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Quaderna mostra truques do país dos conchavos
Crítica do espetáculo
As Conchambranças de Quaderna

 Jorge de Paula e Fábio Espósito em As Conchambranças de Quaderna. Foto: Ivana Moura

 Jorge de Paula e Guryva Portela. Foto: Ivana Moura

Jorge de Paula, Fábio Espósito, Henrique Stroeter e Guryva Portela.  Foto: Ivana Moura

Guryva Portela, Jorge de Paula, Henrique Stroeter, Fábio Espósito e Carlos Ataíde (no chão). Foto: Ivana Moura

O espetáculo As Conchambranças de Quaderna (1987), com texto de Ariano Suassuna (1927-2014), direção de Fernando Neves e realização da Beijo Produções Artísticas e Cia Vúrdon de Teatro Itinerante, se desenvolve em torno do peculato. Essa palavrinha vem do termo latino peculatus, cuja origem, por sua vez, vem de pecus — (gado) — que constituía a primitiva moeda para realização de compras e pagamento de multas. Peculato é a ação de subtrair ou desviar bem ou dinheiro por parte de funcionário público que deveria ser o guardião. Ouvimos a expressão com frequência nos noticiários. O sujeito se apropria de um bem que ele tem acesso em função do cargo que exerce. A partir desse abuso de confiança, o (mau) servidor comete o crime (Código Penal, artigo 312) e está prevista pena de 2 a 12 anos de prisão e multa.

O cômico em Ariano Suassuna funciona como mina explosiva. Abre caminho ao diálogo e escuta do público, na perspectiva do questionamento crítico e reflexivo. Com as armas do humor, da astúcia e da habilidade de resolver conflitos, o personagem mítico-poético Pedro Dinis Quaderna vence suas batalhas n’As Conchambranças de Quaderna.

A obra de Ariano Suassuna é composta por três atos: O Caso do Coletor Assassinado, Casamento com Cigano pelo Meio e A Caseira e a Catarina ou O Processo do Diabo. Teve apenas três montagens – no Recife (1987 e 2004) e no Rio de Janeiro (2011) – e foi publicada somente em 2018. N’As Conchambranças de Quaderna, Suassuna resgata Pedro Dinis Quaderna, personagem do seu Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta (1971).

O projeto As Conchambranças de Quaderna foi viabilizado, em 2019, através do ProAC de Produção e Temporada de Espetáculos Inéditos de Teatro – Programa de Ação Cultural, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. A encenação com os três atos poderia chegar a três horas de duração. A produção seguiu as recomendações das medidas sanitárias e do distanciamento social durante a pandemia do coronavírus, elegendo o primeiro ato da peça, O Caso do Coletor Assassinado, para a montagem, de cerca de uma hora.

Na peça, um “suposto” desfalque cometido pelo coletor de impostos da cidade gera uma crise política entre o Sertão do líder da oligarquia rural Dom Pedro Sebastião e o governo do estado da Paraíba. Dom Pedro Sebastião é Padrinho e protetor de Quaderna. Esse protagonista usa sua lábia, seu discurso para resolver contendas e fazer com que todos ganhem, principalmente ele mesmo.

As personagens são tipos e a encenação de Fernando Neves salienta as caricaturas na sua montagem em que os elementos do circo-teatro imprimem as diretrizes estéticas. Os papeis codificados, as peripécias, o trato popular no visual e a crítica social à política, à ganância, à hipocrisia, à xenofobia são tratados como andamento de uma partitura pelo diretor.

Neves confere à cena uma dinâmica lépida e fagueira, farta de marcações hilárias, efetuada com alegria pelo elenco. Em As Conchambranças de Quaderna os atores parecem se divertir, fazem folia com os próprios códigos.

 O músico Abuhl Júnior. Foto: Ivana Moura

Para garantir esse festim, o encenador conta com o músico Abuhl Júnior, ao vivo na bateria e percussão, que enriquece a ação dos atores na partitura e sonoridades incidentais.

O tempo e o ritmo com exatidão são valiosos para Neves, especialista em circo-teatro, estética que se dedica desde sempre com a família Santoro Neves ou há duas décadas, junto ao grupo Os Fofos Encenam.

No universo desse Sertão de Quaderna, as relações com quem exerce cargo de destaque são determinantes. O aspecto monetário e os elementos financeiros traduzem os pequenos embates de poder e sua sustentação.

Suassuna subverte hierarquias consagrando Imperador e Rei, Decifrador-armorial, Gênio da Raça, Monarca da Cultura Brasileira, Imperador do Reino do Sete-Estrelo do Escorpião e candidato a Gênio Máximo da Humanidade o “afilhado” de um importante coronel. O Padrinho é aconselhado por Quaderna na resolução de problemas políticos que precisam de estratégia, audácia, inteligência, rapidez, senso de conciliação. Quaderna, nesta encenação, saúda as manifestações de religiosidade afro-brasileiras, como as reverências em honra à Jurema, durante a apresentação.

Para desenvolver o espetáculo, o chão é festivo. A maquiagem é carregada, quase uma máscara. O ritmo das cenas é rápido. A dança nordestina está impregnada no corpo dos atores. Destaco o cavalo-marinho, um auto dos festejos natalinos. O folguedo possui 76 figuras nas categorias humana, fantástica e animais. Talvez venha daí qualquer coisa além de humana na postura das personagens.

Então, a dança do cavalo-marinho é bem ágil, enérgica, entusiasta, com um ritmo bem-marcado por um sapateado que sugere o galope dos cavalos. A sambada tem passos rasteiros intercalados de saltos, que se chama “bater mergulho”.

Nesse clima, o que os atores mostram vivamente é a confusão entre a natureza do que é público e privado. Se o território é brincante, a trilha sonora – assinada por Renata Rosa (cantora, compositora e rabequeira) e de Caçapa (arranjador, violeiro e compositor pernambucano) acentua, reforça o clima exultante do espetáculo.  

A criação visual do artista plástico Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano, é uma obra de arte excepcional por si mesma. Os telões do cenário estão carregados do Brasil real e profundo. Os criativos figurinos, inspirados na estética armorial e na cultura nordestina, são assinados por Carol Badra.

Jorge de Paula e Fábio Espósito. Foto: Ivana Moura

O ator Jorge de Paula, que interpreta o Quaderna, brilha em cena. Ele associa sutileza, gestualidade, carisma, fôlego com graça e humor. É bom na ironia e na desfaçatez. Uma construção forte, que transmite muita empatia ao público. Quem assistiu Um Amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, da recifense Trupe Ensaia Aqui e Acolá, sabe que o talento desse ator vem de longe.

Fábio Espósito tem uma atuação desconcertante como Evilásio Caldas. Sua experiência de palhaço, seu timing para comédia dão leveza à cena. Como um bom mágico, ele nos surpreende com as piadas, os silêncios e partitura corporal. Um brincante que contagia.

Guryva Portela faz Dom Pedro Sebastião e acentua as características do autoritarismo, machismo de forma bem exagerada na mira do grotesco para provocar o riso.

Carlos Ataíde como Seu Belo. Foto: Ivana Moura

Bruna Recchia, em primeiro plano, no papel da Presidente da Comissão de Inquérito. Foto: Ivana Moura

Os outros papéis são menores e cada um tem sua importância, concebidos na mesma linha do exagero, escolhida pela encenação. Henrique Stroeter faz o matador Joaquim brejeiro que trabalha basicamente com o gestual de segurar o rifle e amedrontar com a força bruta; Carlos Ataíde interpreta Seu Belo, funcionário do Cartório, medroso e engraçado e Bruna Recchia a Presidente da Comissão de Inquérito, que investe na maximização da caricatura da paulistana com seu olhar exótico sobre o nordestino, que pode tanto despertar o riso ou a irritação, depende do espírito do espectador.  

A trama reporta às farsas medievais, ancorada na astúcia da figura principal da peça e sua desenvoltura para solucionar as confusões. Na galeria de figuras de As Conchambranças de Quaderna não nos cabe julgamento moral. O crime de peculato, acobertado pelos personagens, traz junto com o riso prazeroso o alerta para que fiquemos atentos ao mundo real, ao Brasil que massacra seus artistas.

Essa crítica é necessária ao país que se sustenta em acordos e tramoias para se garantir no poder. De um país que vê passar a chamada de “PEC do Calote”, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que viabiliza o financiamento do Auxílio Brasil (programa que substitui o Bolsa Família), mas para isso abre espaço de R$ 91,6 bilhões no Orçamento de 2022 às custas do não pagamento das dívidas judiciais do governo. Entre outros probleminhas.

Do espetáculo As Conchambranças de Quaderna fica um gostinho de quero mais, já que esta montagem está circunscrita ao primeiro ato. Do Brasil da “PEC do Calote” precisamos estar atentos e fortes para a luta.

Jorge de Paula e Fábio Espósito. Foto: Ivana Moura

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Leituras e peças no Palco Virtual do Itaú Cultural

Maria Fernanda Cândido e Helena Ranaldi fazem leitura interpretada de texto de Samir Yazbek

Uma mulher arrisca um recomeço no Líbano, terra de seus ancestrais. Mas sua mãe morta demanda que ela volte ao Brasil. Essa é a síntese do texto de Samir Yazbek, Que os Mortos Enterrem os Seus Mortos. A peça ganha a primeira interpretação com as atrizes Helena Ranaldi e Maria Fernanda Cândido, dirigida por Marcelo Lazzaratto, na ação do Palco Virtual do Itaú Cultural apresentada via Zoom, que começa nesta segunda-feira, 7 de setembro.

O ciclo de leituras prossegue por todas as segundas-feiras de setembro. Na semana seguinte, dia 14, é a vez de Enquanto Chovia, uma releitura de Romeu e Julieta, que se reencontram depois de 40 anos. Textos de novos dramaturgos que participaram das duas turmas do curso EAD Dramaturgia Negra – A Palavra Viva, realizado pelo Itaú Cultural, ocupam as duas últimas semanas.

Maria Fernanda Cândido, 46, e Helena Ranaldi, 54, interpretam Mãe e filha na peça Que os Mortos Enterrem os Seus Mortos. Na real, esse enquadramento familiar só seria possível na ficção pela proximidade geracional das duas atrizes. Mas a proposta é exatamente essa, subverter hierarquia, criar uma horizontalidade. A mãe parou o tempo na idade em que morreu e elas se identificam com dilemas parecidos.

Yazbek de origem libanesa já havia investido na temática da ascendência em 2010, com As Folhas do Cedro, peça que lhe rendeu o prêmio APCA de Melhor Autor daquele ano. Em Que os mortos enterrem os seus mortos a tensão desliza entre modernidade e tradição e traça uma jornada da filha para sacar o seu pertencimento, o seu lugar no mundo..

A peça faz deslocamento espaço-temporal, do Brasil e do Líbano e com isso fotografa  momentos tão diferentes e seus estados emocionais, uma decadência lá e cá, e as grandes preocupações com o futuro e com os sonhos da população.

Uma mulher libanesa migra para o Brasil. Constitui família. Ela morre. Sua filha, anos depois tenta encontrar suas raízes nas terras de sua mãe, pois o Brasil não está para brincadeira e qualquer criatura que preze a democracia está contrariada com os destinos do país, nas mãos de gente tão ruim.

A filha tenta se radicar no Líbano. Na visita súbita e sobrenatural, sua mãe morta solicita que ela volte ao Brasil, e que possa fazer algo por esse gigante país nesse momentos em que ele vem sendo atacado em todas as frentes.

Sabemos que o cenário com explosões de ódio no Brasil ganhou novos contornos com a pandemia, mas se todos os guerreiros desistiram, como fica?

Dramaturga Nina Ximenes, autora de  Enquanto Chovia. Foto Reprodução do Facebook

A dramaturgia de Nina Ximenes escolheu um tom mais divertido para o reencontro de Romeu e Julieta contemporâneos numa sala de prática de yoga. Na peça Enquanto Chovia – com leitura dos atores Paulo Goulart Filho e Camilo Bevilacqua e das atrizes Bruna Ximenes e Eliana Guttman -, o fabuloso casal de Shakespeare fica preso na sala de exercício devido a uma chuva torrencial.

Um clima propício para rememorar o passado, o tempo de comunhão e as razões que levaram ao afastamento. Como o terreno está repleto de curvas tortuosas alguns segredos geram colisões, freadas bruscas, paradas e macha-ré. Faltaram diálogo, cumplicidade, valorização do outro. Sobraram arrogância, egoísmo e uma visão diminuta da situação conflituosa.

Espetáculo Só, com os atores da primeira formação de Os Fofos Encenam. foto: Agência Ophélia

Às terças-feiras do Palco Virtual tem espetáculos adaptados ou já criados para o ambiente online, começando pela estreia de , montada pelos atores da primeira formação de Os Fofos Encenam e apresentada ao vivo nos dias 8 e 15.

Inspirada pela situação de isolamento social, a peça reúne Alex Gruli, Fernando Neves, José Roberto Jardim e Kátia Daher. Eles fazem parte de uma mesma família. Uma parenta está no hospital por um fio, mantida viva por aparelhos.

No encontro virtual eles acompanham a retirada dos equipamentos. O texto de Alex Gruli traça essa separação e apenas uma figura do clã está no ambiente hospitalar presencialmente, atenta aos procedimentos. É através do virtual que os outros podem participar dos rituais de despedida, com direito a relembrar histórias da hospitalizada.

As memórias da tortura no Chile durante a ditadura são discutidas na peça Villa. Foto: Leekyung Kim

O espetáculo Villa, do dramaturgo chileno Guillermo Calderón dirigido por Diego Moschkovich, que estreou em 2018, faz sessões às terças-feiras, dias 22 e 29 de setembro, agora reencenado em versão online.

Durante a ditadura do general Augusto Pinochet, entre 1973 e 1990, a Villa Grimaldi foi utilizada para interrogatórios e prisões na periferia de Santiago. O destino desse lugar, principal centro de tortura daquele período no Chile, é discutido por três mulheres.

Elas debatem o que fazer com a Villa Grimaldi. Como elucidar o horror do passado sem cair em uma produção de parque temático ou na fria reprodução de um museu de arte contemporânea? É uma questão delicada frente a novas configurações de direitos humanos e da memória da violência.

Na peça Villa – com elenco formado por Flávia Strongolli, Rita Pisano e Angela Ribeiro – as sequelas das brutalidades dificilmente serão apaziguadas pelo tempo.

Felpo Filva, com Marat Descartes e a atriz Gisele Calazans. Foto Georgia Branco

Para as crianças

As atividades para as crianças da programação do Palco Virtual ocorrem ao vivo aos sábados e domingos, às 15h. A primeira montagem online da peça Felpo Filva será exibida dias 12, 13, 19 e 20 de setembro.

Trata-se da história de um coelho poeta solitário. O bichinho escreve bonito, mas são temas tristes. Em certo lugar do universo, alguém quer provocar uma mudança nessa melancolia e envia um envelope lilás, amarrado com fita de cetim, que promete dar uma guinada na vida do animalzinho.

É uma adaptação do dramaturgo e diretor Marcelo Romagnoli para o livro homônimo da escritora Eva Furnari.

O ator Marat Descartes e a atriz Gisele Calazans, sob direção de Claudia Missura, passeiam por vários gêneros textuais – poema, fábula, carta, bula, receita e até autobiografia – para dar leveza, ludicidade nessa celebração de descobertas.

No último final de semana do mês, dias 26 e 27, a atração fica por conta da Caravana Tapioca com Cavaco e Sua Pulga.

 

PROGRAMAÇÃO:

De 7 a 20 de setembro

Ciclos de Leituras

7 de setembro (segunda-feira), às 20h
Classificação indicativa: 14 anos
Local: via plataforma Sympla/Zoom
Capacidade 270 lugares
Evento acessível em libras
Gratuito

Que os Mortos Enterrem os Seus Mortos
Duração: 60 minutos (leitura seguida de bate-papo)
Classificação indicativa: 14 anos
Onde: via plataforma Sympla/Zoom
Capacidade 270 lugares
Ficha Técnica:
Texto: Samir Yazbek
Direção: Marcelo Lazzaratto
Elenco: Helena Ranaldi e Maria Fernanda Cândido

14 de setembro (segunda-feira), às 20h
Enquanto chovia
Duração: 60 minutos
Classificação Indicativa: 12 anos
Onde: via plataforma Sympla/Zoom
Capacidade: 270 lugares
Ficha Técnica:
Dramaturgia: Nina Ximenes
Elenco: Bruna Ximenes, Camilo Bevilacqua, Eliana Guttman e Paulo Goulart Filho

Espetáculos

Para adultos: 8 e 15 de setembro (terças-feiras), às 20h


Duração: 50 minutos
Classificação indicativa: 14 anos
Onde: via plataforma Sympla/Zoom
Capacidade 270 lugares
Ficha Técnica:
Texto e direção: Alex Gruli
Elenco: Alex Gruli, Fernando Neves, José Roberto Jardim e Kátia Daher

Para crianças: 12, 13, 19 e 20 de setembro (sábados e domingos), 15h

Felpo Filva
Duração: 45 minutos
Classificação Indicativa: Livre
Onde: via plataforma Sympla/Zoom
Capacidade: 270 lugares
Ficha Técnica:
Autora do livro homônimo: Eva Furnari
Adaptação: Marcelo Romagnoli
Direção: Claudia Missura
Elenco: Marat Descartes e Gisele Calazans
Música: Tata Fernandes
Cenografia: Marco Lima
Iluminação: Marisa Bentivegna
Figurino: Fábio Namatame
Animações: Marcos Faria

SERVIÇO:
Palco Virtual – Cênicas
Ciclo de Leituras – Segundas-feiras, às 20h
Espetáculos para adultos – Terças-feiras, às 20h
Espetáculos para crianças – Sábados e domingos, às 15h

Reservas de ingressos online:
A partir de 26 de agosto (quarta-feira), às 12h, para as apresentações:
Ciclo de Leituras – Que os Mortos Enterrem os Seus Mortos (7 de setembro)
Ciclo de Leituras – Enquanto chovia (14 de setembro)
Espetáculo / adultos – Só (8 e 15 de setembro)
Espetáculo / crianças – Felpo Filva (12 e 13 de setembro)

A partir de 9 de setembro (quarta-feira), às 12h, para as apresentações:
Espetáculo / crianças – Felpo Filva (19 e 20 de setembro)
Ciclo de Leituras – Dramaturgia Negra: A Palavra Viva (21 de setembro)
Espetáculo / adultos – Villa (22 de setembro)

A partir de 16 de setembro (quarta-feira), às 12h, para as apresentações:
Espetáculo / crianças – Cavaco e sua Pulga (26 e 27 de setembro)
Ciclo de Leituras – Dramaturgia Negra: A Palavra Viva (28 de setembro)
Espetáculo / adultos – Villa (29 de setembro)

Confira no site do Itaú Cultural (www.itaucultural.org.br) o passo a passo para reservar o ingresso e acessar o espetáculo.

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Santos Fofos*

* POR TAY LOPEZ

Terra de Santo, novo espetáculo dos Fofos Encenam, estreia hoje no Sesc Belenzinho. Foto: João Caldas

A querida Yolanda Pollyanna Diniz me deu uma tarefa: escrever algo sobre a estreia do espetáculo Terra de Santo aqui em São Paulo. A primeira resposta foi negativa, pois não sou jornalista, não sou crítico e tenho um afeto muito grande pelos integrantes do grupo Os Fofos Encenam. Portanto, não gostaria de ser leviano com artistas que tanto admiro. Resultado: assisti ao espetáculo, e cá estou eu escrevendo algumas singelas palavras a respeito das emoções que a peça me provocou.

“Nos teus olhos eu vi o mundo inteiro Jesuíno.” É através desta frase que noto estar completamente mergulhado nas palavras de Newton Moreno e percebo-me num local onde só a arte é capaz de nos colocar. Aquele espaço de encantamento e poesia onde nos encontramos com nós mesmos. Logo no começo do espetáculo, somos convidados a entrar no alojamento de um grupo de cortadores de cana e, aos poucos, vamos percebendo o entorno: um radinho sintonizado numa transmissora local, mesas, uma pequena cozinha, um telefone público, um beliche, um grande telhado sobre nossas cabeças e objetos pessoais dispostos como num set de cinema, onde os personagens vão surgindo e fazendo valer toda aquela cenografia detalhista.

O público continua apenas como observador e assim vamos acompanhando a história contada como se estivéssemos mortos num espaço cheio de vida pulsante. Sinto-me assim, pois não existe uma relação direta de interação. Apesar de estarmos muito próximos dos atores, somos invisíveis.

A personagem responsável por nos colocar em contato com um fio de história, que começa a fisgar o espectador através de um anzol bastante carismático é Mariene (Kátia Daher). Com um humor sutil de figuras populares que habitam o universo dos canaviais nos envolvemos no enredo.

Dramaturgia é de Newton Moreno

De acordo com a sinopse, um grupo de mulheres ocupa terras de uma usina canavieira, alegando que é uma propriedade dada em cartório a um santo, espaço sagrado, onde rituais são realizados. A essas terras destinadas à cana elas nomeiam como ‘terra de santo’. As máquinas aproximam-se, mas elas, guardiães do lugar, não deixam as terras. Esse é o eixo principal da peça, e a partir dele se dá uma viagem poética e uma conversa com ‘mortos da sociedade da cana’, outras famílias e etnias e suas histórias de resistência ou rompimentos com espaços sagrados, tradições e fé.

Atravessamos uma porta e vamos para um “quintal”, onde a partir de agora, não me sinto mais como um morto que passa desapercebido. Somos olhados diretamente nos olhos e nos sentimos cheios de bençãos pelas figuras que nos recebem na cena. São quatro Santeiras (Carol Brada, Cris Rocha, Erica Montanheiro e Simone Evaristo). Pegam em nossas mãos e nos conduzem para a acomodação em torno do tablado que se apresenta em nossa frente. A Terra de Santo. Fica para trás a ambiência de um espaço coloquial e agora nos encontramos num cenário com cheiros, cânticos místicos, penumbras e luz de velas, típicas de um templo sagrado. Nesse templo, as Santeiras vão, ora representando, ora incorporando, ora apenas nos apresentando a história de seus antepassados a partir dos mortos que fazem, solenemente, ressurgir no espaço. Um passeio, através dos séculos, pela brasilidade que hoje conhecemos, apresentadas como um panorama sacro/social das histórias contadas por índios, judeus, cristãos e negros. História que nos chega aos olhos pela bela proposição de encenação dos diretores Newton Moreno e Fernando Neves.

São essas mães, as Santeiras, responsáveis por nos nos colocar diretamente em contato com nossa própria ancestralidade, formação social, econômica e religiosa. Um espetacular retrato histórico e filosófico do Brasil muito bem alinhavado por um dramaturgo que dispensa elogios. Surgem então metáforas que nos obrigam a ver o mundo através de nossos próprios olhos e que também nos fazem percorrer os labirintos de nosso pensamento em forma de sinapses constantes que trazem à tona as nossas memórias pessoais e despertam um confronto direto com o que hoje chamamos de homem contemporâneo.

Se me percebo um morto invisível no primeiro movimento do espetáculo, me percebo um morto com voz no segundo e ao blackout final resta a pergunta: onde está a minha terra sagrada e o que fazer para que ela não seja destruída? Sim. As reflexões políticas propostas pelo poético espetáculo do grupo de teatro Os Fofos Encenam me põem em contato com algo mais amplo do que a contemplação de uma trajetória épica/trágica de um personagem em busca de sua completude. Terra de Santo nos provoca um dilatar da pupila.

Um elenco, sem dúvidas talentoso, nos presenteia com uma obra que transcende o ato teatral. A pesquisa e processo colaborativo deste grupo inquieto de artistas é bastante perceptível, dando extrema propriedade à toda equipe a respeito daquilo que está sendo dito no sagrado espaço do fazer teatral. Se em Assombrações do Recife Velho, me sinto como uma criança perante o medo das almas que nos assombram e em Memória da Cana, num diálogo bastante intenso com o Pai; em Terra de Santo, me vejo tendo uma sincera e silenciosa conversa com a grande Mãe que nos gerou. Colocando-me num embate direto com a maturidade e com o reconhecimento de uma fertilidade espiritual que nos habita e nos faz caminhar. Colocando-me frente aquilo que nos constrói ou nos destrói.

* texto do ator Tay Lopez. Ele viu ontem uma apresentação só para convidados da peça Terra de santo, do grupo Os fofos encenam. A montagem entra em cartaz hoje, no Sesc Belenzinho.

Serviço:
Terra de santo, da Cia Os Fofos Encenam
Quando: hoje, às 19h. Amanhã (14), às 16h30.
Temporada: terças e quartas-feiras, às 20h30. Sábados, às 21h. Domingos, às 17h. (Exceto dia 28/10 – Unidade fechada ) até 11/11.
Onde: Sesc Belenzinho, São Paulo
Quanto: R$ 24 e R$ 12

Montagem fica em cartaz no Sesc Belenzinho até novembro

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