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Política no sangue de um sapateiro

 

Mario Miranda (de camisa vermelha) interpreta Zumba

A Gloriosa Vida e o Triste Fim de Zumba sem dente é uma peça política. Sobre sonhos que valem pouco, homens que valem muito, e manobras descaradas para sufocar a liberdade. “Na tortura toda carne se trai”, diz uma velha canção entoada por Zé Ramalho. Se trai? Cada vez mais frágil essa contextura humana. Mas o nosso Zumba, ou melhor o Zumba recriado por Carlos Carvalho das letras de Hermilo Borba Filho é um ser fincado num passado, nem tão esplendoroso assim.

Essa encenação diminui a voltagem política da trama. O encenador exagera nas alegorias, dialoga com a farsa e permite aos atores improvisações criativas. A peça encerra temporada nesta última terça-feira de agosto, às 19h30, no Teatro Hermilo Borba Filho, que fica no Bairro do Recife, com entrada franca ao público.

Baseada no texto O Traidor, de Hermilo expõe as escolhas do sapateiro bolchevista, candidato a prefeito na cidade de Palmares e que foi sequestrado e morto. A montagem tem adaptação também de Carlos Carvalho, e direção musical de Juliano Holanda. No elenco estão Mario Miranda, Andrezza Alves, Flávio Renovatto e Daniel Barros.

É a segunda versão de Carvalho sobre esse texto de HBF. A primeira leitura, de 2000, era mais pesada. Do elenco anterior, apenas Andrezza Alves permanece. Mario Miranda defende o personagem título e quem conhece a trajetória sabe que o ator sempre dá um jeitinho de colocar uma pilhéria, um gracejo, um caco.

A democracia é naquele palco uma senhora que precisa ser defendida. Mas seus algozes são cruéis. A encenação busca a simplicidade para contar essa história e no talento dos atores. Passa seu recado, em um ou outro momento pode suscitar aquele sentimento de revolta na plateia, quando os direitos de gente humilde são espezinhados, quando a manipulação cega a possibilidade de discernimento.

Atores utilizam poucos objetos cênicos

Atores utilizam poucos objetos cênicos

Com o palco nu, a montagem utiliza vídeos – com desenhos ou depoimentos reais – mas não contextualiza uma época. Justapõe ocasiões de barbárie contra figuras que lutaram por um mundo mais justo. E é inevitável fazer conexões com o Brasil atual.

O tempo é embaralhado. A viúva de Zumba dá um depoimento após o sumiço do sapateiro. Passa para a casa do protagonista que ensina a prática do esquerdismo para dois jovens pupilos. Como numa câmara de zoom e planos abertos, a encenação trabalha com esses movimentos. Do público e do privado.

Zumba quer ser candidato a prefeito. E quando começa sua estruturação para isso, a repressão chega sob forma de delegado, de polícia. Essa opção pela alegoria atenua a complexidade da situação.

O diretor simplifica com a utilização de mamulengos. E enriquece com os passos do cavalo-marinho, a ciranda, o frevo.

São emblemáticas as cenas da prisão de Zumba e a inocência que é associada ao analfabetismo. Lembra o famoso poema Confissão de Cabôco, de Zé da Luz, que cometeu um desatino porque não sabia ler. É uma cena síntese do espetáculo.

Andrezza Alves e Daniel

Andrezza Alves e Daniel Barros

Carvalho experimenta as ideias Hermilo e as questões que são caras ao escritor pernambucano, como justiça e liberdade no teatro. Já ergueu as montagens Mucurana, o Peixe, a partir do conto O Peixe, com Azaias Rodrigues (Zaza) e O Palhaço Jurema e os Peixinhos Dourados, elaborado com base em O Palhaço, com Gilberto Brito como protagonista.

Serviço
A Gloriosa Vida e o Triste Fim de Zumba sem Dente
Quando: Nas terças-feiras de agosto, às 19h30
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho, Av. Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife
Quando: Grátis
Informações: (81) 3355-3318

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A luta de Zumba-Dentão

A Gloriosa Vida e o Triste Fim de Zumba sem dente tem entrada franca ao público

A Gloriosa Vida e o Triste Fim de Zumba sem dente tem entrada franca ao público

“Pertenço a uma cultura de resistência e justamente porque a liberdade e a dignidade do homem estão em crise é que utilizo a única arma que tenho – minha ficção, para combater a intolerância sob qualquer aspecto em que se apresente”. Enquanto houver injustiça neste mundo, as palavras de Hermilo Borba Filho cintilam feito faca afiada.

A Gloriosa Vida e o Triste Fim de Zumba sem Dente é uma dessas lâminas. O espetáculo está em cartaz às terças-feiras do mês de agosto, às 19h30, no teatro que leva o nome do escritor pernambucano, com entrada franca. Os ingressos para a encenação podem ser retirados na bilheteria do teatro, a partir das 18h.

Zumba é um personagem que aparece nas narrativas de Hermilo Borba Filho primeiro no conto A gravata, do livro O general está pintando. Vítima da repressão policial, com requintes de crueldade, ele carrega o sinal da tortura inclusive na alcunha de “Zumba-Dentão”. Chamado de bolchevista por anunciar mudanças ele é uma figura que atua como metáfora da resistência.

Baseada no texto O Traidor do escritor Hermilo Borba Filho, conta a história do sapateiro candidato a prefeito na cidade de Palmares e que aniquilado.

” Zumba-Dentão, assim chamado porque nas centenas de prisões por que passara arrancaram-lhe as unhas e todos os dentes menos o grandão da frente, jamais nada se provando porque coisa nenhuma existia, mas ele pagando por qualquer malfeito impune na cidade.”

A peça tem adaptação e direção de Carlos Carvalho. A direção musical, criada pelo instrumentista Juliano Holanda, é executada ao vivo durante a peça. No elenco estão Mario Miranda, Andrezza Alves, Flávio Renovatto e Daniel Barros.

Outra encenação de A Gloriosa Vida e o Triste Fim de Zumba-Sem-Dente, também com assinatura de Carlos Carvalho, foi erguida no início dos anos 2000. Contava com direção musical de André Freitas, que buscou inspiração no cavalo-marinho.

Na atual montagem, a tradição do teatro popular como o mamulengo, o cavalo-marinho, está conectada à temática da idealização de um mundo melhor, a luta pelo poder, a urgência da democracia durante o governo militar. E prossegue falando sobre as questões atuais.

Estudioso da obra de Hermilo, Carlos Carvalho já ergueu as montagens Mucurana, o Peixe, a partir do conto O Peixe, protagonizado por Azaias Rodrigues (Zaza) e O Palhaço Jurema e os Peixinhos Dourados, elaborado com base em O Palhaço, com Gilberto Brito no elenco.

Serviço
A Gloriosa Vida e o Triste Fim de Zumba sem Dente
Quando: Nas terças-feiras de agosto, às 19h30
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho, Av. Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife
Quanto: Grátis
Informações: (81) 3355-3318

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Os Três Porquinhos vão ao Barreto

Os Três Porquinhos. Foto: Pedro Portugal

Os Três Porquinhos. Foto: Pedro Portugal

A produção de Os Três Porquinhos, de Pedro Portugal e Paulo de Castro, é uma das mais longevas e resistentes do Recife. Ficou anos em cartaz no Teatro do Horto de Dois Irmãos. A estreia oficial da peça ocorreu há 24 anos, em 16 de maio de 1992, no antigo Teatro José Carlos Cavalcanti Borges, da Fundaj (agora só cinema da Fundação). A encenação já viajou para outros estados como Sergipe, Alagoas, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Maranhão, Piauí e Pará; além de quatro cidades portuguesas: Fafe, Valongo, Póvoa do Lanhoso e Ilha dos Açores. E agora faz mais uma curta temporada no Teatro Barreto Junior.

Os três porquinhos é um musical infantil que mostra as aventuras dos irmãos Prático, Cícero e Heitor que devem enfrentar um terrível e faminto Lobo Mau, mestre em disfarces. Versão de Joseph Jacobs da clássica fábula dos irmãos Grimm é adaptada por Reginaldo Silva e tem direção de Cleusson Vieira. Estão no elenco Com Cleusson Vieira, Mário Miranda e Sóstenes Vidal.

Com a presença desse predador, a floresta se torna um local perigoso. Os suínos buscam se proteger. Prático, o mais sensato do trio, constrói sua casa com tijolos e cimento. Já Cícero e Heitor, abraçados à preguiça, erguem suas casas de palha e madeira, respectivamente.

A encenação tem aquela moral da história, condenando a preguiça inimiga da segurança e defendendo a ideia de se pensar no futuro. Não deixa de ser uma simplificação. Mas mesmo assim, a montagem já sofreu, em 2013, com a anulação da temporada no Teatro Eva Herz, palco da Livraria Cultura na unidade do Shopping RioMar, no Pina. O quiproquó deveu-se às supostas reclamações do público quanto o conteúdo do espetáculo.

Em uma das cenas da peça, o Lobo, com trajes de professor, pede para a criança apagar a lousa com a mão. Um Porquinho questiona: “Cadê o apagador? ” O Lobo retruca: “É escola da prefeitura. Vai melhorar”. Outro momento é sobre a derrubada da casa, quando um deles diz que vai virar mais “um sem teto”. O outro responde: “vai para o movimento MPST, o Movimento dos Porquinhos Sem Teto, o governo vai gostar muito”. E outras piadas de improviso, que se referem à atual realidade. Que são as melhores tiradas.

SERVIÇO
Os Três Porquinhos
Quando: Sábado e domingo, às 16h30
Onde: Teatro Barreto Junior (Pina)

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Sotaque português não empolgou

O desejado – Rei D. Sebastião abriu o Janeiro de Grandes Espetáculos 2013. Foto: Pollyanna Diniz

Numa conversa com o ator Júnior Sampaio há alguns anos, lembro que ele me falava como são raros os momentos mágicos no teatro, aqueles realmente sublimes. E vivemos em busca deles. É o que faz a trupe teatral da montagem O desejado – Rei D. Sebastião: espera que algo incrível aconteça e o touro adormecido no palco, representando o rei, desperte. A peça, que tem texto, encenação, figurinos, cenografia e iluminação de Moncho Rodriguez, abriu ontem o 19º Janeiro de Grandes Espetáculos.

O espetáculo foi um projeto do produtor Paulo de Castro: cinco atores pernambucanos foram para Portugal ensaiar por três meses e lá estrearam a peça, antes de vir fazer a circulação por aqui. “É uma forma de ampliar mercado para os nossos atores”, sempre defendeu Paulo. É no mínimo um projeto ousado, por todos os custos envolvidos nisso.

As cenas são construídas de forma muito plástica em O desejado. Parecem quadros, fotografias, compostos perfeitamente por cenário, figurino, iluminação. Em alguns momentos lembrei de trabalhos de Gabriel Villela como Macbeth, que me parecem trilhar esse mesmo caminho.

Em cena estão Júnior Sampaio (que é pernambucano, mas vive em Portugal há muitos anos), Gilberto Brito, Rafael Amâncio, Júnior Aguiar, Mário Miranda e Márcio Fecher. De Portugal sobem ao palco, Pedro Giestas, Marta Carvalho, Eunice Correia e Catarina Rodriguez. É muito de Júnior Sampaio, que faz Nóe, a responsabilidade de ‘carregar’ a montagem; ele e Gilberto Brito, aliás, capturam realmente a atenção do público quando estão com o destaque.

Montagem tem a assinatura do encenador Moncho Rodriguez

Mas são o texto, o didatismo, a forte carga histórica e a falta de síntese que atrapalham a montagem. Até determinado momento aquela trama ainda consegue prender a nossa atenção – e o jogo de cena é interessante, a presença da música, artifícios como a utilização de bonecos, a descoberta de referências da nossa cultura no texto – mas isso definitivamente não se sustenta até o fim da montagem. Tanto é que muita gente saiu antes do fim na sessão no Santa Isabel. Porque a peça se torna chata mesmo…

É verdade que foi uma aposta ousada de Paulo de Castro, anunciada com um ano de antecedência, mas não foi acertada a escolha da montagem para abrir o festival. As pessoas não saíram do teatro surpresas, empolgadas, felizes…para uma maratona que, afinal, está só começando.

Cerimônia – Se a peça não ajudou, a cerimônia de abertura do Janeiro também não. As pessoas até entendem que é importante o blábláblá, mas ninguém merece ouvir tanta gente! Depois que os três produtores do Janeiro já tinham falado – Paulo de Castro, Paula de Renor e Carla Valença – Paulo ainda inventou de chamar ao palco Leda Alves (secretária de Cultura do Recife), Roberto Lessa (presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife) e Severino Pessoa (presidente da Fundarpe). E depois ainda teve Josias Albuquerque, do Sesc. Politicamente é importante, mas que é um saco…ah, isso é. Pelo contrário, emocionante e rápida foi a homenagem a Vital Santos, de Caruaru, que recebeu flores (da frisa em que estava mesmo) e foi aplaudido de pé pelo público que lotou o Santa Isabel.

Antes de ser apresentada aqui, peça estreou em Portugal

Programação desta quarta-feira (9):

O desejado – Rei D. Sebastião
Onde: Teatro de Santa Isabel, às 20h30
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)

O filho eterno (Cia Atores de Laura/RJ)
Quando: hoje e amanhã (10), às 19h, no Teatro Apolo
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)

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Magia luso-brasileira em castelo europeu

O elenco de O desejado - Rei D. Sebastião. Fotos: Rui Pitães/Divulgação

Estreou ontem, com direito a cenário de filme: um castelo e forte nevoeiro em Lanhoso, Portugal, a peça O desejado – Rei D. Sebastião. Com direção de Moncho Rodriguez, a montagem feita a partir de um intercâmbio entre Pernambuco e Portugal deve abrir o próximo Janeiro de Grandes Espetáculos. Agora, os atores cumprem uma temporada de mais 12 apresentações em terras lusas; aqui, a ideia é que o espetáculo seja encenado na capital pernambucana e também em Olinda, Caruaru, Arcoverde, Salgueiro e Petrolina.

Entrevistamos dois atores da montagem: Júnior Aguiar, que estava um pouco afastado dos palcos – a última montagem da qual ele participou foi Quase sólidos; e Júnior Sampaio, pernambucano que mora em Portugal há muitos anos e parceiro do blog.

ENTREVISTA // Júnior Aguiar

Qual o enredo do espetáculo?
O espetáculo conta a história de um grupo de comediantes-atores que procuram pelo Rei D. Sebastião – O Desejado, que desapareceu numa batalha na África. Eles procuram pelo invisível, pelo sonho de viver a liberdade e a poesia, querem o encantamento das coisas, querem a verdade que se manifesta pelo teatro! O espetáculo é uma celebração. É a história da História. Portugal precisava de um herdeiro porque estava prestes a perder o seu poder para a Espanha, por causa da proximidade da morte de D. João III, casado com Dona Catarina (da Espanha). Era necessária e urgente a vinda de um herdeiro! Do amor de seu filho João e Joana nasce D. Sebastião.

Como esse mito é transposto para o espetáculo?
O espetáculo faz um paralelo entre os tempos. A crise que agora desespera os portugueses e as velhas crises que sempre ameaçam a soberania, a disputa pelo poder, o sofrimento do povo, as ironias, os tempos que não mudam! Para nós, pernambucanos, existem alguns elementos importantes, como, por exemplo, saber das influências portuguesas na nossa origem. A questão do Mito sebastianista que se configura até hoje no Nordeste Brasileiro (Belmonte, Lençóis Maranhenses..). A história da Pedra do Reino. De uma certa forma, todo o pensamento de Ariano Suassuna. O contexto da criação em que o espetáculo se configura é muito interessante. É o ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal. Então se estabeleceu um intercâmbio cultural entre atores dos dois paises, uma parceria entre o Centro de Criatividade de Polvoa de Lanhoso (coordenado por Moncho Rodriguez) e a Apacepe. Estamos aqui por dois meses com passagens, hospedagem e alimentação pagos e recebemos uma ajuda de custo.

Como está sendo o trabalho com Moncho Rodriguez?
Moncho Rodrigues é o autor e o diretor da encenação. É o coordenador do centro de criatividade de Polvoa de Lanhoso. É fantástico viver essa experiência e desfrutar com dignidade de todo a estrutura oferecida. Temos salas de dramatuturgia, de figurinos, de adereços, de ensaios, teatros…. Trabalhamos das 14h até meia-noite, com intervalos para as refeições. Durante a manhã, descansamos ou estudamos os textos. Moncho é um homem de teatro que não se esquece. Sua voz atinge nosso coração e pode nos encantar ou pode provocar sentimentos os mais contraditórios. De repente um grito de alerta, uma indicação preciosa, uma pergunta esclarecedora, um abraço. Moncho é claro no que deseja: quer a verdade dos atores. Somente a verdade. Mas a verdade não é fácil, faz doer o corpo inteiro, faz a gente se arriscar até perdermos o controle. É preciso ir além do que se sabe, do que se pode, do que se imagina pretender. Moncho tem o olhar que parece fora do mundo, não quer perder tempo, nem energia em vão. Exige profunda dedicação e disponibilidade. Nenhum ator permanece o mesmo se aceitar as regras do jogo.

Júnior Aguiar e Rafael Amancio

Qual a importância desse intercâmbio?
É preciso viajar pelo mundo. Se o olhar não alcançar longe, se não for surpreendido pelas diferenças culturais, pelas maneiras distintas de ser, pelas possibilidades das histórias, ficamos limitados e corremos o risco de não transcender como seres humanos sensíveis, como atores profissionais com visão ampla e cosmopolita. Trocar é crescer. O grupo de atores portugueses é fantástico. Observamos sua disponibilidade, sua maneira de nos receber, de nos apresentar suas formas de trabalho e de procurar pelas personagens. Eles tambem irão ao Brasil sentir como somos no nosso ambiente, de como incorporamos nossas manifestações culturais. No fim, toda essa experiência se configura em amplo e sólido aprendizado.

Pode nos adiantar algo da montagem?
Abel e Caim abrem o espetáculo. São como João Grilo e Chicó. Espertos, oportunistas, sobreviventes. Abel é feito pelo reconhecido ator português Pedro Portugal. Caim pelo inspirado Márcio Fecher tocando pandeiro, gaita, zabumba. Depois é a vez do casal Cordeiro e Frívola, interpretados perfeitamente por Mário Miranda e Marta. É um casal de espectadores que representam a realidade e que interferem na apresentação do espetáculo. E o grupo de comediantes-atores comandados por Noé (Júnior Sampaio) e Aldonça. Eu interpreto Josué – O ministro Castanheira e Dom Henrique, o cardeal. Rafael Amâncio interpreta Jesus e Gilberto Brito os persoangens Rutílio e Tibia.

ENTREVISTA // JÚNIOR SAMPAIO

Júnior Sampaio e a portuguesa Eunice Correia em cena

Do que trata o espetáculo e qual a importância desse texto para o contexto pernambucano
Trata-se de uma releitura poética do Mito de D. SebastiãO. Uma companhia de cômicos/atores acredita que um dia, para salvar o seu povo, representaria com verdade o sonho do desejado, e com tanta verdade brincaria, que El – Rei, na cena, em pessoa, apareceria para ser a própria personagem. Eles sonham… por ser grande o desejo de num novo tempo de viver. Sendo o que são (atores), porém mais respeitados. A importância do texto para o contexto pernambucano se encontra na constante pesquisa que Moncho Rodriguez atua com o seu teatro: a fusão da cultura do nordeste brasileiro e a cultura ibérica. Os pontos em comum entre as duas culturas estão presentes no texto de forma clara e inequívoca. Uma viagem poética pelas influências ibéricas na cultura nordestina. O texto está recheado de referências culturais nordestinas: o bumba-meu-boi, a pedra do reino, o repente, o martelo… Cidades e regiões são citadas ao longo da peça.

Como tem sido a experiência com Moncho?
A minha experiência com Moncho, mais uma vez, é enriquecedora. Há 20 anos que não trabalhava com ele e é como se tivesse sido ontem. Moncho sabe o que quer para o seu teatro e isto provoca uma segurança compensadora para o ator. O seu rigor e a sua poética comprovam-me que o teatro é uma celebração, que o teatro é magia sagrada.

Qual a marca da direção dele nesse trabalho?
A marca e assinatura de Moncho estão presentes em todo o espetáculo. É um espetáculo de Moncho Rodriguez. Moncho dirigiu-me duas vezes em 1990 em Romance do Conquistador, de Lurdes Ramalho, e em 1992 em A Grande Serpente, de Racine Santos. O Desejado tem toda a poética teatral do Moncho. Costumo dizer, se é que isto interessa, que esta é a sua tese de doutoramento!Dois povos, nordestinos do Brasil e portugueses, em um único universo, e sem distinções. Um trabalho onde a magia de unir é o que importa.

Como é a sua personagem?
A minha personagem é Noé, um ator/comediante, dono da companhia, que acredita no teatro como uma arte de transformação. Apaixonado pela sua função, alucinado pelo palco. Noé é um sonhador… e o seu maior sonho é ver o Desejado através da sua arte. Pode-se dizer que é um D. Quixote, um Merlim. Acredita na arte, na palavra, na fé cênica, no teatro. Sonha com o teatro. Noé pode ser qualquer pessoa que sonha que através da arte podemos chegar ao Desejado…desejo de um mundo melhor. Será que Noé sou eu ou eu é que sou Noé? Já não sei! É esperar e viver o sonho do Desejado.

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