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FIG muito além da música

Os gigantes da montanha, do Grupo Galpão. Foto: Guto Muniz/divulgação

Os gigantes da montanha, do Grupo Galpão. Foto: Guto Muniz/divulgação

A gente já sabe que o Festival de Inverno de Garanhuns este ano terá Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Daniela Mercury, Zeca Baleiro, Arlindo Cruz. Mas nem só de música vive o FIG. E, pelo que andamos conversando com as pessoas, a programação de artes cênicas está incrementada.

Só para adiantar, os grupos Galpão (MG), Espanca! (MG) e Bagaceira (CE) estão na programação de teatro do festival, que vai de 18 a 27 de julho. O Galpão trará Os gigantes da montanha, montagem que estreou no dia 30 de Maio, na praça do Papa, em Belo Horizonte, mesmo local em que a companhia já tinha estreado a primeira e a segunda versões de Romeu e Julieta, Um Moliére imaginário e Till, a saga de um herói torto.

A peça, texto de Luigi Pirandello, é mais uma parceria do Galpão com o diretor Gabriel Villela, que dirigiu o grupo em Romeu e Julieta (1992) e A rua da amargura (1994). O texto conta a chegada de uma companhia teatral a uma vila mágica, governada por um mago.

Uma curiosidade é que Pirandello ditou o último ato da montagem (são três no total) ao filho, já no leito de morte. Ele faleceu em 1936, vítima de pneumonia. A dramaturgia, que respeita esse aspecto “inacabado” do texto de Pirandello é assinada por Eduardo Moreira e Gabriel Villela. A tradução foi de Beti Rabetti.

A coletiva de imprensa do Festival de Inverno é só amanhã, mas confira o que já estamos sabendo:

19/07: Os gigantes da montanha (Grupo Galpão / MG)
19/07: Por Elise (Grupo Espanca! / MG)
20/07: Tá namorando! Tá namorando! (Grupo Bagaceira de Teatro / CE)
20/07: Show Dama Indigna, com Cida Moreira (SP)
26/07: Luiz Lua Gonzaga (Magiluth / PE)
26/07: As canções que você dançou para mim (Focus Cia de Dança/ RJ)
27/07: Viúva, porém honesta (Magiluth / PE)

Por Elise, do Espanca!. Foto: Guto Muniz/divulgação

Por Elise, do Espanca!. Foto: Guto Muniz/divulgação

Tá namorando! Tá namorando!, do Bagaceira. Foto: Ivana Moura

Tá namorando! Tá namorando!, do Bagaceira. Foto: Ivana Moura

Luiz Lua Gonzaga, do Magiluth. Foto: Ivana Moura

Luiz Lua Gonzaga, do Magiluth. Foto: Ivana Moura

Viúva, porém honesta, do Magiluth. Foto: Pollyanna Diniz

Viúva, porém honesta, do Magiluth. Foto: Pollyanna Diniz

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Finalmente, Hamlet!

Clowns de Shakespeare fez estreia nacional de Hamlet no Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Ivana Moura

Clowns de Shakespeare fez estreia nacional de Hamlet no Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Ivana Moura

Ainda nos espantamos com as reflexões de Hamlet. Mesmo com o desgastado e banalizado “Ser ou não ser?”. O questionamento sobre viver ou sucumbir diante da degradação humana é profundo. O melancólico príncipe descobre que há algo de podre no Reino da Dinamarca. Mas vasculhando bem talvez seja possível concluir que essa podreira pode estar em qualquer lugar, no seu país, na sua empresa ou até na sua casa. Não duvide.

Essa peça de Shakespeare abre para múltiplas possibilidades de leituras. Da questão política (do bem público) às elucubrações íntimas, que abarca laços de parentesco, de sangue e de vingança, o desequilíbrio do respeito na relação entre sexos, a psicologia de personagens exemplarmente esculpidos. É um desafio renovado a cada montagem compreender o ser humano em sua grandeza e imperfeições.

Como todos sabem, Hamlet-pai foi assassinado por seu irmão Cláudio, que desposa a rainha Gertrudes e assume a coroa. Hamlet enlouquece, ou finge enlouquecer, primeiro com a suspeita, depois com a constatação da culpa do usurpador. Consegue, com frieza e expedientes engenhosos, planejar a vingança clamada pelo espectro do pai, que provoca mortes por todos os lados.

A companhia Clowns de Shakespeare, de Natal (RN), investiu nessa tragédia numa busca de radicalização de linguagem. Depois de Sua Incelença, Ricardo III, que possibilitou a projeção nacional e a abertura para caminhos internacionais, o grupo convidou o encenador Marcio Aurelio para comandar a empreitada. Ele é especialista tanto na obra do bardo inglês quanto no método Brecht. E sabe investigar como poucos o que foi feito dos valores sólidos, como a ética, diante das negociatas desses tempos líquidos. Dirigiu lindamente Marilena Ansaldi em Hamletmachine, de Heiner Müller, um daqueles pontos de revolução da cena brasileira e Agreste, de Newton Moreno, entre dezenas de outras montagens.

Direção da montagem é de Marcio Aurelio

Direção da montagem é de Marcio Aurelio

O Hamlet dos Clowns e de Marcio Aurelio fez estreia nacional no último dia 19 de janeiro, no Teatro de Santa Isabel, dentro da programação do Janeiro de Grandes Espetáculos. A montagem foi aplaudida de pé nas duas sessões. Com esse Hamlet começaram as comemorações dos 20 anos de fundação do grupo.

No palco, uma torre de andaimes é o principal elemento cenográfico – com rodas e uma porta corrediça, ela é movimentada durante a encenação e pontua falas com sonoridade. Da torre, dois contrarregras trocam a cor da cortina que enquadra a cena de preto para vermelho.

A peça começa com a aparição de oito figuras, sete fantasiadas com a máscara do protagonista. Sinal de Brecht na proposta. Esse Hamlet ergue uma “poética da representação”. Os loucos são os outros, Hamlet é o normal. Mas é um lúcido que precisa se fingir de louco. Essa é uma das principais chaves da encenação de Aurelio. Um desafio cênico e tanto para a trupe potiguar. Mais um sinal de distanciamento brechtiano é a maquiagem pálida dos personagens, exceto a do príncipe.

A trajetória da trupe nordestina é ponteada por espetáculos de humor, com e sem referências regionais. Sua Incelença, Ricardo III foi o primeiro drama histórico dos Clowns. Mas na montagem, dirigida por Gabriel Villela, houve uma subversão de tom. A utilização de uma linguagem circense diluiu o clima da peça, com uma profusão de elementos, cores e informações.

O teatro do Marcio é mais enxuto, minimalista e coreografado. Quase como um jogo de xadrez, ele explora o que sobra das relações humanas na escalada pelo poder.

O diretor trabalha com os espelhamentos. Hamlet vai da loucura simulada a quase debilidade para conseguir indícios da morte do pai. Como alguns estudiosos entendem, os Clowns assumem a visão de que a loucura de Hamlet é uma loucura encenada. Mas o viés é épico.

Um microfone no palco é utilizado em algumas falas. Inclusive quando Ofélia e a rainha Gertrudes dizem, em momentos diferentes, “Eu obedeço”, num indício da posição feminina diante das decisões masculinas.

O herói busca resolver seus dramas internos, familiares e palacianos. Mas sua missão não é uma mera vingança pessoal, mas uma tentativa de purificar o seu país, a Dinamarca.

A trupe de atores que visita Hamlet é nomeada de Clows de Shakespeare, numa valorização metalinguística. Existe uma simplicidade dos elementos cênicos, como a luz que cria cenas de grande plasticidade e ganha contorno especial na manifestação do fantasma do rei a Hamlet. Tudo é assentado para projetar a potência do texto.

Titina Medeiros é Ofélia

Titina Medeiros é Ofélia

A força descomunal da peça shakespeariana não se realiza em sua plenitude. Os atores no geral são bons, mas não estavam bem nas duas apresentações no Recife. Os personagens bem construídos pelo dramaturgo inglês perdem em dispositivo. Dos oito atores em cena, apenas César Ferrario (Polônio e Laertes) e Marco França (Rei Claudius e Fantasma) se dividem em dois papéis. Os outros assumem apenas um: Camille Carvalho (Rosencrantz), Dudu Galvão (Horácio), Joel Monteiro (Hamlet), Marco França Paula Queiroz (Guildenstern), Renata Kaiser (Rainha Gertrudes) e Titina Medeiros (Ofélia).

A atuação de Joel Monteiro não convence no papel de Hamlet. Ele parece sem os atributos necessários para dar conta da complexidade do protagonista. No trato com Ofélia, ele não consegue realçar a sedução, a dureza selvagem e o fingido desdém, em momentos distintos. A faceta do sangue frio para executar ardilosamente seu plano é frouxa. Procurei algo no olhar do protagonista que lembrasse a determinação do poderoso chefão – quando manda matar o irmão-, naquela cena em que Hamlet se livra dos antigos colegas Rosencrantz e Guildenstern, que poderiam atrapalhar o seu plano. Hamlet é um personagem forte, que se finge de louco e débil. São muitas sutilezas pedidas ao intérprete. E nas duas apresentações, Joel Monteiro não atendeu às exigências.

Existe uma clara desafinação entre a proposta de Marcio Aurelio e o que se viu no palco do Teatro de Santa Isabel nas duas noites do Janeiro de Grandes Espetáculos. Renata Kaiser como a Gertrudes é afetada e parece estar sempre na superfície da personagem. Titina Medeiros faz uma Ofélia pesada e bem mais velha que a personagem. Falta-lhe leveza e frescor. Marco França parece ainda muito apegado aos trejeitos de Ricardo III e criou Claudius com pouca determinação e malevolência que a figura desperta. O Espectro do rei ele faz melhor.

Para destoar para o lado positivo está o ator César Ferrário, nos papéis de Polônio e Laertes. Como Polônio ele destaca a sutileza: entre o pedantismo, quando está em posição superior e o puxa-saquismo, quando precisa bajular os mais poderosos. Seu gestual, sua voz, suas intenções têm aquele traçado humano cheio de defeitos e algumas qualidade. É uma construção rica.

Esperamos que o espetáculo evolua para as apresentações no Festival de Curitiba. Todos os curadores que estavam aqui no Janeiro fizeram questão de ver a montagem e deve ser assim também em Curitiba. Lá eles se apresentam nos dias 29 e 30 de março, no Teatro Bom Jesus.

Grupo participa da mostra principal do Festival de Curitiba com Hamlet

Grupo participa da mostra principal do Festival de Curitiba com Hamlet

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“Não conseguimos conceber teatro que não tenha relação direta com o pensamento”

Clowns de Shakespeare estreia Hamlet. Foto de ensaio feita por Pablo Pinheiro

Clowns de Shakespeare estreia Hamlet. Foto de ensaio feita por Pablo Pinheiro

O grupo potiguar Clowns de Shakespeare estreia hoje, dentro do Janeiro de Grandes Espetáculos, o espetáculo Hamlet, com direção de um dos encenadores mais importantes do país, Marcio Aurélio. A companhia começa a comemorar aqui no festival os 20 anos de atuação. Além de Hamlet (que será encenada hoje e amanhã, às 21h, no Santa Isabel), apresentam O capitão e a sereia (peça inédita no Recife), nos dias 22 e 23, às 19h, no Marco Camarotti (Sesc Santo Amaro); e Sua Incelença, Ricardo III, em única sessão, no dia 26, às 18h, no Pátio do Mosteiro de São Bento, em Olinda. O Clowns também lança o projeto Cartografia do Teatro de Grupo do Nordeste com uma mesa redonda na segunda-feira (21), às 17h, no Centro Cultural Correios, e faz uma oficina de 22 a 25, das 9h às 12h30, também nos Correios, intitulada Clowns de Shakespeare – Prática e pensamento.

Conversei com Fernando Yamamoto, que geralmente dirige as montagens do grupo, sobre o processo de criação da companhia, a aproximação com Marcio Aurelio, o trabalho de grupo, a importância de Sua Incelença, Ricardo III. Foi uma das entrevistas que fiz, em dezembro, para a construção da matéria sobre os 20 anos do grupo, que saiu na edição de Janeiro da Revista Continente.

Direção dos espetáculos do Clowns geralmente é de Fernando Yamamoto

Direção dos espetáculos do Clowns geralmente é de Fernando Yamamoto

ENTREVISTA // FERNANDO YAMAMOTO

Vocês estão num movimento de reaproximação com Shakespeare? Logo depois de Ricardo III, porque a decisão de montar Hamlet? Como está sendo esse processo de criação, já que Sua Incelença parece ter “absorvido” tanto vocês? Como esquecer um pouco aquelas referências pra trabalhar com outra obra de Shakespeare? Ou quais referências continuam as mesmas?
Desde Muito Barulho por Quase Nada, em 2003, não montávamos um Shakespeare. Partimos para um Brecht – O Casamento do Pequeno Burguês (2006) e três espetáculos com dramaturgia própria: Roda Chico (2005), Fábulas (2006) e O Capitão e a Sereia (2009). No entanto, desde 2007 já sentíamos uma necessidade de não só retornar a Shakespeare, como partir para uma obra não cômica. É quando nos aproximamos do teórico polonês Jan Kott e, principalmente, do Gabriel Villela e do Marcio Aurelio, durante uma residência que fizemos no TUSP, em São Paulo. Como costumamos trabalhar o planejamento do grupo com dois, três anos de antecedência, já iniciamos o flerte com os dois para montar essas obras. No caso de Hamlet, em especial, é uma peça que o Marcio é um grande especialista, já montou e pesquisou muito em cima dela, e surge para nós num momento em que todos estamos passando, ou perto de passar, pela “crise da meia idade”, que é uma das questões que o Shakespeare aborda. A troca com o Marcio e sua assistente, Ligia Pereira, tem sido de grande aprendizado para nós, principalmente porque eles trabalham com uma linguagem muito diferente do Gabriel Villela, que é mais próxima ao que o grupo já tinha.

Marcio Aurelio, da Cia Razões Inversas, assina direção de Hamlet. Foto: Pablo Pinheiro

Marcio Aurelio, da Cia Razões Inversas, assina direção de Hamlet. Foto: Pablo Pinheiro

Qual a contribuição de Marcio Aurelio neste espetáculo?
Como citei antes, a aproximação com o Marcio vem desde 2007, na residência no TUSP, quando tivemos cinco encontros de investigação em cima justamente de Hamlet. Além de todo o encanto por tanto conhecimento e generosidade, pudemos assistir a dois trabalhos da companhia dele, a Razões Inversas, que nos instigaram ainda mais a poder passar por um processo de montagem com ele, que foram o Anatomia Frozen e Agreste. Ele está passando quatro meses em Natal, num processo de de verdadeira troca, já que tem trazido sua bagagem e procedimentos, mas com muita escuta e observação sobre a forma como nós trabalhamos, nossa linguagem, para que possamos construir de fato um espetáculo que marque o encontro entre ele e nós.

Como essa encenação se estabelece? Há, por exemplo, papeis definidos para cada ator ou há uma troca?
Fizemos uma grande intervenção dramatúrgica, numa linguagem contemporânea que não se preocupa em contar linearmente a fábula, mas sim buscar o recorte que nos interesse para apresentar a obra no máximo da sua potência. Assim, dos oito atores que estão em cena, apenas o César (Ferrario) e o Marco (França) se dividem em dois papéis, os demais têm apenas um: Camille Carvalho (Rosencrantz), César Ferrario (Polônio e Laertes), Dudu Galvão (Horácio), Joel Monteiro (Hamlet), Marco França (Rei Claudius e Fantasma), Paula Queiroz (Guildenstern), Renata Kaiser (Rainha Gertrudes) e Titina Medeiros (Ofélia).

O trabalho com diretores convidados é uma constante? De que forma isso enriquece o trabalho e, ao mesmo tempo, como é possível manter a linguagem própria ao grupo? No momento do impasse, qual opinião prevalece? A do diretor ou dos atores?
O Hamlet é o segundo trabalho com diretor convidado. Antes dele, apenas o Ricardo III teve essa característica. O Muito Barulho por Quase Nada e O Casamento do Pequeno Burguês tiveram o Eduardo Moreira, do Galpão, como diretor convidado, mas nos dois casos ele dividiu a direção comigo, então não se tratava de uma direção externa. Os demais espetáculos tiveram a minha direção. Essa premissa de trabalhar com profissionais convidados, não só na direção, como também na direção musical, figurino, cenário, etc., é uma busca por uma oxigenação na nossa prática, para não corrermos o risco de ficarmos sempre circulando nos próprios vícios. Durante os processos, os diretores têm total autonomia – inclusive no meu caso. No entanto, nestas duas experiências (e com o Eduardo Moreira também) sempre tivemos uma relação muito dialógica. Mas a ideia é sempre aproveitar esses diretores convidados para conhecer melhor suas formas de trabalho.

Sua Incelença, Ricardo III trouxe projeção internacional ao grupo. Foto: Pablo Pinheiro

Sua Incelença, Ricardo III trouxe projeção internacional ao grupo. Foto: Pablo Pinheiro

O que significou Sua Incelença na trajetória de vocês? É o mesmo movimento que aconteceu, por exemplo, com Muito barulho por quase nada ou não? Quais foram os momentos mais marcantes de Sua Incelença? Desde a montagem até agora, na recepção do público?
Sem dúvida o Ricardo III proporcionou ao grupo um grande crescimento em diversos aspectos, principalmente de projeção do nome dos Clowns pelo país, e o início do processo de internacionalização. Acho que o momento em que o espetáculo surgiu foi muito oportuno, já que já tínhamos um certo nome e respeito pelo país, mas que foi muito incrementado pelo encontro com o Gabriel Villela e todo o peso do seu nome. É difícil fazer uma comparação com o Muito Barulho, já que sem dúvida foram marcos na nossa história, mas que de certa forma o Fábulas também foi, assim como O Capitão e a Sereia. São muitos momentos marcantes nessas quase 100 apresentações que o espetáculo já cumpriu. A estreia em Curitiba foi um deles, sem dúvida. A residência que fizemos no Complexo do Alemão, pouco tempo depois dos conflitos que lá aconteceram, foi outro. No Festival de São José do Rio Preto, fizemos a abertura para uma arena com 7.000 pessoas! Alguns dias depois, apresentamos na área rural da cidade, para cerca de 100 pessoas, ao lado de um pasto de boi, numa das melhores apresentações do trabalho até agora. Além disso, as duas viagens internacionais, no Chile e na Espanha, também foram marcantes. No Chile destacaria a apresentação que fizemos na frente do La Moneda, palácio do governo, onde Salvador Allende sofreu o golpe militar e foi assassinado. Para nós, contarmos a fábula desse vilão sanguinário e cruel nesse cenário tão impregnado pela história foi muito emocionante.

Como é que esse grupo se reuniu lá atrás, há 20 anos? Houve muitas mudanças na composição do grupo? E uma pergunta clichê, mas que é bastante difícil. Como manter um grupo artístico, um grupo teatral, por tanto tempo?
Da formação inicial, ainda restam três fundadores, eu, a Renata Kaiser e o César Ferrario. A forma como conseguimos construir e manter o grupo é muito difícil de definir. Sem dúvida um dos mais importantes fatores para isso foi conseguirmos estabelecer um equilíbrio entre os desejos pessoais e as demandas do coletivo. Ninguém trabalha nos Clowns com o objetivo de projeção individual, o grupo sempre está à frente. No entanto, é fundamental que as inquietações de cada integrante tenha espaço dentro do grupo. Investimos muito no grupo, dedicamos muito para construir esse projeto artístico que é o projeto de vida de todos nós. No entanto, quando analiso friamente de onde saímos e onde estamos, vejo que é uma história absolutamente improvável, construir um grupo tão sólido e com uma qualidade artística internacional numa cidade tão árida culturalmente como Natal.

Como se dá o processo de gestão do grupo? O apoio da Petrobras, por exemplo? O que significou esse apoio na trajetória de vocês?
Por mais que o patrocínio da Petrobras, que está próximo de terminar, não contemple nem metade dos gastos que o grupo tem, ele significou uma mudança radical na estrutura dos Clowns. A possibilidade de termos um montante fixo mensalmente, que cubra alguns gastos como aluguel da sede, salário de um secretário, uma parte do salário dos demais integrantes, etc, possibilita uma maior tranquilidade para que possamos de fato investir no aprimoramento artístico, sem precisar abrir concessões. O processo de gestão do grupo é algo em constante reavaliação e transformação. Nesse aspecto, temos uma premissa de tentar sempre buscar o equilíbrio entre o pensamento e a prática, que as questões administrativas sempre levem em consideração os princípios éticos e artísticos que o grupo traz na cena.

Fábulas (2006)

Fábulas (2006)

Como era o cenário teatral em Natal há quase 20 anos, quando vocês surgiram? E no Brasil? O teatro de grupo já tinha essa força?
Nós somos meio isolados na nossa geração em Natal. Até existem outros artistas da nossa geração, mas grupos não. Naquele momento, Natal tinha dois grupos muito tradicionais, o Estandarte e o Alegria Alegria, e um grupo que era uma referência para nós, o Tambor, capitaneado por João Marcelino. Apesar de formado por artistas mais velhos do que nós, o Tambor era mais ou menos contemporâneo, no entanto não resistiu muito tempo. Houve um hiato nessa história, e depois de muitos anos começa a surgir uma outra geração de grupos na cidade, como o Atores à Deriva, Facetas, Mutretas e Outras Histórias, Bololô, Arkhétypos, dentre outros, alguns deles inspirados na nossa experiência. Nacionalmente, era um momento de retomada do teatro de grupo. Começamos a fazer teatro no período em que os famosos encontros de teatro de grupo de Ribeirão Preto aconteceram.

Aqui vocês vão lançar também o projeto Cartografia do Teatro de Grupo do Nordeste. Qual a importância desse levantamento? Dá para apontar, por exemplo, características comuns ao teatro feito no Nordeste?
O projeto surge justamente com essa inquietação. Circulamos muito pelo Nordeste e em cada estado encontramos parceiros que vivem realidades muito parecidas com as nossas, sejam de conjuntura política, gestão ou inquietações estéticas. Esse mapeamento revela facetas opostas nesse sentido: por um lado, existem recorrências claras, como a dependência aos mecanismos de financiamento federais, ou quase inexistência de grupos que conseguem garantir a manutenção de todos os seus integrantes; de outro, ao conhecer mais de perto cada experiência, fica a evidência que cada experiência é muito diversa da outra, e essa diversidade é muito saudável justamente para que um grupo possa alimentar-se das soluções encontradas pelo outro.

Muito barulho por quase nada, espetáculo de 2003

Muito barulho por quase nada, espetáculo de 2003

Queria falar um pouquinho sobre os espetáculos dos Clowns. Para você, Fernando, quais os mais marcantes?
Cada espetáculo teve sua importância e seu momento. Alguns deles foram divisores de água. A Megera DoNada (1998), marcou a transição da primeira fase do grupo, de total amadorismo, dentro da escola, para a nossa legitimação na classe teatral potiguar. O outro salto foi Muito Barulho por Quase Nada, que apresentou o grupo pro resto do país, fez com que circulássemos pelas cinco regiões, conhecêssemos muitos outros grupos, pensadores, críticos e outros profissionais. O Fábulas proporcionou importantes prêmios. O Capitão e a Sereia é provavelmente o trabalho mais especial para os integrantes do grupo que participaram, porque conseguimos como nunca experenciar um processo de pesquisa que dialogou diretamente com o momento e o pensamento do grupo. Foi também a primeira estreia fora de Natal, no SESI Vila Leopoldina, em São Paulo. Depois disso, o Ricardo traz a projeção do nome do grupo e o começo da internacionalização. Agora estamos ansiosos para ver como o próprio grupo responde à radicalização de linguagem que o Hamlet está trazendo.

Quando o grupo conseguiu uma projeção maior? Foi com Muito barulho? O que tinha de especial nessa montagem?
São projeções diferentes. Com o Muito Barulho, aparecemos para o Brasil. No Fábulas, ganhamos os principais prêmios do segmento no país. E com o Ricardo, tivemos um espaço muito especial nos grandes festivais brasileiros, abrindo vários deles (Curitiba, Brasília, Rio Preto e Belo Horizonte), e um espaço na mídia nacional também inédito. Acho que o Muito Barulho foi um trabalho que, por um lado, mostrou ao país que era possível se fazer um teatro de qualidade em Natal. Acredito que foi um choque, no melhor sentido da palavra. Por outro lado, a força do trabalho era a solaridade do grupo, em especial naquele momento de juventude dos integrantes. Acho que é um espetáculo um tanto naïf, e por isso também ele ganha um charme a mais. Temos a intenção de em 2013 remontá-lo, para que participe das atividades de comemoração dos 20 anos do grupo.

O capitão e a sereia é baseado na obra de um pernambucano e tem o cavalo marinho como inspiração. Foto: Maurício Cuca

O capitão e a sereia é baseado na obra de um pernambucano e tem o cavalo marinho como inspiração. Foto: Maurício Cuca

O capitão e a sereia teve profissionais de oito estados envolvidos. Como foi isso? Como vai ser reapresentar esse espetáculo aqui?
O Capitão foi um processo muito especial, sem dúvida o mais próximo do que consideramos o ideal. Conseguimos formar uma equipe de grande qualidade, inclusive com a participação fundamental de dois pernambucanos, o Helder Vasconcelos e o André Neves. Apesar de ser baseado na obra de um pernambucano e ter o cavalo marinho como inspiração, o Capitão ainda é inédito em Recife! Estamos muito ansiosos em poder levá-lo ao Janeiro, porque serão duas estreias na capital pernambucana.

Vocês estiveram muito próximos do Galpão ao menos em duas ocasiões: Muito barulho por quase nada e O casamento do pequeno-burguês. Qual a importância do Galpão no trabalho de vocês? Ou mais especificamente do Eduardo Moreira?
Começamos a fazer teatro sob a influência direta do Galpão. Eles sempre foram a nossa maior referência, seja no aspecto estético, poético, seja no organizacional, de gestão. O Eduardo foi o elo de aproximação da gente com eles, mas depois desses dois trabalhos temos uma relação muito íntima, seja no compartilhamento dos mesmos parceiros – como no caso do Ernani Maletta, Babaya, Gabriel Villela, Mona Magalhães, Francesca della Monica -, seja na troca constante que temos com eles. Para nós é uma honra imensurável poder hoje ter como parceiros e amigos aqueles que um dia foram nossos ídolos “inatingíveis”.

O casamento do pequeno burguês, montada em 2006

O casamento do pequeno burguês, montada em 2006

Qual a importância do teatro infantil na trajetória de vocês?
Apesar de termos tido algumas outras experiências menores, de fato a nossa relação com o teatro infantil se concentra no Fábulas. Foi uma experiência muito marcante, que ampliou nossa compreensão do fazer teatro e trouxe frutos especiais. No entanto, apesar de ter sido muito bom para nós, hoje não temos encontrado sentido em seguir nessa seara, pelos desejos e inquietações que povoam nosso imaginário hoje.

Qual a relação de vocês com Recife? Quando vieram ao Janeiro pela primeira vez? Porque iniciar essa comemoração aqui?
Sempre fomos muito bem recebidos no Recife, e em especial nessa dobradinha Janeiro de Grandes Espetáculos/Teatro Santa Isabel. Acho que fomos pela primeira vez em 2005, com Muito Barulho, e voltamos com Roda Chico, ambos para abrir o Janeiro. Foram apresentações muito marcantes pra nós. Agora, estamos numa grande expectativa, porque será muito especial abrir os 20 anos no Janeiro, no Santa Isabel, estreando o Hamlet e conseguindo levar, finalmente, o Capitão para Recife. Além desses motivos, e da própria questão do calendário, pelo Janeiro ser o primeiro grande festival brasileiro no ano, estávamos também devendo essa ida. A Paula de Renor tentava nos levar de novo há alguns anos, mas em geral estamos de férias nesse período. Quando ela nos convidou para a edição do ano passado, e tive que declinar mais uma vez porque iríamos para o Santiago a Mil, no Chile, me comprometi com ela a levar uma série de atividades para lançar os 20 anos nesta edição de 2013, e que bom que o Janeiro apostou e tudo deu certo!

Quais são as preocupações estéticas e conceituais do Clowns hoje com relação ao teatro? Que teatro vocês querem fazer? O que discutir hoje?
Essa é uma pergunta difícil de responder, tanto pela complexidade que exige para respondê-la, quanto pelo fato que está em constante transformação. Em determinado momento, quando o grupo completou dez anos, acho que a nossa principal atitude política era provar, para os outros e para nós mesmos, que era possível fazer um teatro de qualidade no Nordeste, no Rio Grande do Norte, em Natal. Naquele momento, isso já bastava, era suficiente. É nesse contexto que surge o Muito Barulho, o Fábulas, o Casamento. No entanto, cumprida essa etapa, as demandas vão se tornando cada vez mais exigentes. Hoje não conseguimos conceber um teatro que não tenha uma relação direta com o pensamento. Algumas questões vêm nos provocando, como o papel do artista latinoamericano, ou como encaramos o passar do tempo, para proporcionarmos um envelhecimento, dos integrantes e do grupo, que possibilite que nos reinventemos, que mantenhamos vivo e renovado o sentido de fazermos teatro dentro dos Clowns. É nessa perspectiva que as questões estéticas precisam se alinhar.

E porque os Clowns insistem em fazer teatro?
Acredito que insistimos porque é no teatro que encontramos o nosso lugar no mundo, é a nossa forma de nos reconhecermos, propormos reflexões e idealizarmos transformações. É nessa perspectiva coletiva, que tanto anda no contrafluxo do que a lógica estabelecida tenta nos empurrar, que nos legitimamos como artistas e como cidadãos.

Vídeo dos 20 anos do Clowns:

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Macbeth em essência

<i>Macbeth</i>. Fotos: Pollyanna Diniz

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O general Macbeth volta vitorioso de uma guerra. Em recompensa é condecorado pelo rei Duncan, da Escócia. As bruxas fazem vaticínios a respeito do futuro de Macbeth e anunciam que ele será rei. Banquo, outro general do exército do rei Duncan, recebe a notícia de que não será rei, mas pai de uma poderosa dinastia. Macbeth fica insuflado pelas profecias das bruxas e a ideia do assassinato lhe perturba o espírito; e, instigado pela mulher, a pérfida Lady Macbeth, mata o rei e assume o trono. Depois tece uma fileira de crimes. A trama revela o lado mais perverso do homem. O enredo é conhecido e cada encenador o conduz da sua forma.

Macbeth é considerada a peça mais soturna de William Shakespeare (1564-1616). A tragédia deve ter sido escrita entre 1603 e 1607, com a primeira encenação em 1611. Nessa época, as mulheres não atuavam no teatro. Gabriel Villela, diretor da montagem apresentada neste fim de semana no Teatro de Santa Isabel, optou por um elenco somente de homens, como ocorria nas encenações shakespearianas. Dessa forma, o casal Macbeth é interpretado por Marcello Antony e Claudio Fontana, que dividem a cena com Helio Cicero, Marco Antônio Pâmio, Carlos Morelli, José Rosa, Marco Furlan e Rogerio Brito. Os intérpretes são maduros e o elenco é harmonioso.

A encenação de Gabriel Villela é compacta. O diretor cria um narrador (Carlos Morelli), inexistente no Macbeth original. A montagem valoriza a narrativa e o narrador convoca o espectador a imaginar. O narrador traz um livro na mão, e é como se a encenação saísse das páginas daquele livro. A tradução do inglês de Marcos Daud opta pela prosa direta e isso facilita uma narrativa límpida.

O espetáculo tem uma teatralidade bem demarcada. Villela reduziu as situações dramáticas. A movimentação coreográfica dos atores cria uma beleza e traça desenhos no palco e de postura. O corpo e os gestos são contidos. A utilização de recursos do teatro Nô japonês permite que algumas ações sejam apenas sugeridas. O sangue vertido aparece na forma de fiapos de lã vermelha. O diretor nesta montagem prioriza o texto e a poética de Shakespeare. As bases centradas na voz dos atores e nas palavras do bardo inglês.

Para regular a voz, o encenador contou em sua equipe com a italiana Francesca Della Monica, que desenhou a concepção de voz do espetáculo. Ela desenvolveu uma prática que denomina de antropologia da voz e que articula a espacialização da voz e de abertura da textura vocal para o campo dos mitos. A ideia é que a plateia desenhe as imagens enquanto ouve os atores. Mas tem muito mais gente nos bastidores para garantir a clareza desse belo espetáculo. Babaya é responsável pela direção de texto. A musicalidade da cena ficou a cargo de Ernani Maletta. Gabriel Villela contou com três assistentes de direção, César Augusto, Ivan Andrade e Rodrigo Audi.

Marcello Antony dá o texto sem nenhum coloquialismo. Da sua boca saem palavras graves e fortes e sua postura apresenta a deterioração do espírito do seu personagem. Claudio Fontana interpreta Lady Macbeth com brilhantismo. Ele evita a caricatura e o falsete. E o resultado é impressionante. Fontana se apropria da imagem de uma gueixa. O ator expressa feminilidade deslizando pelo palco. Ele usa uma máscara branca de gueixa e uma túnica negra esvoaçante. Marco Antônio Pâmio está forte na pele de Banquo. Rogerio Brito, Marco Furlan e José Rosa fazem as três bruxas e arrancam humor e ironia de várias situações.

O figurino tem muito de Gabriel Villela e ele assina o figurino em parceria com Shicó do Mamulengo, que também esteve com o diretor na montagem Sua Incelença, Ricardo III. A indumentária de guerra (coletes, armaduras e escudos) foi confeccionada a partir de 30 malas antigas de couro e papelão.

Pilares compostos a partir de teares mineiros sobrepostos formam uma grande torre. O cenário é de Marcio Vinicius. As cadeiras que ocupam o centro do palco em algumas cenas são de um cinema desativado de Carmo do Rio Claro, cidade natal do diretor. A iluminação é de Wagner Freire e a direção de movimento de Ricardo Rizzo.

Foram três apresentações de Macbeth no Recife, no Teatro de Santa Isabel, com casa lotada. Um ótimo Gabriel Villela. E como já disse Shakespeare: “A vida não passa de uma história cheia de som e fúria, contada por um louco e significando nada”.

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O preço do poder

Cláudio Fontana e Marcello Anthony em cena de <i>Macbeth</i>

Macbeth assassina o rei para tomar o poder. Em outras proporções esse tipo de coisa continua ocorrendo nos dias de hoje. Na montagem de Gabriel Villela, Lady Macbeth é defendida pelo ator Cláudio Fontana, que foi buscar na imagem da gueixa o porte e o movimento para deslizar em cena. Sua personagem é ao mesmo tempo leve, delicada, mas maldosa, com uma energia negativa poderosa.

Como ocorria na época do autor (teatro elisabetano), o elenco de Macbeth é formado apenas atores homens. Marcello Antony faz o papel de Macbeth, um herói que transforma-se em vilão. Após salvar a Escócia e chegar mais perto do poder e do trono, Macbeth interfere na ordem natural dos acontecimentos e assassina o rei escocês para tomar a coroa, persuadido por sua ambiciosa e cruel esposa Lady Macbeth. Como se outro crime pudesse limpar a mancha pelo assassinato cometido, inicia uma sequência de crimes.

A tragédia Macbeth fica em cartaz de hoje a domingo, às 20h, no Teatro de Santa Isabel.

O mineiro Gabriel Villela já encenou outros Shakespeare: Romeu e Julieta, com o grupo Galpão e Sua Incelença, Ricardo III, Com Clowns de Shakespeare. Além da tradição do teatro elisabetano, Gabriel Villela trabalha com a presença de um narrador, defendido por Carlos Morelli. O diretor fez cortes e adaptou o texto de 20 personagens para uma realidade de oito atores em cena. Os atores dobram os papéis. A tradução do texto é de Marcos Daud.

No roteiro, a única música é da ópera Dido e Eneas, cantada pela italiana Francesca Della Monica, responsável também pela preparação vocal dos atores e que apresentou técnicas de antropologia vocal, uma novidade no teatro brasileiro.

Macbeth
Quando: Sexta-feira (16) a domingo, às 20h Hoje (16) e sábado(17), às 21h; e domingo (18), às 20h
Onde: Teatro de Santa Isabel
Ingressos: R$ 100 e R$ 50 (plateia e frisas) – R$ 80 e 40 (camarotes e torrinha)

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