre

 

 

 

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Uma opereta para alegrar o Natal

“…o baile aqui não termina,
o baile aqui principia
do mesmo jeito que o sol
se renova a cada dia,
da mesma forma que a lua
quatro vezes se recria,
do mesmo tanto que a estrela
repassa a rota e nos guia”
Baile do Menino Deus é encenado no Marco Zero, no centro do Recife há 13 anos. Foto Filipe Cavalcanti

Baile do Menino Deus é encenado no Marco Zero, no centro do Recife, há 13 anos. Foto Filipe Cavalcanti

O Baile do Menino Deus – Uma Brincadeira de Natal é um procedimento que dá certo no palco há 33 anos. Há 13 é quase um destino obrigatório do período natalino na Praça do Marco zero, no centro do Recife. O que faz esse espetáculo ser tão especial? É uma química, uma combinação certeira de elementos da cultura popular nordestina, de músicas inspiradas nos folguedos, no talento de artistas, no clima da época que juntos provocam uma alegria genuína, uma esperança na humanidade (que os céticos dirão; “tolos”). Mas talvez precisemos dessas pequenas doses de bálsamos para seguir.

O espetáculo faz três apresentações, de 23 a 25 de dezembro, ao ar livre, às 20h. Com texto de Ronaldo Correia de Brito e Assis Lima e trilha sonora de Antônio Madureira (que é a alma da obra) a peça integra a Trilogia das Festas Brasileiras, composta ainda por Bandeira de São João e Arlequim.

A montagem busca encorpar a já desgastada expressão espirito natalino, na dramaturgia do texto, da cenografia e figurinos, das canções, no humor das manifestações culturais do Nordeste brasileiro que se erguem no palco em passos de esplendor.

Baile do Menino Deus – Uma Brincadeira de Natal é um símbolo pernambucano . Essa opereta nordestina junta as danças populares da região, músicas incríveis e personagens que nascem de uma mistura de reisados, maracatu, cavalo-marinho e bois. Explosão de beleza.

A história é simples. Dois Mateus perseguem a casa onde estão alojados José, Maria e o recém-nascido Jesus, para fazer uma festa na entrada. A porta está trancada. Para abrir a porta eles fazem rezas, prendas, mágicas fajutas. E convocam os seres encantados – como Jaraguá e a burrinha Zabelim, além das pastoras, a Lua, a estrela e o Sol – para reforçar a empreitada.

E a festa passa diante de nossos olhos. A música de Zoca Madureira é executada ao vivo por uma orquestra regida pelo maestro José Renato Accioly, que faz desfilar frevo, maracatu, caboclinho, ciranda e bumba meu boi.

Sóstenes

Sóstenes Vidal interpreta um dos Mateus há 13 anos

Sóstenes Vidal que interpreta um dos Mateus do Baile há 13 anos (e durante dez anos fez o Mateus na montagem do Balé Basílica, do Balé Popular do Recife), garante que é uma realização profissional – pelas pessoas envolvidas e pela grandeza do espetáculo. “A parceria com Arilson Lopes , não poderia ser melhor. Considero um dos grandes atores brasileiros, um carisma maravilhoso, profissional, desde o primeiro ano, tive a certeza que estava muito bem acompanhado no palco”.

Arilson Lopes também está no Baile do Menino Deus desde o primeiro ano no Marco Zero. “São exatos 13 anos festejando o Natal com um elenco incrível de músicos, cantores, bailarinos, atores, técnicos e uma multidão de espectadores apaixonados”, comenta com indisfarçável alegria.

“Considero o Baile do Menino Deus um espetáculo extremamente importante na minha trajetória como ator, pela beleza dessa história que contamos, pela direção generosa e atenta de Ronaldo Brito, pela poesia do personagem que defendo, por compartilhar esse aprendizado com uma equipe talentosa e dedicada e por atuar na praça para milhares e milhares de pessoas. É uma alegria também estar em cena com o ator Sóstenes Vidal, que faz o Mateus 2. Ele é um grande parceiro. Estamos juntos nesse espetáculo desde o comecinho e nossa convivência sempre foi de respeito e admiração mútuos. Sempre nos ouvimos muito, discutimos cada proposta de cena e vibramos a cada nova descoberta”, conta.

Para manter acesa a chama, o Baile do Menino Deus acrescenta novidades na encenação a cada ano. A principal delas em 2016 é que o visual ganha inspiração da cultura africana e do Oriente Médio.

Com isso, são acrescidas peças de figurinos de José e Maria, dos Mateus, da orquestra, do coros adulto e infantil, de alguns solistas e das ciganas. O multiartista Marcondes Lima, que assina a direção de arte, incrementa as roupas com mais colorido, com estampas, elementos pouco explorados nas edições anteriores. “Os figurinos terão um contraste ainda maior diante do cenário que se define como um fundo neutro, com as casas quase totalmente brancas”, pensa Marcondes, que criou 50 novas peças.

“O conceito visual da arte bizantina permaneceu nos quatro primeiros anos do Baile. Depois tivemos um conceito palestino-árabe, numa perspectiva da presença dessa cultura no Nordeste. Em seguida, nos inspiramos no leste europeu; e, por fim, agora, na cultura africana e na do Oriente Médio”, explica o diretor Ronaldo Correia de Brito.

Isadora interpreta Maria

Isadora Melo interpreta Maria

Outra alteração de registro se refere à Sagrada Família, que segundo Correia de Brito recebe um tratamento de “humanização”. “José e Maria já tinham uma performance bem humana, bem popular e agora têm algo mais moderno. Queremos dessacralizar cada vez mais essas duas figuras”, pontua o diretor. Por exemplo, Maria, interpretada pela atriz e cantora Isadora Melo, não usará mais véu e os seus ombros ficarão à mostra.

Outro detalhe dessa edição é que a encenação vem com dois Reis Magos e uma Rainha, além de uma mulher também no grupo de caboclinhos, anteriormente composto apenas por homens. A bailarina Marcela Felipe defende esses novos papéis femininos.

O Baile aglutina uma equipe caudalosa. São mais de 300 pessoas envolvidas. Sendo uma orquestra com 14 músicos, coro de 26 cantores (13 adultos e 13 crianças) e seis solistas, incluindo o cantor Silvério Pessoa.

O Mateus mais lírico, Arilson Lopes, lembra que o texto original já recebeu vários tratamentos, novas palavras e novas cenas. “ Acho que o Baile do Menino Deus é um sucesso porque o público se vê, se reconhece nas brincadeiras, nas músicas, nos folguedos ressignificados, no sotaque, na nossa cultura. Já não vejo o Natal do Recife sem essa celebração que se tornou o Baile do Menino Deus, no Marco Zero”.

SERVIÇO
Baile do Menino Deus – Uma Brincadeira de Natal
Quando: 23, 24 e 25 de dezembro de 2016, às 20h
Onde: Praça do Marco Zero, Bairro do Recife
Acesso gratuito
Classificação livre

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Melhor tradução do espírito natalino

11º Baile do Menino Deus – Uma Brincadeira de Natal. Foto: Gianny Melo

11º Baile do Menino Deus – Uma Brincadeira de Natal. Foto: Gianny Melo

Dezembro vem acompanhado de promessas de amor fraterno e desejos sinceros de felicidade. Seguindo o melhor espírito natalino, um palco é erguido na Praça do Marco Zero, no Recife, para uma celebração cênica. Ali, à beira do Rio Capibaribe, há 11 edições é realizado o Baile do Menino Deus – Uma Brincadeira de Natal. Acompanho esse baile há anos, em saletas, teatros e no Marco Zero. O Baile foi criado há 31 anos e desde 2004 é encenado ao ar livre no Marco Zero.

No início dessa sua bem-sucedida temporada ao ar livre, fiquei com receio da história se perder na amplidão. Que nada! A saga de Mateus em busca da criança ganhou força, fôlego e reforço de novos elementos. Sob a direção do dramaturgo Ronaldo Correia de Brito – que assina o texto junto com Assis Lima e tem trilha sonora de Antônio Madureira – a peça assumiu a função de ópera popular de Natal.

A partitura física do espetáculo elege os folguedos populares da região para engrandecer a história do Natal e trazê-la para bem pertinho do público local. As coreografias sonoras e visuais espalham-se por toda a praça em lampejos de bons sentimentos.

Uma linda ópera de rua, que desloca a ânsia de encontrar o pequeno Cristo em alegria que afaga o coração de cada um dos espectadores. Personagens da cultura popular nordestina ganham papel de destaque na jornada de Mateus. Como sabemos, essas criaturas fantásticas colaboram a seu modo na empreitada. Entre eles a Burrinha Zabilin, Anjo Bom, o Sol, a Lua, a Estrela, a Ciganinha e o Monstro Jaraguá, que ganham músicas e coreografias para suas ações.

A figura de Mateus é dobrada e interpretada por dois atores: Arilson Lopes e Sóstenes Vidal. O elenco é grande e inclui Zé Barbosa (José), Isadora Melo (cantora-atriz com uma linda voz, no papel de Maria). além dos cantores solistas Silvério Pessoa, Surama Ramos, Jadiel Gomes e Virgínia Cavalcanti.

José Barbosa e Isadora Melo

José Barbosa e Isadora Melo

Este ano, a atriz Greyce Braga, integrante da ONG Doutores da Alegria, debuta como uma palhaça nos entreatos da montagem. Ela vai contracenar com o artista circense italiano Damiano Massaccesi, que está no espetáculo desde o ano passado.

A trilha sonora é executada ao vivo por 13 músicos, regidos pelo maestro José Renato Accioly. Doze crianças integram o coro infantil; o coro adulto é formado por 13 cantores.

A cenógrafa Séphora Silva fez uma releitura dos cenários de Marcondes Lima e acrescentou referências às pontes do Recife e ladeiras de Olinda; e as portas se multiplicaram. O VJ Mozart Santos também leva novidades com as suas projeções.

Essa festa cênica começa nesta terça-feira (23) e segue até quinta-feira (25), sempre às 20h, no Marco Zero, Bairro do Recife.

Serviço
11º Baile do Menino Deus – Uma Brincadeira de Natal
Quando: Terça (23), quarta (24) e quinta-feira (25), às 20h
Onde: Praça do Marco Zero, no Bairro do Recife
Quanto: Entrada gratuita

Temporada 2014 do espetáculo começa nesta terça-feira (23) e vai até o dia 25

Temporada 2014 do espetáculo começa nesta terça-feira (23) e vai até o dia 25

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