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As motivações para a criação artística

Lançamos para alguns artistas que trabalham em grupos a provocação sobre o que os inspira a fazer arte e se há diferença que essa labuta artística seja gestada no Nordeste do Brasil. Essas reflexões nos ajudaram a escrever o texto Teatro de grupo no Nordeste: motivações para criar, a segunda coluna do Satisfeita, Yolanda? no site do Itaú Cultural.

Confira aqui a coluna Teatro de grupo no Nordeste: motivações para criar

Conversamos com artistas do O Poste Soluções Luminosas (PE), Casa de Zoé (RN), Coletivo de Teatro Alfenim (PB), Grupo Ninho de Teatro (CE), Cia Biruta de Teatro (PE) e Magiluth (PE).
Reunimos aqui todas as respostas desses criadores na íntegra. Foram conversas por mensagens de áudio e de texto, que revelam minúcias do entendimento sobre arte, Nordeste e posicionamento no mundo que vivemos.

Confira aqui a primeira coluna do Satisfeita, Yolanda? no site do Itaú Cultural

ENTREVISTAS

Naná Sodré, Samuel Santos e Agrinez Melo, criadores do O Poste Soluções Luminosas. Foto: Arlison Vilas Bôas

SAMUEL SANTOS, diretor do grupo O Poste Soluções Luminosas, do Recife, Pernambuco

O que me inspira é a vida. A possibilidade de construir na arte, no teatro, aquele momento de condensação entre a realidade, o sonho, a poesia, para gerar reflexão. Criar, conceber, estar no teatro, é um processo de evolução e de cura. Quando penso nessas inspirações vem as transpirações, o respirar e o fazer respirar com trabalho feito com a arte, pela arte, para o público. O teatro é por natureza concebido para o outro, pede a participação, a fruição do outro e os outros estarem em nós. Acredito que o teatro me salvou, me transformou e é com esses princípios que sigo em inspiração. Se não acreditar que a arte que faço pode salvar ou transformar alguém, como fez comigo, não há motivo para continuar. E continuo…

Faz toda diferença criar no Nordeste. Todas as minhas raízes são daqui. Toda a minha construção social, política, filosófica e ancestral vem desses Nordestes. Vem das matrizes africanas e indígena. Sou filho de uma descendente de indígena da Paraíba, sou recifense, sou da periferia da Zona Norte, sou filho de um homem do interior de Pernambuco. Todas as minhas raízes estão fincadas aqui. Claro que o meu filtro maior é dessa região, é da minha nação. Mas o trabalho que faço com o meu grupo, O Poste Soluções Luminosas, tem como poética a antropologia teatral, a transculturalidade, tendo como base a pesquisa de um corpo dentro das matrizes de religião africana, como o candomblé e a umbanda. Criamos aqui a primeira escola de Antropologia Teatral, a Escola O Poste de Antropologia Teatral, onde temos disciplinas como: Capoeira no jogo do ator, Tradições da Mata: Cavalo Marinho e Maracatu de Baque Solto na construção do ator, Dramaturgia dos orixás – Práticas de Treinamento Ancestral para o Ator, disciplina essa que surgiu dentro da pesquisa “O corpo ancestral dentro da Cena Contemporânea”, desenvolvida pelo Grupo O Poste Soluções Luminosas dentro dos terreiros de matriz africana. Toda essa relação das disciplinas com a cultura preta, nordestina, tem um propósito de ser: o de decolonizar, colocar também o nosso olhar como construtores para a formação do ator.

Temos aqui um espaço cultural, o Espaço O Poste, onde fazemos as nossas formações, apresentamos os nossos espetáculos e oferecemos o espaço para que outros grupos se apresentem. É um espaço de fruição, formação e intercâmbio. Pelo Espaço O Poste já passaram artistas da Argentina, Portugal, Colômbia, França, Angola. E por aqui esteve Eugenio Barba e Julia Varley, do Odin Teatret, da Dinamarca.

Fora isso, os espetáculos do nosso repertório já viajaram pelo Brasil e pelos principais festivais internacionais. Os nossos espetáculos já se apresentaram na Dinamarca, no Uruguai. Cordel do Amor sem Fim foi apresentado em 22 cidades ribeirinhas banhadas pelo Rio São Francisco. Apresentamos por todo o Nordeste. Fomos pouco para o Sudeste.

É uma lacuna que não preenchemos ainda e claro que isso conta no quesito visibilidade, projeção. Mas a nossa projeção está naquilo que objetivamos: levar o teatro a comunidades que raramente são pensadas ou cogitadas nos projetos de circulação ou formação. Fomos! Projetamos e visibilizamos o teatro na sua forma mais plena e democrática. Isso nos orgulha. Talvez se não fôssemos da região Nordeste, não teríamos essa preocupação ou objetivo. Sou grato, sou gratidão e axé.

Titina Medeiros, da Casa de Zoé. Foto: Brunno Martins

TITINA MEDEIROS, atriz do grupo Casa de Zoé, de Natal, Rio Grande do Norte

O que me inspira a criar e fazer arte é a nossa própria existência, nossas conexões com outros seres, com o mistério e com as incertezas. A arte, além de me dar oportunidade de ter voz, também me permite o delírio.

A verdade é que sempre fiz teatro no Nordeste, em um estado que não tem tradição de boas políticas para a cultura, e penso que essa realidade nos faz ter ainda mais consciência da importância de permanecermos no Rio Grande do Norte.

Sou de uma geração de artistas de teatro que resolveu ficar. Que se negou a ir para o Sudeste tentar a vida. Nossa lógica era: precisamos fomentar o teatro no nosso estado para que nossos conterrâneos nos conheçam e conheçam nossas obras. Era importante para nós essa representatividade. Daquele tempo para cá já se passaram quase trinta anos, e acredito que nossa estratégia foi e continua valiosa. Agora tudo isso só foi possível devido ao teatro de grupo, que nos uniu por uma causa comum.

Coletivo de Teatro Alfenim. Foto: Alessandro Potter

MÁRCIO MARCIANO, diretor e dramaturgo do Coletivo Alfenim, de João Pessoa, Paraíba

Como artista, sinto necessidade de dar um testemunho crítico sobre as contradições de meu tempo. O que me inspira é a convicção de que o ser humano, apesar de seus temores, misérias, baixezas e vilanias, é capaz de ser solidário na luta por um mundo mais habitável para todas e todos. Fazer arte é imaginar, no campo simbólico, o ensaio dessa transformação.

Da perspectiva dos vencidos, todo campo é um campo de luta possível. Não se trata de idealismo ou de uma noção romantizada do fazer artístico. Mas da constatação de que é necessário travar a guerra em todas as frentes. Nesse sentido, apesar das diferenças de ordem econômica e de circulação da forma mercadoria – e não podemos esquecer que a arte é também uma mercadoria –, todo lugar tem seu espaço possível de interlocução.

MONIQUE CARDOSO, atriz do Grupo Ninho de Teatro, do Crato, Ceará

Eu parto desse termo teatro nordestino, que já me inquieta bastante, porque eu não escuto por exemplo, teatro sulista ou teatro sudestino. Existe um termo forjado, e não por nós, nordestines, mas por outres, que tem a ver com todo o processo histórico desse país, de nos colocar numa posição de inferioridade na maioria das vezes. Para mim, o teatro nordestino é o teatro do mundo, que pode ser feito aqui ou em qualquer outro lugar. Que sim, carrega muito dos nossos corpos, das nossas memórias, dos nossos territórios, das nossas experiências, como qualquer outro teatro, como qualquer outro processo criativo feito por sujeitos. Isso não nos difere dos demais.

Independente das escolhas estéticas, éticas, políticas que são feitas no processo criativo, num trabalho montado por artistes nordestines sempre vai haver esse rótulo, essa chancela do teatro nordestino. Aliás, espero que não haja sempre, mas sempre há essa tendência a rotular. Espero que os debates, os trânsitos, os diálogos, façam com que a gente vá desmistificando, descontruindo uma série de estereótipos que foram criados, de ideias do que é uma arte produzida no Nordeste, que tem sempre como referência a ideia de seca, de fome, de miséria, de retrocesso. E essa é uma visão muito limitada do que é o Nordeste, do que seria o Nordeste, uma visão construída pela mídia e reforçada por tantos, desde políticos a empresas, a grandes veículos de comunicação.

Percebo um movimento para que a gente possa criar narrativas, ampliar essa percepção. Acho que essa coisa, de não ouvirmos teatro sudestino, teatro sulista, acho que existe um lugar, no próprio segmento da arte, no próprio nicho de mercado, de colocar o teatro produzido no Nordeste num outro lugar, um lugar inferior, um lugar quase unificado, no sentido de que haveria uma unidade, uma uniformidade no que é produzido aqui. E não é isso, a gente fala de um Nordeste que é imenso, que tem vários Nordestes, vários sotaques, várias experiências, vários territórios, corpos, ideias distintas. Então é muito pequeno limitar a um termo, teatro nordestino. Acho que o teatro nordestino é o teatro do mundo, o teatro que é produzido aqui ou em qualquer lugar do mundo, que parte da relação de um corpo com o espaço, mas que ganha dimensões muitas, camadas muitas. Que ganha uma dimensão a partir do encontro com o outro, da experiência do outro, como qualquer processo artístico, como qualquer encontro com uma obra de arte, independentemente de onde ela é produzida.

Edceu Barboza, ator do grupo Ninho de Teatro, no processo de criação do espetáculo Cabral. Foto: Elizieldon Dantas

EDCEU BARBOZA, diretor e ator no Grupo Ninho de Teatro, do Crato, Ceará

O que me inspira a criar e fazer arte é a possibilidade de dialogar por meio das artes da presença, das artes da cena com o público. E esse público, para mim, é uma microesfera da sociedade. Toda vez que eu, como artista, grupo, me encontro com os espectadores – como coletivo de espectadores e espectadoras – numa audiência teatral, entendo que ali tem uma microesfera da sociedade e que aquela troca pode, em alguma medida, mover, movimentar os sentidos das coisas todas que estão postas. Penso que a gente tem na arte esse campo de provocação. De provocar possíveis deslocamentos. E um olhar de curiosidade para aquilo que está ou estava naturalizado, até então. Um espetáculo ou qualquer obra de outra linguagem, pode ser esse despertador. E, portanto, vai impulsionando as pessoas e a sociedade a desnaturalizar as coisas todas que estão aí, desde as relações de poder ou mesmo questões mais íntimas, do público para o privado, do privado para o público. Isso é o que me inspira a fazer arte.

E quando eu me penso nesse lugar de fazer arte no Nordeste do Brasil, não encontro diferenças no sentido do estar e do ser artista. Não é ser nordestino ou estar na geografia Nordeste que me dá algo de menos ou algo de mais. Apenas sou. Tudo que produzi, sim, é afetado por isso, tudo diverso, por isso tudo múltiplo, por isso tudo contraditório, por isso tudo de tradição, por isso tudo de contemporâneo, de moderno, que é o Nordeste, que sou eu.
Óbvio que, por conta de um projeto que foi pensado para o Nordeste, dentro de uma perspectiva do poder geopolítico, orquestrado pelo Sudeste, pelo Sul/Sudeste do país, a gente encontra algumas dificuldades do ponto de vista de políticas públicas. Mas, para além disso, não vejo diferença.

Quando se pensa o interior do Nordeste entramos nessa mesma questão. Acho que a grande diferença é uma dificuldade ainda maior – e quando eu digo ainda maior é porque entendo que um país como o Brasil, onde a política pública de Cultura é ineficiente para o tamanho do país, quando se está nos interiores do Nordeste, ou outros interiores do Brasil, a dificuldade se amplia, esse abismo fica ainda maior, comparado, por exemplo, às grandes metrópoles. Não que as grandes metrópoles não tenham as suas dificuldades. Acredito que elas acabam sendo diferentes, sobretudo no acesso.

Esse Nordeste que se espera, ou esse Nordeste inventado, como diz o Durval (Muniz de Albuquerque Júnior), não é o Nordeste que nós operamos cotidianamente. Por exemplo, a região do Cariri cearense, onde o Grupo Ninho de Teatro atua, é um território verde, que pulsa água de nascente, cachoeiras, rios, com uma chapada imensa, com a reserva paleontológica importante pro mundo inteiro, com a diversidade, com a pluralidade de tradição popular, com mestres e mestras, com uma produção contemporânea riquíssima. Nesse sentido, estamos pulsando numa mesma ambiência, digamos, de muitos outros espaços do restante do Brasil. Mas que se diferencia disso que inventaram para a gente, que é essa imagem estática, amarelada, seca, rachada, com bichos e gente morrendo. Essa é a invenção. Esse é o projeto inventado, e querem nos encaixotar, mas a gente sabe que, estando aqui, existe um Nordeste diferente a cada cidade, a cada bairro de uma cidade. É um pouco por aí.

Cristiane Crispim, da Cia Biruta de Teatro. Foto: Rayra

CRISTIANE CRISPIM, atriz Cia Biruta de Teatro, de Petrolina, Pernambuco

Penso que o que me inspira a criar e a fazer arte, a mim e ao meu grupo, nesse processo coletivo, colaborativo, é uma coincidência com o que afeta todo e qualquer artista em qualquer lugar do mundo. A gente cria, somos motivados a criar, a partir do que nos afeta, das coisas que atravessam a nossa vida, as coisas com as quais a gente se relaciona, para entender a nossa existência. E isso tudo existe dentro de um contexto. Nossa existência no mundo se relaciona com um contexto. É uma vivência atravessada muito pelo sentido de comunidade, de coletividade, no nosso caso. Nunca foi individual, nunca foi um processo só pessoal. Muito por minha formação tanto na igreja, pela Pastoral da Juventude, Teologia da Libertação, quanto passando a ter contato com os estudos culturais, com as ciências sociais, com a militância política, isso tudo vai nos afetando, me afetando, e a gente cria muito motivado por isso, porque isso é o que atravessa a nossa existência, nossa caminhada no mundo. Parte desse lugar de se perceber quem é, se entender nessa existência e entender que essa existência faz parte de um processo histórico e cultural.

Sobre as diferenças desse fazer no Nordeste, além de pensarmos esse lugar histórico e social que a gente ocupa, na prática, sabemos que tem semelhanças com diversos outros lugares, mas também diferenças, que partem desse contexto. Porque esse contexto é marcado por uma construção política, social, que centraliza recursos, orçamento público, no Sul e Sudeste, e isso afeta obviamente a nossa produção, as dificuldades que a gente enfrenta para criar, para produzir, além das questões de identidade que a gente problematiza. Mas a dificuldade é a falta de recursos, de condições. É a ideia de que se relegou à região Nordeste menos recursos, mais precariedade em tudo. A forma como se entendeu, inclusive na produção cultural, o Nordeste como um lugar de exploração de mão de obra barata, nega a gente a ideia de um lugar de desenvolvimento de cidadanias diversas, múltiplas. Além disso temos uma construção interna mesmo, de uma lógica colonialista, de negação das presenças indígenas, dos movimentos sociais, dos quilombolas, e tudo isso afeta a criação, porque como eu te disse, se pensamos esse nosso lugar, essa nossa existência, vamos acabar fazendo todas essas relações, não só enquanto temática, mas enquanto produção de existência, enquanto grupo teatral. E, ao mesmo tempo que isso nos afeta gerando dificuldades, gerando restrições, também nos motiva a criar formas de resistência, que motivam essa produção. Acaba sendo muito em torno disso, da luta por existir.

E aí quando pensamos interior do Nordeste, vamos para outras camadas dessa lógica colonialista e centralizadora. Temos a situação de marginalização da região Nordeste diante de um “centro” do país, que seria o Sul e o Sudeste, e dentro do Nordeste existem também as capitais, que acabam ocupando esse lugar do centro, e o interior. Essas coisas acabam se multiplicando, essas negações acabam se acumulando no processo, porque vai tendo um afunilamento. E é a periferia da periferia da periferia, a margem da margem da margem. Você tem uma reiteração o tempo todo desse processo, exigindo ainda mais mobilização, ainda mais articulação, ainda mais projeto de resistência, porque é uma tendência em reproduzir a lógica internamente.

Quando falo que há essa relação com a coletividade, com a comunidade, não é nunca em oposição à pessoa, ao sujeito. Mas é saber que essa pessoa, com as suas subjetividades, que não devem ser negadas, pelo contrário, também devem ser estimuladas, para compor essa multiplicidade, essa diversidade. Essas subjetividades devem ser o tempo todo convocadas. Elas são atravessadas por relações, por ser nosso, do ser humano mesmo e não é uma briga, o individual e o comunitário. Não é pra ser. É só uma consciência desse corpo, que se coloca no palco e na vida, e que está sempre em relação. Nunca é só uma dor individual. Mesmo que seja individual, é sempre resultado de um processo maior e negar isso é a gente ceder a uma lógica de pensamento individualista, neoliberal.

Vamos no sentido de não descolar esse subjetivo do coletivo, do comunitário. Mas de forma alguma desconsiderando, inclusive produzindo as tensões que a gente precisa produzir o tempo todo nesse entendimento, nessa caminhada no mundo, de ser, estar e criar.

Grupo Magiluth. Foto: Pedro Escobar

GIORDANO CASTRO, ator do Grupo Magiluth, do Recife, Pernambuco

O que inspira a gente a criar e fazer arte é observar a vida. E aí quando falo de observar a vida não é nesse sentido poético. É observar o que acontece, as coisas que nos afetam. E aí começamos a entender que, de fato, a gente está completamente conectado. Pensamentos revolucionários, progressistas e emancipatórios, por exemplo, são pensamentos que atingem uma Primavera Árabe e um movimento como o Ocupe Estelita. As coisas estão conectadas. E aí temos que ver como é que essas coisas nos afetam, como é que a gente se coloca perante essas coisas e entender que problemas que são universais, são problemas também dentro do nosso quintal. É estar atento à vida, às coisas que estão acontecendo, estar atento ao movimento natural das coisas. Isso é o que nos motiva a estar criando, dialogar com o nosso tempo, que é universal.

Não faz diferença nenhuma criar em São Paulo, criar em Recife, criar num sítio no interior. A diferença, eu acho, é o depois de criar. É fazer com que esse trabalho se mantenha e, de alguma forma, seja bem remunerado por isso. E aí a gente não tem como negar que São Paulo, principalmente, existe muito mais investimento, injeta muito mais dinheiro nisso, do que outros lugares, até pelo tamanho da cidade, pelo próprio movimento. Mas enquanto criar não faz muita diferença. Não é somente uma diferença geográfica, estar criando em São Paulo. É onde está minha cabeça criadora quando eu estou em São Paulo. E a minha cabeça criadora está sempre em Recife, de alguma forma.

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Imaginários e experiências de Nordeste(s) no Cena Agora, de hoje (6) a domingo (9)

Cia do Tijolo resgata personagens dos espetáculos do repertório. Foto: Alécio César

Se o Nordeste é uma construção, invenção, espaço de disputas de poder, como a arte pode desestabilizar preconceitos, ampliar imaginários, desconcertar? A programação do Cena Agora, que tem como tema “Encruzilhada Nordeste(s): (contra)narrativas poéticas” chega àsegunda semana nesta quinta-feira (6) e vai até domingo (9) com sete trabalhos de seis estados (Alagoas, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe e São Paulo) e conversas entre artistas, críticos e espectadores.

A ideia é que cada grupo apresente experimentos artísticos de até 15 minutos e, logo em seguida, todos conversem sobre arte, pesquisa de linguagem, experiências, Nordeste, possibilidades de construção de novas narrativas. Esta semana, nós, Pollyanna Diniz e Ivana Moura, mediamos os debates de hoje (6) e de domingo (9) e o diretor Jhoao Junnior, do Rio Grande do Norte, faz a mediação na sexta (7) e no sábado (8).

A programação será aberta com o grupo Estopô Balaio que apresenta Ex-NE – O Sumiço. Apesar de ser sediado em São Paulo, o grupo conta com vários artistas do Rio Grande do Norte, que encontraram no Jardim Romano, bairro do extremo Leste de São Paulo, muitas similaridades com a cidade de Natal. No trabalho, o Nordeste é apagado do mapa do Brasil e quatro pessoas se encontram na deep web para tentar entender o que pode ter acontecido. A direção é de Quitéria Kelly e a dramaturgia de Henrique Fontes, do grupo Carmin, que rodou o país com A invenção do Nordeste, a partir do livro do professor Durval Muniz de Albuquerque Júnior.

Amanhã, sexta-feira (7), participam do Cena Agora os grupos Clowns de Quinta, de Alagoas, e o Coletivo de Teatro Alfenim, da Paraíba. O trabalho do Clowns de Quinta é Prisioneiro do Reggae, que investiga uma história com um músico de reggae de Alagoas, que ficou ainda mais conhecido na região depois de gravar uma música dizendo que não havia matado uma mulher chamada Ester. A história é uma ficção? Foi comprada pelo público?

Já o Alfenim apresenta Pequeno Inventário das Afinidades Nordestinas, com fragmentos de memória e impressões cotidianas de seus integrantes para tecer um breve comentário poético e crítico sobre as afinidades nordestinas. A direção é de Márcio Marciano e Murilo Franco, inspirados na obra poética de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo. Quais as subjetividades que compõem uma experiência Nordeste?

No sábado (8), o grupo Boca de Cena, de Sergipe, apresenta Remundados, a partir do texto homônimo do dramaturgo mineiro Raysner de Paula, escrito para o grupo em 2019. As pessoas que foram excluídas da história oficial, podem renascer? Quatro personagens refugiados, vindos de um lugar que não existe mais, se propõem a “remundar” a realidade, lançando novas sementes no mundo.

A Casa de Zoé, do Rio Grande do Norte, traz Encontros, NÉ?, um experimento que lida com a ideia de que seguimos tentando entender, encontrar e descobrir o Nordeste. De quais maneiras definir a localização e as fronteiras do Nordeste?

Brenna Maria assina texto, direção, música e está no elenco de Você já Sangrou Hoje?

No domingo (9), encerrando a programação, teremos os maranhenses Brenna Maria e Ywira Ka’i, com Você já Sangrou Hoje?. O trabalho tem como mote a frase de Dona João, que vive da terra na cidade de São João Batista e gerou nove filhos: “Tudo que é usado em demasia acaba”. A metáfora com a destruição que o homem está empreendendo na Terra, os nossos meios de vida, como nos relacionamos com a natureza, é imediata.

E a Cia do Tijolo, criada e sediada em São Paulo, mostra O outro nome da amizade, que evoca personagens de espetáculos anteriores do grupo, como o arcebispo Dom Helder Câmara, a freira, filósofa e teóloga feminista Ivone Gebara, o educador e filósofo Paulo Freire e o poeta Patativa do Assaré.

A programação começa sempre às 20h. Os ingressos são gratuitos, mas é preciso retirar ingressos antecipadamente pelo Sympla.

Nesta página, você encontra os links de retirada de ingressos para todos os dias.

COLUNA DAS YOLANDAS NO SITE DO ITAÚ CULTURAL – A partir da programação do Cena Agora, fomos instigadas a escrever quatro colunas para o site do Itaú Cultural. A primeira faz uma pergunta que nos inquieta: “Existe um teatro nordestino?”. Pensamos sobre como essa nomenclatura foi definida, o que significa hoje, e como alguns grupos, como o Carmin, do Rio Grande do Norte, a Dimenti Produções Culturais, da Bahia, e o coletivo No barraco da Constância tem!, do Ceará, estão desestabilizando imaginários.

Confira aqui a primeira coluna do Satisfeita, Yolanda? no Itaú Cultural.

Clowns de Quinta vão contar “reggae policial” de Alagoas. Foto: divulgação

Coletivo de Teatro Alfenim parte de memórias e impressões cotidianas. Foto: Alessandro Potter

Casa de Zoé apresenta Encontros, NÉ?. Foto: Brunno Martins

PROGRAMAÇÃO:

Cena Agora – Encruzilhada Nordeste(s): (contra)narrativas poéticas Semana 2
Quando: 6 a 9 de maio (quinta-feira a domingo)
Onde: Plataforma Zoom
Quanto: Gratuito. É preciso retirar os ingressos no Sympla

Estopô Balaio retirou o Nordeste do mapa em experimento

QUINTA-FEIRA (6/5), às 20h
EX-NE – O Sumiço, com Coletivo Estopô Balaio (SP)
Após a apresentação, bate-papo com mediação de Ivana Moura e Pollyanna Diniz
Sinopse:
EX-NE – O Sumiço traz um recorte da pesquisa e experimentação de cenas em território on-line do espetáculo EX-NORDESTINES*, que tem estreia prevista para maio de 2021. O espetáculo parte da premissa que o Nordeste sumiu do mapa do Brasil e que nessa distopia ninguém, com exceção de quatro pessoas (uma estatista, uma linguista, um geógrafo e um historiador), se dá conta do sumiço.

Ficha Técnica:
Direção: Quitéria Kelly
Dramaturgia: Henrique Fontes
Elenco: Ana Carolina Marinho, Anna Zêpa, Breno da Matta e Juão Nyn
Trilha sonora: Marco França
Montagem de vídeo e efeitos: Aristeu Araújo
Assistência de direção e preparação corporal: Rodrigo Silbat
Secretaria: Lisa Ferreira
Produção: Corpo Rastreado e Coletivo Estopô Balaio
Produtores: Wemerson Nunes, David Costa e Gabi Gonçalves
Designer gráfico: Daniel Torres
Consultoria histórica: Durval Muniz de Albuquerque Júnior
Beleza: Andrey Batista
Assistente de beleza: Sasá Ferreira
Figurino: Ben
Testagem Covid-19: VALP Soluções Inteligentes
Enfermeira: Vanessa Alves de Lima Proença
Farmacêutico: Carlos Alberto Rossatto Junior

SEXTA-FEIRA (7/5), às 20h
Prisioneiro de Guerra, com o grupo Clowns de Quinta (AL), e Pequeno Inventário das Afinidades Nordestinas, com o Coletivo de Teatro Alfenim (PB)
Após a apresentação, bate-papo com mediação de Jhoao Junnior

Sinopse Prisioneiro do Reggae:
Antes mesmo das fanfics interneteiras tomarem conta das redes sociais, um gênero de reggae, o reggae policial, surgia em Alagoas e tomava conta das discussões na capital. Hoje, quatro jovens alagoanos se colocam em debate em torno de um misterioso caso que está ao redor desse gênero musical.

Ficha Técnica:
Direção artística: David Oliveira
Produção: Elaine Lima
Coordenação artística: Nathaly Pereira
Coordenação financeira e administrativo: Wanderlândia Melo

Sinopse Pequeno Inventário das Afinidades Nordestinas:
O experimento audiovisual parte de fragmentos de memória e impressões cotidianas para tecer um breve comentário poético e crítico sobre as afinidades nordestinas. Partindo da indagação sobre o que nos assemelha e o que nos diferencia, o vídeo procura inventariar sentidos, ideias, contradições e afetos que compõem uma visão múltipla e diversa do Nordeste.

Ficha Técnica:
Elenco: Adriano Cabral, Edson Albuquerque, Lara Torrezan, Mayra Ferreira, Murilo Franco, Paula Coelho, Verônica Cavalcanti, Victor Dessô, Vítor Blam e Zezita Matos
Argumento: Márcio Marciano
Roteiro: Márcio Marciano e Murilo Franco
Direção: Márcio Marciano e Murilo Franco
Montagem: Edson Albuquerque e Murilo Franco
Finalização: Edson Lemos
Trilha original: Kevin Melo e Mayra Ferreira
Som e masterização: Kevin Melo
Equipe de produção: Gabriela Arruda, Edson Albuquerque, Vítor Dessô, Murilo Franco

SÁBADO, (8/5), ÀS 20h
Remundados, com o grupo Boca de Cena (SE), e Encontros, NÉ?, com Casa de Zoé
Após a apresentação, bate-papo com mediação de João Jhúnior

Cia Boca de Cena apresenta experimento com personagens refugiados. Foto: divulgação

Sinopse Remundados:
Pesquisa investigativa artística a partir do “remundar” – lançar no mundo semente dos existires de gentes varridas da história, onde povos dessa pequena multidão podem renascer. Diante disso, uma multidão de quatro refugiados, cada um vindo de um lugar que não existe mais, e que, sem rumo, decidem seguir, com destino a lugar nenhum.

Ficha Técnica:
Direção: Grupo Teatral Boca de Cena
Produção geral: Rogério Alves (SE)
Dramaturgia: Raysner de Paula (MG)
Preparadora vocal: Babaya Morais (MG)
Artista plástico (pesquisa visual): LUC (BA)
Técnica: Patrícia Brunet (SE)
Elenco: Ana Kelly, Felipe Mascarello, Leandro Handel e Rogério Alves

Sinopse Encontros, NÉ?:
O que é o Nordeste? Não sabemos. Dada a indefinição, vêm as dificuldades em traçar suas fronteiras. Por conseguinte, também a localização. Não sabemos onde fica ao certo. Mas somos capazes de jurar que existe. Ah, existe sim! Como na vida, que ao seguir vamos entendendo, encontrando… Quem sabe até lá consiga-se descobrir, como um dia deu a sorte de acontecer com o Brasil.

Ficha Ténica:
Artistas criadores: Igor Fortunato, Titina Medeiros, Caio Padilha e Nara Kelly
Direção: César Ferrario
Produção criativa: Talita Yohana e Arlindo Bezerra

DOMINGO (9/5), ÀS 20h
O Outro Nome da Amizade, com a Cia. do Tijolo (SP), e Você já Sangrou Hoje?, com Brenna Maria e Ywira Ka’i (MA)

Sinopse O Outro Nome da Amizade:
A Cia.do Tijolo evoca personagens de seus espetáculos para junto com amigas, camaradas e companheiros, pensar o tempo presente, a vida presente, os homens e mulheres presentes. Dom Helder Câmara, Ivone Gebara, Paulo Freire e Patativa do Assaré percorrem encruzilhadas da cidade de concreto condenada a nunca adormecer.

Ficha Técnica:
Ator/diretor: Dinho Lima Flor
Atriz/diretora: Karen Menatti
Ator/diretor: Rodrigo Mercadante
Técnico audiovisual: Flávio Barollo
Produção: Suelen Garcez

Sinopse Você já Sangrou Hoje?:
Você sempre pega e usa como bem entender. Não cuida e tão pouco se importa se um dia vai acabar. “Tudo que é usado em demasia acaba”, diria dona Joana, que vivendo da terra em São João Batista gerou nove filhos. ÌYÁ MESAN ÒRUN! A terra é sagrada e jorra sangue de suas entranhas. Por isso, cuidado, muito cuidado com quem você mexe, pois “Eu avanço ao som de trovões cortando gargantas”.

Ficha Técnica:
Elenco: Brenna Maria e Ywira Ka’i
Direção, texto e música: Brenna Maria
Direção de arte e edição: Ywira Ka’i

 

 

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