Arquivo da tag: crítica

Santo forte de Caymmi

Espetáculo Dorival Obá, da companhia Vias da Dança. Foto Ivana Mour

Espetáculo Dorival Obá, da companhia Vias da Dança. Foto: Ivana Moura

mbd-22233Dorival Obá combina mistérios com cores e musicalidade baiana de Caymmi. É uma peça-homenagem da companhia Vias da Dança, do Recife, com coreografia repleta de alusões ao candomblé e aos orixás. A pesquisa do grupo dirigido por Heloisa Duque e o lema da encenação mostram que esse filho de Xangô foi largado por sua mãe quando contava 3 anos. No terreiro de candomblé conectou o material simbólico para compor sua música. Os traços alegres de seu repertório estão repletos dessa Bahia mística e esperançosa. A preguiça chega como um estado de espírito embalada pelo calor e leveza do lugar. As mulheres de saia que o educaram entre mandingas e cantigas de roda do candomblé são guias desse percurso. Dorival Obá é uma conjunção desses elementos. É uma dança sensorial, imagética, emotiva. Carrega uma potência nervosa. Uma força explosiva.

A montagem participou da programação do 12º Festival Brasileiro de Dança e fez uma única apresentação no Teatro Hermilo Borba Filho. No palco praticamente limpo, um biombo ao fundo guardava o momento da sombra do bailarino projetada sob uma luz avermelhada. As oferendas foram instaladas na parte do espaço mais próxima do público. Em artefatos de barro, alimentos-símbolos como o quiabo faziam a função de proteger e lembrar.

A coreografia – do bailarino e ator Juan Guimarães – é forte, com um acento masculino. Leva para o palco o balanço do mar, a devoção a Xangó, as bênçãos e proteção. Dançam em Dorival Obá os bailarinos Thomas de Aquino Leal, Júlia Franca, Natália Brito, Rayssa Carvalho e Simone Carvalho.

No canto de Caymmi, o balanço das ondas do mar inunda o corpo dos bailarinos. Na encenação, a companhia utiliza depoimentos de Dorival em áudio, a partir de entrevistas que ele concedeu, além de músicas como É doce morrer no mar, Samba da minha terra, O que é que a baiana tem e Canto de Nanã e trechos de percussão. A trilha sonora é assinada por Henrique Macedo.

O desenho coreográfico está impregnado de uma partitura de religiosidade e de sacrifício. Gestual de iniciação e possessão é executado em várias situações. Os braços voam ou se quedam em reverência. Vibram em energia.

Coreografia é assinada pelo ator e bailarino Juan Guimarães

Coreografia é assinada pelo ator e bailarino Juan Guimarães

O corpo e o movimento exalam referências africanas, transfiguradas pela dança contemporânea. É um corpo de culturas ancestrais. Na desconstrução desse corpo, a bacia celebra o jogo do desencaixe, a coluna flexível.

A oração se faz corpo. Um corpo dilatado, que negocia (ou guerreia) com a oposição. Ou abraça o desequilíbrio. Nessa dança de elementos ritualísticos, os pés pensam. Do chão retiram a potência dos orixás.

E não se pode pensar em Xangô, sem pensar em poder. O prazer de Xangô é o poder. Há toda uma movimentação de Oxés (machados duplos) invisíveis, simulações de golpes. Sem descartar a virilidade e agressividade do santo africano, um guerreiro por natureza, que rasga o espaço para frente.

Entre o canto e a reza, o mar e seus encantos, os atabaques repicam e aceleram o ritmo. A voz de Caymmi insufla de energia, de veneração, marca outro tempo e o corpo do dançarino segue o desafio. O tom dos figurinos é avermelhado puxando para o marrom numa celebração ao orixá.

E como poetiza sobre Dorival o compositor Paulo César Pinheiro: “…Caymmi é um deus do mar reencarnado / por isso é que seu canto é uma oração…” E a Vias da Dança produz um espetáculo vivo, alegre que agencia com a espiritualidade mais festiva.

Postado com as tags: , , , , , , , ,

A repressão risível do desejo

As Bondosas, com os atores Leandro Mariz, Sidcley Batista, Gerson Lobo. Fotos: Ivana Moura

As Bondosas, com os atores Leandro Mariz, Sidcley Batista, Gerson Lobo. Fotos: Ivana Moura

logo garanhunsSidcley Batista, Gerson Lobo, Leandro Mariz e Tom Pires são quatro artistas pernambucanos que migraram para o Rio de Janeiro para trabalhar com arte. Eles são os três atores e o diretor da peça As Bondosas, da Cia SOS de Teatro Investigativo, que foi apresentada nessa terça-feira, no 25º Festival de Inverno de Garanhuns. Ao final da sessão, Gerson Lobo dedicou o espetáculo ao artista de teatro pernambucano, na intenção de que ele seja valorizado aqui e não precise sair para só ser reconhecido pelas instituições quando está lá fora. Recado dado.

Espetáculo lotou o Teatro Luiz Souto Dourado e ainda voltaram cerca de 200 pessoas

Espetáculo lotou o Teatro Luiz Souto Dourado e ainda voltaram cerca de 200 pessoas

As Bondosas do título são Prudência (Sidcley Batista), Angústia (Gerson Lobo) e Astúcia (Leandro Mariz). Essas mulheres contratadas para prantear os mortos alheios guardam vontades secretas, presas por represas frágeis e por isso prestes a explodir.

A história das três carpideiras é à primeira vista muito engraçada. Mas traz em si uma dobra de reflexão, quando impregnam no corpo dessas figuras noções de pecado e de uma moral castradora. As frases absurdas causam aquele efeito risível, se as posições retrógradas são consideradas como um quadro distante da realidade da plateia.

É uma longa jornada noite adentro em que as rezadeiras são atingidas pelo desprezo da família da menina morta. E entre cânticos piedosos, elas julgam o grupo social que as contratou e passam a fazer conjecturas sobre traições, ligações clandestinas e até mesmo as razões da jovem defunta. E algo detona dentro delas, que revelam em doses homeopáticas seus próprios segredos.

Pelos julgamentos morais, pelos interditos parece que essas personagens se encontram num Brasil distante no espaço e no tempo. E como seria bom que fosse assim. Que as mulheres travadas em seus desejos estivessem só no palco. Que os julgamentos morais fossem apenas farsa a divertir o público com aquele tratado absurdo.

Na peça, essas três mulheres de reputação ilibada são dosadas em gradações de sua fé no ofício. Prudência é a mais conservadora, pronta a regular as outras duas do caminho a ser seguido. Astúcia é a mais vulnerável, a que está mais propensa a romper com aquele acordo para liberar os íntimos desejos. E Angústia é a indecisa, pendendo ora para um lado, ora para outro.

O texto de Ueliton Rocon lembra as figuras castas, culpadas e transbordantes de preconceitos de Nelson Rodrigues, com suas camadas de instintos prestes a arrebentar. Mas sem a profundidade do autor de Doroteia; Senhora dos Afogados e Perdoa-me Por Me Traíres.

A direção explora bem os recalques dessas senhoras castíssimas, que dizem que não se veem peladas para não despertar a vaidade. E sabe tirar partido de uma gestual de comunicação direta com a plateia, mantendo o jogo de cena vibrante.

O trio se movimenta carregando pequenos caixotes e traçando desenhos no palco. Os tais caixotes, juntos ou separados, traçam os lugares narrativos, e ajudam na transformação da cena. Os figurinos carregam em si a subversão que virá.

Humor cáustico para falar de desejos reprimidos.

Humor cáustico para falar de desejos reprimidos.

A interpretação dos três atores é o grande destaque de As bondosas, com a mudança de tom, com um gestual bem estruturado (inclusive com sutis movimentações de cabeça) e a força cômica do espetáculo em vários relevos. Dos pecados que elas condenam, a gula e a fofoca são os primeiros que jorram, num jogo de patrulhamento moral. Um par sapatos vermelhos é o detonador da luxúria, que explode dessas “almas ilibidas” dos confins do mundo.

Postado com as tags: , , , , , ,

Folia cênica para Gonzagão

Rei do Baião é celebrado com cores, som e paixão. Fotos: Ivana Moura

Rei do Baião é celebrado com cores, som e paixão. Fotos: Ivana Moura

logo garanhunsO público de Garanhuns já estava totalmente nocauteado, no bom sentido, conquistado, entregue, emocionado, agradecido com o espetáculo Gonzagão – A Lenda, de João Falcão. Para dar o arremate final, o carioca de origem paraibana Marcelo Mimoso canta Onde o Nordeste Garoa, de Luiz Gonzaga, já nos agradecimentos. Ele, que era taxista e vocalista de uma banda de forró e foi levado para o teatro por Falcão, se disse muito honrado em se apresentar na terra de Dominguinhos. Era o que faltava para consolidar o clima sentimental para a plateia de quase duas mil pessoas, que lotou o Palco Pop, na noite de sexta-feira do Festival de Inverno de Garanhuns.

O musical foi concebido para celebrar Luiz Gonzaga, o Rei do Baião (1912-1989), no centenário de seu nascimento. Já tem muitos quilômetros de estrada. A adesão do público é alta por onde passa. Uma cena vibrante, com uma trilha sonora bem executada e um elenco afinado a contar de um jeito bem particular a trajetória de um herói da música brasileira.

João Falcão embaralha a trajetória do Rei do Baião com a de uma trupe, Barca dos corações partidos, que mambemba com a história de Gonzagão. O dramaturgo e diretor se afasta de uma concepção biográfica ou de um compromisso com a verdadeira história de Gonzaga. Não é um espetáculo documental e muitas das quadros foram inspirados em causos que o próprio Luiz Gonzaga contava em seus shows.

E isso fica claro desde o início do espetáculo, quando o elenco entoa em versos: “Quase tudo que sabemos / Do nosso protagonista / Vem de gerações extintas / De um tempo a perder de vista / O resto nós deduzimos / Juntando pista com pista / Por Deus, perdoem os deslizes / Que certamente virão / As imprecisões dos fatos / Os erros de condução / As relevantes ausências / No enredo desse baião”.

A fluidez dramatúrgica é equalizada por uma encenação ágil, bem-humorada, de uma musicalidade contagiante. Falcão acelera o texto com flashes da história do protagonista real/ficcionado, em que os atores assumem vários papeis e a troca entre eles se dá como uma passagem de bastão imaginário. É uma profusão de informações, sem ordem cronológica, permeados por lindas músicas e uma movimentação de cena em ritmo alucinante.

Marcelo Mimoso e Larissa Luz como Gonzagão e Branca

Marcelo Mimoso e Larissa Luz como Gonzagão e Branca

A outra “subtrama” é da atriz que vira a cabeça de todos integrantes do grupo. Mas nessa trupe, segundo o líder não há espaço para a mulher, porque ela desestrutura o ambiente. A atriz e cantora Larissa Luz no papel de Branca não se intimida e sai com os versos “Que diferença da mulher o homem tem? Espera aí, que eu vou dizer, meu bem! Se Eva deu mancada, Adão também deu!”, em Pouca Diferença, com pegada de jazz. A intérprete transborda de energia, sensualidade e vigor e colabora para manter um espetáculo pra cima.

Até tornar-se uma lenda, Gonzagão encara muitas aventuras, que são traduzidas no palco nesses dramas curtos, justapostos, com as canções conduzindo as cenas. Das melodias choradas da sanfona, são apresentadas quase 40 composições, entre elas, Cintura fina, O xote das meninas, Qui nem jiló, Xamego, Baião, Olha pro céu e Asa Branca. Os arranjos musicais tomam outras ousadias, como Roendo Unha como drum’n’bass e Assum Preto como uma peça para violoncelo e voz.

No elenco estão Marcelo Mimoso, Adrén Alves, Alfredo Del Penho, Eduardo Rios, Fábio Enriquez, Thomas Aquino, Renato Luciano , Ricca Barros e Larissa Luz, além dos músicos Rick de La Torre, Daniel Silva, Beto Lemos e Rafael Meninão.

Encontro de Gonzagão e Gonzaguinha em Sangrando

Encontro de Gonzagão (Marcelo Mimoso) e Gonzaguinha (Alfredo Del-Penho) em Sangrando

O reencontro entre Gonzaguinha e Gonzagão é um momento especial e ganha um tom emotivo por tudo que o público sabe, ou imagina, sobre pai e filho. Os atores Marcelo Mimoso e Alfredo Del-Penho dividem a música Sangrando.

Adrén Alves, Ricca Barros e Renato Luciano, no musical que celebra o Rei do Baião. Fotos: Ivana Moura

Adrén Alves, Ricca Barros e Renato Luciano, no musical que celebra o Rei do Baião.

O ator Adrén Alves carrega na garganta vários timbres. Com sua aparência andrógina, ele desliza por personagens masculinos e femininos com muita facilidade. Assume o papel de Santana, a mãe de Gonzaga, se traveste de demônio, ou se queda amorosamente apaixonado. O pernambucano Thomas Aquino (que já foi do Cordel do amor sem fim) trafega com desenvoltura por vários personagens.

A movimentação cênica de Duda Maia enche o palco, com o entra e sai de atores, que carregam os elementos de cada cena. Sergio Marimba, que assina a cenografia e os adereços, criou as sanfonas cenográficas, que produzem um belo efeito. Os figurinos, com seu acento clownesco, são de Kika Lopes.

Nessa celebração à vida, João Falcão inventou um encontro que nunca ocorreu: entre Luiz Gonzaga e Lampião. É uma peleja bem interessante que traz para a peça as experimentações temporais do diretor.

Depois de um solo de rabeca comovente de Beto Lemos, o musical encerra em tom apoteótico, otimista, arrebatado, com Óia eu aqui de novo.

A trupe inteira fica "louca" por Branca.  O primeiro da esquerda é o pernambucano Thomas Aquino

A trupe inteira fica “louca” por Branca. O primeiro da esquerda é o pernambucano Thomas Aquino

* A jornalista Ivana Moura viajou a convite do 25º Festival de Inverno de Garanhuns

Postado com as tags: , , ,

Elogio da amizade

Musical Abraço – Nunca estaremos sós, da Cia Dispersos. Foto: Fernanda Acioly

Musical Abraço – Nunca estaremos sós, da Cia Dispersos. Foto: Fernanda Acioly

“Um amigo de verdade é aquele que nos protege dos tormentos do amor, nos afasta da fúria raivosa, faz recuar a morte”, conceitua o filósofo e psicanalista francês Jean-Bertrand Pontalis. E isso é melhor do que a invisível capa protetora dos super-heróis, que sonhamos na infância. Mas os tempos são líquidos, as relações fluídas, os laços afetivos frágeis e os seres cada vez mais volúveis, como esclarece Zigmunt Bauman. E tantos equipamentos (Smartphone, tablets, computadores de todos os tamanhos) não conseguem nos proteger da solidão. E é para falar desse tema complexo – que Cícero defendia que só pode existir entre pessoas de bem – que a Dispersos Cia de Teatro ergueu seu primeiro musical, Abraço – Nunca estaremos sós. A peça encerra temporada neste fim de semana, no Teatro Hermilo Borba Filho.

Para fugir um pouco dessa liquidez, a trupe situou a história nos anos 1990, protagonizada por adolescentes que sonham em viver da música. Nos encontros constantes na casa do personagem Sacola (Mateus Maia) eles conspiram para o nascimento da banda ou conjunto, como se dizia.

O elenco é formado por oito atores-cantores (Duda Martins, Lívia Lins, Gustavo Arruda, Victor Chitunda, Danielle Sena, Juliana Menezes, Glauco Bellardy e Mateus Maia) e quatro instrumentistas (Victor Bertonny, Leila Chaves, Júnior Silva, Luiz Diniz), que executam a trilha sonora ao vivo. No repertório estão canções autorais e desconhecidas, intercaladas por versões de composições de Milton Nascimento, da cantora mineira Liz Valente e outros.

Viver da arte torna-se um sonho possível, por um tempo. Esses jovens acreditam na vida. Eles conseguem montar um musical e começam a fazer sucesso. Mas aí a humana disputa por poder e liderança ganha contornos mais nítidos entre dois integrantes do grupo: Miguel (Gustavo Arruda) e Bebeto (Victor Chitunda). É o começo do fim.

O espetáculo ganha força nas canções, na interpretação cantada, nas coreografias. E perde potência nos diálogos, na dramaturgia textual, que é superficial, ingênua e descamba até para os recônditos da auto-ajuda. Mas o elenco reverte essa fragilidade com a alegria, vitalidade das interpretações e numa ligação direta com a emotividade que o tema da amizade, com suas dificuldades e superações, proporciona.

ABRAÇO - por Fernanda AciolyO trabalho dirigido por Duda Martins e Lívia Lins desliza entre o o passado de sonhos e da concretização da banda e presente do reencontro dos “ex-amigos” 15 anos depois. As vozes são valorizadas pela dupla de diretores musicais, o maestro Victor Bertonny e Leila Chaves, que tornam a montagem contagiante. O elenco “solta a voz” lindamente.

Os personagens Paulinha, Bebeto, Téo, Sacola, Soninha, Miguel, Maria e Gabi conquistam a plateia. Com seus modismos, gírias até os hits musicais dos 90.

O espetáculo é caloroso, energético. O público é acolhido com um abraço antes do início da apresentação e isso começa a fazer a diferença. A encenação toca nas nervuras das esperanças de que os encontros sejam mais reais e menos virtuais. Que nossos afetos sejam mais comprometidos e menos descartáveis.

Talvez esse texto descambe para um tom meio meloso, contaminado pela peça. Acontece. É que em meio a tantas guerras (de todas natureza), acreditar que o mundo e as relações podem ser melhores pode direcionar para aquele julgamento de Pessoa sobre as cartas de amor, que são ridículas. Mas isso também passa por subjetividades. Depende do dia, da hora, do valor do encontro.

É que Abraço remete para um lugar mais ingênuo, mas de esperança. É um refúgio possível, em que são espelhados o quanto de responsabilidade nas nossas acões para harmonizar o mundo ou pelo menos nossa roda de amigos. A peça tem uma nostalgia, daquelas que abalam o coração. Mas tem principalmente muita juventude, com seu impulso vital. Nesse caso, as precariedades viram trunfos, por carregarem nessa vertente da emoção que humaniza.

Essa turma criou Abraço com suor e dinheiro do próprio bolso, sem apoio financeiros do poder público ou privado. Esse dado atravessa como metaficção do enredo. É para aplaudir jovens que apostam na cena teatral, depositam energia e os melhores sentimentos nessa arte.

Serviço
ABRAÇO – Nunca estaremos sós
Quando: Sábado (27), às 19h e domingo (28), às 18h; (últimas apresentações)
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 à venda no ingressoprime.com; 99574-7657 ou 2h antes, na bilheteria do teatro
Duração: 1h20

Ficha técnica

FICHA TÉCNICA:
Texto: Bruno Gueiros
Direção geral: Duda Martins e Lívia Lins
Direção musical: Victor Bertonny e Leila Chaves
Produção geral: Dispersos Produções Criativas
Elenco: Duda Martins,Lívia Lins, Gustavo Arruda, Victor Chitunda, Danielle Sena, Juliana Menezes, Glauco Bellardy, Mateus Maia
Músicos:
Violões: Victor Bertonny e Leila Chaves
Baixo: Júnior Silva
Percussão: Luiz Diniz
Vozes: Manu Rodrigues e Mateus Amaral
Cenário: Lucas Maia
Figurinos: Duda Martins e Livia Lins
Coreografias: Danielle Sena e Juliana Menezes
Iluminação: Lucas Maia
Projeto gráfico: Marcos Lima
SOCIAL MEDIA: Mateus Fontes
EQUIPE DE PRODUÇÃO:
Gerente de Produção: Mateus Fontes
Assistentes de Produção: Gabriela Cavalcanti, Nathalia Timba, Lillian Mendonça e Ninna Valentini

Postado com as tags: , , , , , , , , ,

Morrer de amor: sobre família e ignorâncias

Morrer de amor. Foto: Lígia Jardim

Morrer de amor. Foto: Lígia Jardim

“(…) extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás, lá pra trás não há nada,
e nada mais”
Paulo Leminski

As paredes da casa estão impregnadas de história. Sabe aqueles segredos não revelados por anos? Os assuntos escondidos? As conversas que não chegaram nem a acontecer? Em Morrer de amor, segundo ato inevitável: morrer, da Fundación La Maldita Vanidad Teatro, da Colômbia, despontam as dores advindas de relações que se deixaram empalidecer pelo tempo, pela falta de liberdade de nos mostrarmos como somos.

A encenação proposta pelo colombiano Jorge Hugo Marín nos leva a observar de perto os sentimentos e conflitos que se instauram durante o velório de Luís (Miguel González). Estamos ali, sentados na sala da casa onde familiares choram o morto. Somos/estamos cúmplices da encenação. A carga semântica implícita ao local torna-se um dos elementos da teatralidade nessa escritura cênica. Não adiantaria estar dentro de uma casa, do ponto de vista estético, se não houvesse uma apropriação do potencial simbólico do lugar, o que possibilita ao espectador uma mudança de perspectiva da cena. O jovem grupo colombiano, formado há cinco anos e que já tem pelo menos sete montagens no repertório, realmente se empodera da materialidade espacial da encenação. O caixão no meio da sala, como nos velórios de antigamente ou nas casas pelo interior do país, permite que estejamos diante de conflitos familiares que não conseguem permanecer incólumes, mesmo diante da morte.

Espetáculo é realizado dentro de uma casa

Espetáculo é realizado dentro de uma casa

A dramaturgia assinada pelo diretor Jorge Hugo Marín trata de questões arraigadas na cultura não só da Colômbia, mas de toda a América Latina, principalmente posições de intolerância e ignorância diante das diferenças. Muitos jovens homossexuais ainda sofrem sim todo tipo de preconceitos e violência, dentro e fora de casa. Não podemos esquecer o contexto em que estamos inseridos. No Brasil, em 2015, ainda precisamos de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para discutir se o conceito de família pode estar restrito à união entre um homem e uma mulher, como prega o Estatuto da Família, projeto de lei proposto pelo deputado pernambucano Anderson Ferreira. Uma lei que desconsidera as relações homoafetivas e ainda veta a adoção de crianças por casais gays.

Como montagem que opta pelo caminho do realismo, Morrer de amor traz atuações que transitam por um limite tênue. Por muito pouco, as interpretações poderiam soar over, exageradas e aí perder a relação com a realidade proposta pela encenação. O que não permite que isso aconteça é o talento dos atores e da direção, aliado à clareza de possibilidades e de compreensão da cena, inclusive a partir da dramaturgia. O texto serve ao propósito de revelar o cotidiano de uma família classe média baixa que não sabe lidar com os seus conflitos. Se todos os atores conseguem trabalhar no mesmo diapasão, um dos destaques é a atriz Juanita Cetina, intérprete da jovem Olga, que foi namorada de Luís (Miguel González) na infância. As oscilações na voz, o medo no olhar, os trejeitos assumidos pela personagem levam muitas vezes a plateia ao riso ou à impaciência diante da ingenuidade.

Morrer de amor nos leva à certeza de que, se não podemos extinguir todo remorso, como propõe o poema Bem no fundo, de Paulo Leminski, é melhor encarar as fissuras causadas pelas ações, ausências e omissões. Como plateia, sentimos não só o morto da família. Choramos não só a ficção. O que lamentamos mesmo é a realidade de Morrer de amor.

Montagem colombiana trata de temas como preconceito

Montagem colombiana trata de temas como preconceito

 

Postado com as tags: , , , , , , , , , ,