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Encontro de Artes Cênicas será neste fim de semana

 

Escola Pernambucana de Circo abre programação com circus-círculos-que-não-se-fecham-Foto-Karina-Morais

Escola Pernambucana de Circo abre evento com Faça parte dessa história. Na foto de Karina Morais, a montagem Círculos que não se fecham

A reclamação de inexistência, ausência de pertinência, de falta de continuidade ou prioridade das políticas públicas para as artes cênicas na cidade do Recife é geral. E não sem motivos. Com três anos da atual gestão fica difícil contabilizar avanços. A ideia de transformar o Centro Apolo-Hermilo numa usina cultural de referência de pesquisa contemporânea não chegou nem a virar proposta no papel.

A situação dos equipamentos municipais é preocupante. O Teatro do Parque, por exemplo, está fechado desde 2010; as obras de restauração estão suspensas desde julho de 2015; agora, o Ministério Público cobra na justiça a retomada das obras. O SIC municipal sumiu do mapa dos incentivos da cidade. O recorrente atraso nos pagamentos de editais ou trabalhos de artistas é considerado pelos contratados ou premiados como algo altamente desrespeitoso. O festival de teatro deu um recuo em importância e discussão de ideias para o começo dos anos 1990; quer dizer, ficou obsoleto e desorientado enquanto identidade, com suas particularidades, e perdeu força.

Bem, a Fundação de Cultura Cidade do Recife promove neste sábado (2) e domingo (3) o 3º Encontro de Artes Cênicas do Recife no Museu da Cidade do Recife (Forte das Cinco Pontas), no bairro de São José. Pretende reunir atores, artistas circenses, profissionais da dança e  produtores, para – segundo o release da prefeitura-, discutir propostas para melhorias para o teatro, dança e circo.

O programa começa no sábado a partir das 9h, com a apresentação do espetáculo Faça Parte Dessa História, da Escola Pernambucana de Circo. Em seguida, serão realizados os debates de cada segmento: teatro, dança e circo. Às 14h, está marcada uma Sessão Plenária até às 16h30.

A Sessão Plenária do domingo vai das 9h até o meio-dia. E, a partir das 14h, o debate tem como tema os Festivais de Artes Cênicas no Recife. Apresentações artísticas, ainda em comemoração ao Dia Mundial do Teatro e Dia Nacional do Circo (comemorado no dia 27 de março), terão vez a partir das 16h.

O aviso da Prefeitura do Recife atesta que o “encontro é um convite para tomada de decisões em conjunto, em benefício das artes cênicas da capital pernambucana”.

As inscrições terminaram nesta quinta-feira (31). De acordo com Romildo Moreira, gerente de Artes Cênicas da Prefeitura do Recife, idealizador do encontro, ainda há algumas vagas disponíveis. Os interessados podem enviar e-mail para gerenciaartescenicas@gmail.com ou ligar para o número (81) 3355-3137, até às 17h, para garantir a inscrição. Por e-mail, é preciso aguardar confirmação.

Sábado 02/04:

9h – Solenidade de abertura e Apresentação do espetáculo Faça Parte Dessa História (no Pátio Térreo)

10h às 12h – Trabalho dos grupos de teatro, dança e circo (Sala de Reunião e Pátio Térreo)

12h às 13h30 – Almoço (Área externa)

14h às 16h30 – Sessão Plenária (Pátio Térreo, Lona de Circo)

Domingo, 03/04

9h às 12h – Sessão Plenária

12h às 13h30 – Almoço (Área externa)

14h às 16h –  Debate: Festivais de Artes Cênicas em Recife (Auditório)

16h – Encerramento com apresentações artísticas (Pátio Térreo)

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Festival Recife mais uma vez na corda bamba

Carta ao Pai, com Denise Stoklos, é principal atração nacional do festival

Carta ao Pai, com Denise Stoklos, é principal atração nacional do festival

O Festival Recife do Teatro Nacional, que começa neste sábado (21) e vai até o dia 29, chega à 17ª edição. Em sua configuração geral, não apresenta uma proposta curatorial, nem traz a excelência da cena brasileira contemporânea, propostas que acompanharam a história do festival. O FRTN foi, ao longo dos anos, um instrumento para fazer chegar ao Recife montagens que dificilmente estariam nos palcos pernambucanos se dependessem apenas de bilheteria ou, sendo mais otimista, que levariam algum tempo para chegar, tendo que depender dos incentivos à circulação, como Myriam Muniz, Caixa Cultural e Petrobras.

Grande parte da programação do festival este ano é formada por montagens locais que estrearam agora em 2015 ou no ano passado. Uns dizem que é um festival da resistência, da coragem. Vamos destrinchar isso melhor…

Em 2014, o Festival Recife do Teatro Nacional não aconteceu por decisão da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife (FCCR). A determinação foi anunciada sem haver um diálogo com quem faz teatro na cidade e isso provocou perplexidade e polêmica. A justificativa foi econômica. Falou-se em edições bienais. Falou-se em classe teatral para discutir o planejamento e o formato do festival nos anos seguintes.

Vale relembrar o que dizia o release enviado aos jornalistas sobre o cancelamento do evento:

“A partir deste ano o Festival Internacional de Dança do Recife (FIDR) e o Festival Recife do Teatro Nacional (FRTN), ambos promovidos pela Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cultura (Secult) e da Fundação de Cultura Cidade do Recife (FCCR), passam a ser bienais, em caráter de alternância. Desta maneira, em 2014 será realizada a 19ª edição do Festival dedicado à dança, em 2015 será a vez da 17ª edição do Festival do Teatro, e assim sucessivamente.

A decisão foi tomada pela Secretaria de Cultura e pela Fundação de Cultura Cidade do Recife no intuito de possibilitar um planejamento adequado a estas iniciativas, uma vez que a gestão reconhece o importante papel que estas ações cumprem na formação dos realizadores das artes cênicas, no intercâmbio entre diferentes expressões artísticas e ainda na formação de plateia. Contudo, são também Festivais que requerem volumes maiores de recursos da pasta e que precisam ser ajustados às demandas dos respectivos segmentos, garantindo investimento significativo para a produção do Teatro e da Dança na capital pernambucana.”

Palavras ao vento.

A ideia de tornar os festivais bienais, ainda bem, não foi à frente, mas continua faltando, justamente, planejamento. Até 2013, o FRTN era realizado através do Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo-Hermilo, ligado à Secretaria de Cultura. É preciso que se diga que houve, inclusive, nos dois encontros realizados pela Gerência de Artes Cênicas, ligada à Fundação de Cultura, para discutir as ações da gerência, uma reivindicação da classe artística para que o festival fosse realizado pela Gerência e não pelo Apolo-Hermilo. Mas tudo isso com a antecedência necessária ao planejamento, obviamente.

Não foi o que aconteceu. No fim do mês de julho, o Gerente de Artes Cênicas da Prefeitura, Romildo Moreira, recebeu das mãos do Presidente da Fundação de Cultura, Diego Rocha, a incumbência de fazer o FRTN. Para se ter uma ideia, o Festival Internacional de Dança do Recife, já coordenado pela gerência, e que aconteceu em outubro, estava completamente estruturado.

Além do pouquíssimo tempo para a produção de um festival que já não havia acontecido no anterior justamente “no intuito de possibilitar um planejamento adequado”, o presente de grego recebido pela Gerência de Artes Cênicas veio também com a notícia de que, ao invés do recurso de R$ 400 mil com o qual o festival foi produzido em 2013, agora seriam apenas R$ 200 mil.

Resultado? O FRTN ficou sem a possibilidade de fazer as convocatórias por edital, iniciativa que começou no festival de 2013 (que, convenhamos, não é atraente nem para as grandes companhias nem para os grupos mais experimentais) e sem verbas para trazer espetáculos relevantes do teatro brasileiro deste ano. Quer dizer, a cena contemporânea que permitisse a atualização do público do Recife para um teatro que está sendo criado, impregnado de todas as tendências da cena mundial.

Uma boa pergunta é: para onde foi o dinheiro que seria destinado ao FRTN do ano passado? Bem, a não realização do festival no ano passado deixou um hiato que a edição de 2015 não vai preencher. Teremos outra lacuna este ano, da forma como o festival está sendo realizado. Infelizmente. Não teremos as principais companhias no festival nem os experimentos que dificilmente excursionam em caráter comercial.

O olhar do espectador que não circula por festivais de teatro, nacionais e internacionais, foi prejudicado pela decisão da Secretaria que, por sinal, vem demonstrando que não tem garra ou cacife para lutar por mais verbas para sua pasta. Não, não adianta o prefeito Geraldo Julio alardear que a cultura é prioridade, se a sua gestão está fazendo aquele que já foi um dos festivais mais importantes do país, perder pertinência. Alardear que “a produção pernambucana será a grande atração” é querer fazer os artistas pernambucanos de trouxa. A produção pernambucana precisa sim ter representação no Festival Recife do Teatro Nacional. Isso ninguém discute. Mas, para a classe artística e para o público, a importância do FRTN não é levar à cena a produção local. Para isso, já existem outros caminhos, inclusive o Janeiro de Grandes Espetáculos que, mais uma vez, está lutando por verba.

O FRTN precisava acontecer? Sem dúvidas nenhuma. Isso era vital para que o festival não desaparecesse. Mas, justamente para que o festival não morra, é preciso bradar aos quatro cantos que ele não poderia ser realizado assim: sem prioridade, planejamento, orçamento.

Programação

Encenação de Rei Lear, texto de Shakespeare, é assinada por Moacir Chaves. Foto: Guga Melgar

Encenação de Rei Lear, texto de Shakespeare, é assinada por Moacir Chaves. Foto: Guga Melgar

O FRTN este ano homenageia o jornalista, ator e diretor Valdi Coutinho, profissional que durante mais de duas décadas assinou uma coluna crítica de teatro no jornal Diario de Pernambuco.

O festival segue até o dia 29 de novembro, com 16 produções, nacionais e locais, sendo 13 espetáculos pernambucanos (dez adultos e três infantis). Os três espetáculos visitantes são Carta ao Pai, com Denise Stoklos (SP); o Solo Almodóvar, com Simone Brault (BA); e Presente de Vô, do grupo Ponto de Partida (MG).

A comissão de seleção dos espetáculos não teve muitas opções para fazer as escolhas, já que as propostas esbarravam em cachês e estruturas para trazer os espetáculos. O trabalho foi dirigido por Romildo Moreira e teve a participação de representantes de órgãos e entidades da classe teatral. São eles: Jorge Clésio (Secretaria de Cultura de Pernambuco); Andrea Morais Borges (Secretaria de Cultura do Recife); Ivo Barreto (Centro Apolo Hermilo); Ivana Moura (Apacepe); Roberto Xavier (Feteape) e Ivonete Melo (Sated/PE). Certamente voltaremos a tratar sobre esse assunto.

Programação 17º FRTN

Sábado (21):

Solenidade de Abertura com o espetáculo Rei Lear, da Remo Produções (PE) / Teatro Luiz Mendonça, às 20h

Domingo (22):

Salada Mista, com a Cia. 2 Em Cena (PE) / Teatro Hermilo Borba Filho, às 16h30

Chapeuzinho vermelho vira telenovela em Salada mista

Chapeuzinho vermelho vira telenovela em Salada mista

Como a Lua, da Mambembe Produções (PE) / Teatro Luiz Mendonça, às 16h30

José Manoel Sobrinho assina remontagem de Como a lua. Foto: Laryssa Moura

José Manoel Sobrinho assina remontagem de Como a lua. Foto: Laryssa Moura

Obsessão, Produção de Simone Figueiredo (PE) / Teatro de Santa Isabel, às 20h30

Obsessão fez temporada de estreia no Teatro Boa Vista, em maio

Obsessão fez temporada de estreia no Teatro Boa Vista, em maio

Segunda-feira (23):

Na solidão dos campos de algodão, da Cia. do Ator Nu (PE) / Teatro Hermilo Borba Filho, às 20h

Texto do francês Bernard-Marie Koltès é levado a cena por Edjalma Freitas e Tay Lopez. Foto: Pollyanna Diniz

Texto do francês Bernard-Marie Koltès é levado a cena por Edjalma Freitas e Tay Lopez. Foto: Pollyanna Diniz

Terça-feira (24):

Soledad, com Hilda Torres (PE) / Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h

Hilda Torres encena monólogo com direção de Malú Bazan sobre história de militante de esquerda

Hilda Torres encena monólogo com direção de Malú Bazan sobre história de militante de esquerda

A Receita, de O Poste Soluções Luminosas (PE) / Teatro Apolo, às 20h30

Espetáculo traz continuidade da pesquisa do grupo O Poste Soluções Luminosas. Foto: Ivana Moura

Espetáculo traz continuidade da pesquisa do grupo O Poste Soluções Luminosas. Foto: Ivana Moura

Quarta-feira (25):

O canto do cisne, com Manoel Carlos (PE) / Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h

Companhia Fiandeiros participa de festival com monólogo. Foto: Carla Sellan

Companhia Fiandeiros participa de festival com monólogo. Foto: Carla Sellan

Carta ao Pai, com Denise Stoklos (SP) / Teatro de Santa Isabel, às 20h30

Quinta-feira (26):

Cabaré Diversiones, com Vivencial Diversiones (PE) / Teatro Apolo, às 19h

Henrique Celibi retoma Vivencial com montagem

Henrique Celibi retoma Vivencial com montagem

Salmo 91, com a Cênicas Cia. de Repertório (PE) / Espaço Cênicas Cia. de Repertório, às 20h30

Cênicas Cia de Repertório leva ao palco texto de Dib Carneiro Neto. Foto: Wilson Lima

Cênicas Cia de Repertório leva ao palco texto de Dib Carneiro Neto. Foto: Wilson Lima

Sexta-feira (27):

Angelicus Prostitutus; da Matraca Grupo de Teatro (PE) / Forte das Cinco Pontas (Museu da Cidade do Recife), às 20h

Rudimar Constâncio dirige comédia que trata da prostituição

Rudimar Constâncio dirige comédia que trata da prostituição

Sábado (28):

 Sistema 25, com produção de José Manoel (PE) / – Teatro Hermilo Borba Filho, às 18h e 21h30

Realidade de uma prisão é mote para Sistema 25. Foto: Camila Sérgio

Realidade de uma prisão é mote para Sistema 25. Foto: Camila Sérgio

Solo Almodóvar, com Simone Brault (BA) / Teatro Apolo, às 19h

Espetáculo conta história da travesti Dolores Maria

Espetáculo conta história da travesti Dolores Maria

Presente de Vô, com o Grupo Ponto de Partida (MG) / Teatro de Santa Isabel, às 20h30

Domingo (29):

As Travessuras de Mané Gostoso, Cia Meias Palavras (PE) / Teatro Hermilo Borba Filho, às 16h30

Luciano Pontes, Arilson Lopes e Samuel Lira estão em cena em As Travessuras de Mané Gostoso. Foto: Ju Brainer

Luciano Pontes, Arilson Lopes e Samuel Lira estão em cena em As Travessuras de Mané Gostoso. Foto: Ju Brainer

Presente de Vô, com o Grupo Ponto de Partida (MG) / Teatro de Santa Isabel, às 20h30

Grupo mineiro volta ao Recife com Presente de vó. Foto: Guto Muniz

Grupo mineiro volta ao Recife com Presente de vó. Foto: Guto Muniz

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Prêmio de pesquisa com textos de Hermilo

Os projetos O Aprendiz em Cena e O Solo do Outro devem adaptar peças do teatrólogo de Palmares

Os projetos O Aprendiz em Cena e O Solo do Outro devem adaptar peças do teatrólogo de Palmares

Voltados para artistas iniciantes de teatro e de dança, respectivamente O Aprendiz em Cena e O Solo do Outro, estão com inscrições abertas até o dia 30 de julho. Esses dois Prêmios de Pesquisa estão focados Neste ano na obra do teatrólogo, diretor e crítico literário Hermilo Borba Filho. A proposta é da Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cultura, Fundação de Cultura Cidade do Recife, e o Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo Hermilo.

O interessado em participar da seleção deve escolher um dos quatro contos do escritor: A Rã, Anunciação, A Enchente e Lindalva. Para cada categoria será escolhido um vencedor, que receberá ajuda no valor de R$ 22.300,00 para viabilizar o projeto. um profissional do Centro Apolo-Hermilo acompanhará a execução da proposta.

O programa prevê a estreia da montagem de O Solo do Outro durante o Festival Internacional de Dança do Recife, que ocorre no mês de outubro. Já o espetáculo de O Aprendiz em Cena deverá será apresentado durante o Festival Recife do Teatro Nacional no mês de novembro. Isso quer dizer que a Secretaria de Cultura do Recife sinaliza a realização do festival de teatro neste ano. Então já está na hora de apresentar os critérios.

A publicação dos projetos vencedores está prevista para o dia 6 de agosto.

SERVIÇO
Inscrição até o dia 30 de julho.
Centro Apolo-Hermilo, na Rua do Apolo, s/n, Bairro do Recife
www2.recife.pe.gov.br/sites/default/files/edital_solo_e_aprendiz_02_de_julho_de_2015_1.pdf

Edital do Prêmio de Pesquisa O Aprendiz em cena e O Solo do Outro/2015.

 Contos de Hermilo Borba Filho

Os contos aqui disponibilizados deverão ser apreciados pelos proponentes, escolhido apenas um, e a partir deste elaborar o projeto destinado ao Solo do outro ou para O Aprendiz em Cena.

hermilo_maqConto 01. A Enchente.

Marulhou, gorgolejou, ela sentiu mais que ouviu a corrente, gorgolou, estava nos pés, ela na beira da cama, e o defunto?, pulou, espadanou água na altura dos joelhos já, se guiava na penumbra, sozinha, talvez ilha, a corrente subindo e a chuva caindo, quando balançou os tamboretes que apoiavam o caixão viu que estavam bambos, pensou em sair com o esquife, o morto dentro, nos braços, atravessando o rio, chegou a rir com a ideia, rir-se de tudo, afastou-se um pouco, ficou parada no meio da sala invadida pela preguiça dos fósforos e do candeeiro, tinha nada não, que tinha?, ficava mesmo ali, atenta, a quê?, atenta, foi tão ligeiro que quando ela viu foram os joelhos frios e Ra frieza da água, bem meio metro calculou, mas sabia que cálculos não iriam adiantar nada, só ficou imaginando o fim, de tudo menos o dela, nadaria, voaria, sairia.

Quando os cavalos na estrebaria se levantaram e se moveram nos beiços um di outro, aos coices as tábuas voaram, o cão ergueu as orelhas, na espera, a cabeça deitada ainda e sobre ela, à procura de calor, a ovelha, isto no mais alto, a chuva caindo, a água nos gorgolejos de corrente, os bichos atentos, mas somente atentos, havia um olho que os espiava e era o olho de quem não se sabia, no mundo líquido uma volta que dava já formava um redemoinho, o funil na velocidade maior arrastando o que ia de cambulhada: panelas, copos de ágata, quadro de santo, flores de contas de mulungu, as riquezas da casa.

Na sala, a mulher tirou a roupa, toda a roupa, sentia que devia estar nua quando chegasse o fim, o fim para tudo menos para ela, continuava pensando, preparava-se, água nas coxas, os pés quase sem apoio no escorrego, já para um metro de andada os braços faziam o movimento do nado, com mais um pouco era abandonar tudo, teria forças, acreditava, água no horizonte e ela mais além do horizonte, era forte já nadava ao derredor da sala, foi quando  olhou em volta e viu: o defunto metido na fatiota nova e nos sapatos de verniz boiava, satélite do caixão, em movimentos lentos, dir-se-iam medidos, graciosos, rodeados pelas borbulhas, bolhas e barulhos de água cada vez mais crescente, ela nadou junto dele procurando uma saída, abrira uma janela e água emendara com água, um lençol na noite cinzenta, a mesma chuva. O mesmo céu fechado, luz nenhuma, ilha mesmo afinal, todos no nado.

Do defunto foi separada por um peixe escamoso que mexia as nadadeiras e fazia pequenas ondas dentro das maiores, num volteio ela bateu com o braço na cadeira de balanço que vogava, sentiu-se dormente quando mais precisava dele, lá fora já nadavam sem destino cavalos, cães, ovelha, o olho continuava fixo na observação aquática, na vida fluvial, na latomia pluvial, no tempo e no gesto, na espera e na ânsia, no nado e no nada, nadavam e se esbofavam e voltavam ao mesmo lugar, aos bichos se juntaram o defunto e o caixão, tudo num rodopio para o funil, para o cone, na descida verticatiginosa, ali seria definitivamente o Abreu, a mulher o olho viu no exato momento em que uma trave, caindo, alcançava-a na altura dos olhos jogando-a na escuridão total, o sangue jorrando e água absorvendo-o, os peixes bicando-o, quase nenhum vermelho, e já a mulher, entre a vida e a morte, perdida a certeza, ia para o funil. No alto do frontal, na escuridão e sob a chuva, o carneiro de pedra branca, sentado, montava guarda.

hermilo_maqConto 02. Lindalva

Obra de uns seis para oito anos durava o namoro: sabonete Dorly nas segundas-feiras, brilhantina Flor de Amor nas terças, colônia Royal-Briar nas quartas, talco Ross nas quintas, esmalte para as unhas nas sextas, nos sábados uma lata de goiabada marca Peixe e nos domingos um pão-de-ló feito por sua tia, com quem morava desde que órfão ficara, Antônio Periquito das Neves Cândido, mais conhecido como Candinho-das-Amas, especializado em aventuras domésticas para satisfação do corpo, mas par constante de Lindalva, moradora na Rua da Ponte, quase em terras do Engenho Japaranduba, em cuja janela se debruçava todas as noites às sete, saindo às dez, antes entregando-lhe o presente do dia, sem contar os das quatro festas do ano, no carnaval uma caixa de Vlan, pelo São João fogos-de-bengala, na festa da padroeira gravuras da santa, pelo Natal um bolo-de-bacia, isto sem levar em conta as frutas da estação e outras bugigangas tais como biliros, fitas,meias,batons,ruges,marrafas, anéis de feira, pulseiras de vidro, brincos de fantasia, até mesmo um corte de fazenda.

Desusados esforços envidava Candinho-das-Amas para o presente do dia, já que empregado nas redação do tempo azeitando o eixo do sol, nos conformes dos dizeres da tia, ditos de bondade, incapaz de alevantar a voz para o seu menino,indo ele desde o pedido à tia, emérita boleira, aos pequenos roubos, à venda de frutas do quintal, magros mil-réis, suores frios, dias havia em que chegava a boca-da-noite, o comércio fechando e ele sem presente, dia de azar no víspora de Nenê Milhaço ou na fiche de Guará, sempre por artes mágicas os caraminguás apareciam e o presente saia, nunca falhara uma só noite nos todos os dias que se decorreram em bem seis ou oito anos, conforme já se disse e se reafirma agora. Desassossego maior era no dia do aniversário de Lindalva quando a prenda deveria ter mais valia, podendo ser um par de sapatos ou mesmo um anel de alguns quilates dourados comprados a Doroteu, quase sempre à prestação, está-se a ver, o que desequilibrava completamente o plano orçamentário de Candinho-das-Amas, as próprias domésticas, às vezes, contribuindo com uma propina pós-coito, dada a sua perícia técnica, tudo servindo para o mealheiro dos presentes.

Sete da noite, Pirangi batendo no sino do mercado, ele apontava na esquina e ao soar a última badalada estava estendendo a mão para Lindalva que justo naquele momento debruçava-se na janela e estendia a sua para, antes, receber o presente, muito agradecida, colocando-o num canto, novamente estendendo a mão que Candinho-das-Amas aninhava nas suas, contemplando o generoso decote, mas jamais avançava um centímetro além da mão, seria sua esposa um dia, tinha empregos prometidos, aventuras de corpo ficavam para as amas, nem sequer despertava fisicamente para Lindalva por enquanto, dizia, era o respeito, ficaria para a noite nupcial, Lindalva parece que ficava muito satisfeita com todos aqueles propósitos de castidade, mas curvava-se à devoção e aos presentes. E conversavam sobretudo sobre os afazeres domésticos dela, a retreta do domingo, os achaques da mãe e o reumatismo do pai, o tempo com a chuva ou sol, as perspectivas da safra, o filme do Cine-Apolo, das sete às dez, longas pausas de entremeio, as mãos suadas sem se mexerem, Candinho-das-Amas de pescoço doído de olhar para cima e de baço dormente da posição, Lindalva de cotovelos escalavrados, mas firmes na noite, das sete às dez, todas as abençoadas noites estivais ou invernosas, nestas Candinho-das-Amas metido num capote de baeta, suando em bicas, mas enxuto, somente os pés molhados, a chuça martelando e ele agarrado nas mãos de Lindalva, das sete às dez.

No primeiro de dezembro deu-lhe o estalo: a oleografia da santa na sala de visitas da tia era o presente ideal para Lindalva no dia oito, festa da padroeira, festividade maior, quando da janela ouviriam os sons da banda de música, dos pregões do leilão, do bruaá que ali chegava, já que nunca os dois, juntos ou acompanhados, passearam pela praça, foram ao cine, compareceram a um baile. Dali da janela não saiam, tudo era ali, nas mãos dadas, das sete às dez; e tome uma santa, a santa, sua imagem de santa em azul e róseo, em brancos e carmins, em violáceos, mas a tia não lhe dava a santa, não abria a mão da padroeira, fora presente do falecido, balançava a cabeça, negava, obtemperava firme, ele juro que não ia fazer isto que fará eu, Candinho-das- Amas menino dengoso no dia dois, adulador no dia três, amuado no dia quatro, os dias se passando, o dia se aproximando, fora de casa na noite do dia cinco, lacrimoso no dia seis, tentando suicídio de mentira no dia sete. Ameaçando de morte na tarde do oito, na noite do dia oito às quinze para as sete com a padroeira debaixo do braço, embrulhada em papel celofane, em direção à Rua da Ponte.

E quando chegou no princípio da rua olhou, com o coração batendo, a janela iluminada, tal-e-qual como nas outras noites, só que naquela o coração lhe dizia que alguma coisa de maior haveria de acontecer, foi andando e andando se aproximando com o coração aos pulos, aos pulos chego era estender a mão na batida das sete e Lindalva estender a sua, receber a santa, e as sete baterem e a janela vazia estava vazia ficou, de primeiro sentiu uma tonteira, coisa de pouca duração que apareceu uma mulher, a mulher era a empregada que tinha visto raras vezes, a empregada lhe disse algo, nada ouviu, somente a mão estendida da empregada com um papelito, poderia ser uma dose de sal amargo mas não era, talvez farinha-de-castanha mas também não era não, bicarbonato de sódio e o tal não era, era papel de bilhete, desdobrou-o, com a lua que vinha da sala, a santa debaixo do braço, conseguiu lê-lo, as letras trêmulas: Candinho, resolvi depois de muito pensar e de muito sofrer acabar com o nosso namoro da sua amiga Lindalva e a da santa caiu e o vidro quebrou, deixou-la lá, abaixou-se e tirou os sapatos, deu um nó nos enfiadores, enfiou-os no dedo, os sapatos numa mão e o bilhete na outra, atravessou a rua, entrou na bodega confronte, balcão, disse para o bodegueiro uma bicada, tomou-a, estendeu-lhe o bilhete, veja, Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva, saiu sem pagar e o bodegueiro deixou-o ir; atravessou o ria, foi bater na casa-grande do Engenho Paul, veio o vigia, meu compadre Lauro Paiva, quero falar com o meu compadre Lauro Paiva, veio o compadre Lauro Paiva, estendeu-lhe o bilhete, veja, Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva, não esperou resposta, desfez o caminho, mesmo de noite foi envolvido por uma nuvem e nela andou, voou, reatravessou o ria, subiu a ladeira da estação, entrou sem pedir licença na  do Doutor Bertoldo, mostrou-lhe o bilhete, Lindalva, Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva. Doutor Bertoldo deu-lhe um conhaque e um charuto, tomou o conhaque e acendeu o charuto, foi em direção à pensão de Quiterinha, de puta em puta com o bilhete, veja, Lindalva é mina amiga, minha amiga Lindalva; e no fuá parou a orquestra, aos músicos foi, de bilhete em punho, mostrando e falando Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; e deixou-se ficar num canto, bebendo e babando, só murmurando Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; invadiu a casa paroquial e tirou o padre Abílio da conversa com os magníficos, ao padre mostrou, aos magníficos mostrou e para todos falou Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; e no Pátio do Mercado chegou e a todos foi: ao homem do tivoli, ao bedegueba do pastoril, ao leiloeiro, ao homem da roleta, ao capitão do bumba e ao vassoura do fandango, ao presidente do Clube Literário e ao prefeito, todos leram o bilhete e ouviram sua afirmativa dolorida: Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; e quando subiu as escadarias da igreja viu-a, dedo mindinho com o dedo mindinho com o caixeiro-viajante da fábrica Bordalo, ela se escolheu, o caixeiro-viajante que é que há meu bem, ela nada, encolhida, só encolhida, Candinho-das- Amas na frente dos dois e de costa para os dois se postou, os sapatos pendurados no dedo, o bilhete na ponta dos outros, a camisa fora das calças e a gravata torta, o chapéu fora do prumo, bem junto, quase colado no casal, o olhar atravessando o pátio, falando e eles ouvindo, falando: Quem chupou minhas laranjas-cravo é só pagar;Quem recebeu meus biliros, minhas brilhantinas, meus extratos meus pós-de-arroz as barraquinhas estão aí mesmo; e continuou falando mesmo muito depois que o casal já não estava mais às suas costas, saindo à sorrelfa, e quando olhou de soslaio e viu que era lugar limpo, mesmo assim, em tom de discurso, continuoua relembrar os presentes dados e recebidos durante os seis para oito de janela das sete às dez, juntando gente, a multidão formada, e ele na falação, até que chegou o Cabo Luiz e o levou pelo cós das calças até a beira do rio, mergulhou profundamente sua cabeça dentro d´água para tirar as fumaças de bebedeira, mas bebedeira era outra, foi o que ele disse à autoridade, bebedeira de amor, senhor cabo, bebedeira de corno, e lhe nasceram chifres e pelas ruas correu, e pega daqui e pega dali, Lindalva já estava na barraca das prendas quando ele subiu à torre da igreja e deu um brado Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva, e foi ela olhar para o alto e ele ir-se, adejou, passou por cima do Cine-Apolo, de chifres e asas, gritando até se perder, o eco cada vez mais fraco, Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva, e noticias dele não se teve, não foi pescado no rio nem encontrado na mata, deu-se como perdido e não se falou mais nele, nem mesmo Lindalva.

hermilo_maqConto 03. A Rã

No Coaxo, ela, na coaxada tardes e noites, a rã, já deveria estar acostumada, ela, a mulher, na beira do riacho corredor, só que nunca via a rã, nunca quase, quando a via tinha um nojo de arrepiar a pele, era uma ou eram mais?, dizer não saberia, só o coaxo dobrava com o vento, pior ainda na cruviana da noite, embora de mesmo de noite ao riacho só tivesse ido em caso de necessidade da mais premente, qual?: lençol co diarreia de menino novo, lençol com vômito de marido, lençol na primeira pancada do boi, coisas raras, anuais até, riacho era coisa para de dia e de dia podia ver a rã, só que raramente já se disse, mas de noite era de ouvi-la na coaxação, que animal coaxante a rã nascera, da sua condição.

Vai na manhã de roupa na cabeça, vai, ao riacho, pensamentos nenhum, brisa fresca e sol acabado de nascer, florzinhas pelas beiradas do caminho, amarelas, brancas, róseas, essa coisa de passarinhos e insetos e bichinhos rastejantes e corredores, manhã já se disse, e na picada vai, vai ao riacho, sozinha, aquele fio-d´água é só para ela, aguada maior fica muito mais embaixo, lá onde as lavadeiras mourejam, ela não é lavadeira, lava o da tua casa, do seu homem de cama e mesa e dos outros:irmãos e filhos taludos, todos já na touceira da cana, nas várzeas e nas chãs, só de tardinha chegariam; e lá vai para o riacho, vai, se disse, se repete, é necessário insistir nessa caminhada, vai lá, ó mulher, acocorada já, a saia arrepanhada para dentro das coxas, à mostra joelhos reluzentes, e sobre a pedra, no vuco-vuco do sabão, os panos, os timões, as ceroulas, as anáguas, os corpinhos, calças e camisas de saco de farinha-de-trigo, peixinhos na ronda, bicando e repudiando o sabão forte, ela lá, sol se levantando, tudo ao derredor e na pedra ao lado, sem saber como, a rã, pequenina, quase confundida com o cinzento da pedra, ela mas se apercebeu, quando viu a rã, arrepiou-se, afastou p arrepio, uma coisinha dessa resmungou, convenceu-se:não PE medo, é nojo.

A rã pulou para outra pedra, oi, cresceu um pouquinho ou é outra, intrigou-se ela, besteira, a mesma, não pode crescer num pulo, estirou as perninhas, foi isso, só, baixou a cabeça e voltou aos panos vendo o sabão formar correntezas brancas, lavou e enxaguou até ver tudo alvo e sentir os braços doídos, ergueu-se no sol a pino estendeu os panos nas pedras para quarar, iria ao almoço, voltaria ao de tardinha para apanhar a roupa, ajuntou os seus apetrechos, um sapo?, bem reparado não, uma rã, do tamanho sim, a mesma não podia ser, rã nenhuma vai crescendo assim na vista da gente, arrepiou-se mas deu um muxoxo, afastou a rã da cabeça e pôs-se a caminhar na picada, para casa, ainda teria que fazer o almoço dela e do dos homens, na picada seguia, uns baques fofos no capim, parou, olhou para trás, a rã, ela, crescera para o tamanho de um sapo-boi, não podia ser, gritou, dessa vez, grito em vão, começou a correr, pulos fofos continuavam perto, avistou a casa, correu mais, adentrou a casa, trancou a porta, trancou as janelas, quando se sentou no tamborete, arfante, em cima da mesa, papo batendo, a rã, grande, de olhos pulados, ela e a rã na casa fechada, correu para o quarto, passou a tramela na porta, na cama, maior ainda, comparado o tamanho a um peru-de-escova, dos grandes, a rã, papo batendo, boca rasgada.

E lá se foi a mulher para os campos, a rã atrás, sempre crescendo, voltou à cas, a rã maior, cansou a mulher, ficou derreada a um canto, todas as portas e janelas fechadas, a rã crescendo, a s duas, a rã e a mulher, já eram do mesmo tamanho, estavam juntas agora, o medo da mulher se fora, só faz mesmo fechar os olhos e esperar.

Quando, de tardinha, os homens chegaram para o descanso e o de-comer, com portas e janelas trancadas gritaram e mais que gritaram e nada de nada, abaixo foi uma das portas, vasculharam toda a casa e não encontraram a mulher, foram aos campos, nada, no riacho as roupas continuavam quarando com pedrinhas em cima por causa do vento, voltaram à casa, nada, somente em cima da mesa uma rã, uma pequena rã, uma rã de parece que um dos homens, impaciente, afastou com um piparote.

hermilo_maqConto 04. A Anunciação

Pirangi nem viu nem nada. Devia ter sido posto depois que badalara as quatro, quer dizer, quando os profissionais da madrugada já circulavam e o dia ameaçava romper, os profissionais no inquérito negando de pés juntos ter visto sequer sombra do capataz que se esquivava nos altos da Casa Almeida Tecidos Ferragens Secos e Molhados: MINHA VIDA É VERBENA, um cartaz daqueles comumente usados pelo Cine-Apolo, papel branco sobre sarrafos entrelaçados, tinta azul, as letras mal feitas, mas Fanhim Deixa-que-eu-chuto, que percorria os pontos estratégicos da cidade carregando-os, botando-os e trocando-os, conforme a fita, chamado para o inquérito, tudo negou com maneios de cabeça e resmungos, dele só se ouvindo claramente uma frase: Eu termino tomando na jatobá. O que intrigava mais mundo naquele sovaco da região – frase somente dita uma vez pelo recém-advindo promotor Tertuliano Braga de Caldas, recém-egresso dos bancos acadêmicos, somente dita uma vez porque jamais teve oportunidade de repeti-la, embora garantisse e soluçasse depois que fora uma brincadeira trêfega, já que removido imediatamente pelo governador em exercício, a pedido do prefeito em exercício – era como diabo de cão aquele cartaz tão grande podia ter sido içado e amarrado a arame no pára-raios.

E começaram as especulações e os cochichos, os murmúrios e os disses, os ouvi dizer, os segredinhos, as intenções, os dedos apontados, houve quem primeiro pensasse nas artimanhas do vizinho município de Catende, cujo time de futebol fora lavado no último domingo, depois debaixo de tudo quanto pedra encontrada numa redondeza de dois quilômetros para bombardear o trem que levara de volta os vencidos, uma das pedras recocheteantes acertando em cheio nos cornos do tabelião apelidado de Chico Viperino, casado com a matrona Inácia Lambe-Lambe, sobejadamente conhecidos e reconhecidos como os maiores papadores da vida alheia, e em cuja casa acudiam as comadres e os compadres para pensarem em tão magno enigma, Chico Viperino ainda de gaze na cabeça, Lambe-Lambe recebendo as visitas, ele está completamente quase bom, o tabelião na espreguiçadeira mais ouvia do que falava para significar i pesaroso do seu estado, mas quando falava era na chincha, e abria perspectivas imensas de assombro nos olhos quando a compreensão chegava, dele partindo a ideia de que a mulher do prefeito, uma das da roda, falasse sem petição ou requerimento, na intimidade, ao seu emérito marido no sentido de que congregasse todas as forças para elucidação do enigma que tanto vinha inquietando a vida da cidade: os membros da Associação Comercial, os da Sociedade União Humanitária, os do Recreio Familiar, os do Clube Literário, entre eles juízes e o promotor e o delegado, sobretudo estes três, responsáveis diretos pela tranqüilidade di vale, afirmando com muita seriedade, rosto preocupado, sábado faz quinta-feira que botaram o cartaz e ninguém ainda não sabe de nada.

A mulher do edil sentiu-se feliz por ter outra ocupação na vida que não a de levar bolachas Maria santinhos coloridos e rapé, uma vez por mês, para os três trancafiados crônicos na cadeia pública: Goguéia, Bole-Bole e Bole-sem-Tempo, e pôs-se a galopar no campo das suas amizades, com ordem do marido, a sessão tendo lugar na sala de audiências do Paço Municipal, o beletrista Costinha, arauto dos sentimentos de toda a população, apelando para as autoridades constituídas no sentido de elucidação do mistério, a primeira providência consistindo na retirada do acintoso cartaz, coisa primária na qual ninguém havia pensado; a segunda como sugestão, mandando que o funcionário competente verificasse nos livros de licença se licença fora concedida e a qual ente e vivente, para aposição do cartaz em pauta, ausente a qual se caracterizaria a culpa; e terceira e última, porém não menos importante, uma missa campal ao mesmo tempo de agravo e desagravo pela audácia de inquietar a heroica cidade.

Foi a partir, pois, da manhã seguinte a esta tarde, quando as autoridades houveram por bem acatar as sugestões do poeta Costinha, futuro camisa-verde, que a cidade começou a viver em pé-de-guerra, na inquietação maior. Para começar, às oito horas, mas o comércio abrindo as suas portas, chegaram os próceres e a banda de musica Siri-na-Lata, bem defronte da Casa Almeida tecidos Ferragens Secos e Molhados, a banda atacando um dobrado lento de enterro ou procissão de sexta-feira santa, Fanhim Deixa-que-eu-Chuto subiu como um macaco, sem escada nem nada, pelas anfractuosidades da parede principal do estabelecimento comercial, amarrou o cartaz criminoso a uma corda e ele desceu rodando para os braços do Cabo Luís, dali diretamente para a fogueira preparada para tal fim, que o engoliu em dois tempos, alguns mais temerosos receando papocos, mas nada aconteceu, pelo que a Siri-na-Lata atacou um dobrado vibrante e todos voltaram ais quefazeres. O mesmo Cabo Luís, acompanhado por três praças, de ordem do excelentíssimo senhor doutor juiz de direito desta comarca, aos trinta do mês de março, varejou os hotéis de Dona Quitéria, Boca-de-rã, Doroteu e os Familiar, convocando, melhor dito intimando todo e qualquer caixeiro-viajante que lá estivesse aboletado para comparecer no prazo de trinta minutos à sala do júri no intuito de ser submetido a um interrogatório destinado a apurar, no respectivo inquérito, o responsável pela colocação do cartaz nos altos da Casa Almeida Tecidos Ferragem Secos e Molhados, sob pena de arcar com rigores da lei, que iam desde os previstos no Código Penal aos aplicados nas caladas e gritadas da noite: cinco, os que estavam na cidade, compareceram, declarando que sem coação, mas nenhuma de suas representações se ligava, embora remotamente, a qualquer produto de beleza, suposição primeira das damas dos próceres, tendo em vista a palavra verbena. Um vendia produtos farmacêuticos altamente especializados em sífilis, blenorragia, mula, quarta-venérea, afogagem, crista-de-Galo, cavalo, cancro-mole; outro se dedicava unicamente à disseminação dos produtos regeneradores das forças vitais como o Reconstituinte Silva Araújo, o Biotônico Fontoura (cada frasco acompanhado pelo Jeca Tatu de Monteiro Lobato), o Gluconato de Cálcio Alemão; o terceiro aos xaropes contra as tosses, fossem coqueluche, piado de gato, seca, bronquite, catarral: Bromil, Rum Creodotado, Creosoto de Faia, Fimatosan: o penúltimo se especializara em medicamentos para o aparelho digestivo: Elixir de Inhame, Bicarbonato de Sódio Cooper, Gotas-Amargas do Doutor Gilvan; e o derradeiro aos problemas da escassez ou da abundância feminina nos seus fluxos mensais: saúde da Mulher e Regulador Gesteira (N° 1 e N°2). Absolvidos e aliviados reuniram-se à noite no café de Nenê Milhaço, beberam dúzias de cerveja alternada com goles de Genebra Foquim, vomitaram no salão, quebraram algumas mesas e terminaram dormindo no xilindró, por castigo na mesma cela de Bole-Bole que fedia mais do que nunca, já que a digníssima do prefeito, afobada, atarefada e tonteada pela campanha anticartaz, lá se esqueceu de ir e insistir para que ela tomasse o seu banho mensal de leco-leco.

No segundo dia das diligencias o promotor teve uma intuição condoreira: Só podem ter sido os bolchevistas. Foi o quanto bastou para que o juiz expedisse de boca a ordem de prisão e o delegado chamasse o Cabo Luís com os seus praças para cumpri-la, o Cabo indo direto à Rua da Ponte onde o único intelectual bolchevista da cidade morava com a sua mulher fazedora de bolo-de-gome, entala-gato, batintope, bolas de cambará, vendidos em tabuleiro dos dois: Zumba-Dentão, que assim chamado porque nas centenas de prisões por que passara arrancando-lhe as unhas e todos os dentes menos o grandão da frente, jamais nada se provando porque coisa nenhuma existia, mas ele pagando por qualquer malfeito impune na cidade, seria mais uma vez, podia ser tudo maneiro ou não, na verdade já se fazia muito tempo que era só protocolar, na faz-de-conta, no arremedo, não tinha mais graça; mas se precisava esgotar todos os recursos na elucidação do mistério, uma vez seria a primeira, e Zumba-Dentão poderia ter se fingido de morto por todo esse tempo; foi chegando na delegacia e para início das conversações, por ordem do delgado, levou um tapa-olho do Cabo Luís que viu tudo rodar, tombou, caiu, quando se levantou: se mal pergunto, por que motivo?, levou outro que achanou o pé da goela, procurando ar, nas pontas  dos pés, como se o ar estivesse acima dele, foi se aquietando, calado estava calado ficou, então lá vai pergunta, chovia pergunta de todo o lado, o triunvirato – juiz, promotor, delegado – só observando, quem interrogava era Costinha, o vate langoroso das valsas dançadas no Clube Literário recitando, entredentes, para a dama nunca morrer assim, num dia assim, ágil na inquirição, em funções de escrivão da polícia, se Zumba-Dentão suava ele suava mais ainda, pulava na ponta dos pés, tomava goles de gasosa de bolinha, arrotava fofo, incansável, perquiridor, quer perder o dente?, e o interrogado só sabia dizer não sai da minha casa; pararam para almoçar, os quatro, posso ir embora?, de tão espantados se engasgaram, bateram uns nas costas dos outros, borrifos, goles, admirações, continuaram pela tarde adentro, não saí da minha casa, no fim da tarde o vate chamou o Cabo Luís e disse arranque , Zumba-Dentão abriu a boca, o Cabo chegou com a torquês, houve um suspense, segurou no pé do dente e puxou, quase nem saiu sangue, quase também que nem doeu, a noite já estava chegando, o juiz na calçada se encontrando com o doutor Bertoldo se lembrou que no dia, melhor na noite assinalada  o bolchevista estava mesmo de cama com uma disenteria dos diabos, ele lá estivera, o quarteto riu, o doutor se afastou balançando a cabeça, uma semana depois era Zumba-sem-Dente para todos os efeitos.

No terceiro dia, por denúncia estrita e anônima, só que todo mundo sabia que quem escrevia carta-anônima ali era Lambe-Lambe, foi chamado o conhecido herbanário e homeopata Alfredinho-Bom-de- Cheiro, mais amarelo que nunca via de cãibra de medo, interrogado com meticulosidade, tartamudeantemente respondendo às questões, negando, jamais, juro, lidei com as verbenas, da família das verbanáceas, conhecidas vulgarmente por camaradinhas, recitando pois o verbete do Dicionário da Língua  de Jaime Seguier, aqui só encontradas nos mais provectos jardins das mais ilustres casas das mais ilustríssimas damas, como poderia eu? , nunca fiz estudos de tal delicadeza tamanha, repito, ameaças mil não surtira, efeito, Alfredinho-Bom-de-Cheiro, de cara com a maldade e a tortura (tinham um odor dos mais estranhos, asseverou depois, uma mistura de sovaco de soldado com merda de urubu diluída em mijo de vaca prenhe) , já passava do amarelo, para o verde pálido, depois em verde mais carregado, cor de folha mesmo, parecia um calango vestido de fraque. Vai então o excelentíssimo senhor doutor juiz de direito dos nascimentos casamentos e óbitos desta comarca aos tantos interrompeu a mão na cara de Alfredinho-bom-de-Cheiro, a mão gordinha quase escura da vate Costinha, com uma pena recôndita, homem de bons sentimentos, e mandou parar, estou convencido de que esse pobre diabo nada ter a ver com a coisa. Foi o que mais insultou o herbanário, que de lá saiu furioso, daí em diante, quando podendo, com as maiores precauções, insultando a autoridade, tenho a minha personalidade, sou homem pra agüentar repuxo, não fujo da parada, só não admito insultos à minha personalidade nem nome de mãe.

Diabo de uma merda de cidade desse tamanho, já se vasculhou tudo, não se sabe mais o que se faça, afirmava o doutor juiz de direito numa partida de gamão com Santos Lafaeite, ao entardecer do dia, não se encontra o criminoso que tanto tem agitado a ordeira população com aquele seu cartaz estúpido sem pé nem cabeça. Isto por haver passado grande parte do dia anterior e toda a tarde desse inquirindo com palavras, quirisadas, chapuletadas bem distribuídas os marginais do burgo. Vieram Mateus de bumba-meu-boi, bedeguebas de pastoril, capitães da fandango, mamulengueiros, mestre de samba-de- baque e ninguém sabia nada, ninguém, jamais tivera notícia de autor de tal proeza que um deles, porta – voz da ralé afirmou como sendo a mais ignóbil já perpetrada naquelas cercanias. Assinaram um termo se comprometendo a delatar o infrator, indo até mais além, assinaram um termo se comprometendo a sindicar nas camadas baixas em que viviam os falatórios que pudessem levar à elucidação daquele mistério de Paris no dizer de Lelé o fotógrafo. Mas se fosse esperar por isso, sabiam, iriam esperar sentados, pois aquela gente não tem nenhum pudor, nenhum pejo, nenhum sentido social de solidariedade humana, sou eu quem diz, eu Costa Andrada, interrogador.

Foi o caso que favoreceu o Cabo Luís, sem estar no seu cumprimento do dever nem nada, não era direito, foi o que os bengala-fumengas disseram depois, não valia, cogitaram até de mandar o Cabo desta vida para a outra, desistindo da ideia somente porque não sendo tempo de eleição nenhum babaquara os protegeria do castigo da justiça, que invocada seria e alcançaria a todos, justiça não faz distinção de raça, religião e posição social: o cabo Luís estava sentado no botequim de Guará, toando de graça as suas habituais cachaças de raiz, quando chegou Dorotéia-Rabo-Peludo de maletinha na mão, foi uma alegria de todos, como se foi de Gameleira?, demorou muito, tome um guaraná Fratelli, conte as festas, e La vai palavras, lá vai risada, lá vão ditos e negaças, lá vai piadinhas,e entrelinhas, elá vai coisa, e no meio de um daqueles silêncios que se fazem em toda a reunião, alto e bom som Doroteia-Rabo-Peludo perguntou com a maior naturalidade do mundo onde está Verbena que faz ponto aqui toda noite a essa hora? As línguas pronunciaram palavras jamais pensadas na ânsia de fazer barulho para abafar a interrogação por demais comprida aliás e eram todas ao mesmo tempo mais aos gritos do que às falas e de repente foi um grito maior que fez voltar o silêncio e La estava o Cabo Luís de olhos injetados olhando nos olhos de cada um, era só escolher, avançou e abecou Guará, arrastando-o por cima do balcão, você vai comigo, Doroteia-Tabo-Peludo não entedia o que estava passando, quis intervir, puxaram-na para um canto, calma mulher, depois eu explico, não se meta agora, deixe que Guará sabe o que pode fazer.

Guará sabia o que podia fazer mas não aguentou mais de quarenta e oito horas. Que aguentou, aguentou: pau na marra, pau na bunda, cacetada nos penduricalhos, cacete no ventoso, extração de dentes e de pentelhos, arranco da unha do indicador da desta e quebra do dedo mínimo da sinistra, novamente cacete na panasqueira. Na noite do segundo dia, sem querer, o Cabo Luís acertou com o fraco de Guará que jamais comera comida quente em sua vida desde que a mãe lhe contara todas as noites durante cinco anos, para dormir e lhe trazer pesadelos, a estória de água meu netinho azeite senhora avó: felá da puta, se você não abrir o focinho eu lhe meto um ovo quente na boca e costuro com arame. Guará ainda pensou que fosse somente ameaça, mas quando viu o dito referido numa colher de sopa, pegando fogo, engasgou-se e obrou tudo:  diz que Verbena deixou a vida de puta para amigar-se com Otoniel, o filho de Odin; diz que sim, aquele mesmo que vive fazendo novenas contra as ordens do Padre Alípio e que é devoto de São Sebastião; diz que amor à primeira vista, que Otoniel jamais conhecera mulher vivendo das bem tocadas gloriosas, aqui estou livre de pegar doença feia, aqui estou livre de roubar mulher alheia; diz que em dois dias Verbena se apaixonou Poe ele, que foram morar juntos numa casinha no Alto do Matadouro, que de tão alegre Otoniel escrevera ele mesmo aquele cartaz e de madrugada colocara-o no altos da Casa Almeida Tecidos Ferragens Secos e Molhados com a maior inocência sem saber de posturas municipais e segurança nacional, somente para anunciar o amor; diz que o infrator de nada está sabendo, pois além de nada entender afora santos e agora amor, ninguém quis incomodá-lo durante esse período. Diz mais que são as mulheres e os jogadores do Alto do Lenhador que estão sustentando o casal e que quando passar a tesão original Otoniel era trabalhar com ele depoente, Verbena podendo fazer a vida até a hora de irem para casa; e o que disse mais estava fora das tábuas da lei pelo que foi na palavra casa lido e achado conforme assino a presente declaração por livre e espontânea vontade Menelau Alves da Silva vulgo Guará.

Foi por iniciativa própria que o Cabo Luís agiu daquela maneira, conforme ficou provado no inquérito que se seguiu, nem mesmo chegando a ir a júri, muito menos cadeia, afastado do cargo durante uma semana enquanto juiz, promotor e delegado verificavam a melhor maneira de tirar a pobre autoridade subalterna daquela enrascada. Foi assim: deixando Guará aos tombos quebrados dirigiu-se à moradia do casal lá para as onze da noite, sem chamar nem moço botou a porta abaixo com a coronha do rifle, arrastou Otoniel de olhos redondos de cima de Verbema de olhos mortos até o quintal e lá deu-lhe uma coronhada bem aplicada para começar a brincadeira mas a brincadeira terminou ali na mesma hora subitamente espoucada sem ais e quando o Cabo constatou aquilo não fez mais que lançar um suspiro, não ia divertir-se, do que ele fez depois não há testemunhas visuais ou auriculares, nem mesmo Verbena testemunha da primeira parte que desmaiou durante horas até ser socorrida pelas ventoinhas outras.

Quando a barra do dia ia quebrando aqueles que passavam no Cruzeiro podiam distinguir um vulto nele pregado e os que tiveram a coragem demasiada de aproximar-se reconheceram Otoniel, filho de Odin, um facão rabo-de-galo enfiado no peito, Entre o peito e o cabo da lâmina um cartaz: O REI DOS FRESCOS. Mas quando o dia clareou de vez, Otoniel na estava mais lá. Em casa do juiz bebiam-se os últimos cálices de Quinado Constantino, enquanto os notáveis da cidade preparavam-se para regressar à paz.

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Engolindo baratas: atriz questiona falta de pagamento da Prefeitura do Recife

Atriz apresentou leitura dramatizada em agosto e ainda não recebeu pagamento. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Atriz apresentou leitura dramatizada em agosto e ainda não recebeu pagamento. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Entra governo e sai governo e parece que as coisas mudam muito pouco. Aqui mesmo no Satisfeita, Yolanda? algumas (muitas) vezes já fizemos matérias cobrando pagamentos de cachês atrasados. Artistas que trabalharam e não tiveram suas atividades remuneradas; ou que levaram meses e passaram por muito constrangimento até conseguir o que era simplesmente um direito. Agora a história se repete. Mais uma vez. Luciana Lyra utilizou as redes sociais neste sábado (18) para protestar e fazer um apelo às autoridades. A atriz e diretora participou da abertura da programação da 12ª edição do Festival Recifense de Literatura A Letra e A Voz, realizado pela Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife, com curadoria do jornalista Schneider Carpeggiani.

Sob direção de Newton Moreno, a atriz apresentou a leitura dramática A Paixão segundo GH que, inclusive, voltou aos palcos recentemente em São Paulo. A apresentação criada especialmente para o festival no Recife foi no mês de agosto do ano passado e, até agora, nem sinal de pagamento de cachê. “(…)Por meio da intensidade das palavras da escritora, engoli barata e ‘dei inocentemente a mão ao público, e porque eu a segurava é que tive coragem de me afundar’. Tive a competente direção de Newton Moreno respondendo ao convite delicado do curador Schneider Carpeggiani. Ainda para completar o cuidado todo dedicado à leitura dramática realizada em homenagem ao romance de Clarice, tive produção de Karla Martins, indumentária de Fabiana Pirro e música de Ricardo Braz”, escreveu Luciana Lyra.

“Infelizmente o mesmo cuidado que empregamos na lida com este lindo público e com o evento, não teve a Fundação de Cultura da Cidade do Recife, da Prefeitura do Recife, em fazer o pagamento desses artistas a espera há longos oito meses”, continuou. Segundo Luciana Lyra, há pelo menos seis meses uma nota fiscal foi entregue à Prefeitura, mas “não tivemos sequer retorno ou satisfação dos coordenadores do Festival acerca do pagamento por nossa atuação em terreno pernambucano”.

Schneider Carpeggiani durante entrevista coletiva que anunciou a programação do festival. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Schneider Carpeggiani durante entrevista coletiva que anunciou a programação do festival. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

O jornalista Schneider Carpeggiani, que fez pela terceira vez a curadoria do festival, também usou as redes sociais para se manifestar. “Como curador passei um tempão tentando ajudar os convidados do festival, que não conseguiam informações de quando ou se iriam receber. Mas acabei ficando sem conseguir essas informações para repassar, tanto quanto os outros. (…) Compartilho aqui a indignação de Newton e de Luciana, porque como curador a minha principal moeda é justamente a confiança das pessoas que eu convido para o meu trabalho, confiança que tanto o conceito vai ser bom quanto que elas vão receber”, escreveu.

Em entrevista ao blog, Carpeggiani ressaltou a falta de capacitação da equipe que compõe a Fundação de Cultura. Segundo o seu relato, um dos autores que participou do festival recebeu um e-mail dois meses após o evento, informando que ele só receberia se enviasse fotos comprovando que participou da programação de fato. “É preciso haver uma capacitação das pessoas que fazem parte atualmente da Fundação de Cultura, para que elas entendam o que estão fazendo. Há uma percepção que eles contratam não pessoas especializadas, mas técnicos, pessoas de ação. Só que para a realização de um festival é preciso que esses técnicos tenham noção não apenas de ação, mas de com quem e em relação a que estão trabalhando”, pontuou o curador, afirmando que a parte operacional e de produção durante o festival é competente. “Eles precisam saber quem é um Newton Moreno ou o que é A paixão segundo GH de Clarice, porque isso facilita o processo”.

Para o curador, que disse ter conhecimento de que outros artistas também não receberam, “não é só honrar com os compromissos. Além disso, as pessoas não podem se sentir constrangidas quanto ao fato de procurarem informações em relação ao pagamento”, concluiu.

Enviamos um e-mail para a assessoria de imprensa da Prefeitura do Recife para tentar algum esclarecimento com relação ao não pagamento dos convidados do festival A Letra e A Voz.

Mas será mesmo que é só esse festival que está sofrendo com a falta de compromisso do poder público? Que outros eventos ainda aguardam pagamento? Se você é artista e também não recebeu, comente! Quem sabe não conseguimos ampliar esse clamor na luta por respeito e dignidade?

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Entidades discutem crise na cultura

Desde que a Prefeitura do Recife divulgou oficialmente, no dia 29 de outubro, a notícia de que o Festival Recife do Teatro Nacional (FRTN) não seria realizado em 2014 e passaria a acontecer em edições bienais, sendo alternado com o Festival Internacional de Dança, muita coisa já se passou. A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015, por exemplo, foi aprovada na Câmara de Vereadores com uma redução de 16% nos recursos conjuntos da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife (FCCR), o que significa R$ 17 milhões a menos para a cultura. Por outro lado, finalmente o prefeito Geraldo Júlio assinou a autorização para o início das obras no Teatro do Parque, fechado desde 2010.

Mas antes que a LOA fosse assinada e o anúncio com relação ao Teatro do Parque realizado, a equipe de Cultura da Prefeitura do Recife precisou apagar um incêndio. A secretária de Cultura, Leda Alves, e o presidente da FCCR, Diego Rocha, além de Carlos Carvalho, responsável pelo Apolo-Hermilo e, consequentemente, pela realização do FRTN, e Romildo Moreira, gestor de artes cênicas, se reuniram, no dia 10 de novembro, com as entidades representantes do setor de Artes Cênicas. Queriam atenuar a crise gerada pelo anúncio da não realização do festival sem que a classe artística fosse, ao menos, ouvida.

Foi depois dessa reunião que o Satisfeita, Yolanda? conversou com os representantes oficiais da classe. Participaram dessa conversa Paulo de Castro, presidente da Associação de Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe), Ivonete Melo, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão no Estado de Pernambuco (Sated-PE), Feliciano Félix, presidente da Associação de Realizadores de Teatro de Pernambuco (Artepe), e Roberto Xavier, presidente da Federação de Teatro de Pernambuco (Feteape). Na entrevista, eles falaram não só sobre o atual momento na cultura do Recife, mas também se posicionaram com relação à questões polêmicas, como a crise na representatividade das entidades perante os artistas.

Nesta terça-feira (9), as associações e sindicatos vão novamente se reunir com Leda Alves e com Diego Rocha. Garantiram que, depois da conversa, vão convocar a classe artística.

Entidades e associações da classe artística vão conversar com Leda Alves nesta terça-feira. Foto: Ivana Moura

Entidades e associações da classe artística vão conversar com Leda Alves nesta terça-feira. Foto: Ivana Moura

Entrevista // Entidades representativas das Artes Cênicas em Pernambuco

Qual foi o caminho para que essa primeira reunião com a secretária de Cultura e o presidente da Fundação de Cultura tenha acontecido?

Feliciano Félix – Depois que saiu a notícia de que não haveria o festival de teatro do Recife, toda a classe artística começou a se movimentar; começaram a acontecer reuniões em vários segmentos. As próprias entidades se juntaram e fizeram uma nota de repúdio. Foi feita uma reunião no Espaço Caramiolas, com vários artistas de várias linguagens, onde foi tirado um documento contundente. Tudo isso chegou, obviamente, ao conhecimento da secretária. Ela convocou as entidades para conversar. Recebemos ofício por escrito assinado pela própria secretária para todas as entidades de artes cênicas. Na verdade, ela chamou a gente depois que o mal estar e a movimentação estavam instalados na cidade.

Como foi essa reunião?

Feliciano Félix – Na reunião, a secretária, o presidente da Fundação de Cultura do Recife e Carlos Carvalho tentaram explicar, justificar. Mas era para ter feito isso antes de ter dito que o festival seria cancelado. As entidades puderam falar e todas foram contundentes no sentido de que não concordam que os festivais de teatro e de dança sejam bienais.

Houve um pedido de desculpas formal para a classe? A secretária se desculpou por não ter ouvido a classe antes de tomar uma decisão dessas?

Ivonete Melo – Ela se desculpou, dizendo que era uma pessoa democrática, que antes de tudo era atriz, portanto não sabe como isso aconteceu e nem o porquê, já que ela é da área.

Ela disse que vai acatar o pensamento da classe?

Ivonete Melo – Não. Ela marcou uma reunião para o dia 9.

Paulo de Castro – O festival tem que voltar ano que vem. Agora a gente vê que é absurdamente ilógico fazer um festival. A gente compreende. Pela incompetência deles, mas compreendemos. A discussão é que, no próximo ano, as coisas sejam normalizadas. Mas acho que precisamos sair das questões culturais e ir para as questões políticas. Não temos que estar discutindo se é Carvalho (Carlos), se é Leda (Alves), se é aquele presidente que eu não sei nem o nome. A gente tem que focar no prefeito. Está claro que a ideia do prefeito é que ele não tem nada a ver com a cultura. Todas as situações culturais da cidade, e eu não falo só da dança e do teatro, falo da cultura pernambucana, ele cortou tudo, em todos os âmbitos. Até os ciclos! Se era um gasto x, está menos x. Porque isso? Porque a gente não fala, não grita, não chama o prefeito para uma ação mais contundente. O prefeito tem que entender o que é cultura, porque eu sei que ele não entende, e também não é obrigado a entender não. Mas ele é obrigado a compreender. E a gente não pode continuar como na prefeitura anterior. Perdemos quatro anos. Mas também já perdemos dois agora. São seis anos perdidos. É a hora de chegar para o prefeito e dizer: “prefeito, a gente precisa falar com você”. Ainda mais nessa época?! Era bom que ele viesse vestido de Papai Noel, para falar com a gente. Talvez surtisse algum efeito, ele entendesse do quê a cultura precisa. Já que o Natal é uma época tão boa e o Papai Noel um personagem importantíssimo. Eu acho, prefeito, que você deveria convocar os artistas da cidade para uma conversa, até para você entender o processo. Porque você tem uma mulher na secretaria que sabe tudo, mas não tem poder. Aí não adianta, prefeito. Você tem um cara que você colocou na Fundação que é uma pessoa sua, mas não entende do métier. É necessário que você respalde essas pessoas, para que elas tenham um convívio decente com a classe. Principalmente em se tratando de uma mulher como Leda Alves, uma mulher que sabe exatamente o que pode fazer. A questão hoje está centralizada no senhor prefeito. Ele tem que dizer alguma coisa. A gente não pode viver de bicicletas. É preciso ter algo mais do que bicicletas.

Beto Xavier – Teve uma questão colocada na reunião do Conselho Municipal de Cultura que é bem interessante. Essa questão do Festival foi só a cereja do bolo. Porque vem acontecendo várias coisas, teatros fechados, reformas que não tem data nem para começar e nem para terminar, os editais dos ciclos culturais, que não incluem teatro. E nós, enquanto Feteape, temos uma preocupação mais geral. Esse festival sendo transformado em bienal, pode causar o esfriamento e a descontinuidade disso. A Feteape tem como exemplo o projeto Todos Verão Teatro, que sempre aconteceu em janeiro. Depois houve um acordo para que ele fosse para março e, quando chegou março, a prefeitura disse que não tinha dinheiro por causa do carnaval. E deu-se esse esfriamento. Temo que isso aconteça agora.

Qual a posição de vocês na próxima reunião? Já que é uma questão muito mais ampla e não estamos discutindo pessoas?

Feliciano Félix – O posicionamento das entidades é dizer que não concorda que esses festivais sejam bienais. A outra questão que temos que ficar atentos é que existe um Plano Municipal de Cultura para a cidade do Recife, que foi aprovado em 2009. É um plano para dez anos, válido até 2019, e está sendo descumprido pela Prefeitura do Recife. Se você tem um Plano Municipal de Cultura que diz quais são as políticas estruturadoras que devem ser implementadas e lá fala que os festivais não anuais, fora os outros eventos que foram cancelados… Na hora que a Prefeitura não cumpre um plano que é lei, ela corre, inclusive, o risco de ser enquadrada por improbidade administrativa.

Essa é uma questão complicada. Esse plano realmente foi aprovado e sancionado por João da Costa em 2009, mas não há nenhum decreto regulamentando esse plano. Então, juridicamente, esse plano não teria valor. Diante disso, o que vocês pretendem fazer?

Feliciano Félix – Juridicamente é uma questão para ver com quem entende. Mas politicamente é muito ruim descumprir um documento que é fruto da luta, da batalha. Foram muitas reuniões, incansáveis, escutas com o movimento cultural, finais de semana inteiros discutindo, com todas as entidades, não só de artes cênicas. Politicamente, independente dessa questão jurídica, tem uma importância muito grande na construção da política pública de cultura, na democratização do acesso, do fomento, da formação. Isso tem que ser levado em consideração.

Paulo de Castro – E será levado, Félix. Se a gente admitir que nos quatro anos do outro prefeito, ele conseguiu fazer, como é que esse que veio com toda força política, o homem que veio abrir todas as portas do crescimento…eu não acredito! Quando ele for comunicado e entender o que está acontecendo, ele não vai fazer uma besteira desses. O festival de teatro, por exemplo, é insignificante financeiramente, inclusive. Um projeto de R$ 1 milhão, que é nacional, que abre mercado de trabalho. Mas a gente também não disse ao prefeito o mercado de trabalho que a gente abre. O prefeito pode achar que abriu centenas de vagas com as bicicletas. Eu diria a ele que nós abrimos milhares com nossos processos culturais. Muito mais que a Fiat, por exemplo! Quantos empregados tem a Fiat? Quantas pessoas nós empregamos por ano? Então essas coisas, numa discussão aberta, tranquila, sem nenhuma violência, sem nenhum sentido de direita e esquerda, de A ou B. A gente discute cultura. Não quero discutir teatro, quero discutir a cultura como um todo, puxando do Estado o dever que é dele e que está no Plano.

Feliciano Félix – Se existir uma decisão política, vontade política, não precisa Plano nenhum. É só fazer. Outra coisa que a gente observa é que os recursos para a cultura estão diminuindo ano a ano. A gente está até com um documento: Carta ao povo do Recife pela retomada e fortalecimento das políticas públicas de cultura na cidade do Recife. Esse foi o documento escrito a partir da reunião de artistas de várias linguagens no Caramiolas. Foi feito um levantamento e a cultura tem sofrido cortes. E há uma projeção de redução de 16% em relação a esse ano.

Essa situação, já que o próprio Feliciano está dizendo que os valores destinados à cultura foram diminuindo ao longo do tempo, e pensando que essa prefeitura está aí há dois anos, chegamos a essa situação por quê?

Paulo de Castro – Pela fragilidade da própria classe, claro. O governador e o prefeito eles não têm culpa de nada. Porque o foco deles é outro. Até porque eles não entendem de cultura e nem acham que política cultural dá voto. Quem tem que mostrar isso a ele somos nós. Nunca vou dizer que fulano de tal, que é o governador, o prefeito, é culpado das coisas. Eu posso até dizer coisas piores a eles, mas jamais isso. Porque isso é uma questão de discussão própria da categoria e é uma exigência. Afinal de contas, pagamos os tributos normais e somos as pessoas que criamos a cultura desse país. Não é qualquer coisa não. Nós temos um valor que deve ser mensurado, pensado e repensado, e respeitado, antes de tudo.

Feliciano Félix – Concordo, mas há falta de sensibilidade por falta do governo e atenção para a cultura. Porque se eles tivessem atenção, por mais que houvesse a fragilidade da classe…a coisa não estaria como está. Porque a ausência deles na reunião do Conselho Municipal de Cultura?

Paulo de Castro – Porque não interessa! Eles não vêem aí nenhuma motivação. E outra coisa, os secretários vão tomar conta das suas secretarias para criar e deixar as marcas deles, como se as marcas deles fossem uma coisa importante para a cidade, quando muito mais importante seria eles verem o que a população quer e fazer os projetos que a população necessita, seja em qualquer setor, no esgoto ou na cultura, no que for. Mas aí vem um secretário, cria uma história, é eleito com não sei quantos milhões de votos; e a sociedade se abestalha e não diz: não é isso que a gente quer não, pelo amor de Deus, a gente quer outras coisas. Agora a gente tem que dizer, porque senão eles não vão ouvir, não vão saber.

Quero fazer uma pergunta nesse sentido. Vocês esperaram que a Prefeitura divulgasse, e muito mais motivada pela imprensa, quase em novembro, que não haveria festival. Quando todo mundo já falava sobre isso, já havia um burburinho na cidade, isso corria à boca miúda. Porque vocês esperaram ver que o festival não ia acontecer para tomar uma atitude?

Ivonete Melo – Eu mesma só vim saber depois que saiu na imprensa. Até então, nem boca miúda eu tinha escutado.

Então as associações não estão acompanhando o que está acontecendo na cidade…. Porque um festival nacional gera articulações…

Feliciano Félix – A gente não acreditava que houvesse esse descaso.

Paulo de Castro – A questão não é essa. A questão é articulação. As entidades elas não podem estar desarticuladas entre si e elas estão. E não tem problema de dizer isso.

Ivonete Melo – E você sabia que não ia ter o festival através de quem?

Paulo de Castro – Através do jornal, dos amigos.

Se você está em novembro e nada aconteceu…

Paulo de Castro – Se a gente está articulado, a gente sabe disso antes. Quando eles falassem no festival, a gente pediria uma reunião. O que vai ter? A gente tem que estar cobrando. É uma surpresa e o milagre acaba sendo dela, porque foi Leda quem convocou a gente. A gente ia meter o pau no jornal e ia ficar por isso mesmo e não ia ter. Então, nesse ponto, tenho que argumentar que Leda foi a salvação da história, porque ela viu, é uma mulher democrática, uma mulher que respira cultura, da classe, viu: “pô, como é que se faz isso sem nem convocar, para saber o que se pensa?”. O erro é nosso, porque temos que voltar a ter articulação como tínhamos há 20 anos. Nada acontecia nessa cidade sem a gente saber. Quando Jarbas (Vasconcelos) tentou, imaginou, que ia pegar os teatros da cidade para vender, não deu 24 horas, a gente deu uma pressão nele, parou tudo. Agora não adianta se mobilizar só quando tiver o crime. Quer dizer, só depois que uma pessoa morre, nós chegamos? É preciso também que a gente chame a categoria que não está participando, que é a maioria, até porque desacredita, mas se desacredita é um problema deles, eles têm que ver e abrir os horizontes, porque a gente precisa estar junto, presidente de entidade não resolve nada sozinho não.

Os artistas não se vêem representados pelas entidades – tanto é que surgiram vários movimentos, diferentes reuniões aconteceram desde o anúncio que não haveria festival. Como é que vocês vão lidar com essa falta de representatividade?

Ivonete Melo – O sindicato não é só os presidentes não. Paulo tem razão. Porque a classe falar é uma coisa e chegar até as entidades e dizer o que quer, como quer e vamos agir, é outra coisa, entendeu? Os presidentes sozinhos não resolvem nada não. Resolvem com a classe. Por exemplo: se a classe sabia disso há muito tempo, porque não foi lá? A classe não falou lá, na avaliação, quando terminou o festival ano passado?

Mas quem deveria ter permanecido cobrando isso não eram as entidades? Como pessoas jurídicas?

Paulo de Castro – Também. Mas a classe também tem todo o direito, assim como temos de tirar um governante, a classe tem direito de tirar um Paulo de Castro, por exemplo. Mas há também de se dizer que, de uns quinze anos para cá, a classe só pensa no umbigo. O que é que eu tenho? O que é que eu posso? Até porque a situação financeira está ruim. Quero só fazer um parêntese de que a situação financeira do Brasil é realmente muito ruim e ficará pior e quem pensa que é brincadeira vai se dar mal. Voltando à categoria, tenho todas as culpas do mundo, mas estou aberto a discussões. Mas não pode querer só abraçar teatro. Não se resolve política cultural abraçando teatro.

Ivonete Melo – E sozinho, fazendo as coisas sozinho.

Paulo de Castro – E discutindo as questões em mesa de bar. Tem que fazer uma assembleia e chamar quem você acha que está errado. Convoque uma assembléia da Apacepe, do Sindicato, pra ver se nós não fazemos?

Ivonete Melo – Nunca nos negamos.

Paulo de Castro – Mas o mundo hoje é outro. Há 30 anos, não tinha nem o celular. E a gente combinava uma reunião em 24 horas. Hoje a gente tem isso aqui e não consegue juntar cinco pessoas, porque cinco pessoas têm duzentas coisas pra fazer. O mundo virou. Essa tecnologia afastou as pessoas.

Voltando à questão: o que vocês pretendem na próxima reunião na Prefeitura do Recife?

Paulo de Castro A gente vai lá provar por A+B que não há o menor problema da Fundação ou da Secretaria fazer o festival anualmente, porque o problema financeiro não é verdade. O problema é a gestão entender que é importante e colocar a grana na Loa, entendeu? Como quando eles querem, colocam. Quando o governo quer fazer uma ação, o dinheiro chega antes. Quando o governo, seja Prefeitura, Governo do Estado ou Federal, ele quer fazer uma ação que precisa pagar antes as pessoas, ele arruma o dinheiro e paga. Agora, quando não quer, só pode pagar com 60 dias, com 90 dias. Ai vira essa brincadeira. Porque a coisa mais fácil do mundo é dizer que o órgão é emperrado. Claro que o órgão é emperrado. Mas quando a pessoa quer decidir politicamente, desemperra tudo em 24 horas.

Mas e para além dos festivais, as outras questões, como o SIC, o Fomento?

Paulo de Castro Essa é a próxima reunião. A gente não vai discutir só festival não. A gente tem que discutir: “olhe, essa grana que estava aqui e faz tanto tempo que não entra. E agora vocês dizem que vai ser R$ 33 mil?” Não pode ser dessa forma. Então a gente tem que discutir isso. Mas não é só isso não. Tem uma série de coisas que não são mais feitas. Não se faz mais nada, acabou tudo.

Ivonete Melo – O Hermilo mesmo tinha. O Aprendiz Encena, O solo do outro, que isso tudo é formação, oficina. Tem uma série de coisas que nada mais acontece.

Paulo de Castro – Mas veja bem. Lá no Hermilo, tem várias oficinas. Podem não ser as que já estavam na cabeça da gente. Mas está lá. O problema é de quem está no Hermilo e que olhar ele quer pro Hermilo. Isso passa também por quem está dirigindo. E se ele está só e não tem nenhuma cobrança, se a gente não vai atrás, ele vai fazendo, é natural. Dizer: “olha, a gente precisa fazer um curso com os técnicos. Os técnicos estão morrendo aí e não estão repassando para os jovens”. Só que essa coisa toda requer muito tempo da gente e a gente não ganha um tostão pra isso. E chega um momento que, por exemplo, “hoje eu não posso, porque vou fazer um palhaço na casa de alguém pra ganhar 300 contos”. E você na mesma hora dissipa a discussão. Isso acontece direto. Se você colocar uma reunião agora à noite e conseguir juntar 20 pessoas, você sobe aos céus.

Diante dessa falta de mobilização, o que vocês vão fazer? Vocês pretendem acionar o Ministério Público?

Feliciano Félix – O cancelamento dos festivais foi apenas a gota d´água. Tem uma série de problemas que vem há muito tempo. O Teatro do Parque fechado há tanto tempo; o Barreto Júnior não recebe espetáculos por causa do ar condicionado. A gente não tem casas de espetáculo pra fazer nossos espetáculos. Na minha opinião falta planejamento, falta previsão orçamentária para cobrir essas ações. Acho que falta clareza da política pública pensada por essa gestão para que a gente possa entender e acompanhar.

Paulo de Castro – Não tem. O cara está no teatro, faz a política para o lugar. Mas não é um pensamento, uma ideia que seja jogada para a sociedade, esse é o pensamento geral.

Esse não seria um problema da secretária, não seria ela a responsável por pensar ou chamar as pessoas, os estudiosos, a academia, e traçar esse plano para a sociedade discutir?

Feliciano Félix – E não precisa começar do zero, porque já existe o Plano Municipal de Cultura.

Paulo de Castro Porque esse pensamento, do maior grau que é a secretária, ele não é verdade. O pensamento tem que ser o da categoria. O que é que nós queremos que a secretária faça? Eu vejo que é diferente. Não é o que a secretária vai fazer para a gente e sim o que nós queremos que ela faça. Se ela traz uma coisa boa e que nos interessa, claro que a gente vai , mas a gente não tem que ouvir a secretária. Ela é que tem que nos ouvir. Ela é paga para ouvir e fazer o trabalho. Outra coisa: ela não é paga para executar o trabalho não. Ela tem que contratar as pessoas certas da cidade para produzir determinado evento ou espetáculo, porque a qualificação deles lá não é essa.

Vocês pretendem acionar o Ministério Público?

Paulo de Castro – No momento, na minha opinião, de jeito nenhum. O Ministério Público é para pessoa física. Como entidade, tem que pensar, discutir, pra ver quais são as possibilidades. Se for para partir para a briga depois, nós partimos.

Paulo de Castro, Roberto Xavier, Ivonete Meo e Feliciano Félix

Paulo de Castro, Beto Xavier, Ivonete Meo e Feliciano Félix

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