Medusa contra o Feminicídio

Fabiana Pirro em Medusa. Foto Renato Filho

Em todo o mundo houve aumento de violência doméstica desde o início das medidas de isolamento social provocados pelo novo coronavírus. No Brasil, os números são alarmantes. Por dia, em 2020, pelo menos cinco mulheres foram assassinadas ou vítimas de violência, segundo dados da Rede de Observatório da Segurança. Os casos de feminicídio (quando as vítimas foram mortas por serem mulheres) aumentaram 2,2% em relação ao ano anterior.

A atriz Fabiana Pirro entra em cena a performance #MedusaMusaMulher

Porque somos constantemente assediadas, boicotadas, erotizadas, exploradas, mutiladas, desumanizadas, silenciadas, invisibilizadas, traficadas, estupradas e assassinadas— por homens. Ela diz basta!

Porque é uma injustiça culpabilizar a vítima em caso de estupro. Isso produz raiva e revolta, sentimentos que são combustíveis para a luta. Ela reage.

Porque a mulher não pode ser incriminada por ser bonita, desejável, por não corresponder às cobiças, por não se deixar enquadrar como objeto, pelo fato de ser mulher. Ela quer cura.

A artista levanta sua voz, avança com seu corpo para apontar os horrores e usa sua potência interpretativa para combater a violência de gênero. Pirro assume de forma furiosa uma posição de combate, pelo resgate da beleza, da força e da esperança.

#MedusaMusaMulher, é a versão escrita por Cida Pedrosa e dirigida por Breno Fittipaldi, que vem sacudindo as mentes e corações no protesto contra o feminicídio e todas as violações da integridade das mulheres.  

A apresentação online de #MedusaMusaMulher tem o apoio da Lei Aldir Blanc de Pernambuco. A programação começa nesta segunda-feira (8 de Março) com o debate Medusa Agora. Do Mito À Mulher e se estende até 15 de Março, com a performance ao vivo pelo Instagram e Facebook @fabianapirro. As exibições são gratuitas.

O debate vai abordar o dia a dia do enfrentamento ao Feminicídio em Pernambuco, numa conversa entre a atriz Fabiana Pirro, o diretor Breno Fitipaldi e a promotora de Justiça, Henriqueta de Belli, que projetam a tragédia da Medusa para os dias atuais. A mediação é da jornalista Ana Nogueira.

Peça é baseada no mito grego. Foto Renato Filho

A concepção de #MedusaMusaMulher tem como base o mito grego de Medusa, que narra que a sacerdotisa foi castigada por um crime que não cometeu. Por ser um mito, há várias versões. Em essência, os deuses gregos estavam embutidos de suas características divinas, mas pareciam com os humanos em desejos, defeitos e virtudes; tudo maximizado, sem limites.

Medusa, sacerdotisa do tempo da deusa Atena, cidade grega de Hélade, era cobiçada por muitos. Ela despertou o desejo de Posseidon, o deus dos mares. Medusa o recusou. Posseidon não admitiu a rejeição. Invadiu o templo, quando Medusa estava sozinha, e a estuprou. 

Em cólera com a profanação de seu templo, Atena decidiu punir o culpado por tal injúria: Medusa. Parece quem tem alguma coisa errada aqui, não? Pois bem, a sacerdotisa foi culpabilizada por ter sido estuprada. Atena arrancou de Medusa toda a beleza e seus cabelos viraram um ninho de serpentes e ela foi condenada a rastejar. E quem a encarasse diretamente nos olhos seria subitamente petrificado. Medusa foi transfigurada em uma criatura monstruosa chamada Górgona. Em seu fim, Medusa teve sua cabeça decepada por um semideus, Perseu, filho de Zeus.

Medusa que se tornou o avatar perfeito na luta contra a violência sofrida pelas mulheres, seja física, sexual ou psicológico. #MedusaMusaMulher é uma batalha constante pelo humano e sua humanidade.

Fabiana Pirro apresenta #MedusaMusaMulher desde 2018. Foto Renato Filho / Divulgação

A estreia de #MedusaMusaMulher ocorreu em setembro de 2018 na programação do Festival Transborda do SESC Pernambuco, numa exibição a bordo do catamarã sobre as águas do rio Capibaribe. Seguiram-se apresentações na Mostra de Música Leão do Norte, do SESC Arcoverde, no I Festival Chama Violeta, na Ingazeira, ambos no Sertão pernambucano, e no Festival Ojuobá de Esporte e Cultura, em Icaraizinho de Amontada, no litoral do Ceará.

Em 2019, a performance percorreu vários palcos e eventos, levantando o debate sobre o feminicídio, destaque para a apresentação em comemoração aos 13 anos da Lei Maria da Pena, a convite da Comissão da Mulher Advogada (CMA) da OAB Pernambuco. Desde o início da pandemia, tem realizado apresentações on line, como no Festival Ocupa Maravilhas e na Mostra Marcos Freitas – Território das Artes, do SESC Garanhuns.

FICHA TÉCNICA
#MedusaMusaMulher
Direção e criação: Breno Fittipaldi
Performance e concepção: Fabiana Pirro
Texto: Cida Pedrosa
Trilha sonora: Cannibal Santos e Pierre Leite
Figurino: Eduardo Ferreira
Adereços: Maria Teresa Pontes (@terafeitoamao)
Sandália: Jailson Marcos
Maquiagem: Henrique Mello
Fotos: Renato Filho
Produção: Ellyne Peixoto e Fabiana Pirro
Assessoria de Imprensa: Ana Nogueira

SERVIÇO
8 de MARÇO (segunda-feira): MEDUSA AGORA. DO MITO À MULHER – debate com a
promotora de Justiça, Henriqueta de Belli, às 17h
15 de MARÇO (segunda-feira): apresentação da performance #MedusaMusaMulher, às
17h
Onde: INSTAGRAM e FACEBOOK @fabianapirro

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Antônio Abujamra, o eterno provocador

Antônio Abujamra é festejado com debates, show, espetáculo e leitura no Itaú Cultural

Ator e diretor paulista Antônio Abujamra (1932-2015) deixou marcas de irreverência nos palcos e nas telas; na história do teatro brasileiro. O Itaú Cultural inicia suas atividades cênicas de 2021 com uma homenagem a esse homem do teatro com Antônio Abujamra – A Voz do Provocador. A programação online ocorre de 18 a 21 e de 25 a 28 de fevereiro, de quinta-feira a domingo, com conversas, encenações inéditas e música. O legado de Abujamra é celebrado no ano em que se comemora três décadas de fundação da Cia Os Fodidos Privilegiados, criada pelo ator e diretor no Rio de Janeiro.

Abu, de Cabo a Rabo é a mesa que abre a programação – no dia 18 (quinta-feira), às 20h, e conta com a participação do crítico teatral e professor Edélcio Mostaço para distinguir a trajetória desse artista influenciado pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956), de inteligência brilhante, sensível, de humor ácido e que não renunciava à autoironia. A conversa será mediada pela diretora, roteirista e produtora de teatro e eventos Márcia Abujamra, sobrinha do ator, que idealizou essa mostra junto com o Itaú Cultural.

Cia Os Fodidos Privilegiados – Exorbitâncias e O Casamento, a Renovação do grupo é o tema da segunda mesa (sexta-feira, 19, também às 20h), com as atrizes Filomena Mancuzzo, Guta Stresser e Paula Sandroni, e o diretor João Fonseca. Eles apresentam histórias e gravação de cenas de espetáculos.

Fundada em 1991, no Rio de Janeiro, a Cia Os Fodidos Privilegiados montou três peças naquele ano: Um Certo Hamlet, A Serpente e Phaedra. Em 1995, juntou 60 atores em cena no espetáculo Exorbitâncias. Em 1997, o grupo estreou O Casamento, de Nelson Rodrigues.

O Casamento, montagem de 1997. Foto Chico Lima / Divulgação

Coroa para o povo

O Veneno do Teatro, espetáculo criado Antônio Abujamra e interpretado por ele por mais de 10 anos, ganha nova versão, interpretado pelo ator Elias Andreato e com roteiro e direção de Marcia Abujamra, nos dias 20 e 21 (sábado e domingo), às 20h. A encenação junta trechos de histórias biográficas da encenação original com trecho de vídeos de espetáculos que Abujamra dirigiu e depoimentos de arquivo de alguns artistas, a exemplo de Antunes Filho, Alcides Nogueira e Felipe Hirsch.

Crítico teatral e professor Edélcio Mostaço e diretor e dramaturgo Sérgio de Carvalho. Fotos: Reprodução do Facebook

A mesa Antônio Abujamra e o teatro épico no Brasil ocorre na quinta-feira, dia 25, às 20h, conduzida pelo dramaturgo e encenador Sérgio de Carvalho, fundador da Companhia do Latão. Carvalho vai focar na importância do trabalho de Antônio Abujamra em diálogo com o movimento de renovação da cena brasileira.

A leitura online de Um outro Hamlet, com companhia Os Fodidos Privilegiados, avança para a montagem do espetáculo Hamleto – que o grupo prepara para 2021, para celebrar seus 30 anos de fundação – dá prosseguimento ao programa Antônio Abujamra – A Voz do Provocador, na sexta-feira e no sábado, dias 26 e 27, às 20h.

Com direção de João Fonseca e de Johayne Ildefonso, Hamleto se baseia no texto escrito em 1972 pelo italiano Giovanni Testori (1923-1993), com adaptação de Antônio Abujamra, que dá novos rumos à história de Hamlet, de Shakespeare, com ingredientes políticos e de deboche. Sugere uma relação homossexual entre Hamlet e Horácio, e permite que o protagonista ceda as riquezas da coroa para o povo no ato de sua morte.

O Teatro Dissonante de Antônio Abujamra: A Temporada Carioca é o título do último debate, no sábado, 27, às 17h, com participação do professor André Dias.

No domingo, 28, às 20h, o encerramento da programação Antônio Abujamra – A Voz do Provocador é com o show online Abujamra Presente, com o músico André Abujamra, filho caçula do diretor. Cantor, compositor, guitarrista, percussionista, pianista, produtor musical com mais de 70 trilhas feitas para cinema, onde também tem trabalhos como ator e diretor, André Abujamra apresenta um repertório sacado de seus quatro discos – Mafaro, Homem Bruxa, Omindá e Emidoinã.

Antônio Abujamra – A Voz do Provocador acontece pela plataforma Zoom e os ingressos podem ser reservados via Sympla. Informações pelo site www.itaucultural.org.br.

Serviço:

Antônio Abujamra, a Voz do Provocador
Quando: De 18 a 21 e de 25 a 28 de fevereiro (quinta-feira a domingo)
Onde: No site do Itaú Cultural: www.itaucultural.org.br  

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Festival de acervo, reconstrução de teias
Uma avaliação do 27º Janeiro de Grandes Espetáculos

Espetáculo Depois do fim do mundo, no Teatro de Santa Isabel. Foto: Arnaldo Sete

Teatro de Isabel tem capacidade para 570 lugares, mas só está recebendo até 140. Foto: Arnaldo Sete

Podia ser o carro do ovo anunciando promoção nas ruas do bairro. Não! Era Romildo Moreira divulgando a primeira edição do Janeiro de Grandes Espetáculos. Em 1995, apesar de já contar com propaganda na televisão, o projeto – que ainda não era chamado de festival – criado pela Prefeitura do Recife, tinha como um dos objetivos popularizar o teatro e a dança. “Não lembro exatamente quanto era o ingresso, mas era muito mais barato do que cinema. Saíamos no carro de som, dizendo ‘se você não conhece o Teatro de Santa Isabel, chegou a hora’. Íamos nos pontos de ônibus, no Centro, no Derby, na Encruzilhada, em Água Fria, em Afogados”, relembra Moreira, hoje diretor do Teatro de Santa Isabel.

Corta para 2021, 27ª edição do festival, que desde 1998 passou a ser realizado pela Apacepe (Associação de Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco) e se tornou uma das principais mostras do estado. Pandemia de coronavírus, teatros fechados ou vazios durante meses, grupos e artistas enfrentando crises em diversos âmbitos. Durante 22 dias, 48 espetáculos participaram da programação do JGE Conecta, sendo 35 deles on-line e o restante apresentados presencialmente, nos teatros do Recife.

Para um festival que sempre teve no público – e na bilheteria – um dos seus esteios, uma programação no meio de uma pandemia foi um desafio. No Teatro de Santa Isabel, por exemplo, a ocupação normal é de 570 lugares. Com as restrições, apenas 140 espectadores podem ser recebidos.

E, como estamos desde março de 2020 vivendo a realidade das restrições da pandemia, passada a euforia das primeiras experiências de teatro on-line e de quase um ano de sessões realizadas quase que exclusivamente pelas plataformas digitais, há uma sensação de cansaço das telas. Não que o formato esteja com os dias contados, que não seja teatro, que não tenha a mesma importância, que não tenha público. Nada disso! Mas a impressão, por exemplo, é de que os grupos têm muito mais dificuldade de “lotar” suas plateias virtuais do que há alguns meses, um movimento semelhante ao que aconteceu com as lives, retomadas agora no carnaval.

Ainda assim, para quem está resistindo, cumprindo as medidas de isolamento social, interagir numa comunidade, mesmo que virtualmente, faz muita diferença. Tanto é que continuamos acompanhando um movimento de conversas e debates pós-espetáculos bastante interessante. Temos visto um interesse genuíno dos espectadores de dialogar sobre o que viram, de partilhar a recepção. A experiência de estar junto a outras pessoas, no mesmo momento, assistindo ao espetáculo, é diferente de ver algo sozinho no YouTube.

Num dos frames de divulgação do festival, antes de cada espetáculo on-line, o público lia: “Esperamos que aprecie, esteja sozinho ou junto de quem você gosta”. Mas o festival perdeu a oportunidade de promover a construção dessa comunidade de maneira efetiva. Cada espectador estava por si, não houve interação, não sabíamos quantas pessoas estavam assistindo ao mesmo tempo e o espectador tinha, inclusive, a facilidade (entendemos que, nessas circunstâncias, era uma facilidade) de abrir o link no horário informado, mas de assistir algumas horas depois, enquanto o vídeo não expirasse.

Houve uma série de conversas ao vivo, geralmente pela manhã, chamadas de Palavração. Foi um conteúdo importante, significativo, onde havia essa dimensão de comunidade. Mas essa programação não foi divulgada com a mesma antecedência dos espetáculos. A crítica – que, durante anos, foi parte muito importante do festival – também não teve espaço nos debates.

Mesmo com o Palavração, quando pensamos que um dos trunfos do Janeiro é justamente a capacidade de agregar as pessoas, que vão ao teatro para ver os espetáculos, mas também para se encontrar, para estarem juntas, parece haver um descompasso entre os princípios do digital e do presencial, para além da materialidade propriamente dita. Nem sempre vamos ao teatro durante o Janeiro de Grandes Espetáculos especificamente pela peça. O encontro faz parte desse contexto.

No mesmo sentido, a experiência da feitura ao vivo também é completamente diferente de ver um espetáculo pré-gravado. Acompanhar uma montagem sendo levantada em tempo real, ver que os atores assumiram os riscos, a experimentação da linguagem. Se “teatro é ao vivo”, como gosta de repetir Paulo de Castro, diretor geral do festival, não foi isso que aconteceu no digital. Essa foi a principal fragilidade do JGE Conecta. O festival optou por uma edição de arquivo – praticamente todos os grupos participaram da programação com gravações de espetáculos de seus acervos.

Não ignoramos que essa opção pode ter sido feita principalmente por questões técnicas, pelas ausências de garantia de conexão, de capacidade estrutural dos grupos de realizarem seus experimentos. As dificuldades são motivos justos.

Mas, como um dos resultados, tematicamente, foi um festival que, com algumas exceções, pouco discutiu nos seus espetáculos a realidade que estamos vivendo. Não foi isso que vimos refletido nas telas. Estávamos descolados temporalmente. Não quer dizer que os espetáculos não tenham sido relevantes, não tragam em si questões pertinentes e atemporais, mas não estavam necessariamente conectados com esse momento tão crítico.

De qualquer maneira, a atuação de José Manoel Sobrinho como gerente de programação foi um ganho indiscutível. Observando de fora, parece ter sido ele que deu unidade ao trabalho da comissão de seleção, formato que existe há muito tempo. Cada edição tem uma nova comissão. A deste ano foi composta por Gheuza Sena, Genivaldo Francisco, Djaelton Quirino e Clara Isis Gondim.

Os contornos da programação foram delimitados de uma maneira mais clara – espetáculos nacionais ligados a grupos de pesquisas ou pessoas vinculadas às universidades ou a instituições como o Sesc, espetáculos do interior do estado e espetáculos da recém-criada Mostra de Escolas Independentes de Teatro, Dança e Circo.

Nesse movimento, perdemos a chance – sem as barreiras do deslocamento, das passagens de avião caríssimas na alta temporada, das dificuldades de produção – de ver espetáculos de grupos mais consagrados na programação. Por outro lado, houve a oportunidade de enveredar por produções de grupos que estão fora dos eixos mais tradicionais, que têm uma dificuldade de circulação maior. São escolhas, caminhos que sempre têm seus ônus e bônus.

Pele negra, máscaras brancas. Foto: Adeloyá Magnoni

Pele negra, máscaras brancas. Foto: Adeloyá Magnoni

Processo Medusa. Foto: Tássio Tavares

Nesse cenário, fizemos a crítica de nove espetáculos da programação: um internacional (À um endroit du début/Senegal), dois nacionais (Caipora quer dormir/DF e Pele negra, máscaras brancas/BA), dois pernambucanos (Sentimentos Gis/Petrolina e Cachorros não sabem blefar/Caruaru) e quatro trabalhos ligados a escolas (Experimento Multimídia: Um jogo dialético/Sesc Santo Amaro, Processo Medusa/Núcleo Biruta de Teatro, Ubu, o Rei do Gago/Escola João Pernambuco e Contos em Dor Maior/Escola Fiandeiros de Teatro).

Nessa programação mais enxuta, o peso da Mostra de Escolas Independentes de Teatro e Dança foi bastante relevante. É uma mostra importante, que pode ter um espaço de destaque no festival. Mas numa edição presencial – ou mesmo numa futura edição híbrida – talvez isso tivesse que ser equilibrado de uma melhor maneira. O festival não é de escolas. Não é nem justo dar essa “responsabilidade” aos experimentos cênicos, que possuem caráter didático fundamental, não estão necessariamente focadas na encenação propriamente dita, nos resultados artísticos.

Sem dúvidas, um dos ganhos foi uma presença maior dos espetáculos do interior no festival, uma demanda antiga. Mas uma expectativa – que também não é recente – é de que o Janeiro pudesse contribuir de uma forma mais efetiva e perene para a cena pernambucana. O Janeiro poderia ser o espaço para a proposição de intercâmbios, de trabalhos em conjunto, de trocas que talvez pudessem abrir novos caminhos estéticos. Em alguns momentos isso aconteceu, mas não com a força e a constância que poderia. Seja entre grupos do interior e da capital, entre grupos ou artistas nacionais e grupos pernambucanos, entre grupos brasileiros e estrangeiros. Não numa perspectiva colonizadora, mas numa ideia de troca, de construção de laços e de possibilidades conjuntas.

Mesmo assim, neste ano tão difícil, a resistência de realizar o festival precisa ser comemorada. E, mais ainda, já que foi levado ao espectador com competência, da equipe técnica, da equipe curatorial, da equipe de produção. Todas essas áreas pareciam muito mais bem resolvidas entre si, como se o trabalho estivesse fluindo numa harmonia maior.

Outra impressão importante é a de que a classe, ou parte dela, voltou a se envolver de forma um pouco mais próxima. Por sua trajetória, o festival sempre teve muita importância para os artistas pernambucanos, mas a censura ao espetáculo O evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu, em 2018, acarretou uma cisão. O festival, naquele momento, não mais representava a classe, que ajudou a construí-lo e mantê-lo. Essa relação parece estar sendo tecida novamente. Com cautela, com respeito e com afeto. Em prol da arte.

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Mais aprendizados sobre teatro brasileiro, iluminação, produção cultural e crítica teatral

Leda Maria Martins. Captura de tela do YouTube

Uma das principais pensadoras do teatro brasileiro, especialmente do teatro negro brasileiro, a poeta, dramaturga, pesquisadora, ensaísta, e rainha de Nossa Senhora das Mercês da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá, Leda Maria Martins vai ministrar o curso Fragmentos e Intensidades no Teatro Brasileiro: Experimentações e Poéticas, de 23 de fevereiro a 25 de março, às terças e quintas-feiras, em ambiente digital, pela plataforma Zoom. O programa está sendo oferecido pelo Centro de Pesquisa Teatral CPT-SESC .

A professora adianta que o conteúdo não segue uma linha histórica, nem cronológica. O foco está direcionado para temas e momentos de experimentações através da história do teatro brasileiro e que trazem, individualmente, propostas e vieses diferenciados.

Os encontros vão salientar os saberes derivados da diversidade de autores e estilos da produção dramatúrgica nacional. Entram no roteiro autoras e autores importantes na dramaturgia brasileira, sejam do século 19 e 20, como Álvares de Azevedo e Oswald de Andrade. Ou contemporâneos, feito Grace Passô, Dione Carlos e Denise Stoklos.

Nos dez encontros, a primeira parte será reservada à exposição e a segunda para reflexão, compartilhamento de experiências e trabalhos conjuntos. Dois dias do curso terão convidados – o diretor Márcio Abreu (na aula 4, sobre o espetáculo Nós) e atriz e diretora Yara de Novaes (na aula 5, falando sobre a peça-jogo Desmemória).

As inscrições ocorrem no dia 16 de fevereiro, no portal Sesc São Paulo. Como praticamente todos os cursos oferecidos pelo Centro de Pesquisa Teatral CPT-SESC acabam em poucos minutos, os interessados devem estar atentos para o horário de abertura dos cadastros virtuais. Boa sorte!

Serviço:
Fragmentos e Intensidades no Teatro Brasileiro: experimentações e poéticas
Curso com Leda Maria Martins
Centro de Pesquisa Teatral CPT-SESC
Quando: de 23 de fevereiro a 25 de março, terças e quintas, das 19h às 21h
Inscrições: de 16 de fevereiro às 14h a 19 de fevereiro, no site sescsp.org.br/cpt
Ingressos: R$24 (credencial plena/trabalhador no comércio e serviços matriculado no Sesc e dependentes), R$40 (pessoas com +60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino) e R$80 (inteira).
Plataforma: Zoom
Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 16 anos.
Vagas limitadas

Iluminador Beto Bruel_ Foto: Larissa de Lima / Divulgação

A Trupe Ave Lola de Teatro promove duas palestras dentro do projeto Tempo de Formação Teatral – 2ª Ed – Minha praia é o teatro: História da Iluminação no Paraná, com o iluminador Beto Bruel e Gestão de projetos Culturais, com Dara van Doorn e Laura Tezza. Ambas as atividades são gratuitas e abertas ao público em geral, com vagas limitadas a 80 pessoas por palestra. As inscrições estão abertas até 21 de fevereiro.

Com um espaço independente em Curitiba há 10 anos, a Ave Lola mantém uma equipe de cerca de 20 pessoas entre produtoras, atrizes, atores, músicos, técnicos, além de artistas aprendizes. Trabalha com pesquisas dramatúrgicas e de linguagem e recebe artistas residentes de várias partes do mundo para ampliação e trocas estéticas e filosóficas.

Serviço:
Tempo de Formação Teatral – 2ª Ed – Minha praia é o teatro | 01 a 25 de FEV/2021
Inscrição: Até 21 de fevereiro, pelo site: http://www.avelola.net.br/agenda/tempo-de-formacao-teatral-2a-ed-minha-praia-e-o-teatro/.
Plataforma: Zoom
Projeto Realizado com o apoio do Programa de Apoio e Incentivo À Cultura – Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba

Diogo Spinelle e Heloisa Sousa ministram oficina de crítica

A crítica teatral é um disparador de diálogo para o pessoal do site Farofa Crítica, de Natal, Rio Grande do Norte. Nessa pisada, a turma propõe uma iniciação no campo da crítica teatral contemporânea, nos dias 20, 21, 27 e 28 de fevereiro, das 14h às 16h30 pela plataforma Zoom. Estão planejadas 15 vagas, sendo oito delas reservadas para moradores do estado nordestino.

O trabalho Oficina Online de Crítica Teatral será desenvolvido por Diogo Spinelli e Heloísa Sousa, a partir da leitura, análise, e produção de críticas. A proposta é que, além das discussões ao longo da oficina, os participantes escrevam seus textos críticos, com chances de serem postados no site Farofa Crítica.

As inscrições podem ser feitas até o dia 17 de fevereiro, pelo Instagram do @farofa crítica ou pelo link https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdj5SySUMkMKbucVhZVMbGrL15zPQj-0j-CtcFWFpZ2fZJm1w/viewform

Serviço:
OFICINA ONLINE DE CRÍTICA TEATRAL, ministrada por Diogo Spinelli e Heloísa Sousa
Inscrições: Até 17/02. Formulário de inscrição no Instagram do @farofa crítica
O projeto é realizado com recursos da Lei Aldir Blanc Rio Grande do Norte. Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal.

lorenna rdrigo

Lorenna Rocha e Rodrrigo Dourado ministram oficina de crítica teatral 

Investindo num espaço de debates sobre os teatros online e os arquivos audiovisuais de teatro, apostando no tensionamento de visões eurocêntricas em torno das artes cênicas e do exercício crítico, será desenvolvida A Oficina de Crítica Teatral, em sua segunda edição, ministrada por Lorenna Rocha (Quarta Parede) e Rodrigo Dourado (UFPE).

Para incentivar a reflexão crítica, eles convocam diferentes epistemologias para a produção do pensamento, deslocando os olhares para outros territórios criativos que compõem a cena contemporânea. 

Serão realizados exercícios individuais e coletivos de escrita, além de textos norteadores para as discussões propostos pelos ministrantes. A atividade será realizada via Google Meets, nos dias 24, 25 e 26 de fevereiro e 1º, 2 e 3 de março de 2021, em única turma, de 18h30 às 21h30.

 As inscrições estão abertas até o dia 20 de fevereiro e podem ser feitas no link aqui. Os resultados desta atividade poderão ser conferidos no Instagram e Facebook do Quarta Parede (@4.parede), site parceiro da ação. 

Serviço:
Oficina de Crítica Teatral com Lorenna Rocha e Rodrigo Dourado – 2ª edição
Quando: 24, 25 e 25 de fevereiro e 01, 02 e 03 de março (Única turma), das 18h30 às 21h30
Inscrições: Até 20 de fevereiro
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSf_4LQd8QnMQswqgu_GQYb-YvmE2p0FtQmO1xlfB34SkUpp0A/viewform
Informações: oficinadecriticateatral@gmail.com.
Incentivo: Lei Aldir Blanc – Pernambuco / Governo do Estado de Pernambuco / Secretaria de Cultura de Pernambuco
Parceria: Quarta Parede (PE)

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Difícil realidade brasileira
Crítica de Contos em Dor Maior

Totonha, com Karla Pimentel, um dos quadros de Contos em Dor Maior, da Escola de Teatro Fiandeiros . Foto: fotojanela

Timidez ou solidão, egoísmo, medo do futuro ou fantasmas do passado. Teatro serve para tudo. Para quem quer ser artista ou para quem vai abraçar outra carreira, estudar teatro é um bom passo, seja qual o for o caminho a seguir. É um treinamento muito especial do que há de mais humano em nós.

A Escola de Teatro Fiandeiros, do Recife, é tocada por artistas-pesquisadores vocacionados. Os diretores André Filho e Daniela Travassos estão nessa labuta há mais de uma década, tecendo aprendizado /experimentação dos alunos-atores com cuidado e delicadeza.

No ano passado, devido à pandemia do Coronavírus, as aulas ocorreram de forma virtual. O trabalho de conclusão da Turma de Iniciação Teatral, nível 1, da Escola de Teatro Fiandeiros, ministrada pela professora Daniela Travassos, rendeu o espetáculo Contos em Dor Maior. Trata-se de uma composição dos contos do escritor Marcelino Freire, em monólogos sequenciados, de temática variada.

Os aprendizes dão os primeiros passos. E que bom que seja com Marcelino Freire, que carrega uma prosa poética, com muitas castas de reflexões. A gravação da peça foi exibida na programação do Janeiro de Grandes Espetáculos deste ano. 

A obra de Marcelino Freire aparenta ser fácil de levar à cena. Por uma teatralidade que pulsa na composição dos textos. Pelo tom coloquial. Mas ela exige uma dedicação maior ao se apropriar das feridas sociais e imprimir algum sentido no palco. Há complexidade ao tratar de opressão em vários campos: sexualidade, racismo, discriminação, machismo, patriarcado, militância, experiências e perspectivas sobre si e o outro. E mesmo que pareça colar em algum clichê, traça um deslocamento para provocar uma fissura profunda, um pequeno abalo sísmico, que infla a potência da fala, do corpo, do pensamento.  

As rimas dentro da prosa de Marcelino Freire se mostram um desafio. Em alguns casos de Contos em Dor Maior há uma dificuldade de se apropriar do universo da cena, as ações psicofísicas clamam por um treinamento exaustivo do ator. E a articulação das palavras precisam ser saboreadas, mastigadas, introjetadas.

A linguagem contemporânea de Freire aponta a complexidade da vida destes tempos, com os dramas do cotidiano, os protestos, o acordar para uma consciência crítica nas contradições. A tensão da linguagem no espaço de opressão social nos mostra coisas muito mais diretas que as teorias.

Quando Marcelino Freire investe, por exemplo, nos traumas de personagens homossexuais / bissexuais / transexuais não é para salientar os estereótipos, usados como entretenimento raso nos programas televisivos humorísticos. Mas para falar da humanidade daquela personagem e de quem a julga. Ou quando o autor salienta os efeitos do passado colonial e escravocrata refletidos no discurso das figuras, ele expõe as frustrações movidas pela discriminação contra as pessoas negras, pobres, periféricas. É preciso sutileza nessas falas diretas.

Nação Zumbi, com o ator Ariel Sobral. Foto Divulgação

Ao todo, 14 cenas formam Contos em Dor Maior. Seis de Contos Negreiros (2005): Nação Zumbi, Vanicléia, Totonha, Polícia e Ladrão, Curso Superior e Coração. Uma de Angu de Sangue (2002): Moça de Família. Três de Amar é Crime (2011): Vestido Longo, Ir Embora e Irmãos. Quatro de Rassif – Mar que arrebenta (2006): O Amigo do Rei, Maracabul, Roupa Suja e Ponto.Com.Ponto.

Começa com o conto Nação Zumbi, com o ator Ariel Sobral. Nele, um homem preto e pobre acertou vender um rim. Como o tráfico de órgãos no país é ilegal, algo dá errado e a operação não se realiza. A personagem problematiza a miséria, a fome, a falta de oportunidades, a saúde pública no Brasil, e os limites de pertencimento do próprio corpo. “E o rim não é meu? Logo eu que ia ganhar dez mil, ia ganhar.”, pergunta. “Se fosse para livrar minha barriga da miséria até cego eu ficaria”. A caracterização (roupas rasgadas e sujas, e um saco de tecido às costas) sugere o papel de um mendigo ou morador de rua. A pensar! O intérprete faz modulações interessantes do episódio que vai render ao personagem muita pancada nos rins.

“Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso”, se posiciona Totonha, personagem do conto homônimo. E desafia a mocinha que tenta convencê-la a ser alfabetizada. “O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-linguiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, tá me entendendo?”. Karla Pimentel valoriza a revolta, ironia e reflexões da personagem no quadro bem composto.

Silvia Raquel corporifica a funcionária da lavanderia que arma plano mirabolante para conquistar um cliente em Roupa suja. Ela imprime sensualidade ao relato dessa aventura amorosa e preenche com graça suas reticências. “Maria, nem sei por onde começar. A contar. A minha história de amor. Quando ele, Meu Deus, entrou na lavanderia. Parecia propaganda de sabão. Tudo à minha volta ficou limpo, límpido, esse mundo cão.”

Ponto.Com.Ponto segue a epígrafe e toca um trecho da música Carinhoso de Pixinguinha e João de Barro. Anúncio de um encontro amoroso no parque. O quadro, com Yuri Campelo expõe a expectativa de um jovem apaixonado. O ator traz uma leveza cativante, traduzida em gestos infantilizados. E deixa entrever os ardis de sentidos proposto pelo texto.

Um pai, fissurado em futebol, fica intrigado porque o filho não tem habilidade com a bola. E gosta de poesia. Em Amigo do Rei, Gerson Alves consegue extrair humor da ignorância do personagem que deduz que o filho está apaixonado por um tal de Manuel Bandeira, que ele não sabe se mora nas vizinhanças.

O machismo da sociedade brasileira atravessa todas as classes, com suas armações de superioridade/ inferiorização. A mulher da cena Vanicléia é pobre e negra, casada com um marido agressor. Sem perspectiva de vida, ela sonha para sua filha uma vida que já teve, como prostituta e o tratamento “mais humano” dos estrangeiros em rota de turismo sexual no Brasil. Bárbara Lavínia passeia por lembranças e indignações da personagem.

Há uma musicalidade na cena Ir embora, com Paloma Aires. Há extratos de beleza sobre despedida, sobre dúvidas da mudança da Chapada das Mangabeiras para uma cidade mais “desenvolvida”.

O espetáculo Contos em Dor Maior distingue potencialidades dos alunos, alguns com mais desenvoltura no trabalho. E o cuidado da diretora Daniela Travassos ao respeitar as circunstâncias de cada um deles. Que sigam, que o teatro faz bem.

Ficha Técnica
Contos em Dor Maior
Direção: Daniela Travassos.
Dramaturgia: Marcelino Freire.
Iluminação: Charly Jadson.
Elenco: Ana Gouveia, Ariel Sobral, Bárbara Lavínia, Edu Leandro, Gerson Alves, Karla Pimentel, Marcos Júnior, Matheus Travassos, Melquizedeque Lagos, Paloma Aires, Rafael Neves, Silvia Raquel, Tony Macedo, Yuri Campelo.

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