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Poesia e dramaturgia, tentativa e esperança de vida
Crítica do espetáculo Miró: Estudo nº2

Miró: Estudo nº2, do grupo Magiluth. Foto: João Maria Silva Jr

– Prédios não caem. Prédios são demolidos.

Essa é uma das falas-síntese do espetáculo Miró: Estudo nº2, do grupo Magiluth. Na noite de 27 de abril, cerca de trinta ou quarenta minutos depois que a peça havia terminado na Avenida Paulista, em São Paulo, mais um prédio caia na Região Metropolitana do Recife. Seis pessoas morreram e cinco ficaram feridas, entre elas uma mulher de 32 anos, e sua filha, uma adolescente de 16 anos. Os corpos foram encontrados abraçados debaixo dos escombros.

O edifício Leme, no bairro de Jardim Atlântico, em Olinda, era do tipo caixão, possuía 16 apartamentos e estava condenado desde o ano 2000. Como não tinha sido demolido, o prédio acabou ocupado. O jornal Folha de Pernambuco publicou que, de acordo com a Defesa Civil de Olinda, a cidade tem 110 imóveis com risco iminente de desabamento, todos prédios do tipo caixão que, como explicam as matérias de jornal, são edifícios construídos com uma técnica de alvenaria na qual as paredes fazem a função de sustentação da estrutura, sem que vigas ou pilares sejam utilizados.

Os 70 prédios do Conjunto Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, também Região Metropolitana do Recife, eram desse tipo. Como reforça o texto do espetáculo do Magiluth, foram construídos com recursos do antigo BNH, Banco Nacional da Habitação. Em 1995, um dos prédios foi interditado pela Defesa Civil por conta de rachaduras. Em 2005, todos os blocos foram interditados.

Muribeca dá nome ao conjunto habitacional, ao bairro em Jaboatão dos Guararapes, ao lixão desativado em 2009, que era o maior aterro sanitário de Pernambuco (“o sonho da casa própria ali, lado a lado com o lixão”, diz mais ou menos assim a dramaturgia do Magiluth), e ao poeta Miró, Miró da Muribeca.

Miró da Muribeca (1960-2022), João Flávio Cordeiro da Silva, era uma figura icônica do Recife. Era orgulhoso de viver de sua poesia. Ele próprio vendia seus livros e performava de um jeito único os poemas – sobre a cidade, o cotidiano, os problemas sociais, os encontros, os amores, o que poderia até ser considerado banal e, a partir do olhar de Miró, da sua elaboração, escrita e enunciação, ganhava forma e relevância.

Miró morreu em 2022 em decorrência de um câncer, mas também era alcoólatra.

Giordano Castro, Erivaldo Oliveira e Bruno Parmera. Foto: João Maria Silva Jr.

E foi a partir dessa pessoa que o Magiluth enveredou na criação de mais uma peça, num processo que também se debruça sobre o teatro, o ofício, o como fazer. Em Estudo nº 1: Morte e Vida (2022), a partir de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, a pergunta que disparava a encenação era “como montar uma peça?”. Agora, o grupo se questiona “como fazer uma personagem?”.

Essa pergunta é apresentada logo no início da peça e, a partir dela, discussões e possibilidades vão sendo compartilhadas com o público. Miró é uma pessoa ou uma personagem? O que é um protagonista? Um antagonista? Um coadjuvante? Figurantes? Elenco de apoio? E outras interrogações vão ecoando puxadas pela provocação inicial: quando estava performando, Miró era personagem? E nós, quando somos personagens? Só no vídeo para as redes sociais?

Para além das definições que enveredam pelas artes da cena, que podemos falar daqui a pouco, as fricções mais interessantes se dão quando esses conceitos tensionam as questões sociais alinhavadas pela dramaturgia.

A situação que desencadeou a escrita de um dos primeiros poemas de Miró, por exemplo, é trazida ao palco: uma abordagem policial a cinco jovens que estavam a caminho do Centro do Recife. Dali viria Quatro horas e um minuto*, poema publicado em seu primeiro livro, Quem descobriu o azul anil?:

quatro horas
quatro ônibus
levando vinte e quatro
pessoas
tristonhas e solitárias

quatro horas e um minuto
acendi um cigarro
e a cidade pegou fogo

cinco horas
cinco soldados
espancando cinco pivetes
filhos sem pai e
órfãos de pão

seis horas
o Recife reza
e eu voando
pra ver Maria

(Quatro horas e um minuto)

Na cena criada pelo Magiluth, os cinco jovens do bairro dos Coelhos, na periferia do Recife, estão andando e tirando onda pela rua até que um deles é abordado por um policial: “Tá rindo do quê, boy?”. A pergunta é seguida por um tapa.

Quando esses jovens se tornam protagonistas? De que forma eles são protagonistas? Qual a diferença entre um João “dos Coelhos” e um João? Entre um João da Muribeca e um João de Casa Forte? João de Casa Forte precisa ser nomeado? Quais outras estruturas podem servir para nomear João de Casa Forte? O colégio Santa Maria ou o Mackenzie, por exemplo, servem a esse propósito? Por outro lado, quais estruturas inexistem na construção do João da Muribeca, dos Coelhos, do Jardim Romano, de São Miguel Paulista? Um poeta marginal pode ser protagonista?

Um dos trunfos do Magiluth em Estudo nº2 é a engenhosidade na construção da dramaturgia. Poesia virou texto de teatro. Foi cortada, recortada, mudou de lugar, outros textos foram acrescentados, mas a poesia está lá. A obra de Miró está lá, adaptada ao teatro de um jeito imbricado, sem começo, meio ou fim, sem delimitações, invadindo todos os espaços no palco e espraiada.

Além disso, não há uma tentativa de fazer uma peça biográfica ou documental, apesar de alguns elementos biográficos e documentais nos ajudarem a ter pistas dessa pessoa-personagem, como alguns depoimentos de vizinhos de Miró. Mas não há muitas explicações – por exemplo: em nenhum momento o grupo conta que a cena desses jovens virou um dos primeiros poemas de Miró. Ela apenas está, existe, como dramaturgia e poesia, sem a necessidade de muitas explicações, a própria cena dando conta do seu contexto.

Depois de um prólogo estendido, guiado pela pergunta sobre como fazer uma personagem, o Magiluth expõe as suas escolhas para levar Miró personagem ao teatro. E essas escolhas, ao que me parece, carregam certo ineditismo na trajetória do grupo. O que o espectador acompanha é quase um processo de simbiose entre Erivaldo Oliveira, ator protagonista que interpreta Miró, e o poeta. Desde a dramaturgia, quando as fotos de Erivaldo se misturam às referências de Miró. Qual o nome da mãe de Erivaldo mesmo? E do poeta? Quem é filho único? Quem tem muitos irmãos? Os dois perderam as suas mães e esse buraco impactou a vida dos dois, talvez com pesos diferentes.

E essa construção vai alcançando de mansinho a cena – o conhaque que Erivaldo bebe repetidas vezes, a imagem da Muribeca na projeção do telão – e o corpo do ator, que é primeiro Erivaldo, personagem de si mesmo no palco, e vai aos poucos mimetizando Miró. Que imita o seu jeito de andar, de abrir os braços, de se expressar, que carrega a guia no pescoço com o dorso nu. Até que Erivaldo e Miró são um e são múltiplos: ator-personagem no palco, poeta-performer no vídeo.

Não tem como não exaltar o trabalho de Erivaldo Oliveira como ator em Miró. Principalmente para quem, como eu, acompanho o trabalho do grupo há muito tempo. Como quase tudo na vida, o trabalho do ator também é uma construção. Treino, repetição, aperfeiçoamento, faz de novo e novo. Uma das palavras-síntese para Magiluth é processo. Em Miró estão o Erivaldo de Viúva, porém honesta (2012) e da mãe fabulosa que ele ergueu em Apenas o fim do mundo (2019) e que tinha uma cena inesquecível com o Luiz de Pedro Wagner. Erivaldo tem mapeado Miró em sua consciência, em seu corpo, ora ao se conter, ora ao se expandir.

A cena em que se banha é como um nascimento, um batismo, um banho de mar no chuveiro, a cura para o porre de realidade e conhaque e, ao mesmo tempo, uma ode ao que pode vir. As ligações que faz aos poetas amigos, Wellington (Wellington de Melo), Cida (Cida Pedrosa) e Wilson (Wilson Freire), revelam a dor e os dramas internos do poeta-pessoa-personagem em cenas tristes e lindas.

Mas, como disse, a escolha me parece inédita ao grupo: levar uma personagem real à cena mimetizada. Interpretá-la de tal modo que o público possa se impressionar com as semelhanças entre ator e pessoa-personagem.

De outro modo, os polos colocados em cena quando o grupo apresenta, de um lado, a construção de uma personagem dramática, de modo tradicional, com caracterizações, como na cena de Giordano Castro; e de outro, o ator mais cru, que segue a sua intuição, é personagem de si mesmo, como na cena de Bruno Parmera, também não são escolhas recorrentes do grupo ao longo do seu repertório.

O Magiluth geralmente vai por outro caminho, o do ator-performer que não está necessariamente interessado em mimetizações, que ajudou a construir uma dramaturgia em sala de ensaio e, a partir do texto, das ações propostas e do corpo consegue estabelecer um estado de presença que alcança o espectador. Um estado de presença que, do palco, idealmente, integra o espectador à encenação. E o mais interessante no grupo é que esse estado, essa energia que os atores vão erguendo em cena, se dá no coletivo, no jogo e na interação entre aqueles atores, como se um puxasse e mobilizasse o outro até o lugar que desejam alcançar, todos juntos.

E essa é uma das quebras em Miró: Estudo nº2. Esse estado de presença coletivo, do modo como ele acontece em outras encenações, como O ano em que sonhamos perigosamente (2015), Dinamarca (2017) e Estudo nº1: Morte e Vida, por exemplo, não se estabelece da mesma maneira. O protagonismo, neste caso, também está relacionado à presença. Então, na maior parte do tempo, essa linha de forças está desnivelada. É um demérito do espetáculo? Não, é apenas um modo diverso de colocar as peças no tabuleiro da encenação e uma experiência diferente na trajetória do grupo.

Um dos momentos em que essa energia está um pouco mais equilibrada, embora em níveis menores de força, é quando os atores voltam ao procedimento recorrente de criação de cenas curtas, que se desenrolam como um jogo, e incorporam referências e citações de trabalhos anteriores. Se, como disse, processo é palavra-síntese do Magiluth, essas cenas são antropofagia. Olhar para si mesmo, para o mundo, voltar ao que foi, trazer coisas novas, acrescentar camadas de significação.

Por exemplo: pelo menos desde O ano em que sonhamos perigosamente (ou talvez desde Aquilo que o meu olhar guardou para você, 2012) o grupo traz à cena questionamentos sobre a ocupação do espaço urbano e a especulação imobiliária. Em Miró, os diálogos entre um engenheiro e um aprendiz, Giordano Castro e Bruno Parmera, sobre as especificidades na construção de um conjunto habitacional explicitam o descaso com o direito à moradia digna diante da sanha capitalista de construtores – aqueles da mesma laia dos que estão erguendo não sei quantas torres no Cais José Estelita, no Recife. Se antes o grito desesperado chamava por Stella, de Um bonde chamado desejo, em O ano em que sonhamos perigosamente, agora chama por Norma.

(…)

domingo era o dia mais feliz
antes de norma beijar um outro na boca

(Onde estará Norma?)

O casal de Todas as histórias possíveis, experimento criado durante o isolamento social provocado pela pandemia de covid-19, aquele que se forma despretensiosamente e depois ganha a chave da casa do outro, recebe um áudio dizendo o que tem na geladeira e um convite para que fique à vontade, se sinta em casa, pode ser o mesmo casal que passa 22 anos juntos em Miró e depois não consegue imaginar a vida sem o outro?

estou pronto
eu também
foram
deixando para trás 22 anos juntos
naquele apartamento
dentro do elevador nenhuma palavra
térreo
agora teriam 22 mil ruas para seguir
seguiram

nenhum dos 2 sabia pra onde

(Separação)

O morto, que “é bom porque a gente deixa ele lá, no lugar, e quando volta ele tá lá, igual, na mesma posição” e que a gente coloca “flores por cima para esconder o cadáver”, de O ano em que sonhamos perigosamente, aquele que morre de exaustação pela precarização do trabalho em Estudo nº1: Morte e vida e permanece lá, no mesmo lugar, até o fim da peça, talvez aqui haja esperança, talvez ele não tenha morrido, cancelem o coveiro. O coração ainda bate.

(…)

ele pensou que agora estava
definitivamente morto
quando o legista disse:
não
não levem agora
o coração ainda bate
(…)

(Muita hora nessa calma)

Miró talvez seja a resposta mais imediata e ainda um pouco crua e, por isso tão verdadeira e bonita, ao que estamos vivendo. A resposta e a contribuição do Magiluth, porque é o que eles sabem fazer, continuar fazendo teatro, mesmo que o mundo lá fora esteja acabando como foi em O ano… ou nos experimentos durante a pandemia. Se, como dizem na dramaturgia, tentativa é a palavra mais importante no espetáculo, não é também uma das que mais fazem sentido hoje? Se vivenciamos tantas mortes, se perdemos Miró, como trabalhamos esse luto coletivamente, fazemos viva a sua obra e o seu legado, e entregamos juntos beleza e arte? A cidade pega fogo há bastante tempo. Foi o cigarro que eu acendi? Que acendemos juntos e não soubemos como apagar? Agora é hora de voltar a construir a cidade, oxalá sobre bases mais sólidas.

*Os poemas ao longo do texto não necessariamente são citados na íntegra no espetáculo.

Ficha Técnica:
Miró: Estudo nº2, do grupo Magiluth
Direção: Grupo Magiluth
Dramaturgia: Grupo Magiluth
Atores: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Giordano Castro
Stand in: Mário Sergio Cabral e Lucas Torres
Fotografia: Ashlley Melo
Design gráfico: Bruno Parmera
Colaboração: Grace Passô, Kenia Dias, Anna Carolina Nogueira e Luiz Fernando Marques
Realização: Grupo Magiluth

Serviço:
Miró: Estudo nº2
Quando: 9 de maio, terça-feira, às 20h, no Teatro de Santa Isabel (ingressos esgotados)
13, 14, 20 e 21 de maio, sábado e domingo, às 19h, no Teatro Apolo (ingressos à venda)
Quanto: R$ 40 e R$ 20 (meia-entrada), à venda no Sympla

Estudo nº1: Morte e Vida
Quando: 16, 17, 18 e 19 de maio, às 20h, no Teatro Hermilo Borba Filho
Quanto: R$ 40 e R$ 20 (meia-entrada), à venda no Sympla

Este texto integra o projeto arquipélago de fomento à crítica, com apoio da Corpo Rastreado.

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Magiluth defende obra aberta no Feteag

O ano que sonhamos perigosamente. Foto: Renata Pires/ Divulgação

O ano que sonhamos perigosamente. Foto: Renata Pires/ Divulgação

O grupo Magiluth, do Recife, pegou emprestado o título do livro do filósofo esloveno Slavoj Žižek e ferveu suas ideias, misturadas a outras inspirações. Outros detonadores da peça são obras do filósofo francês Gilles Deleuze e do cineasta grego Yorgos Lanthimos (vencedor do Prêmio do Júri de Cannes, com o filme A lagosta). Além de Tchekhov, do movimento Ocupe Estelita, dos levantes mundialmente reconhecidos, como Occupy Wall Street, a Primavera Árabe, e a Revolução Laranja na Ucrânia. Todas as referências foram processadas para chegar ao espetáculo O ano em que sonhamos perigosamente, oitava montagem do grupo.

O bando de rapazes pernambucanos questiona a crise e o colapso do sistema capitalista no seu atual estágio. Reflete sobre esse tempo de levantes, mobilizações e ocupações, e investe na crítica ao modelo de desenvolvimento urbano no Recife. A apresentação da peça ocorre hoje (13), no Teatro Rui Limeira Rosal, no SESC Caruaru, dentro da programação do Festival de Teatro do Agreste – Feteag.

Nesse construto de resistência ético-estético-político, cinco homens treinam (correm, brigam, dançam, caem e morrem), na tentativa de encontrar novas formas e composições para construir algo belo, ainda inominado. Nas tensões físicas e psicológicas eles reverberam o caos. Uma obra aberta a interpretações e que já conta com uma fortuna crítica. Escrevemos sobre a peça depois da estreia. Confira: Arte em tempos sombrios

A peça é dirigida por Pedro Wagner, que assina a dramaturgia com Giordano Castro. Os dois integram o elenco ao lado de Erivaldo Oliveira, Mário Sergio Cabral e Erivaldo Oliveira e os stand ins Lucas Torres e Bruno Parmera.

FICHA TÉCNICA:
Direção: Pedro Wagner
Dramaturgia: Giordano Castro e Pedro Wagner
Atores: Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Mário Sergio Cabral, Pedro Wagner
Stand in: Lucas Torres e Bruno Parmera
Preparação Corporal: Flávia Pinheiro
Desenho de Som: Leandro Oliván
Desenho de Luz: Pedro Vilela
Direção de Arte: Flávia Pinheiro
Design Gráfico: Thiago Liberdade
Fotografia: Renata Pires
Caixas de Som: Emanuel Rangel, Jeffeson Mandu e Leandro Oliván
Técnico: Lucas Torres e Bruno Parmera
Realização: Grupo Magiluth

Serviço
Onde: Teatro Rui Limeira Rosal – SESC Caruaru
Quando: Quinta-feira (13), às 20h
Quanto: Grátis
Classificação etária: 18 anos

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Cinco sugestões para o fim de semana

Apenas mais três sessões dessa temporada de O ano em que sonhamos perigosamente, do Magiluth. Foto: Renata Pires

Apenas mais três sessões dessa temporada de O ano em que sonhamos perigosamente, do Magiluth. Foto: Renata Pires

O enigma em The Lobster (A Lagosta) é uma escolha, forçada (vale salientar) de não ficar sozinho, ou melhor, de arranjar um parceiro conjugal para a vida. Sob pena, se a regra não for obedecida, de se ser transformado em animal e jogado no bosque. O filme do grego Yorgos Lanthimos arrebatou o Prêmio do Júri em Cannes em maio deste ano. É uma fábula ácida e implacável situada num futuro distópico sobre a solidão e o amor. O cineasta, que realiza “gênero de filmes em que não se compreende tudo”, ganhou fama internacional com Canino (Prêmio Un Certain Regard, Cannes em 2009) e também dirigiu Alps (Prêmio do Argumento no Festival de Veneza em 2011) é uma das inspirações, referências ou disparadores criativos do novo trabalho do grupo Magiluth.

O ano em que sonhamos perigosamente é o título de um dos livros do sociólogo, filósofo, psicanalista e crítico cultural esloveno Slavoj Žižek. Esse autor, de produção intelectual intensa, utiliza conceitos de Jacques Lacan e vai de Marx a Hegel para analisar o cinema, o fundamentalismo e a tolerância, ideologia e subjetividade em tempos pós-modernos, entre outros temas da atualidade, em linguagem clara e provocativa.

O mundo das crises econômicas aos abalos existenciais está na rota desse novo espetáculo. Na busca do que seria belo, do que seria estética, eles abraçam Anton Tchekhov. E rasgam os véus das guerras, das arbitrariedades e do capitalismo. E mesmo diante do caos, convocam resistências, como o Ocupe Estelita.

SERVIÇO
O ano em que sonhamos perigosamente
Quando: Dias 19, 25 e 26 de Junho de 2015, às 20h
Onde: Teatro Apolo, R. do Apolo, 121 – Bairro do Recife
Informações: (81) 3355-3320

FICHA TÉCNICA
Direção: Pedro Wagner
Dramaturgia: Giordano Castro e Pedro Wagner
Atores: Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Mário Sergio Cabral, Pedro Wagner, Thiago Liberdade
Preparação corporal: Flávia Pinheiro
Desenho De Som:Leandro Oliván
Desenho De Luz: Pedro Vilela
Direção De Arte: Flávia Pinheiro
Fotografia: Renata Pires
Design Gráfico: Thiago Liberdade
Caixas De Som: Emanuel Rangel, Jeffeson Mandu e Leandro Oliván
Técnico: Lucas Torres
Realização: Grupo Magiluth

Tatto Medinni e Iara Campos estão no elenco da versão teatral de A emparedada

Tatto Medinni e Iara Campos estão no elenco da versão teatral de A emparedada

Ano passado, o público televisivo assistiu entusiasmado a uma versão do folhetim A emparedada da Rua Nova, de Carneiro Vilela. A minissérie Amores roubados (Rede Globo), com dramaturgia e roteiro de George Moura e direção do mineiro José Luiz Villamarim foi deslocada do Recife para o Sertão. O ator Cauã Reymond interpreta na trama o galanteador Leandro que alardeia: “Sempre gostei do perigo. O amor que não tem risco é uma cousa desenxabida, uma aventura sem encantos e pueril”. Bem difícil resistir à atuação de Cauã Reymond.

Há alguns anos, a Trupe Ensaia Aqui e Acolá emplacou sua adaptação de A emparedada da Rua Nova, tomando liberdades estilísticas e conquistando o público com suas cores fortes do melodrama de circo. O grupo fez opção declarada pelas referências à cultura pop e pela chave cômica dessa história trágica. Uma moça teria sido emparedada pelo pai, quando este descobriu sua gravidez, isso lá no final do século 19. E o grupo abusa dos clichês presentes em folhetins, cinema e novelas, faz alterações do romance, inserindo reviravoltas e um novo desfecho.

O Amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas é inspirado nesse caso nebuloso, que rendeu o romance A emparedada... , escrito entre 1909 e 1912. A montagem, dirigida por Jorge de Paula, já foi vista por quase 15 mil pessoas desde 2010.

A peça que usa a estética circense, com movimentos largos dublagem engraçadíssimas, ganha duas sessões neste fim de semana, no Teatro de Santa Isabel (Praça da República), sábado (20) e domingo (21), às 20h. A direção de atores é de Ceronha Pontes e no elenco estão Iara Campos, Jorge de Paula, Marcelo Oliveira, Andréa Veruska e Tatto Medinni.

SERVIÇO
O Amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas.
Onde: Teatro de Santa Isabel (Praça da República, s/n, Santo Antônio).
Quando: Sábado e domingo (20 e 21),às 20h.
Quanto: R$ 40 e R$ 20 (meia).
Informações: 3355-3322.
Duração do espetáculo: uma hora e meia

 

Júnior Aguiar e Marcio Fecher foram buscar poesia nas cartas de Glauber Rocha.

Júnior Aguiar e Marcio Fecher foram buscar poesia nas cartas de Glauber Rocha.

Numa época pós-ideologia, é muito interessante ver no palco dois atores investigando a recente história do Brasil a partir das relações do cineasta baiano Glauber Rocha com o estado de Pernambuco. Inspirado nas cartas escritas para o poeta Jomard Muniz de Brito e o ex-governador Miguel Arraes a dupla de atores Júnior Aguiar e Márcio Fecher. Premiado como melhor espetáculo e melhor trilha sonora no 20º festival Janeiro de Grandes Espetáculos, h(EU)stória – o tempo em transe perpassa por revolução, paixões e desilusões do amor e do cinema.

SERVIÇO
H(EU)stória – O tempo em transe
Onde: Teatro Arraial (Rua da Aurora, 457, Boa Vista).
Quando: Sextas e sábados, às 20h (até o dia 20 de junho).
Ingresso: R$ 20 (inteira) R$ 10 (meia).
Informações: 3184-3057

A Receita é um solo com Naná Sodré. Foto: Fernando Azevedo

A Receita é um solo com Naná Sodré. Foto: Fernando Azevedo

A receita apresenta uma mulher que tempera sua vida de abandono e violência com comida. Essa mulher representa as mulheres violentadas física e psicologicamente do mundo inteiro.

O solo é com a atriz Naná Sodré, do grupo O Poste Soluções Luminosas. O texto e a encenação de Samuel Santos, inspirados nos ensinamentos de Eugenio Barba,  convergem para a atuação da intérprete, num teatro ritualístico.

SERVIÇO
Espetáculo A receita
Onde: Espaço O Poste (Rua da Aurora, 529, loja 1, Boa Vista).
Quando: De 29 de maio a 26 de junho, todas as sextas, às 20h.
Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (meia).
Informações: 8484-8421.

Manoel Carlos, André Filho e Daniela Travassos, o núcleo duro da Cia Fiandeiros

Manoel Carlos, André Filho e Daniela Travassos, o núcleo duro da Cia Fiandeiros

A Tempestade (The Tempest) é considerada a obra-prima de William Shakespeare. O poder, a comédia e o romance são os três núcleos da peça. Um duque de Milão, chamado Próspero e sua pequena filha Miranda são lançados no mar e se abrigam numa ilha tropical. De lá, Próspero provoca uma tempestade em que o rei de Nápoles Alonso, seu irmão Sebastião, Antônio, um príncipe, noivo em potencial para Miranda e alguns nobres vão parar na ilha. Próspero tem a seu serviço o monstro Caliban, que ele escravizou e “domesticou”, e Ariel, o espírito que pode se metamorfosear em ar, água ou fogo. O protagonista prepara sua vingança.

A Cia. Fiandeiros de Teatro conclui seu ciclo de leituras dramáticas com A tempestade, última peça escrita por William Shakespeare. A direção é de André Filho e no elenco estão Domingos Soares, Célio Pontes, Marília Linhares, Jefferson Larbos, Carlos Duarte Filho, Geysa Barlavento, Pascoal Fillizola, Manuel Carlos, Luís Távora, Wellington Júnior e Quiércles Santana.

SERVIÇO
Leitura dramatizada de A Tempestade
Onde: Espaço Cultural Fiandeiros (Rua da Matriz, 46, 1º andar, Boa Vista).
Quando: Sexta (19), às 19h30.
Quanto: Entrada gratuita.
Informações: 4141-2431.

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Arte em tempos sombrios

O ano em que sonhamos perigosamente é o o oitavo trabalho do Magiluth. Foto: Renata Pires

O ano em que sonhamos perigosamente é o oitavo trabalho do Magiluth. Fotos: Renata Pires

Vivemos em tempos sombrios. Contribuímos para a escravidão de seres humanos e nem ligamos. Em todo mundo milhares de pessoas trabalham em condições abomináveis (longas jornadas, baixos salários, alta pressão) para fabricar produtos, como roupas que você e eu vestimos. Numa cena curta, direta, agressiva de O ano em que sonhamos perigosamente, que estreou na última quinta-feira (11), no Teatro Apolo, no Bairro do Recife, um integrante do Magiluth acusa outro a colaborar com essa situação, pois o segundo está com uma camiseta de uma marca que tem esse histórico.

Há dois dias, o Papa Francisco recebeu o presidente da Rússia, Vladimir Putin, no Vaticano, e fez um apelo para que Putin se comprometa com um esforço grande e sincero para alcançar a paz na Ucrânia, através do diálogo e do cumprimento do acordo de Minsk. Esse foi o segundo encontro entre os dois.

Putin é visto como novo vilão da cena internacional desde o ano passado, quando a tensão entre a Rússia e o Ocidente chegou ao nível mais elevado nos 15 anos da “era Vladimir Putin”, reforçado pela crise ucraniana e a anexação da Crimeia. As chancelarias ocidentais subiram o tom acusatório contra Moscou e chefe do Kremlin respondeu que a Rússia deve ser tratada como uma grande potência. “Os russos não vão pedir permissão a ninguém”, já esbravejou Putin.

Os atores do Magiluth gritam em vários momentos do espetáculo O ano em que sonhamos perigosamente: “Nós somos russos”, ou “Vocês são russos”. O espectador entenda como quiser, ou como puder, já que sabemos que a interpretação está articulada com a bagagem cultural, a imaginação, a memória de cada um. E que a virtualidade de sentido de uma obra fica à espreita de ser concretizada pela recepção, para não esquecer de Wolfgang Iser, e todo espectador pode ser afetado à sua maneira.

Mas temos outro russo muito importante na montagem: Anton Pavlovitch Tchekhov (1860-1904). A partir de sua obra, o grupo articula procedimentos ousados de recortes do clássico, iluminando as questões contemporâneas, como as políticas para os espaços públicos nas cidades.

Tchekhov foi um transgressor da tradição literária clássica e criador de um novo paradigma estético do drama contemporâneo, como nos aponta a pesquisadora e professora russa Elena Nikolaevna Vássina, da Universidade de São Paulo (USP), que esteve na capital pernambucana em uma das edições do Festival Recife do Teatro Nacional.

Os rapazes do Magiluth extraem o típico humor tchekhoviano (aquele misto de engraçado e triste ao mesmo tempo), de cenas de A Gaivota, O Jardim das Cerejeiras e As três irmãs. Lembra um drible de craque numa jogada de futebol. É desconcertante.

ESpetáculo está em cartaz às quintas e sextas no Teatro Apolo

Espetáculo está em cartaz às quintas e sextas no Teatro Apolo

O metateatro de A Gaivota assume dimensões ambiciosas se refletirmos que a nova montagem do Magiluth investe em todos os sentidos no processo de criação, nos procedimentos do teatro, na crise da representação (e que extrapolam a questão do palco e se projetam nos atos revolucionários). O poeta Tréplev investe na composição de um novo jeito de fazer teatro. Arkádina, sua mãe é uma veterana atriz ligada aos velhos moldes. Nina é uma atriz em formação e Trigórin é um escritor famoso. Entre ambição, decadência, amores não correspondidos, o autor russo trabalha com um fiapo de conflito, com várias linhas vagas. Nesse sentido, parece um modelo para a trupe pernambucana.

Ao construir essas teias emaranhadas, a rapaziada berra que na sua criação é o teatro que está no centro, como o mais radical dos dispositivos. Isso com todas as citações e cruzamentos. A cena de O ano em que sonhamos perigosamente expõe os aparatos do teatro, com o palco praticamente nu e iluminado. Tchekhov ironiza o dramaturgo protagonista, como parece-me que o Magiluth troça com a criação e suas circunstâncias. E, com a ajuda do escritor russo, eles fazem um acerto de contas com o teatro burguês.

Não é por acaso a escolha desse dramaturgo que supera a trama dramática espetacular, com seus finais abertos. Tchekhov convoca o espectador a ser um participante ativo no ato da criação. Neste novo trabalho, o Magiluth também faz isso. Só que com uma estrutura da peça totalmente fragmentada.

Nesse teatro dentro do teatro, em As três irmãs Prósorov – Irina, Olga e Macha – no plano material estão em situação pior no final da peça. Seus sonhos e esperanças de um futuro promissor escaparam entre as mãos.

Já o trecho escolhido pelos dramaturgos Giordano Castro e Pedro Wagner de O jardim das cerejeiras faz o público pensar que o personagem está falando sobre o Ocupe Estelita e todo o processo de especulação imobiliária que envolve essa questão. É incrível.

Atores ousam ao traçar conexões teóricas e processo criativo. Foto: Renata Pires

Em O ano em que sonhamos perigosamente, as crises política, social e econômica daqui e dali, e do todo mundo e a existencial, deles e nossa, ganham corpo por provocações teóricas vindas do cinema, da crítica, da arte. De maneira rizomática, esse grupo de jovens traça as linhas de resistência ético-estético-político, onde elementos e conceitos se tocam, fazem conexões, explodem em todas as direções. Deleuze e Gattari presentes com seus agenciamentos das máquinas desejantes.

E como corporificar tantos conceitos, tantas referências? Fluxos… Cinco rapazes ensaiam, ou melhor treinam na elaboração de um momento belo. Os urdimentos do palco estão expostos. Com umas frases e movimentos em várias direções, saltos, esforços, o grupo convoca pensamento sobre a beleza em Sócrates e Platão, a beleza da natureza de Kant e a beleza da arte em Hegel. É denso.

Thiago Liberdade deita no chão, baixa a calça e deixa a bunda à mostra e desliza num movimento ondulatório que parece uma cobra, um boto. Giordano Castro admira e comenta: “Isso é lindo!”.

Cinco atores do grupo estão em cena

Os movimentos contestatórios estão no espetáculo

A expressão persa war nam nihadan – “matar uma pessoa, enterrar o corpo e plantar flores sobre a cova para escondê-la”, usada pelo filósofo esloveno Slavoj Žižek, um dos mais provocativos teóricos da contemporaneidade, é dita várias vezes no espetáculo. O titulo da peça, por sinal, é emprestado do seu livro O ano em que sonhamos perigosamente no qual o filósofo traça uma análise corajosa sobre o que chama de “sonhos emancipatórios” (Primavera Árabe, Occupy Wall Street, manifestações em Londres e Atenas) como também dos “sonhos destrutivos”, como a chacina de Anders Breivik, na Noruega, e outros movimentos racistas e ufanistas pelo mundo. Žižek usa a frase para descrever o processo de abafar as mobilizações populares.

O elenco simula resistência: atira pedras ou bombas imaginárias. Há um grito abafado desses homens, que vez por outra eclode. Stela em explosão emocional!!!

O palco vira um campo de forças onde o capitalismo está em xeque com protestos, acampamentos, reivindicações e barricadas desenhadas pelos cinco homens. A revolução continua. Ocupações ganharam o espaço público, o espaço midiático e as redes sociais.

O grego Yorgos Lanthimos – cineasta,que realiza “gênero de filmes em que não se compreende tudo” e ganhou fama internacional com Dente Canino (Prêmio Un Certain Regard, Cannes em 2009) entra no jogo com sua influência de falar do micro para atingir o macro.

O grupo encara os riscos. É muito interessante a exposição dos conflitos da cidade no corpo do ator, essa máquina desejante. Mário Sergio Cabral mostra os pontos de tensões, os lados esquerdo e direito, as nervuras.

Cinco atores no palco. Pedro Wagner, que também dirige a peça, está vestido de tenista. Os outros de camiseta e calça/short. Com a ajuda de caixas de som eles remixam frases e idéias. Dançam em ritmos sincopados. Fazem pequenas intervenções. Contaminam uns aos outros. Mostram os perigos de desejar. Questionam se existem caminhos possíveis e alternativos ao capitalismo neoliberal.

Os sonhadores acordaram do pesadelo. Somos losers/ perdedores? Esse teatro aguça a lucidez nesses tempos da ultra-globalização. Hora de reavaliar o papel da política e dos intelectuais. E também da criação e do teatro.

Na cena, eles usam um pó branco, que produz vários efeitos ao ser lançado para o alto, sobre ventiladores, passado na cara dos atores. A luz de Pedro Vilela ressalta o mecanismo do ser teatro, suas entranhas e processos de construção.

A peça provoca. Desde uma música romântica para descansar a incitações criativas mais duras uns com os outros. A parte da peça em que o grupo articula o gozo teórico me pareceu muito explicativa, o que desestabiliza a força e a fúria de outros momentos.

O elenco está inteiro, entregue ao trabalho com todos os riscos de problematização da mímesis. Com seus corpos como máquinas de guerra, seus jogos a desafiar os limites. A fragmentação, as repetições estilísticas, a gramática de cada ator contribuem para a potência do espetáculo.

E isso é teatro contemporâneo dos bons.

Serviço:
O ano em que sonhamos perigosamente
Quando: Dias 11, 12, 18, 19, 25 e 26 de Junho de 2015, às 20h
Onde: Teatro Apolo (R. do Apolo, 121 – Bairro do Recife)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)
Informações: (81) 3355-3320

Mário Sergio Cabral e Pedro Wagner ensinam a beijar

Mário Sergio Cabral e Pedro Wagner ensinam a beijar


Ficha Técnica:
Direção: Pedro Wagner
Dramaturgia: Giordano Castro e Pedro Wagner
Atores:  Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Mário Sergio Cabral, Pedro Wagner, Thiago Liberdade
Preparação corporal: Flávia Pinheiro
Desenho De Som: Leandro Oliván
Desenho De Luz: Pedro Vilela
Direção De Arte: Flávia Pinheiro
Fotografia: Renata Pires
Design Gráfico: Thiago Liberdade
Caixas De Som: Emanuel Rangel, Jeffeson Mandu e Leandro Oliván
Técnico: Lucas Torres
Realização: Grupo Magiluth

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Magiluth para doer no osso

Magiltuh estreia O ano em que sonhamos perigosamente. Foto: Renata Pires

“Vocês tão muito ‘fudidos’, né?”. A pergunta, quase cúmplice, aos atores do Magiluth, veio do vigilante do Centro Apolo-Hermilo, no Bairro do Recife, onde foi ensaiado o novo espetáculo do grupo: O ano em que sonhamos perigosamente. A estreia é nesta quinta-feira (11), às 20h, no Teatro Apolo. O mesmo vigilante – que também fez outros comentários igualmente afetivos, sempre terminados por um ‘né?’, do tipo “a peça de vocês é muito cabeçuda, né?” – foi um dos funcionários do Centro que acompanhou a intensa rotina de trabalho.

Desde o segundo semestre do ano passado, com as apresentações pelo país por conta do Palco Giratório e o aumento do preço das locações de imóveis, o Magiluth entregou a sede que ocupava no Recife Antigo. Como não houve inscrições para o Programa Espaço de Criação, do Centro Apolo-Hermilo, o grupo foi convidado a ocupar o local.

Em entrevista no Bar Central, em Santo Amaro, onde os atores de 30 e poucos anos circulam bastante, eles deixam claro, no entanto, a postura política adotada pelo grupo: “a gente continua sendo oposição a essa Prefeitura e a esse Governo, principalmente pela atuação deles na Cultura, mas não podemos perder espaços. Não é um favor. O Centro Apolo-Hermilo é um espaço nosso. Se a gente não se utiliza disso, eles vão fechar. Não é uma oposição cega. Estamos ocupando porque é da cidade. Não é da Prefeitura. É público”, explica o ator e dramaturgo Giordano Castro. As críticas à gestão não se ampliam aos funcionários do Centro, todos citados nos agradecimentos do programa do espetáculo. “As pessoas que administram o Centro também são artistas. Eles estão lá defendendo aquele local e aquele fazer. Os técnicos, por exemplo, são muito disponíveis”, complementa Giordano.

Erivaldo Oliveira

Erivaldo Oliveira

Cena 2 – O ano em que sonhamos perigosamente, título emprestado do livro do filósofo esloveno Slavoj Žižek (a peça não é baseada na obra), é o trabalho mais político da trajetória de 11 anos do Magiltuh. Em Aquilo que o meu olhar guardou para você a cidade era um pano de fundo, mas vista de maneira bastante afetiva e simbólica; nas performances realizadas em vários pontos no projeto Intervenções urbanas com mídias locativas, a postura era bem mais crítica. Foram detidos, por exemplo, quando resolveram mudar os nomes das ruas do Bairro do Recife: adesivaram todas as placas com o nome do então governador Eduardo Campos.

Em O ano em que sonhamos perigosamente, no entanto, a crise política, social, econômica e existencial é detonadora do espetáculo. As provocações teóricas que ajudaram a construir o espetáculo começaram quando Pedro Wagner, que assina direção e dramaturgia, essa última em parceria com Giordano, apresentou ao grupo a filmografia do grego Yorgos Lanthimos, especialmente o filme Dente canino (Dogtooth). “No filme, o pai tranca a família dentro de uma casa. Ele faz as próprias regras, até vocabulário novo. E a premissa é que eles só poderiam sair de casa quando o dente canino caísse. Yorgos usa o microcosmo de uma família para falar da Grécia e da situação que o país vivencia”, pontua o ator Erivaldo Oliveira.

Passaram por outros filmes gregos como Miss Violence (Alexandros Avranas) e Attenberg (Athina Rachel Tsangari), chegaram a Žižek, intelectual que consegue analisar, quase que concomitantemente, movimentos como a Primeira Árabe o Ocuppy Wall Street. Também leram Adorno. Revisitaram a Ditadura no Brasil, na América Latina. E se agarraram à Deleuze, com suas “máquinas desejantes” e à noção de estrutura rizomática, onde elementos e conceitos entrecruzam-se, apresentam incidências uns sobre os outros, se alteram.

Cinco atores do grupo estão em cena

Cinco atores do grupo estão em cena

Cena 3 – Mas o espetáculo, mesmo cabeçudo (o vigilante deve mesmo estar certo), traz uma fábula? Com começo, meio e fim, não. O espetáculo, tentam explicar os atores, é divido mais ou menos em três etapas: na primeira, cinco homens estão buscando construir um momento belo. Ensaiam e treinam pra isso; na segunda, eles encenam trechos de Tchékov (A Gaivota, O jardim das cerejeiras e As três irmãs); e a terceira…bom, nosso texto não podia ter spoiler.

Mas eles já avisam que estão jogando no nível hard. “Antes de chegar ao espetáculo que temos hoje, tínhamos outro. Todo montadinho. Foi quando paramos e nos questionamos. A gente ‘tava falando em Deleuze, em rizoma, mas ainda estávamos presos a Aristóteles. Peraí: vamos sair do nível 4 e vamos para o nível 6. Bagunçar tudo!”, anuncia Giordano.

Assim como para outros grupos da cena contemporânea, o Magiltuh está mais preocupado com a presentificação do ator do que com a construção tradicional de um personagem. Criaram um jogo próprio, que vem se desenvolvendo ao longo dos trabalhos do grupo. “Não é improviso. É um trabalho de composição, mas que está aberto. É um risco. Todas as noites poderemos ter espetáculos diferentes”, opina o ator Thiago Liberdade.

Cena Ad infinitum com ou sem hiatos – Se você é daqueles que detesta ser chamado ao palco, a possibilidade de ter que participar com uma frase que seja no espetáculo já te deixa tenso ou cansado, nem se preocupe. “Aqui a maneira de afetar foi exatamente não tentar aproximação com o público. Não vamos te tocar, não vamos te olhar, não vamos fazer nada. Estamos aqui e vocês aí”, adianta Castro.

“Mas não vá assistir com expectativas”, é o que diz Erivaldo Oliveira. “Talvez algumas pessoas não entendam. Talvez não seja pra entender tudo. É duro. Não tem como lidar com esse tema de forma delicada, fazendo graça ou de maneira superficial”, complementa. Incensados como grupo cult-pop-queridinho da cena contemporânea, o Magiluth tem um público cativo – de artistas, mas principalmente de não artistas. Mas, se chegaram até aqui, é porque não se furtaram ao risco, pautado naquela máxima tão conservadora da labuta diária. “Rapaz, a gente se problematiza, enfrenta as crises de todas as formas num processo desse. Mas, no final, a percebemos que só sabemos fazer isso: só sabemos fazer teatro. E queremos estar juntos, ali, no palco”.

Serviço:
O ano em que sonhamos perigosamente
Quando: Dias 11, 12, 18, 19, 25 e 26 de Junho de 2015, às 20h
Onde: Teatro Apolo (R. do Apolo, 121 – Bairro do Recife)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)
Informações: (81) 3355-3320

Ficha Técnica:
Direção: Pedro Wagner
Dramaturgia: Giordano Castro e Pedro Wagner
Atores:  Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Mário Sergio Cabral, Pedro Wagner, Thiago Liberdade
Preparação corporal: Flávia Pinheiro
Desenho De Som:Leandro Oliván
Desenho De Luz: Pedro Vilela
Direção De Arte: Flávia Pinheiro
Fotografia: Renata Pires
Design Gráfico: Thiago Liberdade
Caixas De Som: Emanuel Rangel, Jeffeson Mandu e Leandro Oliván
Técnico: Lucas Torres
Realização: Grupo Magiluth

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