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Quaderna mostra truques do país dos conchavos
Crítica do espetáculo
As Conchambranças de Quaderna

 Jorge de Paula e Fábio Espósito em As Conchambranças de Quaderna. Foto: Ivana Moura

 Jorge de Paula e Guryva Portela. Foto: Ivana Moura

Jorge de Paula, Fábio Espósito, Henrique Stroeter e Guryva Portela.  Foto: Ivana Moura

Guryva Portela, Jorge de Paula, Henrique Stroeter, Fábio Espósito e Carlos Ataíde (no chão). Foto: Ivana Moura

O espetáculo As Conchambranças de Quaderna (1987), com texto de Ariano Suassuna (1927-2014), direção de Fernando Neves e realização da Beijo Produções Artísticas e Cia Vúrdon de Teatro Itinerante, se desenvolve em torno do peculato. Essa palavrinha vem do termo latino peculatus, cuja origem, por sua vez, vem de pecus — (gado) — que constituía a primitiva moeda para realização de compras e pagamento de multas. Peculato é a ação de subtrair ou desviar bem ou dinheiro por parte de funcionário público que deveria ser o guardião. Ouvimos a expressão com frequência nos noticiários. O sujeito se apropria de um bem que ele tem acesso em função do cargo que exerce. A partir desse abuso de confiança, o (mau) servidor comete o crime (Código Penal, artigo 312) e está prevista pena de 2 a 12 anos de prisão e multa.

O cômico em Ariano Suassuna funciona como mina explosiva. Abre caminho ao diálogo e escuta do público, na perspectiva do questionamento crítico e reflexivo. Com as armas do humor, da astúcia e da habilidade de resolver conflitos, o personagem mítico-poético Pedro Dinis Quaderna vence suas batalhas n’As Conchambranças de Quaderna.

A obra de Ariano Suassuna é composta por três atos: O Caso do Coletor Assassinado, Casamento com Cigano pelo Meio e A Caseira e a Catarina ou O Processo do Diabo. Teve apenas três montagens – no Recife (1987 e 2004) e no Rio de Janeiro (2011) – e foi publicada somente em 2018. N’As Conchambranças de Quaderna, Suassuna resgata Pedro Dinis Quaderna, personagem do seu Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta (1971).

O projeto As Conchambranças de Quaderna foi viabilizado, em 2019, através do ProAC de Produção e Temporada de Espetáculos Inéditos de Teatro – Programa de Ação Cultural, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. A encenação com os três atos poderia chegar a três horas de duração. A produção seguiu as recomendações das medidas sanitárias e do distanciamento social durante a pandemia do coronavírus, elegendo o primeiro ato da peça, O Caso do Coletor Assassinado, para a montagem, de cerca de uma hora.

Na peça, um “suposto” desfalque cometido pelo coletor de impostos da cidade gera uma crise política entre o Sertão do líder da oligarquia rural Dom Pedro Sebastião e o governo do estado da Paraíba. Dom Pedro Sebastião é Padrinho e protetor de Quaderna. Esse protagonista usa sua lábia, seu discurso para resolver contendas e fazer com que todos ganhem, principalmente ele mesmo.

As personagens são tipos e a encenação de Fernando Neves salienta as caricaturas na sua montagem em que os elementos do circo-teatro imprimem as diretrizes estéticas. Os papeis codificados, as peripécias, o trato popular no visual e a crítica social à política, à ganância, à hipocrisia, à xenofobia são tratados como andamento de uma partitura pelo diretor.

Neves confere à cena uma dinâmica lépida e fagueira, farta de marcações hilárias, efetuada com alegria pelo elenco. Em As Conchambranças de Quaderna os atores parecem se divertir, fazem folia com os próprios códigos.

 O músico Abuhl Júnior. Foto: Ivana Moura

Para garantir esse festim, o encenador conta com o músico Abuhl Júnior, ao vivo na bateria e percussão, que enriquece a ação dos atores na partitura e sonoridades incidentais.

O tempo e o ritmo com exatidão são valiosos para Neves, especialista em circo-teatro, estética que se dedica desde sempre com a família Santoro Neves ou há duas décadas, junto ao grupo Os Fofos Encenam.

No universo desse Sertão de Quaderna, as relações com quem exerce cargo de destaque são determinantes. O aspecto monetário e os elementos financeiros traduzem os pequenos embates de poder e sua sustentação.

Suassuna subverte hierarquias consagrando Imperador e Rei, Decifrador-armorial, Gênio da Raça, Monarca da Cultura Brasileira, Imperador do Reino do Sete-Estrelo do Escorpião e candidato a Gênio Máximo da Humanidade o “afilhado” de um importante coronel. O Padrinho é aconselhado por Quaderna na resolução de problemas políticos que precisam de estratégia, audácia, inteligência, rapidez, senso de conciliação. Quaderna, nesta encenação, saúda as manifestações de religiosidade afro-brasileiras, como as reverências em honra à Jurema, durante a apresentação.

Para desenvolver o espetáculo, o chão é festivo. A maquiagem é carregada, quase uma máscara. O ritmo das cenas é rápido. A dança nordestina está impregnada no corpo dos atores. Destaco o cavalo-marinho, um auto dos festejos natalinos. O folguedo possui 76 figuras nas categorias humana, fantástica e animais. Talvez venha daí qualquer coisa além de humana na postura das personagens.

Então, a dança do cavalo-marinho é bem ágil, enérgica, entusiasta, com um ritmo bem-marcado por um sapateado que sugere o galope dos cavalos. A sambada tem passos rasteiros intercalados de saltos, que se chama “bater mergulho”.

Nesse clima, o que os atores mostram vivamente é a confusão entre a natureza do que é público e privado. Se o território é brincante, a trilha sonora – assinada por Renata Rosa (cantora, compositora e rabequeira) e de Caçapa (arranjador, violeiro e compositor pernambucano) acentua, reforça o clima exultante do espetáculo.  

A criação visual do artista plástico Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano, é uma obra de arte excepcional por si mesma. Os telões do cenário estão carregados do Brasil real e profundo. Os criativos figurinos, inspirados na estética armorial e na cultura nordestina, são assinados por Carol Badra.

Jorge de Paula e Fábio Espósito. Foto: Ivana Moura

O ator Jorge de Paula, que interpreta o Quaderna, brilha em cena. Ele associa sutileza, gestualidade, carisma, fôlego com graça e humor. É bom na ironia e na desfaçatez. Uma construção forte, que transmite muita empatia ao público. Quem assistiu Um Amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, da recifense Trupe Ensaia Aqui e Acolá, sabe que o talento desse ator vem de longe.

Fábio Espósito tem uma atuação desconcertante como Evilásio Caldas. Sua experiência de palhaço, seu timing para comédia dão leveza à cena. Como um bom mágico, ele nos surpreende com as piadas, os silêncios e partitura corporal. Um brincante que contagia.

Guryva Portela faz Dom Pedro Sebastião e acentua as características do autoritarismo, machismo de forma bem exagerada na mira do grotesco para provocar o riso.

Carlos Ataíde como Seu Belo. Foto: Ivana Moura

Bruna Recchia, em primeiro plano, no papel da Presidente da Comissão de Inquérito. Foto: Ivana Moura

Os outros papéis são menores e cada um tem sua importância, concebidos na mesma linha do exagero, escolhida pela encenação. Henrique Stroeter faz o matador Joaquim brejeiro que trabalha basicamente com o gestual de segurar o rifle e amedrontar com a força bruta; Carlos Ataíde interpreta Seu Belo, funcionário do Cartório, medroso e engraçado e Bruna Recchia a Presidente da Comissão de Inquérito, que investe na maximização da caricatura da paulistana com seu olhar exótico sobre o nordestino, que pode tanto despertar o riso ou a irritação, depende do espírito do espectador.  

A trama reporta às farsas medievais, ancorada na astúcia da figura principal da peça e sua desenvoltura para solucionar as confusões. Na galeria de figuras de As Conchambranças de Quaderna não nos cabe julgamento moral. O crime de peculato, acobertado pelos personagens, traz junto com o riso prazeroso o alerta para que fiquemos atentos ao mundo real, ao Brasil que massacra seus artistas.

Essa crítica é necessária ao país que se sustenta em acordos e tramoias para se garantir no poder. De um país que vê passar a chamada de “PEC do Calote”, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que viabiliza o financiamento do Auxílio Brasil (programa que substitui o Bolsa Família), mas para isso abre espaço de R$ 91,6 bilhões no Orçamento de 2022 às custas do não pagamento das dívidas judiciais do governo. Entre outros probleminhas.

Do espetáculo As Conchambranças de Quaderna fica um gostinho de quero mais, já que esta montagem está circunscrita ao primeiro ato. Do Brasil da “PEC do Calote” precisamos estar atentos e fortes para a luta.

Jorge de Paula e Fábio Espósito. Foto: Ivana Moura

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Não sei, só sei que foi assim que eles chegaram tão longe

Auto da Compadecida é encenado pela Dramart Produções há 20 anos. Fotos: Pollyanna Diniz

A ideia é que, quando eles completassem 18 anos encenando o texto Auto da Compadecida, encerrassem a carreira. Mas Ariano Suassuna estava no teatro naquelas que seriam, supostamente, as últimas apresentações. E aí, um pedido dele fez a atriz e produtora Socorro Rapôso retroceder. “Socorro (Rapôso), quem faz 18 anos apresentando um espetáculo faz 20”. Pois bem, os 20 realmente chegaram e agora um novo adeus é ensaiado pelo elenco da Dramart Produções. As derradeiras apresentações estão marcadas para hoje, às 20h, e amanhã, às 19h, no Teatro de Santa Isabel.

A peça sempre foi sucesso por onde passou – foram mais de 350 mil espectadores. “Viajamos o país inteiro. Passávamos muito tempo fora e, quando a gente chegava aqui, era para fazer longas temporadas. Ficamos em cartaz no Santa Isabel, no Parque, no Barreto Júnior”, conta Williams Sant’Anna, que está no elenco há 19 anos como Chicó. O ritmo de temporadas só diminuiu um pouco quando o ator Sóstenes Vidal, que faz João Grilo, assumiu compromissos fora do Recife. Os projetos pessoais do elenco – no palco são 15 atores – levaram o grupo a decidir encerrar o ciclo – embora, que fique claro, isso não é consenso. E todos, aí sim, sem exceção, têm um carinho enorme pela peça.

Quem pensou em montar o Auto da Compadecida foi o diretor Marco Camarotti, falecido em 2004. As marcas da direção, aliás, ainda são as mesmas que ele deixou – até hoje, não foi substituído na ficha técncia. “Ele é a alma desse espetáculo. Minha função é zelar pelo que ele fez, ir polindo. Ele queria uma peça assim: circense, com comunicação direta com o público, nada sofisticado”, complementa Sant’Anna, que também assina a assistência de direção.

O texto mais famoso de Ariano Suassuna (principalmente depois que virou minissérie e filme) é respeitado na íntegra. “Ele só autorizava que eu e Sóstenes (Vidal, que interpreta João Grilo), que somos os bufões, colocássemos ‘cacos’ no texto. Dizia que Ariano não precisava de coautor”, relembra. “Muito antes da minissérie e depois do filme, nós já lotávamos casas no Brasil inteiro”, comenta o João Grilo.

Do elenco original, restaram Sóstenes Vidal, Hélio Rodrigues (palhaço), Cleusson Vieira (sacristão), Luiz César (Padre João), Célio Pontes (Severino do Aracaju) e, claro, Socorro Rapôso (A Compadecida). Aos 80 anos, a produtora e atriz é a principal entusiasta do espetáculo. “Ela fez com que estivéssemos juntos até hoje, no palco. Esse mérito é dela”, diz o ator Hélio Rodrigues.

O ator e jornalista Leidson Ferraz, que interpreta o frade e o demônio, lembra que estreou no espetáculo em 1995. “O Santa Isabel estava lotado, até a torrinha. A sensação de ver aquele teatro lotado ficou em mim”, rememora. “O texto é ótimo, o elenco também. E é um espetáculo muito querido pelo público. A plateia é muito receptiva”, complementa.

A “caloura” no elenco é Maria Oliveira, que faz a mulher do padeiro há dois anos (inclusive, no domingo, quem vai interpretar o papel é Margarida Meira, que encenou esse personagem por vários anos). Maria não concorda que o espetáculo seja encerrado. “Agora que estava no melhor da brincadeira! Acho que deveríamos repensar”.

Bom, cá para nós, eu também não acredito que eles consigam encerrar. Acho que amanhã, Ariano vai chegar de mansinho e, mais uma vez, ninguém terá como negar um pedido do mestre. Até porque, mesmo aos 80 anos, Socorro Rapôso tem energia e disposição para levar esse espetáculo por mais uns 20 anos. E que ninguém duvide.

Será que eles conseguem encerrar a carreira do espetáculo?

ELENCO: Socorro Rapôso (A Compadecida), Sóstenes Vidal (João Grilo), Williams Sant’Anna (Chicó), Luiz César (Padre João), Cleusson Vieira (sacristão), Maria Oliveira (mulher do padeiro), Luiz de Lima Navarro (padeiro), Max Almeida (bispo), Leidson Ferraz (frade e demônio), Buarque de Aquino (Antônio Moraes e Encourado), Célio Pontes (Severino do Aracaju), Márcio Moraes (Galego, o Cabra), Hélio Rodrigues (Palhaço) e Didha Pereira (Manuel) e ainda cinco músicos da banda Querubins de Metal.

Serviço:

Auto da CompadecidaQuando: Hoje, às 20h, e amanhã, às 19h
Onde: Teatro de Santa Isabel
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Informações: (81) 3355-3323

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Como é bom este tal de ócio…

Montagem tem texto de Ariano Suassuna e direção de João das Neves

Elogio ao “ócio criador do poeta”, Farsa da boa preguiça é uma das obras-primas de Ariano Suassuna. A peça foi escrita em 1960, cinco anos após Auto da Compadecida. O texto é composto de três atos que podem ser representados de forma independente. Seguindo a tradição medieval, Suassuna termina cada ato com um exemplo, uma lição. A montagem do encenador João das Neves transforma as três pequenas histórias exemplares numa verdadeira festa nordestina. Essa versão estreou em 2009, quando o diretor completou 50 anos de carreira. De hoje a sábado, estará no Teatro de Santa Isabel.

“Há um ócio que é puro desperdício. Mas há outro tipo de ócio que é necessário para a atividade criadora”, comenta o diretor, um dos fundadores do Grupo Opinião, um marco cultural de resistência à ditadura militar dos anos 1960 e 1970. “No Brasil, até a década de 1930, quem fazia música era visto como vagabundo. O pobre coitado ficava treinando o instrumento o dia inteiro, e pensavam que ele não estava trabalhando. Por outro lado, os filhos da elite passavam horas estudando piano e isso era considerado educação”, compara João das Neves.

“Eu sou adepto do ócio criativo, acho importante esse respiro para arte”, defende o ator Guilherme Piva. “Na arte, na criação, na interpretação, é importante ter esses momentos de vazio. A força da criatividade gera muita dor, muita angústia, muito prazer, ela mexe e precisa desse descanso. A peça fala disso”, arremata Piva.

Em Farsa da boa preguiça, o poeta de cordel Joaquim Simão (Guilherme Piva) e sua religiosa mulher Nevinha (Daniela Fontan) são tentados pelo casal mais rico da cidade, Aderaldo Catacão (Jackyson Costa) e Clarabela (Bianca Byington), que tem um relacionamento aberto. Apesar dos ricos acharem os pobres inferiores, eles querem estabelecer uma relação sensual com eles. Três demônios fazem de tudo para que o pobre casal caia no pecado, enquanto dois santos tentam intervir. Entre a tentação e a salvação, diálogos ricos em humor e ação cheia de encontros e desencontros.

“Ao encenar esse texto, queremos reverenciar o mestre Ariano Suassuna e sua obra. Queremos celebrar, com carinho e alegria, aquilo que somos: artistas do povo brasileiro” atesta João das Neves. Essa celebração de som e cor é composta também pela música de Alexandre Elias (com referências nordestinas e medievais), pelo cenário de Ney Madeira, pelos figurinos coloridos de Rodrigo Cohen e pelos mamulengos do Nordeste, criados sob orientação do artista plástico Gil Conti. E além do quarteto principal, também estão no elenco os atores Leandro Castilho, Vilma Melo, Fábio Pardal e Francisco Salgado.

O processo de construção do espetáculo teve início com um mergulho na cultura nordestina. O ator Guilherme Piva conta que, entre as atividades, passaram por leitura e criação de poemas de cordel e aulas de dança e música, confecção e manipulação de bonecos. Mas, além da riqueza dos elementos nordestinos, Farsa da boa preguiça trabalha com a distinção entre pobreza, riqueza e miséria. Um rico pode ser até mais miserável que um pobre. Pois isso estaria ligado com fortunas de outros territórios, e não só material. No caso de Aderaldo, escravo de seus bens, ele se torna um ser miserável. Revela toda sua mesquinhez em falas como: “Eu não vou na casa de minha mãe para ela não visitar a minha e não desequilibrar meu orçamento”. Ele não compreende que um pobre possa ser feliz e critica Simão: “Ele se faz de feliz só para me fazer raiva!”.

Peça fica em cartaz até sábado, no Teatro de Santa Isabel

Já Simão possui uma leveza dos que sabem driblar a vida. Quando Clarabela lhe pergunta se ele é autêntico, ele responde: “Não senhora, eu sou um pouco asmático, autêntico, não”. Farsa da boa preguiça é bom divertimento com reflexão crítica.

“A história do rico que virou pobre
que ficou mais rico ainda
e foi pro inferno viver ao lado do cão!
E do pobre, do pobre que virou rico
e ficou pobre e novo!
Foi-se embora pelo Sertão!”

Serviço:

Farsa da boa preguiça
Quando: Hoje, às 20h; amanhã, às 21h e sábado, às 20h
Onde: Teatro de Santa Isabel (Centro)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)
Informações: 3355-3324

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Auto da Socorro

Durante uma entrevista à TV Cultura, a crítica de teatro Barbara Heliodora citou Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, como uma obra tipicamente brasileira; dizia que esse tipo de encenação é nossa especialidade e que era muito difícil encontrar uma montagem da peça que não tivesse qualidade. Em Pernambuco, pelo menos um grupo confirma a teoria da crítica. Há 19 anos ininterruptos, a Dramart produções encena Auto da Compadecida.

Para comemorar, o grupo faz mais uma apresentação neste sábado, dia do aniversário do Recife, às 19h30, no Teatro de Santa Isabel, na Praça da República. Os ingressos custam R$ 20 e R$ 10. No domingo, a montagem participa da Mostra Rui Limeira Rosal de Teatro e Dança, no Sesc Caruaru, às 20h. A peça, aliás, já circulou muito. Aqui em Pernambuco, foi vista em quase 30 cidades; e no Brasil, em muitos lugares, como Manaus, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Socorro Rapôso interpretou a Compadecida pela primeira vez em 1957; em 1992, assumiu novamente o papel, com direção de Marco Camarotti, que faleceu em 2004. “Ainda assim, o nome dele continua na direção. É uma forma de homenageá-lo. Quem assume a assistência de direção é Williams Sant’Anna, que também está no elenco como Chicó”, explica Socorro.

Foto: Jorge Clésio

Mesmo com tantos anos em cartaz, são poucas as mudanças no elenco. O segredo? “É o respeito mútuo. Nós nos tornamos uma família grande e unida. Há divergências, mas mesmo numa casa com duas crianças, isso acontece”, complementa. A atriz principal, que em junho completa 80 anos, diz que o público é fundamental. “No palco, é uma energia única. O espetáculo funciona, porque percebemos a resposta imediata da plateia”. No elenco, são 15 pessoas e a música é ao vivo, com a participação da banda Querubins de metal.

Foto: Priscilla Buhr

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Fraca montagem de O santo e a porca

Foto: Ivana Moura

O Santo e a Porca é uma das mais deliciosas comédias brasileiras, que ataca um dos pecados capitais, a avareza. Todo mundo é um pouquinho avarento, mas Euricão – “Engole Cobra” ou Eurico Árabe, o protagonista, passou de todos os limites e suas atitudes provocam o riso da plateia. A peça escrita por Ariano Suassuna em 1957 tem todas as qualidades de uma boa comédia, com uma trama com reviravoltas, tipos engraçados e questão de fundo filosófico da rivalidade do mundo material e espiritual. E apesar da quantidade de personagens e dos seus três atos, encontramos de vez em quando uma montagem num festival pelo país afora. No Janeiro de Grandes Espetáculos o Teatro Popular de Arte – TPA, de Petrolina, apresentou sua versão no Teatro Barreto Júnior, no último sábado (22).

A comédia de Ariano Suassuna é um clássico da dramaturgia brasileira e põe em confronto elementos do sagrado e do profano. O texto é inspirado na obra do escritor latino Plauto, composta antes do nascimento de Cristo, chamada Aululária. O nosso Suassuna traz o conflito para solo nordestino, e usa referências da literatura de cordel. Na peça, o velho sovina e ranzinza guarda, mas não desfruta de sua riqueza. E todos ao seu redor têm que amargar do mau-humor, das esquisitices e da economia que Euricão faz em casa, chegando ao cúmulo de só bancar uma refeição por dia para a família e agregados. Enquanto ele reza para Santo Antônio, sem acender uma vela para não gastar um tostão, pede proteção para sua porca, onde guarda o dinheiro.

Coroba, a empregada com cara de tonta, tem certo parentesco com Chicó, o amarelinho do Auto da Compadecida. Ela também usa da esperteza para tentar resgatar o dinheiro não pago durante anos pela exploração do patrão. O avarento tem uma filha Margarida. Ela será disputada por pai e filho (sem que um saiba da intenção do outro). Benona é a irmã solteirona de Euricão, que foi noiva de Eudoro, que por sua vez quer casar com Margarida. Dodó é filho de Eudoro e o “dono” do coração de Margarida. Pinhão é noivo de Coroba e tão esperto quanto ela, mas o povo só vai saber disso no final da peça.

 A montagem de Petrolina, apesar de não atropelar o texto, carrega nas tintas. A iluminação é chapada, com predominância do amarelão no primeiro ato, o que dá um efeito muito estranho às figuras. As perucas dos atores que interpretam Euricão e Benona são simplesmente ridículas. O figurino é pobre. O cenário interage pouco com as cenas. Mas o maior problema é o elenco e inadequação de alguns atores aos personagens. Eudoro e Dodó, interpretados respectivamente por Godoberto Reis e Severo Filho não têm peso para as personagens. O menino Dodó, com a boca troncha e sua corcunda não convence nem um pouco. Já o pai desse também faz uma performance ruim. No conjunto, o elenco é fraco. A atriz que interpreta Coroba, Francine Monteiro, soube tirar proveito de seu personagem, tem vivacidade. Domingos Soares, que faz o avarento Euricão, se prende ao clichê fácil. A direção também é de Domingos Soares e infelizmente não traz algo de intepretação particular desse grande texto.

Foto: Ivana Moura

Era a primeira vez que o grupo fazia uma apresentação no Recife. E eles estavam emocionados com isso. O público aplaudiu entusiasmado, e riu durante boa parte da apresentação, (inclusive eu) com sinceridade, mas é porque o texto é muito bom. Sabemos das dificuldades de fazer teatro em qualquer lugar do mundo. No interior talvez isso seja mais complicado. Mas às vezes para crescer é preciso ter os pés no chão e ter consciência das limitações. O grupo já tem mais de 20 anos de atividade e isso merece todo o nosso respeito. Mas o teatro exige, além da paixão demonstrada pelo grupo, disciplina, estudo, condicionamento.

E, além disso, mesmo que muitos grupos que montam O Santo e a porca não percebam, esse texto tem uma sofisticação interna na construção de seus tipos, nas significâncias que não podem ser resolvidas com macaqueamento das figuras. Isso pode provocar o riso, mas diz pouco.

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