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Cena segue aquecida no Recife
Rolês teatrais

Festival de Circo encerra programação com atrações de espetáculos como Fragmentos

 Pernambucano Armando Babaioff  retorna ao Recife com seu sucesso Tom na Fazenda.

O Festival de Circo do Brasil chega ao fim de semana com suas últimas apresentações, mas ainda dá para ver cinco espetáculos até domingo. O ator pernambucano Armando Babaioff retorna para apresentar Tom na Fazenda, espetáculo que o consagrou mundialmente .

Duas iniciativas revelam a força da representatividade negra nas artes: o lançamento do livro Maria Preta, de Samuel Santos, que estreia como escritor com leituras dramatizadas, dialoga diretamente com a circulação do espetáculo Ubuntu ou o título mais longoEu conto, tu contas, nós contamos: Ubuntu, uma linda aventura na floresta afrobrasilândia pelas escolas públicas de Pernambuco. 

Os jovens inquietos do grupo ATO continuam sua função de despertar interesse pelo teatro clássico, propondo mais uma leitura dramatizada que combina vinho com literatura. A iniciativa, que vem arregimentando uma nova geração de espectadores, traz desta vez O Tartufo, de Molière.

Do Agreste chega Tempo de Vagalume, um monólogo sensível sobre memórias e identidade LGBTQIAP+.

Copyleft encerra a programação no Parque Apipucos 

Sarayvara apresenta no Teatro Hermilo Borba Filho o universo único de Poema Mühlenberg,

O último fim de semana do Festival de Circo do Brasil oferece um caleidoscópio de propostas que revelam a diversidade das artes circenses contemporâneas. Sarayvara leva para o Teatro Hermilo Borba Filho o universo único de Poema Mühlenberg, artista que cultiva seu próprio bambuzal e transforma cada colheita em instrumento cênico. Durante 21 anos de pesquisa, ela desenvolveu uma linguagem onde balaios carregados de encantos revelam bambus que serpenteiam pelo espaço, tornando-se manto que instaura momentos mágicos entre brincadeiras e ritual ancestral.

No Teatro Apolo, Fragmentos conduz o público a um território perturbador onde o grupo La Víspera explora a fragmentação como resposta à dor insuportável. Quando o sofrimento se torna intolerável, a mente se divide – e os artistas espanhóis e franceses transformam essa premissa em thriller circense que une marionetes, próteses e máscaras numa investigação mordaz sobre deformação física e mental.

Le Bruit des Pierres transforma o Teatro de Santa Isabel em laboratório de ganância, onde duas mulheres encarnam a obsessão ocidental pelo ouro de formas distintas. Uma cobre compulsivamente pedras com folhas douradas em gestos rituais, enquanto a outra descobre que algumas são comestíveis e as devora freneticamente até a overdose, empanturrando-se de pedras preciosas enquanto o ouro escorre de sua boca.

Juventud estreia no Teatro do Parque como manifesto em movimento perpétuo, onde cinco intérpretes criam dinâmica coletiva sem anular individualidades. O espetáculo da Cie NDE francesa funciona como espiral de energia crescente, combinando malabarismo, movimento, som, luz e vídeo numa celebração da vida que tem a juventude como ponto de partida e o futuro como horizonte.

Copyleft encerra a programação no Parque Apipucos através de 45 minutos de pura energia, mesclando precisão técnica com humor e referências esportivas. O dream team formado por artistas do Uruguai, Brasil, Argentina, Espanha e França demonstra como o malabarismo pode ocupar qualquer espaço, adaptando-se a terrenos diversos sem perder potência artística.

Babaioff enfrenta a Fazenda do preconceito. Foto: Jorge Etecheber / Divulgação

Tom na Fazenda retorna ao Recife com o prestígio do sucesso em festivais internacionais. Armando Babaioff defende o papel do publicitário que chega a uma fazenda para o funeral do companheiro, descobrindo que sua sogra jamais soube de sua existência ou da sexualidade do filho falecido.

A trama de Michel Marc Bouchard se desenrola através de mentiras orquestradas pelo irmão truculento do morto, criando relações de dependência complexa num ambiente onde quanto mais os personagens se aproximam, maior se torna a sombra de suas contradições. O elenco formado por Babaioff, Denise Del Vecchio, Iano Salomão e Camila Nhary, sob direção de Rodrigo Portella, constrói essa atmosfera claustrofóbica onde cada revelação aprofunda os conflitos familiares.

Para Babaioff, a obra funciona como ato de resistência duplo: pela longevidade excepcional no teatro brasileiro e pela urgência de sua discussão sobre homofobia familiar.

Samuel Santos e Grupo O Postinho

A literatura periférica ganha voz através de Samuel Santos, que transforma sua primeira obra em manifesto de representatividade negra. Maria Preta narra a jornada de uma menina de sete anos que, durante uma parada cardíaca causada por sopro no coração, realiza seu maior desejo: entrar no próprio corpo para conhecer como funciona por dentro.

No interior, Maria descobre um circo completo onde cada órgão ganha personalidade única: os rins vivem chateados por serem chamados de “ruinzinhos”, os intestinos se transformam nos Zindunga inspirados na cultura angolana, o estômago vira cozinheiro bufão que sofre mas não perde o humor, as amígdalas se tornam cantoras equilibristas histriônicas, e o fígado assume o papel de mágico apresentador carismático.

A obra será apresentada através de leituras dramatizadas pelo Núcleo O Postinho, com direção do próprio Samuel Santos e elenco formado por Cecília Chá, Larissa Lira, Sthe Vieira e Thallis Ítalo, que dão vida aos personagens através de encenação que mescla voz, corpo, música e ancestralidade.

Já o Grupo São Gens de Teatro leva Ubuntu às escolas do interior, resultado de sete anos de pesquisa inspirada no antropólogo Raul Lody. A narrativa acompanha duas flores pretas que questionam sua ausência no arco-íris, partindo em jornada pela floresta AfroBrasilândia guiadas pela filosofia Ubuntu – “eu sou porque nós somos” – e pela força dos Orixás.

Ambas as iniciativas compartilham compromisso de confrontar as heranças coloniais através da arte, oferecendo às crianças negras espelhos positivos onde possam se reconhecer e se orgulhar de suas origens e identidades.

Molière Entre Taças e Reflexões

O ATO reinventa a experiência teatral combinando “O Tartufo” com degustação de vinhos, criando ambiente que tem conquistado nova geração de espectadores. A comédia de 1664 permanece assustadoramente atual em sua crítica à hipocrisia moral e religiosa, apresentando o falso devoto que manipula uma família através de aparente religiosidade.

Molière criou em Tartufo um arquétipo que encontra ecos em diferentes épocas: o impostor que usa máscaras sociais para sustentar poder e satisfazer desejos. A leitura dirigida por Raíza Rameh conta com elenco formado por ela própria, Nilo Pedrosa, Vitória Vasconcelos, Lara Mano, Guta Menelau, David Péricles, Kennyo Severa, Lucas Carvalho, Inês Maia e Cardo Ferraz, privilegiando a intimidade e o diálogo que permite ao público vivenciar a obra de forma participativa.

A iniciativa funciona como ponte geracional, aproximando jovens de textos clássicos através de formato descontraído que valoriza tanto o patrimônio dramatúrgico quanto a criação coletiva, mantendo viva a tradição dos encontros culturais que alimentam o debate e a reflexão.

Joesile Cordeiro, de Garanhuns, em Tempo de Vagalume. Foto: Ivana Moura

Tempo de Vagalume apresenta uma “armadilha” criada por Joesile Cordeiro para se aproximar de sua criança interior. O monólogo autobiográfico utiliza o brilho dos vagalumes como fio condutor para reconectar o personagem com memórias de infância, explorando questões LGBTQIAP+ sem se limitar a elas.

O espetáculo, que estreou em Garanhuns em junho de 2024, funciona como experiência teatral sensível onde memórias, movimentos e mutações se entrelaçam em discursos dançantes. O palco se torna território transitado por imagens das vivências do ator, construindo tom performático e poético que convida à reflexão sobre a necessidade de revisitar a criança que fomos.

A peça usa a especificidade da experiência queer para tocar aspectos da formação humana, criando pontes entre passado e presente através da arte.

SERVIÇO 

Maria Preta” – Lançamentos com Leitura Dramatizada
08/11 (sábado), às 16h
Espaço O Poste – Rua do Riachuelo, nº 641, Boa Vista, Recife
Entrada gratuita | Interpretação em Libras

15/11 (sábado), às 18h
Quilombo do Catucá – Rua Ana Alves, nº 443, Viana, Camaragibe
Entrada gratuita | Interpretação em Libras

18/11 (terça-feira), às 15h
Escola Pernambucana de Circo – Av. José Américo de Almeida, nº 05, Macaxeira, Recife
Entrada gratuita | Interpretação em Libras

Ubuntu – Circulação em Escolas Públicas
17/11/2025 – Escola Frei João Pereira de Souza, Itaíba (PE)
18/11/2025 – Escola Cel Manoel De Souza Neto, Manari (PE)
19/11/2025 – Escola José Emílio De Melo, Tupanatinga (PE)
21/11/2025 – Grupo Escolar Dom Carlos Coelho, Jurema (PE)
22/11/2025 – Colégio Municipal Monsenhor José de Anchieta Callou, Caetés (PE)
Entrada gratuita

Tempo de Vagalume
Até 15/11 (sextas e sábados), às 19h
Teatro Arraial Ariano Suassuna, Garanhuns
Entrada gratuita

Tom na Fazenda
Local: Teatro Luiz Mendonça
07/11 (sexta-feira) – 20h
08/11 (sábado) – 20h
09/11 (domingo) – 19h
Ingressos: R$ 70 a R$ 140

ATO – Leitura de “O Tartufo”
08/11 (sábado), às 17h
Galeria Joana D’Arc – Av. Herculano Bandeira, 513, Pina, Recife
Entrada gratuita | Contribuição espontânea

Festival Circo do Brasil – Últimas Apresentações
Sexta-feira, 07/11:
19h – SARAYVARA – Teatro Hermilo Borba Filho – Gratuito (Sympla)
19h30 – FRAGMENTOS – Teatro Apolo – Ingressos: Sympla

Sábado, 08/11:
15h – COPYLEFT – Parque Apipucos – Gratuito
19h30 – FRAGMENTOS – Teatro Apolo – Ingressos: Sympla
20h – LE BRUIT DES PIERRES – Teatro de Santa Isabel – Ingressos: Sympla

Domingo, 09/11:
17h – JUVENTUD – Teatro do Parque – Ingressos: Sympla
18h – LE BRUIT DES PIERRES – Teatro de Santa Isabel – Ingressos: Sympla

Classificações: Livre, 10 anos e 14 anos (conforme espetáculo)

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Vozes do mangue
Crítica de Narrativas Encontradas Numa Garrafa Pet na Beira da Maré,
do Grupo São Gens de Teatro, do Recife

Narrativas Encontradas Numa Garrafa Pet na Beira da Maré fez curtas temporadas em São Paulo e outros estados e participou de festivais. Foto Vinícius Elizário

Grupo São Gens de Teatro, do Recife. Foto Vinícius Elizário / Divulgação

Marginalidade e marginal, esses conceitos difusos, correm pelas bordas na peça Narrativas Encontradas Numa Garrafa Pet na Beira da Maré. Concebido nas entranhas de um rio do Recife, o espetáculo entende-se com a lama e dela tira sua sustância. Quando chama para si essa ideia de margem, o grupo São Gens posiciona o perfil sociológico dos integrantes: de quem mora ou viveu na periferia, que nunca teve as mesmas oportunidades dos privilegiados de classe, que sofreu na carne os preconceitos dos que estão na mira da polícia.

Essa experiência é transformada em poética, em atuação cultural viva e pulsante com as marcas desse tempo. Os vínculos estabelecidos entre criação teatral e realidade social são fortes e estão entranhados nos corpos dos atores. De muitas formas eles falam de si.

Ao assistir à peça lembro das concepções do médico e geógrafo, cientista social, político e ativista de combate à fome Josué de Castro (1908 – 1973) – convocado por Chico Science e trupe para dar sustentação ao Manguebeat – que apontava que o Recife é filho dos mangues. Na cidade aterrada, essa origem é muitas vezes abafada, disfarçada, apagada. Autor de uma extensa obra – entre Geopolítica da fome, Fatores de localização da cidade do Recife e Homens e caranguejos – Castro tirou o mangue do mangue, valorizando a paisagem com seu olhar científico e estético e dissecou esse lugar dos “excluídos sociais”. 

Na sua ambição de ser um cidadão integral, o geógrafo Milton Santos (1926 – 2001) escrutinou a existência de uma cidadania brasileira. E analisou a distribuição das pessoas desigualmente nos espaços a partir de atividades econômicas e da herança social; o que determina o acesso (ou não) aos bens e serviços oferecidos pela rede urbana e sistema das cidades.

As interpretações de mundo de Castro e Santos fertilizam essa dramaturgia, erguida a partir da vivência do dramaturgo Anderson Leite (também ator e diretor do espetáculo) na comunidade ribeirinha do Pina, no Recife. Quando a pandemia da Covid-19 fechou tudo, milhares de artistas foram atingidos de imediato, pois foram os primeiros a ficar sem remuneração. Anderson foi um deles. E, naquele momento, sem nenhuma ajuda oficial do Estado, ele voltou a trabalhar com a pesca artesanal de marisco e sururu, atividade da família.

É nesse estágio da grande ferida da pandemia que nasce o texto e as imagens de encenação. Na medula do assombro daquele presente palpita o fato de que, para muitos trabalhadores precarizados, ficar em casa nunca foi uma opção. O trançado do risco real de ir às ruas para não morrer de fome dessas figuras recua ao passado de histórias brasileiras. E entra como fala na peça, de algo que aconteceu e que não finda. “Mais uma vez tive que me arriscar. E esse vírus me tirou o paladar. Fazer o quê, tive que trabalhar. Pois, mesmo sem sentir gosto a família tem que se alimentar”.

No elenco estão Anderson Leite, André Lourenço, Cristiano Primo, Fagner Fênix, HBlynda Morais e Monique Sampaio. Foto: Gabriel Melo / Divulgação

Quando a peça começa, os atores estão amontoados numa escada que vira barco e outras coisas. Ao fundo, um painel estampa o barraco, a favela. No chão, conchas indicam rotas, produzem som, reposicionam a memória.  Há resquícios de cheiros de mangue, de maré. É forte, é ancestral.

A iluminação cuida de acelerar a cena, mas em outros momentos retarda. Trabalha feito editor de imagens. Corta, assinala, destaca, faz fantasmagoria, inverte, cria clima, faz drama, faz técnica, manipula nosso olhar.  

A dramaturgia se move em oito partes, entre solos e ações coletivas. Abscessos da sociedade são rasgadas nas temáticas que se entrelaçam entre vida e morte, as vidas que importam e os procedimentos de violência para aniquilar o outro. As classes populares que povoam a cena, elas mesmas nas suas misérias reproduzem sistematicamente o machismo e todo o tipo de preconceito contra o próximo – racismo, misoginia, lgbtqifobia, aporofobia, etarismo, etc. alimentando as chagas e não reconhecimento da opressão.

É interessante perceber que nem o dramaturgo nem o grupo optam por pegar leve com sua classe, com as figuras do seu entorno. Eles escancaram no palco as ambiguidades; alguns hábitos de convivência naquela favela inspirada no real, que pode coincidir com muitas outras práticas de pobres e estigmatizados pelo Brasil.

Sim, os pobres podem introjetar os valores que os oprimem. “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor” a frase do educador, filósofo, advogado, professor, pesquisador, pedagogo, pensador, escritor Paulo Freire (1921-1997) é conhecida. Ai, Freire! Como é urgente aprender a fazer leituras de mundos, construindo e acolhendo sujeitos com consciência da realidade.

A cidadania se aprende, a liberdade é uma conquista.

Ao expor o processo de dominação reproduzido naquela quebrada recifense, o espetáculo sacode com fúria a lógica que mantém essa estrutura. 

O título da peça aponta quase para um pedido de socorro. Mesmo que lembre procedimentos de lançar mapas de tesouros ou de desejos de falar ao futuro produzidos em romances juvenis, essa garrafa pet se despe de possíveis pompas na formulação imaginária. O material está mais próximo do descartável, mesmo que seja reciclável. E esse fluxo insiste feito uma ladainha.

A força dessas Narrativas se expande no trabalho coletivo. Há uma energia coral. Mesmo assim é possível destacar momentos individuais vigorosos. Um gesto, um jeito de corpo, uma fala, uma agonia, um desespero. Algumas pequenas fragilidades de atuação no trabalho também existem. A dicção de parte do elenco e qualquer traço de melodrama em cenas pontuais são duas delas.

Alfinetar a classe média branca que come ostras em frente ao Acaiaca (prédio à beira-mar em Boa Viagem, no Recife), os versos do poeta performático Miró da Muribeca (1960-2022), pneus, escada, rede de pescar, essas coisas conversam e os próprios atores manipulam os elementos cênicos. Eles citam a bandeira-poema de Hélio Oiticica, Seja Marginal Seja Herói (1968). Entre baculejos e sussurros, eles vão soltando suas verdades inquietantes.

“Qual o problema de eu subir?”, pergunta um deles que tenta subir a escada e é puxado pelos cabelos, pelos braços e pernas, pela camisa. Existe a “lenda do caranguejo” no Recife, que conta que toda vez que um caranguejo tenta subir (na vida) é derrubado por outros. No espetáculo, a sonoridade das conchas marca as puxadelas.  

Monique  Sampaio numa cena da marisqueira que perdeu o filho de cinco anos baleado pela polícia. Foto: Gabriel Melo / Divulgação

Uma cena terrivelmente tocante chama-se Separando O Sururu da Bucha, quando Monique Sampaio assume o papel de uma marisqueira traumatizada, que flutua entre sanidade e loucura, com a morte do filho de cinco anos, baleado pela polícia enquanto brincava com um graveto. Num estado de oscilante,  a personagem comove com suas falas: “Os ‘homi’ num só protege, não, os ‘homi’ mata, barata… matou meu Dinho. Meu pretinho se foi com dois tiros na cabeça… Os ‘homi’ mata!”.

A filósofa Judith Butler já levantou questões biopolíticas com as perguntas: as vidas de quem importam? As vidas de quem não importam como vidas, não são reconhecidas como vivas, ou contam apenas ambiguamente como vivas? Para dizer que “não podemos dar por certo que todos os seres humanos vivos têm o status de um sujeito que é digno de direitos e proteções, com liberdade e um sentimento de pertença política; ao contrário, esse estatuto deve ser assegurado por meios políticos, e quando negado, a privação deve ser manifestada”. 

As experiências e elaborações compartilhadas também falam do vínculo de entre criação teatral e realidade social.  Em algum momento, alguém ressalta a dificuldade de fazer teatro com fome, não ter dinheiro para a passagem, ou a falta de acolhida por parte de outros grupos estabelecidos. Mas a opção é seguir fazendo arte para espelhar na cena “um bocado de nós, nossa gambiarra”.

Mas o grupo também celebra a resistência e existência de seus pares negros que com arte e cultura fazem suas microrrevoluções.  São personalidades do teatro, mas também da literatura, da militância, figuras de projeção nacional e pernambucanas e pernambucanos contemporâneos. Diante de um cotidiano implacável, o São Gens rega as ideias de coletivo para fortalecer a luta.

Ficha técnica
Espetáculo Narrativas encontradas numa garrafa pet na beira da maré
Dramaturgia e encenação: Anderson Leite  
Elenco: Anderson Leite, André Lourenço, Cristiano Primo, Fagner Fênix, HBlynda Morais e Monique Sampaio.
Direção musical: Arnaldo do Monte 
Figurino: André Lourenço  
Cenário e iluminação: Anderson Leite 
Operação de luz: Cristiano Primo e Grupo 
Adereços: Anderson Leite  e André Lourenço
Produtora Cultural: HBlynda Morais
Realização:  Grupo São Gens de Teatro

Este texto integra o projeto arquipélago de fomento à crítica, com apoio da Corpo Rastreado.

 

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A resistência dos vaga-lumes
Feteag chega à 31ª edição
*Ação Cena Expandida*

Trans(passar), peça com Sophia William. Foto Divulgação 

Stabat Mater, com Janaina Leite e Amália Fontes. Foto: André Cherri / Divulgação

A Trupe Veja Bem Meu Bem (Caruaru) faz seu protesto com Poeta Preto. Foto: Divulgação

Luiz Lua Gonzaga, com o Grupo Magiluth. Foto: Divulgação

Apesar de todas as tentativas de paralisar o pensamento, o abraço, a emoção; a pulsação humana ainda é possível. O filosofo Didi-Huberman defende a plena experiência no livro Sobrevivência dos vaga-lumes. Os vaga-lumes do título espelham as múltiplas formas de resistência da cultura, do corpo, da ideia e diante dos fulgores ofuscantes do poder da política, da mídia e do capitalismo. O Feteag – Festival de Teatro do Agreste escolheu o livro de Didi-Huberman como farol para seguir a caminhada na edição deste ano.

A partir da articulação do mapa programático de espetáculos e ações formativas, o Feteag se propõe a refletir sobre a resiliência de grupos e ideias que acendem novas trilhas e formas de existência. A curadoria, então, aposta em proposições que investigam artisticamente as questões sociais, identitárias, políticas e afetivas. O caráter humana é friccionado, tensionado em peças de teatro, a dança, performance, circo e outras linguagens.

Criado há 41 anos, o Feteag chega à 31ª (pois não foi realizado em alguns anos) e enaltece a resistência dos artistas e fazedores de cultura; o papel transformador dessas atuações. O programa ocorre de 16 e 30 de setembro, no Recife e em Caruaru, com espetáculos pernambucanos, de outros estados do Brasil e internacionais, além de atividades formativas.

Na programação estão Pela Nossa Pele, de Yael Karavan (Israel) e Rita Vilhena (Portugal). O espetáculo  aponta para o lugar onde vivemos e adverte que somos natureza. E que ações humanas estão provocando as catástrofes no planeta Terra, como enchentes, crises de refugiados, incêndios florestais e pandemias.

O inquieto Grupo Magiluth, do Recife, apresenta dois trabalhos Luiz Lua Gonzaga e Estudo Nº1: Morte e Vida. Já o Grupo São Gens que vem furando a bolha e se apresentando em vários festivais com Narrativas Encontradas Numa Garrafa PET na Beira da Maré, tem uma cena que destaca o espaço urbano do Recife e sua relação com as margens, do ponto de vista da favela e seus fluxos.

A atriz Janaína Leite (São Paulo), articula de forma radical temas historicamente inconciliáveis como maternidade e sexualidade. Apresenta Stabat Mater, peça que a participação de sua mãe Amália Fontes e um ator pornô.  

A Trupe Veja Bem Meu Bem (Caruaru) faz seu protesto com Poeta Preto, um grito, um desabafo com o ator Rosberg Adonay, que revisita os medos, angústias de homem negro, e apresenta-se como porta voz de todos aqueles que foram e são silenciados todos os dias.

O Teatro Agridoce (Recife) participa do Feteag com Trans(passar), peça com Sophia William e Aurora Jamelo, que expõe a vivência da mulheridade trans, evidenciando as dificuldades sociais sofridas por essa população no Brasil.

Sopro dÁgua. Foto: Thais Lima / Divulgação

Odília Nunes em Decripolou Totepou. Foto: Silvia Montico /Divulgação

Lavagem, com a Cia REC  do Rio de Janeiro. Foto: Christopher Mavric

Narrativas Encontradas Numa Garrafa PET na Beira da Maré. Foto Gabriel Melo / Divulgação

Gabriela Holanda (Olinda), em Sopro D’Água aposta na dimensão aquática, na materialidade ancestral-geológica a partir da compreensão de que somos água. Enquanto a e Cia REC (Rio de Janeiro), usa baldes, água, sabão e espuma para realizar a ação de limpar como gesto performativo e político em Lavagem.

O Coletivo FusCirco (Fortaleza)  expõe sua comicidade com A Risita. Odília Nunes (Afogados da Ingazeira), mostra seu encanto de palhaça e bonequeira com Decripolou Totepou. O músico Rubi (Brasília), encerra a programação com o show Nem Toda Pausa É Espera. 

Além dos espetáculos, o Feteag 2022 oferece duas atividades formativas. No dia 22, a diretora, atriz e dramaturga Janaína Leite participa da conversa Conexões entre teatro e pesquisa, com mediação dos professores Luís Reis e Virginia Maria Schabbach. O encontro acontece das 14h às 15h, no Teatro Milton Baccarelli (Centro de Artes e Comunicação da UFPE), com acesso livre.

Em Caruaru, Odília Nunes ministra a oficina Corpos brincantes – pensando a comicidade, de 26 a 30 de setembro, no Teatro João Lyra Filho. A oficina foca na prática e criação de cenas, a partir da experimentação de repertórios vivenciados pela orientadora. As inscrições podem ser feitas através deste link: https://forms.gle/nNwWSMzL8XDLcLPC6. 

O FETEAG 2022 é uma realização do Teatro Experimental de Arte (TEA) e conta com incentivo do Funcultura e apoio da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Fundação de Cultura de Caruaru e SESC PE.

O FETEAG 2022 é uma realização do Teatro Experimental de Arte (TEA) e conta com incentivo do Funcultura e apoio da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Fundação de Cultura de Caruaru e SESC PE.

Este programa cênico integra a Cena Expandida, articulação que reúne o Cena Cumplicidades – Festival Internacional de Artes da Cena @ccumplicidades e cenacumplicidades.com.br (10 a 30 de setembro), o FETEAG – Festival de Teatro do Agreste – @feteag e feteag.com.br (20 a 30 de setembro); o FETED – Festival Estudantil de Teatro e Dança – @feted.pe (8 a 18 de setembro), o Reside – Festival Internacional de Teatro de PE – @residefestivalbr e residefestival.com.br (22 a 28 de setembro), e o Transborda – as linguagens da cena – @sescpe (1º a 17 de setembro), do SESC PE.

PROGRAMAÇÃO

16/09

Luiz Lua Gonzaga
Grupo Magiluth  (Recife/PE)
Local: Largo da Imperial Matriz da Várzea (Paróquia Nossa Srª do Rosário – Recife)
Horário: 17h

17/09

Poeta Preto
Trupe Veja Bem Meu Bem (Caruaru/PE)
Local: Teatro João Lyra Filho (R. Visc. de Inhaúma, 999 – Maurício de Nassau, Caruaru)
Horário: 20h

20/09

Pela Nossa Pele
Yael Karavan e Rita Vilhena (Portugal)
Local: Teatro Apolo-Hermilo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife – Recife)
Horário: 20h

21/09

Stabat Mater
Janaína Leite (São Paulo/SP)
Local: Teatro Hermilo Borba Filho (Av. Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife – Recife)
Horário: 20h

22/09

Stabat Mater
Janaína Leite (São Paulo/SP)
Local: Teatro Hermilo Borba Filho (Av. Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife – Recife)
Horário: 20h

23/09

Poeta Preto
Trupe Veja Bem Meu Bem (Caruaru/PE)
Local: Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro (Rua Mariz e Barros, 328, Bairro do Recife – Recife)
Horário: 20h

24/09

A Risita
Coletivo FusCirco (Fortaleza/CE)
Local: Academia das Cidades (R. Maria Antonieta, 578, Salgado – Caruaru)
Horário: 17h

Lavagem
Cia REC (Rio de Janeiro/RJ)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

25/09

A Risita
Coletivo FusCirco (Fortaleza/CE)
Local: Estação Ferroviária (Rua Silva Filho, s/n, Maurício de Nassau – Caruaru)
Horário: 17h

Lavagem
Cia REC (Rio de Janeiro/RJ)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

26/09

Decripolou Totepou
Odília Nunes (Afogados da Ingazeira/PE)
Local: Escola Municipal Professora Cesarina Moura Vieira Costa (Rua Profª. Mirian Vieira Costa Vila do Rafael 2° Distrito – Vila Do Rafael, Caruaru)
Horário: 8h

Trans(passar)
Teatro Agridoce (Recife/PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

27/08

Decripolou Totepou
Odília Nunes (Afogados da Ingazeira/PE)
Local: Escola Municipal Professor José Florêncio Neto Machadinho (R. Olegário Bezerra, s/n, São Francisco – Caruaru)
Horário: 8h

Narrativas Encontradas Numa Garrafa PET na Beira da Maré
Grupo São Gens de Teatro (Recife/PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

28/09

Decripolou Totepou
Odília Nunes (Afogados da Ingazeira/PE)
Local: Escola Municipal Presidente Kennedy (R. Antonio Teles, Agamenon Magalhães – Caruaru)
Horário: 10h

Sopro D’Água
Gabriela Holanda (Olinda/PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

29/09

Decripolou Totepou
Odília Nunes (Afogados da Ingazeira/PE)
Local: Escola Municipal Professora Teresa Neuma Pereira Pedrosa (Rua Maria Júlia da Conceição, s/n, Cedro – Caruaru)
Horário: 9h

Estudo Nº1: Morte e Vida
Grupo Magiluth (Recife/PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

30/09

Decripolou Totepou
Odília Nunes (Afogados da Ingazeira/PE)
Local: Escola Municipal Professor Leudo Valença (Rua Odilon Ramos da Silva, Rendeiras – Caruaru)
Horário: 8h

Show – Nem toda pausa é espera
Rubi (Brasília/DF)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal (Rua Rui Limeira Rosal, s/n, Petrópolis – Caruaru)
Horário: 20h

 

Entrevista: Fábio Pascoal – diretor do Feteag

Fábio Pascoal, idealizador e diretor do Festival do Teatro do Agreste – Feteag. Foto: Divulgação

– Fábio, o Feteag tem mais de 50 anos e nesse tempo festival mudou de perfil? Quais as marcas dessas mudanças, antes e de agora?

O Feteag foi criado em 1981 com o objetivo de expandir as ações de formação praticadas pelo TEA – Teatro Experimental de Arte, ou seja ele tem 41 anos, e sua atualização faz parte do próprio percurso do teatro, com foco principal na profissionalização, porém sem perder o seu grande norte que é a formação de público, desenvolvido através de um trabalho contínuo junto a classe estudantil, principalmente do ensino fundamental da rede pública de ensino.

– O que te motiva, o te move a tocar o Feteag? O que você busca com isso?

Nascido e criado nas coxias do teatro, seria impossível não desenvolver o gosto por ele, conforme Bourdieu, e realizá-lo é sempre me colocar em novos desafios, pois isso é o que move a vida.

– Qual a posição do seu festival no mapa da cidade (e do país) no que se refere à formação de público, a balançar as estruturas, a honrar a tradição nas artes cênicas ou traçar pontes com o contemporâneo?

Primeiro gostaria de lembrar que o FETEAG é uma ação conjunta de produtores, curadores e artistas, que juntamente com o público compõem o grupo de “fazedores de festivais”, como nos lembra Felipe de Assis do FIAC-BA,  e o que procuramos é sempre nos colocar em risco, para que a cada edição possamos proporcionar uma nova experiência ao espectador, com uma curadoria que busca aprofundar o diálogo com a cena contemporânea nacional e internacional.

– Como você interpreta as políticas públicas para as artes da cena do Recife e de Pernambuco? O que é prioritário e urgente?

O Recife, Caruaru, Pernambuco e o Brasil andam a passos curtíssimos quando pensamos em políticas de incentivos culturais. Em Pernambuco temos um edital de fomento que se encontra estagnado, em termos de valores de aportes, há anos, e com uma lei de fomento via mecenato que não sai do papel e que poderia ser a salvação para as produções já consolidadas no calendário cultural, como os festivais, que a cada ano tem que concorrer com os iniciantes e que, sinceramente, acho isso muito desleal.

– Fale brevemente do “cardápio” dessa edição, os trabalhos. E como foi viabilizada a edição?

 Para elaborarmos o “cardápio” de cada edição começamos a sonhar pelo menos 2 anos antes para assim podermos estabelecer parcerias importantes, como com os institutos internacionais. Esta edição foi pensada em 2020, quando já estávamos sondando possíveis atrações e está sendo viabilizada pelo edital Funcultura PE, nosso incentivador, e os apoios fundamentais da Prefeitura de Caruaru/Fundação de Cultura, SESC e Prefeitura do Recife/Secult que nos apoio via ação Cena Expandida.

– A praxe dos festivais em Pernambuco é tocar essas iniciativas na raça. Isso é motivo de orgulho ou preocupação?

É um motivo de MUITA preocupação, pois realizar um festival deve ser encarado como um trabalho e não um sacrifício, pois não temos a obrigação de fazê-lo, fazemos pois acreditamos na sua importância para nossa evolução enquanto profissional e humano.

– Neste ano, com previsão para os seguintes, o seu festival integra a Cena Expandida com mais quatro festivais. O que as artes da cena (e seu público) da cidade do Recife da cidade do Recife e de Pernambuco ganham com essa ação?

Esta é uma ação gestada desde 2018 e que finalmente colocamos para rodar e que busca, neste momento específico, mobilizar o público e trazê-lo de volta ao teatro, depois de um período muito difícil para as artes presenciais que foi a pandemia.

– Qual a pergunta que não quer calar? Tem resposta?

Melhor será o amanhã.

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