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A força política e estética do Feteag 2025

A mon seul désir, de Gaëlle Bourges (França), abre programação. Foto: Danielle Voirin / Divulgação

Cocina Publica, do Teatro Container (Chile). Foto: Adelano

Germaine Acogny, que encerra o festival, é uma das grandes referências mundiais da dança contemporânea. Foto: Thomas Dorn

Abrir um festival com uma peça francesa que reflete sobre representações femininas medievais expressa um posicionamento curatorial questionador das desigualdades. Levar teatro contemporâneo que discute a alimentação no mundo para um assentamento de luta pela terra tem também algo de subversivo. Encerrar a programação com uma bailarina senegalesa de 81 anos que revolucionou a dança em seu país afirma uma visão de mundo que aposta na circulação de saberes. O Festival de Teatro do Agreste, em sua 34ª edição, estabelece diálogos diretos entre criação artística contemporânea e as urgências sociais do nosso tempo.

Dirigido por Fabio Pascoal, o Feteag 2025 reúne 21 espetáculos de 9 e 26 de outubro, entre nacionais e internacionais, todos com entrada gratuita. A seleção das peças aponta para inquietações contemporâneas sobre exclusão, resistência e identidade que perpassam as criações escolhidas.

A seleção desta edição opera segundo uma lógica que articula diversidade geográfica com urgências temáticas. A curadoria geral, conduzida por Fabio Pascoal, aproveitou estrategicamente a Temporada França-Brasil 2025 para trazer criações de Burkina Faso (África Ocidental), Camarões (África Central) e Guadalupe (Caribe francês), além da própria França.

Esta escolha curatorial carrega uma compreensão particular sobre como usar as relações bilaterais para amplificar vozes frequentemente marginalizadas nos circuitos internacionais.

A mostra principal leva o nome de Argemiro Pascoal, um dos fundadores do Teatro Experimental de Arte – TEA, realizador do Feteag

Les Sans adapta o pensamento de Frantz Fanon para o teatro. Foto: Julie Cherki / Divulgação

Les Sans (Os Sem), do coletivo Les Récréâtrales-ELAN, de Burkina Faso, investiga diretamente a questão dos sem-teto e excluídos sociais através de linguagem cênica que combina tradições orais africanas com teatro político contemporâneo. A peça adapta o pensamento de Frantz Fanon para o teatro através do reencontro de dois ex-companheiros de luta. Ali Kiswinsida Ouédraogo explora o conflito entre Franck e Tiibo, interpretados por Ali K. Ouédraogo e Noël Minougou, onde um mantém ideais revolucionários enquanto o outro foi cooptado pelo sistema que combatiam. Sob direção de Freddy Sabimbona, a obra interroga as limitações da independência burkinabê, investigando se a libertação formal constitui verdadeira descolonização ou apenas mudança de máscaras do poder colonial.

Quando esta criação dialoga com La Cocina Pública, do grupo chileno Teatro Container, estabelece-se uma reflexão transnacional sobre precariedade e solidariedade. A obra chilena propõe a preparação coletiva de uma refeição como ato político e comunitário, questionando quem tem direito à alimentação e ao espaço público através de performance participativa que dissolve fronteiras entre arte e vida cotidiana.

Gaëlle Bourges propõe a desconstrução de Imaginários conservadores sobre o Feminino. Foto: Thomas Greil  

À mon seul désir, de Gaëlle Bourges, que abre o festival, parte da tapeçaria medieval A Dama e o Unicórnio para reavaliar construções históricas sobre feminilidade. A coreógrafa francesa examina como a cultura europeia associou mulheres ao mundo vegetal e animal, perpetuando ideais de virgindade e pureza através de imagens aparentemente poéticas.

Bourges desenvolve uma investigação coreográfica que expõe as violências simbólicas embutidas nessas representações românticas, utilizando movimento e voz para evidenciar como tapeçarias medievais funcionavam como dispositivos de controle sobre corpos femininos. Sua pesquisa conecta-se com debates contemporâneos sobre representação e autonomia feminina, oferecendo ao público brasileiro uma análise sobre como imaginários europeus ainda influenciam percepções sobre feminilidade.

Un endroit du début com Germaine Acogny. Foto: Thomas Dorn

Por sua vez, Germaine Acogny, que encerra o festival no Teatro Santa Isabel, é uma das grandes referências mundiais da dança contemporânea. Nascida no Senegal em 1944, ela fundou a primeira escola de dança contemporânea da África Ocidental em 1977 e desenvolveu uma técnica própria que combina danças tradicionais africanas com metodologias contemporâneas ocidentais.

Em Un endroit du début, criado com Mikaël Serre, ela explora memórias corporais e ancestralidade através de movimentação que articula gestualidade ritual com linguagem cênica contemporânea. Aos 81 anos, permanece ativa como pesquisadora corporal e formadora, tendo influenciado gerações de bailarinos e coreógrafos em todo o mundo através de sua escola, onde formou centenas de artistas. Escrevi uma crítica a partir do trabalho gravado da artista em vídeo e que integrou a edição de 2021 do festival Janeiro de Grandes Espetáculos. Leia texto AQUI.

Assentamento Normandia: Arte em Território de Resistência

Espetáculo trabalha a ideia de patrimônio alimentar compartilhado

A apresentação de La Cocina Pública no Assentamento Normandia, em Caruaru, estabelece uma das escolhas mais incisivas desta edição. O Assentamento Normandia constitui um território conquistado através da luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), expressando décadas de organização popular pela reforma agrária na região.

Programar uma obra sobre alimentação e participação comunitária para este espaço cria camadas de significado que expandem o artístico e o político. O Teatro Container, grupo chileno responsável pela criação, desenvolve há anos pesquisas sobre arte e alimentação como atos políticos, investigando como o preparo e partilha de comida funcionam como tecnologias de organização social.

La Cocina Pública transforma o preparo coletivo de uma refeição em ritual de partilha e reflexão sobre direitos básicos, utilizando metodologia participativa que convoca o público para ações concretas. No contexto do assentamento, onde a conquista da terra relaciona-se diretamente com o direito à alimentação, a criação ganha ressonâncias particulares sobre soberania alimentar e autonomia popular.

Mostra PE: Diversidade da Cena Local

A Mostra PE, com curadoria de Vika Schabbach e Igor Lopes, selecionou cinco trabalhos entre 57 inscrições através de chamada pública. Schabbach, crítica e pesquisadora teatral, e Igor Lopes, diretor e dramaturgo, construíram uma seleção que busca evidenciar a potência criativa da produção pernambucana contemporânea.

Itaêotá, do Grupo Totem

Bolor. Foto: Morgana Narjara

Itaêotá, do Grupo Totem, apresenta o resultado de seis anos de investigação artística que conecta ancestralidade indígena e africana com urgências contemporâneas. Este espetáculo de teatro-dança utiliza rituais coletivos e elementos como urucum para propor caminhos de regeneração social diante do colapso civilizatório, materializando a pesquisa Metamorfismo de (R)existência através de performance que dissolve fronteiras entre linguagens artísticas.

Bolor (Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi) confronta diretamente a mitologia freyreana do açúcar, empregando fungos como protagonistas metafóricos de processos de decomposição e renascimento. A criação aponta a violência estrutural da plantation açucareira através de estética da decomposição que valoriza redes subterrâneas de resistência, dialogando criticamente com pensadores como Malcom Ferdinand e Anna Tsing para imaginar futuros decoloniais.

 Joesile Cordeiro navega pela memória afetiva de ser um jovem gay em busca de reconexão com sua infância perdida na encenação Tempo de vagalume. Esta performance autobiográfica criada em Garanhuns constrói pontes poéticas entre passado e presente através de teatro intimista que busca transformar experiência pessoal em pensamento coletiva sobre identidade e pertencimento LGBTQIA+.

Eron Villar e DJ Vibra protagonizam o encontro entre música contemporânea e teatro épico que ressignifica o legado político de Malcolm X para o contexto brasileiro em Se eu fosse Malcolm?  A performance articula crítica decolonial e questões de raça e gênero através de linguagem cênico-musical que dissolve fronteiras entre som e cena, construindo um perspectiva antirracista contemporânea.

Circo Godot (Cia. Circo Godot de Teatro) acompanha dois artistas de rua em suas peripécias cotidianas, explorando relações de poder e subsistência através de humor que transita entre o universal e o particular. A comédia convoca o espírito itinerante do teatro dos espaços não convencionais para questionar hierarquias sociais através da jornada de Gatropo e Tropino.

Corpo, Memória e Resistência

Aquelas – uma dieta para caber no mundo convida para um jantar para falar de uma santa popular assassinada. Foto Raissa Dourado

Monique Cardoso investiga invisibilização da beata Maria de Araújo, protagonista do Milagre da Hóstia em 1889, no espetáculo Cavucar. Foto: Henrique Cardozo / Divulgação

As criações nacionais e internacionais estabelecem diálogos temáticos que ultrapassam fronteiras geográficas, trazendo inquietações compartilhadas sobre corpo, memória e resistência. 

O Manada Teatro, do Ceará, desenvolve Cavucar, do projeto Pote e Navalha, através da performance solo de Monique Cardoso, que também assina direção em parceria com Murillo Ramos, sobre dramaturgia de Tércia Montenegro. A obra ficcionaliza possível descoberta dos restos mortais da beata Maria de Araújo, protagonista do Milagre da Hóstia em 1889, provocando e tensionando as violações eclesiásticas que resultaram no desaparecimento de seus vestígios e invisibilidade na história de Juazeiro do Norte. A encenação utiliza elemento fantástico para convocar o público a fabular os fatos e reconstruir a história através de suposições que questionam a construção de um dos maiores centros de fé católica do mundo.

Aquelas – uma dieta para caber no mundo reconstrói a trajetória de Maria de Bil, santa popular de Várzea Alegre assassinada em 1926 pelo companheiro, através de performance participativa dirigida por Murillo Ramos e interpretada por Juliana Veras e Monique Cardoso. O espetáculo convida o público a participar do preparo de jantar envolvendo facas, carne, sangue oferecidos à mesa com os corpos das próprias atrizes, construindo encenação delicada e cruel que apresenta caleidoscópio das violências machistas através de quadros performativos que misturam história da santa com pessoalidades das intérpretes.

Sonho de uma noite de verão, montagem da Trupe Ave Lola, no Paraná. Foto: Caique Cunha / Divulgação

A Trupe Ave Lola (PR) desenvolve duas experiências distintas da dramaturgia clássica e contemporânea sob direção de Ana Rosa Genari Tezza. Sonho de uma noite de verão revisita Shakespeare através de encenação popular com tradução de Bárbara Heliodora, reunindo nove artistas em cena – Cesar Matheus, Helena de Jorge Portela, Helena Tezza, Kauê Persona, Larissa de Lima, Marcelo Rodrigues, Pedro Ramires, Wenry Bueno e Willa Thomas – e música original composta por Arthur Jaime, Breno Monte Serrat e Julia Klüber, executada ao vivo pelos músicos Arthur Jaime e Breno Monte Serrat, criando atmosfera festiva que convida o público a testemunhar momentos de paixão, magia e loucura através de linguagem teatral popular.

Já com O Vira-lata, a Trupe Ave Lola explora amizade improvável entre uma jovem romântica que sonha com grande amor e um homem-cachorro maltratado pela fome e desamparo, questionando convenções sociais quando surge um pretendente desconhecido que desperta ciúmes do fiel amigo, construindo fábula contemporânea sobre solidariedade, abandono e os conflitos entre sonhos românticos e lealdade verdadeira.

 Lucas Torres e Bruno Parmera em Édipo REC. Foto: Estúdio Orra: Zé Rebelatto e Grabriela Passos 

O Grupo Magiluth, de Pernambuco, em seu 16º trabalho que celebra duas décadas de pesquisa continuada, comparece ao Feteag com  Édipo REC, um trabalho com direção de Luiz Fernando Marques e dramaturgia de Giordano Castro. O elenco composto por Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Nash Laila e Pedro Wagner constrói releitura não-linear da tragédia sofocliana que joga com a cronologia para questionar a noção de tempo no teatro.

Tebas transforma-se no Recife fantasmagórico onde o Corifeu é representado pela câmera, espelhando a produção excessiva de imagens contemporâneas das redes sociais e câmeras de segurança. A linguagem audiovisual busca inspiração no cinema experimental, desde Édipo Rex (1967) de Pasolini até Funeral das Rosas (969) de Matsumoto, questionando se teatro e cinema conseguem dar conta das múltiplas tragédias contemporâneas e por que o público sairia de casa para assistir história tão antiga.

Mas mesmo a vida sendo decepcionante, como proclama o personagem de Erivaldo Oliveira, tem festa nesta Tebas-Recife-Caruaru no primeiro ato desta peça-peste, que convoca seu povo a dançar até o pé inchar.

Cartografias Francófonas: Trabalho, Identidade e Memória Colonial

Le Quai de Ouistreham fala da situação de mulheres que trabalham em empregos precários e invisíveis

Zora Snake em L’Opéra du villageois. Foto: Agir pour le Vivant

Corpos, da Cie Mangrove, (Guadalupe/Brasil). Foto: Divulgação

As criações francófonas constroem considerações convergentes sobre precariedade, identidade e legados coloniais através de perspectivas estéticas diversificadas.

Le Quai de Ouistreham, da Compagnie la Résolue, da França, adapta investigação jornalística de Florence Aubenas sobre mulheres que trabalham em empregos precários e invisíveis, especialmente na limpeza e na manutenção, e que vivem à sombra da crise econômica. Dirigido por Louise Vignaud, com atuação de Magali Bonat.

L’Opéra du villageois, da Compagnie Zora Snake, de Camarões, manifesta resistência através de performance-ritual que ressuscita potência das máscaras africanas roubadas pelos museus europeus. Zora Snake atravessa dimensão sagrada para questionar pilhagem cultural colonial, utilizando bandeira da União Europeia, rituais com ouro e sal para despertar força ancestral das comunidades aldeãs consideradas “incivilizadas”.

Corpos (Cie Mangrove, Guadalupe/Brasil) explora estigmatização do corpo negro através de laboratório coreográfico desenvolvido por Hubert Petit-Phar e Augusto Soledade, questionando representações corporais e sexuais no cruzamento entre culturas caribenhas e brasileiras, investigando singularidades corporais diante de fronteiras estéticas e políticas contemporâneas.

palestra-performance La Vérité vaincra / A Verdade Vencerá recria entrevista de Lula a Ivana Jinkings 

La Vérité vaincra / A Verdade Vencerá, da Cie KastôrAgile, (França) desenvolve palestra-performance que adapta o livro homônimo de Luiz Inácio Lula da Silva, baseando-se nas entrevistas concedidas à editora Ivana Jinkings em janeiro de 2018, momento crucial anterior à prisão do ex-presidente. Gilles Pastor transforma documento político em teatro de resistência através das interpretações de Alizée Bingöllü e Jean-Philippe Salério, que recriam cenicamente os diálogos sobre julgamento, vida pessoal e trajetória política de Lula.

A obra materializa voz de resistência do homem afastado injustamente da arena política, expondo raiva sagrada contra injustiças através de linguagem cênica que articula testemunho pessoal com denúncia estrutural. No contexto do Feteag, esta criação francófona estabelece pontes diretas entre público brasileiro e reflexão internacional sobre democracia e autoritarismo, questionando como arte pode amplificar vozes silenciadas pelo poder judiciário e construir solidariedade transnacional diante de perseguições políticas contemporâneas.

Experiências Imersivas e Linguagens Expandidas

Dancemos… que o mundo se acaba!, da BiNeural-MonoKultur, da Argentina. Foto: Reprodução

Fábulas de nossas fúrias explora o universo gay. Foto: Rogério Alves / Divulgação

peça Neva, de Guillermo Calderón, em montagem de Marianne Consentino (PE)

Três criações exploram possibilidades de imersão e participação através de dispositivos que expandem linguagens teatrais tradicionais. Dancemos… que o mundo se acaba!, da BiNeural-MonoKultur, da Argentina, propõe áudio-obra interativa que transforma público em dançarinos, questionando coreomanias, epidemias de dança e comportamentos coletivos através de jogo que reflete sobre sedução, pandemia e medo de dançar sozinho.

Fábulas de nossas fúrias (Coletivo Atores à Deriva, RN) articula contação de histórias com afirmação política da raiva como elemento transformador, inspirando-se em Paulo Freire para questionar hierarquias conservadoras através de viados que justificam suas fúrias expondo modos de amar, invertendo lógicas que classificam “bichos” em estruturas de poder.

Neva, montagem de Marianne Consentino (PE), ambienta-se no Domingo Sangrento de 1905 em São Petersburgo, friccionando arte e política através de três atores refugiados em teatro durante massacre nas ruas. A peça de Guillermo Calderón questiona a serventia do teatro através de Olga Knipper, viúva de Tchekhov, que encena repetidamente a morte do marido enquanto cidade desaba, oscilando entre necessidade absoluta e total irrelevância da arte.

Formação de público como letramento cênico

No que se refere à formação de público, a Mostra Erenice Lisboa, voltada para estudantes da rede pública, desenvolve uma compreensão específica sobre letramento teatral. Através das apresentações de O Vira-lata, da Trupe Ave Lola, seguidas de conversas entre artistas e estudantes, o festival promove o desenvolvimento de repertórios simbólicos e críticos.

Este letramento teatral envolve a construção de ferramentas interpretativas que permitam aos jovens ter apreciar as criações teatrais em suas potencialidades expressivas. As conversas pós-apresentação funcionam como espaços de processamento coletivo da experiência estética, fundamentais para a formação de público crítico e engajado com as artes cênicas.

Atividades Formativas: Aprendizado e Troca de Saberes

Paralelamente, as oficinas propostas pelo festival desenvolvem lógicas distintas mas complementares de formação artística. A oficina com Gaëlle Bourges permite aprofundamento na pesquisa específica da artista francesa sobre feminilidade e construção de imagens corporais. Já a oficina do Teatro Container integra os participantes no processo de montagem de La Cocina Pública, criando vínculos entre formação teórica e prática artística concreta.

Vendas e Mordaças, oficina exclusiva para mulheres conduzida por Faeina Jorge, Juliana Veras e Monique Cardoso, propõe vivência sensorial e afetiva em torno de identidades femininas através de exercícios que articulam corpo, voz e memória pessoal. Por outro lado, o workshop Corpos e Territórios, ministrado por Hubert Peti-Phar, articula fundamentos culturais brasileiros e guadalupenses através de práticas corporais que dialogam com tradições ancestrais e princípios contemporâneos da dança.

Larissa Lisboa apreenta espetácuo Inquieta, com participação de Gabi da Pele Preta

A programação musical está garantida com o espetáculo Inquieta, performance de Larissa Lisboa com participação de Gabi da Pele Preta, evidenciando nova cena musical pernambucana focada em compositoras negras e LGBTQIA+. Larissa Lisboa, cantora e multi-instrumentista recifense, constrói repertório que mistura criações autorais com obras de compositoras contemporâneas locais, enquanto Gabi da Pele Preta, de Caruaru, desenvolve sonoridade inovadora que mescla maracatu, coco, afoxé com jazz, soul e reggae, celebrando identidade negra através de conscientização social musicada.

Sustentabilidade e Articulação Institucional

Quanto à sustentabilidade, a rede de apoios do FETEAG 2025 demonstra capacidade articulatória entre diferentes esferas: federal (Ministério da Cultura), estadual (Funcultura, Fundarpe), municipal (Fundação de Cultura de Caruaru) e privada (Banco do Nordeste, Rede Itaú, Vale). A parceria com o Consulado Geral da França viabiliza a programação francófona dentro da Temporada França-Brasil 2025, demonstrando como acordos bilaterais podem amplificar recursos para programação cultural.

Com 34 edições no currículo, o Feteag confirma a qualidade artística com relevância social, diversidade internacional com fortalecimento da produção local, formação de público com experimentação estética. Esta programação evidencia como festivais podem funcionar como plataformas de articulação entre diferentes mundos – artísticos, sociais, educacionais, políticos. Neste contexto, o festival afirma o teatro como necessidade social e política em tempos de urgência democrática, construindo experiências coletivas de pensamento e sensibilidade.

Programação Completa do FETEAG 2025

RECIFE
09 e 10/10

À mon seul désir (Ao meu único desejo),
de Gaëlle Bourges (França)
Local: Teatro Luiz Mendonça | Horário: 20h | Classificação: 18 anos

CARUARU
15/10

Dancemos… que o mundo se acaba!,
de BiNeural-MonoKultur (Argentina)
Local: Estação Ferroviária | Horário: 19h | Classificação: Livre

Édipo REC, do Grupo Magiluth (PE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 20h | Classificação: 18 anos

16/10

Fábulas de nossas fúrias, de Cia de Atores à Deriva (RN)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 20h | Classificação: 16 anos

17/10

NEVA,
de Marianne Consentino (PE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 20h | Classificação: 16 anos

18 e 19/10

Sonho de uma noite de verão,
da Trupe Ave Lola (PR)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 17h | Classificação: 12 anos

A Cozinha Pública (La Cocina Pública),
Teatro Container (Chile)
Local: Centro de Formação Paulo Freire (Assentamento Normandia) | Horário: 17h | Classificação: Livre

20 a 24/10

O Vira-lata,
da Trupe Ave Lola (PR) – 
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 9h | Classificação: Livre

20/10

Itaêotá,
do Grupo Totem (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 12 anos

Cavucar,
da MANADA Teatro (CE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

21/10

Circo Godot,
da Cia. Circo Godot de Teatro (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: Livre

Aquelas – uma dieta para caber no mundo,
do MANADA Teatro (CE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

22/10

Se eu fosse Malcolm?,
de Eron Villar & DJ Vibra (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 14 anos

Le Quai de Ouistreham (O cais de Ouistreham),
da Compagnie la Résolue (França)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

23/10

Tempo de vagalume,
de Joesile Cordeiro (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 14 anos

A Verdade Vencerá/LULA (La Vérité vaincra/LULA),
de Gilles Pastor – KastôrAgile (França)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

24/10

Bolor,
de Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 12 anos

Les Sans (Os sem),
de Les Récréâtrales-ELAN (Burkina Faso)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

25/10

L’Opéra du villageois (A ópera do camponês),
da Compagnie Zora Snake (Camarões)
Local: Estação Ferroviária | Horário: 17h | Classificação: Livre

Corpos,
da Cie Mangrove (Guadalupe/Brasil)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 12 anos

Inquieta (Música),
de Larissa Lisboa com Gabi da Pele Preta (PE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 16 anos

RECIFE
26/10

À un endroit du début (Em algum lugar no início),
de Germaine Acogny e Mikaël Serre (Senegal/França)
Local: Teatro de Santa Isabel | Horário: 19h | Classificação: 14 anos

Oficinas e Atividades Formativas

Workshop Corpos e Territórios – Hubert Peti-Phar
Oficina de Criação – Teatro Container
Pesquisa Corporal – Gaëlle Bourges
Vendas e Mordaças – Faeina Jorge, Juliana Veras e Monique Cardoso (exclusiva para mulheres)

Serviço

📍 Período: 09 a 26 de outubro de 2025
🎭 Entrada: Gratuita mediante retirada de ingressos no Sympla
🏛️ Locais: Teatro Santa Isabel (Recife), Teatro Luiz Mendonça (Recife), Teatro Lycio Neves (Caruaru), Teatro Rui Limeira Rosal (Caruaru), Estação Ferroviária (Caruaru), Centro de Formação Paulo Freire – Assentamento Normandia (Caruaru)
🎯 Direção Geral: Fabio Pascoal
👥 Curadoria Mostra PE: Vika Schabbach e Igor Lopes
💰 Apoio: Ministério da Cultura, Funcultura, Fundarpe, Fundação de Cultura de Caruaru, Banco do Nordeste, Rede Itaú, Vale, Consulado Geral da França
ℹ️ Mais informações: @feteag

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Vamos ao teatro Recife!

O primeiro ato de Édipo REC é pra dançar até o pé inchar. Foto: Camila Macedo

Caliuga, da Cia. de Teatro Negro Macacada. Foto: Divulgação

Circo Godot, com Asaías Rodrigues e Charles de Lima. Foto: Divulgação

Dan Stulbach em O Mercador de Veneza. Foto Ronaldo Gutierrez. Foto: Divulgação

Fico feliz quando tem opções teatrais nesta cidade de pontes, rios e lama. Mangue que resiste e pulsa cultura apesar das dificuldades, Recife oferece neste fim de semana uma programação teatral diversificada que comprova como os artistas locais seguem criando, mesmo diante da escassez de espaços e investimentos. É uma alegria rara ver tantas opções simultâneas numa cidade onde a produção teatral enfrenta desafios constantes de infraestrutura e financiamento.

A programação deste fim de semana oferece um caleidoscópio de linguagens que vai do experimental ao infantil, passando por clássicos reinventados e comédias que espelham nossas neuroses contemporâneas. É uma demonstração de que, quando há oportunidade, a criatividade pernambucana floresce com força total.

O teatro experimental ganha destaque com Édipo REC, do Grupo Magiluth, que redefine a tragédia clássica em chave contemporânea no Teatro Luiz Mendonça. Vinte anos de investigação cênica culminam nesta montagem que articula teatro, performance, música e cinema com projeções ao vivo, transformando o mito sofocliano em reflexão vertiginosa sobre identidade, poder e representação na era digital. A direção de Luiz Fernando Marques (Lubi) materializa um dispositivo cênico que dissolve hierarquias tradicionais entre palco e plateia, enquanto a dramaturgia de Giordano Castro opera em estratos temporais simultâneos, criando conexões inesperadas entre neuroses antigas e contemporâneas.

No mesmo território experimental, Caliuga, da Cia. de Teatro Negro Macacada, mergulha nas intersecções entre identidade racial e mercado de trabalho no Teatro Joaquim Cardozo. Luiz Apolinário assina dramaturgia e direção que transformam a jornada da protagonista em espelho das contradições sociais brasileiras, explorando como a busca por trabalho se converte em luta contra destinos impostos. A trilha sonora de César Seco e Raul Vaubruma subverte expectativas ao empregar instrumentos infantis para abordar temáticas adultas, criando paisagem sonora que oscila entre nostalgia da infância perdida e dureza da realidade laboral.

A comédia física encontra sua expressão mais refinada em Circo Godot, no Teatro Hermilo Borba Filho. A Companhia Circo Godot de Teatro, com mais de uma década de pesquisa, entrelaça teatro físico, circo e crítica social através da dupla Gatropo e Tropino – versões livres dos personagens beckettianos Pozzo e Lucky. Asaías Rodrigues e Charles de Lima constroem vagabundos que perambulam oferecendo entretenimento, mas carregam em sua dinâmica relacional uma crítica feroz às estruturas de poder. A direção de Quiercles Santana solicita participação ativa da plateia, transformando cada apresentação em experiência única.

O teatro clássico reinventado se faz presente com O Mercador de Veneza, na CAIXA Cultural, onde Dan Stulbach entrega um Shylock magistral que suscita com maestria todos os temas complexos da obra shakespeariana: antissemitismo, intolerância religiosa, ganância, justiça versus misericórdia. A direção de Daniela Stirbulov desloca o foco narrativo para construir Shylock como protagonista, transformando o agiota judeu de vilão em centro moral da história. A transposição temporal para os anos 1990 dialoga com o capitalismo emergente retratado por Shakespeare, criando pontes entre a Veneza renascentista e nossa sociedade neoliberal.

Wilson de Santos em A Novica Mais Rebelde. Foto: João Caldas

Não! com Adriana Birolli.

Hélio o balão que não consegue voar Foto Ricardo Maciel

Histórias do Meu Povo, no Espaço O Poste, onde Roma Julia. Reprodução da internet

As comédias contemporâneas ganham força com A Noviça Mais Rebelde, onde Wilson de Santos celebra 16 anos ininterruptos de um fenômeno teatral que desafia regras de longevidade artística. Irmã Maria José surge como personagem que concilia vocação religiosa com memórias mundanas, criando identificação imediata através de contradições humanas universais. No Teatro Santa Isabel, NÃO! transforma em comédia a tragédia cotidiana de quem vive dizendo sim quando o coração grita não. Adriana Birolli enfrenta a incapacidade crônica de recusar convites numa terapia cênica que pode ser a diversão do público.

A programação infantil se destaca com duas produções do 21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco. Hélio, o Balão que Não Consegue Voar utiliza formas animadas para abordar poeticamente o Transtorno do Espectro Autista, lembrando que a verdadeira magia está em encontrar caminhos próprios. Os 3 Super Porquinhos adapta o conto tradicional inserindo questões sobre paz mundial e preservação ambiental, dialogando simultaneamente com crianças e adultos.

A diversidade se completa com Histórias do Meu Povo, no Espaço O Poste, onde Roma Julia conduz experiência que celebra culturas afro-indígenas através de contos africanos, narrativas indígenas e itãs de orixás. O projeto inclui acessibilidade sensorial com aromas de folhas e café, transformando o espaço em “jardim de memórias” onde tradição oral encontra contemporaneidade.

Yerma Atemporal. Foto: Divulgação

No interior, Yerma Atemporal se apresenta em Caruaru – uma produção recifense em circulação estadual que revisita a obra de Lorca em chave contemporânea, e O Massacre de Angico – A Morte de Lampião, uma encenação ao ar livre em Serra Talhada que recria um dos momentos mais emblemáticos da história do cangaço. Teatro acontecendo também fora da capital.

PROGRAMAÇÃO
TEATRO EXPERIMENTAL
🎭 Édipo REC
Grupo Magiluth
📍 Teatro Luiz Mendonça – Parque Dona Lindu
📅 25 e 26 de julho, às 20h
🎟️ R$ 30 a R$ 120
Produção: Grupo Magiluth

🌙 Caliuga
Cia. de Teatro Negro Macacada
📍 Teatro Joaquim Cardozo (UFPE)
📅 25-26/07, às 19h30
🎟️ Inteira R$ 20 | Meia R$ 10
Produção: Cia. de Teatro Negro Macacada

🎪 Circo Godot
Companhia Circo Godot de Teatro
📍 Teatro Hermilo Borba Filho
📅 25, às 20h e 26/07, às 17h
🎟️ Sympla e bilheteria do teatro
Produção: Circo Godot de Teatro

CLÁSSICOS REINVENTADOS
⚔️ O Mercador de Veneza
Kavaná Produções e Baccan Produções
📍 CAIXA Cultural
📅 24/07-02/08, 20h
🎟️ R$ 30 e 15
Produção: Kavaná Produções e Baccan Produções

COMÉDIAS CONTEMPORÂNEAS
🙏 A Noviça Mais Rebelde
Teatro do Riso e Roberto Costa Produções
📍 Teatro do Parque
📅 25/07, 20h e 27/07, 19h
🎟️ R$ 60 a R$ 120
Produção: Teatro do Riso e Roberto Costa Produções

🚫 NÃO!
📍 Teatro de Santa Isabel
📅 25/07, 20h, 26/07, 19h e 27/07, 18h
🎟️ R$ 40 a R$ 140
Produção: Casona Produções

TEATRO INFANTIL
🎈 Hélio, o Balão que Não Consegue Voar
21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco
📍 Teatro do Parque
📅 26/07, 16h30
🎟️ R$ 30 a R$ 60
Produção: Métron Produções

🐷 Os 3 Super Porquinhos
📍 Teatro do Parque
📅 27/07, 16h30
🎟️ R$ 40 a R$ 80
Produção: Roberto Costa Produções

NARRATIVAS ANCESTRAIS
📚 Histórias do Meu Povo
Roma Julia
📍 Espaço O Poste
📅 26/07, 16h
🎟️ Entrada gratuita
Produção: Projeto independente com apoio Funarte

INTERIOR DO ESTADO
🎭 Yerma Atemporal
Projeto de Simone Figueiredo
📍 Teatro Rui Limeira Rosal, Caruaru
📅 25/07, às 19h
Produção: Circulação estadual

⚔️ O Massacre de Angico – A Morte de Lampião
📍 Estação do Metrô, Serra Talhada
📅 25 a 27, 20h
Produção: Projeto regional

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Potência criativa
em busca de amplitude 
eis as artes cênicas no Recife

Édipo REC, do Grupo Magiluth. Foto: Camila Macedo

Pedro Wagner como Tirésias em Édipo REC. Foto: Camila Macedo

Circo Godot, com direção de Quiecles Santana, já viajou por vários países

O Grupo Magiluth está em casa, no Recife, neste fim de semana festejando duas décadas de pesquisa cênica que posicionam o coletivo como uma das companhias mais inventivas do teatro brasileiro contemporâneo. Édipo REC, com dramaturgia de Giordano Castro e direção de Luiz Fernando Marques (Lubi), abarca o amadurecimento de uma linguagem que atravessa experimentalismo, teatro político e reinvenção de clássicos. A montagem exige execução complexa ao articular teatro, performance, música e cinema com projeções ao vivo – um desafio técnico que encontra no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, o espaço adequado para sua realização.

A temporada meteórica do Magiluth se soma a uma programação que revela um “flagrante” de diversidade do circuito teatral recifense: o giro de O Mercador de Veneza, com Dan Stulbach e elenco, pela estrutura nacional da Caixa Cultural, montagens como Circo Godot, dirigido por Quiercles Santana, ocupando o Teatro Hermilo Borba Filho (equipamento municipal vocacionado para trabalhos mais experimentais) e Caliuga no Teatro Joaquim Cardozo, espaço universitário da UFPE que abriga a reflexão da Cia. de Teatro Negro Macacada sobre identidade racial e mercado de trabalho.

O Diário de Villeneuve apresenta o teatro de terror da Cia Imaginarium; Histórias do Meu Povo desenvolve trabalho decolonial no Espaço O Poste, o 21º Festival de Teatro para Crianças celebra inclusão e tradição, e o fenômeno de longevidade que é A Noviça Mais Rebelde, com 16 anos consecutivos em cartaz, mais de 600 mil espectadores, um sucesso que se renova.

Esta movimentação, contudo, também expõe limitações estruturais. Enquanto teatros municipais Santa Isabel, Parque e Hermilo são ocupados intensamente, o Teatro Arraial Ariano Suassuna passa sem programação neste fim de semana, assim como os teatros Marco Camarotti e Capiba do SESC.

Para uma capital de 1,7 milhão de habitantes – 4 milhões na região metropolitana – que já presenteou o mundo com o Manguebeat e faz o público se orgulhar do cinema brasileiro, com suas produções audiovisuais, a cena teatral atual, por mais qualificada que seja, ainda opera aquém de seu potencial.

Recife é uma metrópole que pulsa cultura em suas veias desde os tempos coloniais. Capital que gerou movimentos estéticos inovadores, mantém tradições seculares e continua produzindo artistas que conquistam o país, a cidade possui criadores, público e vocação para sustentar um circuito teatral muito mais amplo.

Faltam políticas públicas mais ousadas e consistentes para as artes cênicas pernambucanas: tanto no fomento institucional a grupos locais quanto na modernização e ampliação dos equipamentos culturais.

Mas será que o problema se resume apenas ao poder público? Recife também carece de investidores privados que compreendam o valor cultural e econômico de uma cena teatral articulada – e aqui cabe perguntar: ainda existem mecenas verdadeiros, amantes do teatro dispostos a apostar nesta arte viva?

Narrativas encontradas numa garrafa pet na beira da maré. Foto: Jorge Farias

Uma provocação recente de um diretor e curador bem conceituado, que conhece bem a realidade teatral recifense, merece reflexão: além do Magiluth, que circula nacionalmente com seu repertório diversificado, e do Grupo São Gens de Teatro, que recentemente com Narrativas Encontradas Numa Garrafa Pet na Beira da Maré furou a bolha, percorreu festivais e conquistou o Brasil, quantos outros espetáculos produzidos no Recife estariam verdadeiramente “prontos” para encarar uma temporada em São Paulo, por exemplo?

Para esse curador, o problema central não são os recursos: falta desejo de fazer, de ousar, de quebrar paradigmas, de marcar a diferença para além dos circuitos locais. Falta ambição artística que tenha potência para uma circulação nacional sem perder a identidade pernambucana.

E você, leitora, leitor? O que pensa sobre essa provocação? Concorda que falta ousadia criativa ou acredita que a questão é mesmo estrutural?

Grupo Experimental leva Zambo com a 5ª geração para a França

Há evidências de que quando o incentivo chega, a arte pernambucana demonstra sua força. O Grupo Experimental de Dança, que desde 1993 assume lugar de destaque na dança contemporânea nordestina pela originalidade e contribuição para a profissionalização da cena recifense, comprova essa potência. Enfrentando o quadro geral das artes cênicas em Pernambuco – escassez de recursos, poucos editais, dificuldades estruturais –, o grupo resiste e insiste, como muitos outros. Agora, através do Programa Funarte Brasil Conexões Internacionais, no âmbito do Ano Cultural Brasil-França 2025, leva o espetáculo Zambo para terras francesas.

Da andada pelo mangue à travessia do oceano, cantarola o grupo. Zambo, criado em 1997 como homenagem ao Movimento Manguebeat e a Chico Science, será apresentado no Festival Baluê, em Lyon, com a 5ª geração de bailarinos da obra. Quase 30 anos depois de sua criação, o espetáculo reforça a atemporalidade do movimento mangue e a importância da manutenção cultural através da resistência artística. É vida o que brota desse mangue fértil recifense, e quando há incentivo adequado, essa vida corre e move o mundo.

VAMOS AOS ROLÊS CÊNICOS NO RECIFE

Magiluth redefine a tragédia clássica em chave contemporânea

Édipo REC faz festa e chama para a reflexão sobre o “destino”. Foto: Camila Macedo / Divulgação

Vinte anos de investigação cênica do Grupo Magiluth culminam em Édipo REC, espetáculo que chega como confluência poética e política de uma trajetória que redesenhou fronteiras do teatro experimental brasileiro. Desde 2004, o coletivo pernambucano estabeleceu-se como laboratório de linguagens híbridas, circulando por festivais nacionais e internacionais com propostas que interrogam obsessões do tempo presente. Esta montagem configura-se como o ápice dessa pesquisa: uma reflexão vertiginosa sobre identidade, poder e representação na era digital.

A inventividade de Luiz Fernando Marques (Lubi) na direção materializa-se na construção de um dispositivo cênico que dissolve hierarquias tradicionais entre palco e plateia, transformando o teatro em arena participativa onde espectadores se tornam testemunhas ativas da tragédia. A dramaturgia de Giordano Castro opera em estratos temporais simultâneos, tecendo conexões inesperadas entre o mito sofocliano e neuroses contemporâneas, criando uma experiência que é simultaneamente espetáculo teatral, happening performático e ensaio crítico sobre nossos vícios imagéticos.

O universo sonoro e visual da montagem está repleto de sofisticação técnica : Jathyles Miranda assina design de luz que dialoga com as projeções ao vivo, enquanto Chris Garrido desenvolve figurinos que transitam entre referências clássicas e estética digital. A trilha sonora, executada em tempo real pelo próprio grupo, atua como outra voz dramatúrgica, comentando e amplificando tensões narrativas. Clara Caramez coordena o vídeo maping que transforma o espaço em território instável, onde realidade e simulacro se confundem deliberadamente.

Nash Laila injeta energia quase juvenil em Jocasta, construindo uma matriarca que oscila entre vulnerabilidade e manipulação midiática. Erivaldo Oliveira comanda o Coro-drag com maestria afiada, destilando crítica social através de humor corrosivo que expõe contradições do espetáculo político brasileiro. Giordano Castro, além de dramaturgo, interpreta um Édipo dilacerado entre sede de fama e terror da exposição, personificando o sujeito contemporâneo viciado em likes e aterrorizado pela própria imagem.

Bruno Parmera desenvolve performance notável como Corifeu-cameraman, figura que questiona a própria natureza do olhar teatral. Lucas Torres transforma o Mensageiro em personagem complexo, dotado de densidade que supera a função tradicional de porta-voz dos acontecimentos. A interpretação ganha dimensões adicionais quando descobrimos que, diferentemente das tragédias clássicas, este Mensageiro possuía intimidade especial com Laio, tornando-se depositário de segredos e cúmplice de rituais privados.

Reconhecido do audiovisual brasileiro por atuações marcantes em Irmandade (Netflix), O Jogo que Mudou a História (Globoplay) e mais recentemente em Guerreiros do Sol (Globoplay), além de participações em Cangaço Novo (Prime Video) e no filme Lispectorante, de Renata Pinheiro, Pedro Wagner constrói um Tirésias de múltiplas identidades. Seu figurino que combina elementos femininos e masculinos faz referência à metamorfose mitológica do personagem e comenta a fluidez de gênero e performance identitária. Mário Sergio encarna Creonte, irmão de Jocasta e político pragmático que ambiciona o poder através de alianças estratégicas.

Édipo REC opera como um caleidoscópio crítico de nossa época. Tempo em que todos produzimos, editamos e performamos versões idealizadas de nós mesmos, alimentando algoritmos que nos observam e julgam incessantemente. O espetáculo expõe engrenagens de uma sociedade obcecada por autorrepresentação, investigando como a fronteira entre pessoa e personagem se torna cada vez mais porosa e problemática.

SERVIÇO
📍 Teatro Luiz Mendonça – Parque Dona Lindu
📅 25 e 26 de julho, às 20h
🎟️ R$ 30 a R$ 120
Mais Informações: @magiluth | @teatroluizmendonca

FICHA TÉCNICA
Criação: Grupo Magiluth, Nash Laila e Luiz Fernando Marques
Direção: Luiz Fernando Marques
Dramaturgia: Giordano Castro
Elenco: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Nash Laila e Pedro Wagner
Design de luz: Jathyles Miranda
Designe gráfico: Mochila Produções
Figurino: Chris Garrido
Trilha sonora: Grupo Magiluth, Nash Laila e Luiz Fernando Marques
Cenografia e montagem de vídeo: Luiz Fernando Marques
Cenotécnico: Renato Simões
Vídeo maping e operaçao: Clara Caramez
Captação de imagens: Bruno Parmera, Pedro Escobar e Vitor Pessoa
Equipe de produção de vídeo: Diana Cardona Guillén, Leonardo Lopes, Maria Pepe e Vitor Pessoa
Produção: Grupo Magiluth

 

O Mercador de Veneza na Caixa Cultural 

O Mercador de Veneza. Foto: Ronaldo Gutierrez / Divulgação

A montagem de O Mercador de Veneza que chega ao Recife propõe uma leitura contemporânea radical de um dos textos mais controversos de William Shakespeare. Sob a direção de Daniela Stirbulov, a adaptação desloca o foco narrativo tradicional para construir Shylock como protagonista absoluto, transformando o agiota judeu de vilão shakespeariano em centro moral da história. Esta escolha dramatúrgica ressignifica completamente a obra, revelando as estruturas de poder e preconceito que sustentam a sociedade veneziana – e, por extensão, a nossa.

A transposição temporal para os anos 1990 vai além da estética. A direção identifica nessa década o momento de aceleração da globalização e emergência de uma nova ordem mundial, contexto que dialoga diretamente com o capitalismo emergente do século XVI retratado por Shakespeare. Stirbulov cria um universo onde as tensões entre tradição e modernidade, local e global, se materializam através de conflitos religiosos e econômicos que ecoam tanto na Veneza renascentista quanto na sociedade neoliberal contemporânea.

O núcleo dramático permanece o mesmo: Antônio, o mercador cristão, contrai empréstimo com Shylock para financiar os planos românticos de seu amigo Bassânio. A garantia macabra – uma libra de carne humana – funciona como metáfora sobre os custos humanos do sistema financeiro. Quando a dívida não é quitada, o julgamento que se segue expõe a sede de vingança de Shylock e a hipocrisia de uma sociedade que pratica antissemitismo sistemático enquanto se beneficia dos serviços financeiros dos judeus.

A cenografia concebida para a montagem materializa essas tensões através de linguagem visual que utiliza uma estrutura acrílica transparente no centro do palco como tablado elevado, criando múltiplos níveis de representação que sugerem tanto tribunal quanto mercado financeiro. O painel circular de LED no alto do palco desenha palavras e frases conectadas à ação, funcionando como comentário visual que amplifica subtextos da narrativa. A presença de um operador de câmera captando imagens em tempo real, projetadas simultaneamente no painel, estabelece diálogo direto com nossa era de vigilância digital e espetacularização da vida privada.

A trilha sonora executada ao vivo por uma baterista no palco adiciona pulsação contemporânea à dramaturgia, criando atmosfera que oscila entre tensão financeira e violência urbana. Dan Stulbach, no papel de Shylock, constrói interpretação que humaniza o personagem sem romantizá-lo, revelando as contradições de um homem que é simultaneamente vítima do preconceito social e algoz implacável quando obtém poder de retaliação.

A montagem confronta o público com questões sobre intolerância, identidade e justiça que permanecem urgentes, evidenciando como vilões e heróis se confundem nas máscaras sociais. A obra, atravessada por tensões religiosas e preconceitos, mantém sua relevância ao abordar transformações nas relações humanas e tensões sociais que atravessam séculos.

A produção chega ao Recife após temporada de sucesso na CAIXA Cultural do Rio de Janeiro, consolidando-se como uma das adaptações shakespearianas mais provocativas em cartaz no país.

FICHA TÉCNICA
Texto: William Shakespeare
Direção: Daniela Stirbulov
Tradução, Adaptação e Assistência de Direção: Bruno Cavalcanti
Elenco: Dan Stulbach, Augusto Pompeo, Amaurih Oliveira, Cesar Baccan, Gabriela Westphal, Júnior Cabral, Marcelo Diaz, Marcelo Ullmann, Marisol Marcondes, Rebeca Oliveira, Renato Caldas, Thiago Sak
Baterista em Cena: Caroline Calê
Cenografia: Carmem Guerra
Cenotécnico: Douglas Caldas
Desenho de Luz: Wagner Pinto e Gabriel Greghi
Figurino e Visagismo: Allan Ferc
Assistente de Figurino: Denise Evangelista
Peruqueiros: Dhiego Durso e Raquel Reis
Direção de Movimento: Marisol Marcondes
Aderecista: Rebeca Oliveira
Consultoria sobre Shakespeare: Ricardo Cardoso
Vídeo e Imagem: André Voulgaris
Fotos: Ronaldo Gutierrez
Design Gráfico: Rafael Oliveira Branco
Operação de Luz: Jorge Leal
Operação de Som: Rodrigo Rios
Assistente de Produção: Amanda Nolleto
Produção Executiva: Raquel Murano
Direção de Produção: Cesar Baccan e Marcelo Ullmann
Produção: Kavaná Produções e Baccan Produções
Realização: CAIXA Cultural

SERVIÇO
📍CAIXA Cultural Recife – Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife
📅 24 de julho a 2 de agosto (quinta a sábado)
🕐20h
🎟️ R$ 30 (inteira) | R$ 15 (meia-entrada para clientes CAIXA e casos previstos em lei)
📞(81) 3425-1915
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🔞Não recomendado para menores de 12 anos
♿Acesso para pessoas com deficiência

 

Circo Godot é comédia física que espelha relações de poder

Asaías Rodrigues e Charles de Lima em Circo Godot. Foto: Divulgação

A Companhia Circo Godot de Teatro, fundada em 2010 por Asaías Rodrigues, Andrezza Alves e Damiano Massachesi, com posterior chegada de Charles de Lima, desenvolve há mais de uma década uma linguagem cênica singular que entrelaça teatro físico, circo e crítica social. O coletivo de artistas encontrou na fusão dessas linguagens uma forma potente de comunicação que atravessa barreiras culturais e geracionais, como comprova a circulação internacional do grupo por países como Grécia, Tunísia e Itália.

O espetáculo Circo Godot constrói-se sobre alicerces dramatúrgicos sólidos: a comicidade rústica dos bufões medievais e a tradição da comédia pastelão se combinam ao teatro físico contemporâneo e ao gromelô – linguagem gestual que prescinde de palavras para comunicar emoções e situações complexas. Esta escolha estética permite que a obra dialogue com públicos diversos, independentemente de idioma ou origem cultural.

A inspiração beckettiana surge de forma livre e criativa através dos personagens Pozzo e Lucky, figuras de Esperando Godot que aqui ganham nova roupagem como Gatropo e Tropino. Asaías Rodrigues e Charles de Lima constroem uma dupla de vagabundos que perambula pelo mundo oferecendo entretenimento para sobreviver, mas que carrega em sua dinâmica relacional uma crítica feroz às estruturas de poder que permeiam nossa sociedade.

A força da proposta reside na simplicidade aparente que revela múltiplas possibilidades de leitura: Gatropo emerge como o chefe autoritário que ordena, explora, desconfia e intimida, empunhando o chicote como símbolo de sua autoridade. Tropino, por sua vez, representa o subalterno ingênuo e alegre, faz-tudo que aceita sua condição com resignação aparente. A tensão dramática nasce da mesquinhez do primeiro e da ameaça latente que o segundo representa ao posto de comando estabelecido.

O desenvolvimento dramatúrgico conduz a plateia através de ações cotidianas que gradualmente revelam a toxicidade da relação hierárquica entre os personagens. Conforme evoluem os números circenses – equilibrismo, malabarismo, acrobacias -, emergem sentimentos mútuos de desprezo que culminam em reviravolta inesperada provocada por um descuido aparentemente insignificante. Esta estrutura narrativa espelha como pequenos eventos podem desestabilizar sistemas de poder aparentemente sólidos.

A direção de Quiercles Santana solicita participação ativa da plateia, transformando cada apresentação em experiência única e irrepetível. O espetáculo se apresenta como provocação reflexiva sobre ganância dos poderosos e sadismo inerente às relações de dominação, ativando o que o diretor define como “sentido lúdico do existir”.

A versatilidade da montagem manifesta-se em sua capacidade de adaptação a diferentes espaços: teatros convencionais, ruas, praças e pátios se transformam em palcos para esta comédia física que prescinde de cenários elaborados. O desenho de luz delicado de Luciana Raposo valoriza a expressividade corporal dos intérpretes, enquanto a produção executiva de Juan Saucedo garante a circulação eficiente do espetáculo.

A temporada recifense oferece oportunidade rara de contato com uma proposta original do teatro físico brasileiro contemporâneo, trabalho que demonstra como poucos recursos cênicos podem gerar grande impacto teatral quando sustentados por pesquisa artística consistente e olhar crítico sobre a realidade social.

SERVIÇO:
📍Teatro Hermilo Borba Filho
📅 24 e 25 de julho (quinta e sexta), às 20h
📅 26 de julho (sábado), às 17h
🎟️Ingressos www.sympla.com.br e na bilheteria do teatro (abre 1h antes do evento)

FICHA TÉCNICA
Criação e Interpretação: Asaías Rodrigues e Charles de Lima
Direção: Quiercles Santana
Desenho de Luz: Luciana Raposo
Fotos: Walton Ribeiro
Produção Executiva: Juan Saucedo
Companhia: Circo Godotde Teatro

 

Caliuga, teatro negro em diálogo com a luta contemporânea

Caliuga da Cia. de Teatro Negro Macacada. Foto: Gabriel Mesgo / Divulgação 

Caliuga da Cia. de Teatro Negro Macacada mergulha nas intersecções entre identidade racial e  mercado de trabalho. Através de situações concretas e reconhecíveis, a produção explora discriminação estrutural, construindo narrativa que provoca reflexão genuína sobre realidades complexas. O espetáculo faz duas apresentações no Teatro Joaquim Cardozo, espaço universitário da UFPE,

Luiz Apolinário assina dramaturgia e direção que transformam a jornada de Caliuga em espelho das contradições sociais brasileiras. Com assistência de direção de Roby Nascimento – ambos estudantes de teatro na UFPE -, a encenação parte da morte da avó protetora para explorar como a busca por trabalho se converte em luta contra destinos impostos pela própria família. Entre a maldição familiar e o sonho de cavalgar, a protagonista navega por territórios onde emprego e liberdade se entrelaçam de forma indissociável, revelando como questões raciais permeiam desde processos seletivos até a construção da identidade pessoal.

A trilha sonora concebida por César Seco e Raul Vaubruma subverte expectativas ao empregar instrumentos infantis para abordar temáticas adultas e complexas. Sons de brinquedos ganham densidade dramática inesperada, criando paisagem sonora que oscila entre nostalgia da infância perdida e dureza da realidade laboral. Diana Paraiso, comandando a produtora GRAVE!, articula produção executiva com concepção de iluminação e técnica, construindo unidade estética onde cada elemento cênico dialoga organicamente com os demais, potencializando a força narrativa do espetáculo.

Ashley Gouveia, Eva Oliveira, Roby Nascimento, Ruibeni Sales e Yastricia Santos formam elenco que materializa as múltiplas facetas da experiência negra no mundo corporativo. Inserindo-se no movimento crescente do teatro negro brasileiro, a montagem contribui para diversificação do panorama cênico.

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia e Direção: Luiz Apolinário
Assistente de Direção: Roby Nascimento
Produção Executiva: Diana Paraiso
Assistente de Produção: Grazielly Santana
Elenco: Ashley Gouveia, Eva Oliveira, Roby Nascimento, Ruibeni Sales, Yastricia Santos
Figurino: Ruibeni Sales
Criação de Sonoplastia: Raul Vaubruma + Seconuncaraso
Cenografia: Luiz Apolinário
Concepção de Iluminação e Técnica: Diana Paraiso
Fotografia: Gabriel Mesgo
Companhia: Cia. de Teatro Negro Macacada

SERVIÇO
📍 Teatro Joaquim Cardozo – UFPE
📅 25 (sexta) e 26 (sábado) de julho
🕰️ 19h30
🎟️ Inteira R$ 20 | Meia R$ 10
🔞 Classificação: 16 anos

 

O Diário de Villeneuve: o terror que vem de longe

Espetáculo explora o suspense psicológico. Foto: Kurt Correia

O Diário de Villeneuve da Companhia Imaginarium mergulha no território do teatro de terror para recriar parte do imaginário colonial brasileiro sob ótica sombria. Com roteiro autoral de Paiva Teodósio e direção de Ester Soares, a obra explora suspense e terror psicológico através da chegada de um forasteiro misterioso ao Brasil em 1596, carregando um diário, passado repleto de sombras e sede de vingança.

Villeneuve, imigrante italiano que desembarca em terras brasileiras no século XVI, protagoniza jornada entre pactos e manipulações onde encontra figuras históricas como Branca Dias, Antônia Maria (a Senhora dos Mortos), o temido Barão de Beberibe e a enigmática Felícia Tourinho. A dramaturgia utiliza personagens reais do período colonial para construir narrativa que reconstitui Recife e Olinda através de perspectiva gótica, transformando a história em material para exploração de medos ancestrais e tensões sociais do período.

A Companhia Imaginarium, fundada em 2015 e reativada em 2022, reúne Ester Soares, Núbia Ketly e Carlos Teodósio, artistas com mais de dez anos de trajetória teatral em Jaboatão dos Guararapes e região metropolitana do Recife. O grupo tem histórico de trabalho com montagens de terror, experiência que se materializa agora em O Diário de Villeneuve, onde elementos sobrenaturais e atmosferas tensas ganham contornos através da temática colonial brasileira.

O espetáculo conta com elenco de 14 atores, demonstrando ambição cênica que permite representar múltiplas camadas da sociedade colonial. Realizada através do Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), a produção conta com apoio da Fundarpe, Secretaria de Cultura do Recife, Solo Gens e Catamaran Tours, sendo realizada pela ONG Arco em parceria com a própria Imaginarium. A montagem oferece acessibilidade com intérprete de libras, garantindo democratização do acesso cultural.

FICHA TÉCNICA

Roteiro: Paiva Teodósio
Direção: Ester Soares
Preparação de Elenco: Carlos Teodósio
Direção de Produção: Núbia Ketly
Design: Carlos Santos
Figurino: Altino Francisco
Coordenação Geral: Ester Soares
Fotografia: Matheus Bento
Sonoplastia: SECOnuncaraso
Iluminação: Anderson G-zuis
Elenco: Ester Soares, Núbia Ketly, Carlos Teodósio, Gusttavo Revorêdo, Stephan Levita, Nando Araújo, Larissa Lira, Lucas Cardoso, Cora Lima, Gui Vicente, Luna, Lucas Vinícius, Kallin Alves, Marina Lino
Apoio: Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), Fundarpe, Secretaria de Cultura do Recife, Solo Gens, Catamaran Tours
Realização: ONG Arco e Cia Imaginarium

SERVIÇO:
📍 Teatro do Parque (24/07) e Teatro Apolo (15/08)
📅 Quinta (24) e 15 de agosto, às 19h
🎟️ R$ 20 (meia) e R$ 40 (inteira)
♿ Apresentação com intérprete de libras

 

Histórias do Meu Povo: Decolonialidade em Ação

Roma Júlia apresenta Histórias do Meu Povo. Foto: Reprodução do Instagram

O Espaço O Poste confirma sua vocação como território de experimentação e resistência cultural ao receber Histórias do Meu Povo, projeto que desde 2015 desenvolve trabalho consistente de valorização de narrativas ancestrais. Roma Julia, contadora de histórias e pedagoga, conduz uma experiência que constrói um ambiente sensorial e afetivo para celebra culturas afro-indígenas através de múltiplas linguagens.

A proposta engloba contos africanos, narrativas indígenas, itãs de orixás e histórias de lavadeiras, tudo embalado por música ao vivo e elementos visuais que incluem flores, folhas e objetos que fazem referência ao nordeste brasileiro. Para aproximar pessoas cegas e com baixa visão, aromas suaves de folhas e café são inseridos ao longo da narração, criando acessibilidade que vai além de protocolos técnicos para se tornar parte integrante da experiência estética.

O projeto se insere na programação decolonial do Espaço O Poste, que conta com apoio da Funarte através do Programa de Apoio a Ações Continuadas 2023. Esta parceria exemplifica como políticas públicas podem fomentar trabalhos que valorizam memórias historicamente marginalizadas, contribuindo para a diversidade do panorama cultural recifense. Roma Julia transforma o espaço em “jardim de memórias” onde tradição oral encontra contemporaneidade, provando que narração ancestral continua sendo ferramenta poderosa de transmissão cultural e transformação social.

SERVIÇO:
📍Espaço O Poste – Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista
📅26 de julho, às 16h
🎟️Entrada gratuita (retirar no Sympla

 

Comédias Consolidadas

A Noviça mais rebelde, irreverência (con)Sagrada

Wilson de Santos em A Noviça mais rebelde. Foto: João Caldas / Divulgação

Wilson de Santos retorna ao Recife com um fenômeno teatral brasileiro que desafia as regras de longevidade artística. A Noviça Mais Rebelde celebra 16 anos ininterruptos em cartaz – número impressionante em qualquer contexto cultural, mas especialmente notável tratando-se de um monólogo que se reinventa a cada apresentação através da espontaneidade entre ator e plateia.

Irmã Maria José surge como personagem que desafia estereótipos religiosos: uma freira cujo passado “nada católico” serve de combustível para um show beneficente improvisado, criando tensão cômica entre vocação atual e memórias mundanas.  A inteligência da criação se finca no aspecto familiar do conflito – quem nunca precisou conciliar diferentes versões de si mesmo? Wilson constrói identificação imediata ao apresentar uma religiosa que lida com as mesmas contradições humanas do público, transformando confessionário num palco de comedia.

A interatividade torna cada apresentação um evento único, onde jogos e números musicais emergem do diálogo espontâneo com os espectadores. Esse procedimento exige maturidade cênica, desenvolvida por Wilson ao longo de carreira que inclui trabalhos com Bibi Ferreira, Jorge Takla e Charles Möeller, além de passagem marcante pela Cia Baiana de Patifaria nos anos 1990 – quando já encantava plateias recifenses.

SERVIÇO:

A Noviça Mais Rebelde
📍 Teatro do Parque – R. do Hospício, 81, Recife
📅 25 (sexta) e 27 (domingo) de julho
🕰️ Sexta às 20h | Domingo às 19h
🎟️ Inteira: R$ 120 | Meia: R$ 60 | Social: R$ 60 + 1kg de alimento não perecível
⏱️ Duração: 90 minutos
🔞 Classificação: 12 anos
📱 Informações: (81) 98463-8388

FICHA TÉCNICA
Criação e Interpretação: Wilson de Santos
Figurino: Celso Werner
Fotografia: João Caldas
Arte Gráfica: Vicente Queiroz
Direção de Produção: Leonardo Leal
Realização: Teatro do Riso e Roberto Costa Produções
Vendas: Sympla (antecipadas) | Bilheteria no local (1h antes do espetáculo)

 

NÃO!, a terapia que virou comédia 

O!, com Adriana Birolli  e texto e direção de Diogo Camargos,

Dezoito anos de terapia para aprender uma palavra de duas letras. Se isso não merece aplausos pela persistência, pelo menos pode motivar uma gargalhada coletiva. A atriz Adriana Birolli retorna ao Recife carregando um dilema bem constrangedor da vida contemporânea: a incapacidade crônica de recusar convites, pedidos e obrigações que preferíamos evitar.

NÃO!, com direção e texto de Diogo Camargos, transforma em comédia a tragédia cotidiana de quem vive dizendo sim quando o coração grita não. A protagonista enfrenta situação reconhecível por qualquer pessoa que já se viu presa entre a educação social e a sanidade mental: não quer ir ao próprio jantar de aniversário, mas não consegue simplesmente… não ir. O drama dela pode ser a diversão do público.

 Enquanto se arruma relutantemente, mensagens bombardeiam de todos os lados – mãe, irmã, namorado, chefe – cada uma com um tipo diferente de pressão social que conhecemos intimamente. O trunfo está em mostrar como essa dificuldade aparentemente simples contamina todos os aspectos da vida: pessoal, profissional, familiar. É o tipo de reconhecimento que faz o público rir e se sentir levemente atacado ao mesmo tempo.

A resposta do público confirma que a questão afeta muito mais gente do que se imagina.

No Teatro Santa Isabel, espaço que já presenciou dramas épicos e comédias memoráveis, NÃO! promete três apresentações para quem quer rir das próprias neuroses enquanto questiona por que diabos é tão difícil estabelecer limites básicos. 

SERVIÇO

📍 Teatro Santa Isabel – Praça da República, s/n, Recife
📅 25 (sexta), 26 (sábado) e 27 (domingo) de julho
🕰️ Sexta às 20h | Sábado às 19h | Domingo às 18h
🎟️ Ingressos: R$ 40 a R$ 140 (conforme setor)
💳 Vendas: Sympla (parcelamento em até 12x)

FICHA TÉCNICA

Texto e Direção: Diogo Camargos
Atuação: Adriana Birolli
Iluminação: Leandro Mariz
Cenário e Adereços: A Dupla Dinâmica
Figurino: Letícia Birolli
Execução do Figurino: Artha Atelier
Direção Musical: Carlito Birolli
Produção Musical: Eugênio Fim
Fotografia: Nando Machado
Vídeos: Mauro Marques
Participações em Off: Dida Camero, Ivan Zettel, Juliana Knust, Letícia Birolli, Maria Joana
Realização: Casona Produções
Produção: Lakshmi Produções e Camargos Camargos Produções

 

Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco:
Duas décadas formando plateias

Hélio o balão que não consegue voar Foto Ricardo Maciel

Os super três porquinhos, numa produção de Roberto Costa 

O 21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco encerra sua programação neste fim de semana reafirmando seu papel como um dos mais longevos festivais do Brasil dedicados ao público infantil. Com duas décadas de existência ininterrupta, o evento se consolidou como referência nacional na promoção de espetáculos.

Os números impressionam pela magnitude e consistência: 270 espetáculos presenciais realizados em mais de 485 apresentações, 154 mil espectadores entre pagantes e gratuitos, e mais de 5.200 trabalhos diretos e indiretos gerados ao longo destas duas décadas. Estes dados comprovam que o FTCPE se transformou em plataforma de formação de plateia e circulação de produções infantis, contribuindo significativamente para o desenvolvimento do setor teatral pernambucano.

Hélio, o Balão que Não Consegue Voar, que se apresenta neste sábado (26) às 16h30 no Teatro do Parque, aposta no que há de mais articulado no teatro infantil inclusivo contemporâneo. Baseado no livro homônimo do escritor pernambucano Cleyton Cabral – vencedor do Prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia da Fundarpe -, o espetáculo utiliza formas animadas e manipulação de objetos para abordar poeticamente o Transtorno do Espectro Autista. A narrativa de Hélio, um balão que não consegue voar em uma loja mágica chamada Festa de Ar, transforma diferenças em potencialidades, ensinando que a verdadeira magia está em encontrar caminhos próprios mesmo quando eles divergem das expectativas sociais.

Os 3 Super Porquinhos, programado para domingo (27) no mesmo horário e local, investe  nas tradições clássicas. A adaptação de Roberto Costa para o conto tradicional insere questões contemporâneas sobre paz mundial e preservação ambiental. Segundo o próprio Roberto, produtor e adaptador, este é “disparado o mais querido pelas famílias para iniciação da vida cultural de seus pequenos”, característica que mostra a importância de espetáculos que conseguem dialogar simultaneamente com crianças e adultos.

Ambas as apresentações contarão com acessibilidade em Libras. Os ingressos estão disponíveis pela plataforma Sympla, através do site www.teatroparacrianca.com.br , e nas bilheterias dos teatros duas horas antes das apresentações. 

Realizado pela Métron Produções, sob coordenação de Edivane Bactista e Ruy Aguiar, o festival conta com incentivo do SIC (Sistema de Incentivo à Cultura), Fundação de Cultura Cidade do Recife, Secretaria de Cultura e Prefeitura da Cidade do Recife. A curadoria é assinada por Marcondes Lima, Ruy Aguiar e Williams Sant’Anna, garante critérios artísticos rigorosos que mantêm a qualidade das seleções. 

SERVIÇO:

“Hélio, o Balão que Não Consegue Voar”
📅 Sábado (26) de julho
🕰️ 16h30
📍 Teatro do Parque – Rua do Hospício, 81, Boa Vista
🎟️ R$ 60 (inteira) | R$ 30 (meia-entrada)
⏱️ Duração: 50 minutos
🔞 Classificação: Livre
♿ Apresentação com intérprete de Libras

Os 3 Super Porquinhos
📅 Domingo (27) de julho
🕰️ 16h30
📍 Teatro do Parque – Rua do Hospício, 81, Boa Vista
🎟️ R$ 80 (inteira) | R$ 40 (meia-entrada)
⏱️ Duração: 45 minutos
🔞 Classificação: Livre
♿ Apresentação com intérprete de Libras

🌐 Ingressos:

www.teatroparacrianca.com.br
(Sympla)

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No Recife, palcos são ocupados por produções
comerciais e projetos experimentais

Circo Godot faz curta temporada no Teatro Hermilo Borba Filho de 24, 25 e 26 de julho. Foto: Divulgação

Édipo REC faz sessões no Luiz Mendonça nos dias 25 e 26 de julho. Foto: Camila Macedo

Os teatros do Recife são ocupados neste final de julho por grandes produções que desembarcam de outros centros e experimentos que brotam do próprio território pernambucano. De um lado, nomes consagrados da televisão brasileira como Antonio Fagundes e Christiane Torloni garantem bilheteria apoiados na familiaridade que décadas de presença televisiva construíram – fenômeno que leva o público a transformar a proximidade fictícia da tela em desejo de encontro presencial no teatro; do outro, artistas locais investigam desde metáforas biológicas sobre estruturas sociais até releituras de clássicos do teatro mundial. Entre esses extremos, o teatro infantil garante seu festival e a arte negra encontra território próprio em programação especializada.

É um período que permite ao público transitar entre diferentes estéticas – da intimidade televisiva às provocações experimentais, do entretenimento familiar às reflexões sobre ancestralidade -, revelando como a cena recifense acomoda desde apostas comerciais seguras até pesquisas de linguagem que desafiam convenções.

Para uma cidade com a tradição cultural do Recife, contudo, a oferta ainda se mostra aquém das possibilidades. A ausência de perfis curatoriais mais específicos para os equipamentos resulta em semanas onde a maioria dos teatros se encontra ocupada simultaneamente por comédias ligeiras e entretenimento comercial, enquanto o teatro experimental contemporâneo, a dramaturgia nacional de risco e as pesquisas cênicas mais ousadas circulam timidamente pela cidade. 

A programação dá indícios que Recife ainda não explorou plenamente seu potencial como polo de criação teatral nacional. E esse é um assunto que precisamos debater mais profundamente. A cidade possui artistas talentosos e dedicados, público interessado e tradição cultural sólida – elementos que, bem articulados, poderiam gerar cena teatral de projeção nacional. Embora o Grupo Magiluth seja atualmente reconhecido como grande representante da cena pernambucana, demonstrando que a excelência teatral é possível na cidade, os talentos teatrais estão espalhados por todo o Recife e precisam de maior investimento e visibilidade para florescer plenamente. As condições para um salto qualitativo existem, mas permanecem dispersas, aguardando articulação institucional que conecte políticas públicas consistentes, iniciativa privada comprometida com diversidade estética e movimentos artísticos independentes. 

A riqueza cultural que caracteriza Recife historicamente merece programação teatral à altura de sua relevância no cenário cultural brasileiro. A pergunta que emerge desta análise é inevitável: quando a cidade decidirá investir no teatro com a seriedade e a visão estratégica que sua tradição cultural não apenas permite, mas exige?

VAMOS DAR UM ROLÊ PELA PROGRAMAÇÃO

 

Christiane Torloni e Antonio Fagundes na peça Dois de Nós. Foto: Renata Casagrande

🎭 Dois de Nós – O Peso dos Nomes

Antonio Fagundes e Christiane Torloni ocupam o Teatro Luiz Mendonça carregando décadas de presença no imaginário brasileiro através da televisão. São figuras que se tornaram presenças familiares nas casas , e essa intimidade construída pela TV se traduz em garantia de plateia quando migram para os palcos.

O texto de Gustavo Pinheiro explora um dispositivo dramático simples de uma comédia romântica: dois casais de gerações distintas confinados em quarto de hotel, onde segredos emergem através de revelações e mentiras – opera em terreno conhecido, apostando mais na competência interpretativa dos protagonistas que em inovações dramatúrgicas.

A direção de José Possi Neto aposta na química entre os intérpretes – Fagundes, Torloni, Thiago Fragoso e Alexandra Martins – para sustentar uma dramaturgia que se apoia mais na competência interpretativa do que em inovações formais. O cenário único de Fábio Namatame e a iluminação de Wagner Freire criam a atmosfera intimista necessária para que as confissões ganhem peso dramático.

Uma experiência única oferecida é o tour pelos bastidores guiado pelo próprio Antonio Fagundes, incluindo visita aos camarins e sessão de fotos, disponível por R$ 120 adicionais. O tour VIP  exemplifica como o teatro comercial contemporâneo monetiza até mesmo o making-of da experiência teatral.

Fagundes, conhecido por sua intransigência com atrasos – traço que acompanha toda sua carreira -, mantém a política rígida: “quem chegar atrasado não entra”. É postura que revela tanto profissionalismo quanto compreensão de que a experiência teatral exige pacto temporal entre palco e plateia. 

📍 SERVIÇO:
Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu)
19 de julho, 20h
20 de julho, 17h sessão extra
R$ 125 a R$ 250 
Tour VIP: R$ 120 (adicional)


 

Tania Bondezane Fabiana Karla, Foto: Divulgação

🎭“Radojka” – Dramaturgia Internacional

Fernando Schmidt e Christian Ibarzabal construíram texto que aborda dilemas contemporâneos – precariedade laboral, etarismo, desespero econômico – através do filtro da comédia de situação. A trama das duas cuidadoras que escondem a morte da patroa para preservar o emprego funciona como alegoria das condições trabalhistas atuais.

Tania Bondezan, que assina tradução e atua ao lado de Fabiana Karla, encontrou na peça uruguaia material que dialoga diretamente com a realidade brasileira do trabalho doméstico. A direção de Odilon Wagner busca equilibrar momentos farsescos com instantes de melancolia social, evitando que o humor neutralize a crítica implícita.

O sucesso da obra em mais de quinze países demonstra como certas ansiedades laborais atravessam fronteiras culturais, ganhando contornos específicos em cada contexto nacional.

SERVIÇO:
Teatro Santa Isabel (Praça da República)
18-20 de julho (Sex 20h, Sáb 19h, Dom 16h)
R$ 40 a R$ 150


🎭 Um Sábado em 30 – História e Comédia Pernambucana

A montagem do Grupo Teatro de Raízes de Pernambuco retrata uma família do interior de Timbaúba durante a Revolução de 1930. Com sessão única, o espetáculo mistura romance proibido, conflitos familiares e crítica social, tudo temperado com o humor característico do teatro pernambucano.

📍 SERVIÇO
Um Sábado em 30
Teatro do Parque (Rua do Hospício, 81, Boa Vista)
20 de julho (sessão única), às 19h
Ingressos: R$ 50 a R$ 100

🎭 TBT do Matuto nas Férias – Tradição do Humor Regional

Zé Lezin celebra quatro décadas de carreira com seu personagem matuto, figura que atravessou gerações e mantém relevância no imaginário humorístico pernambucano. O espetáculo funciona como retrospectiva afetiva, reunindo causos e histórias que consolidaram o artista como referência do humor nordestino.

A participação de Carlos Santos adiciona camada geracional ao espetáculo, criando diálogo entre diferentes momentos da comédia local. É formato que privilegia a conexão emocional com o público sobre inovações formais, apostando na nostalgia como elemento de coesão.

📍 SERVIÇO
TBT do Matuto nas Férias, com Zé Lezin
Teatro Boa Vista (Rua Dom Bosco, s/n, Boa Vista)
19 de julho, 20h
R$ 50 a R$ 100

Vitor Trindade no Espaço O Poste. Foto: Divulgação

🎭 Espaço O Poste: Território da Arte Negra

Vítor da Trindade – Pedagogia Ancestral

O Espaço O Poste desenvolve programação consistente focada na valorização da cultura afro-brasileira, oferecendo alternativa aos modelos esporádicos de muitos equipamentos culturais. A presença de Vítor da Trindade exemplifica essa curadoria política.

A Vela Branca de Oxalá – Performance poético-musical inspirada no livro homônimo de Vítor da Trindade. Entre crônicas, canções e versos sobre cotidiano, amor e ancestralidade negra, ele é acompanhado da bailarina Elis Trindade, que traduz em movimento corporal o lirismo da obra.

Esta programação representa o compromisso do Espaço O Poste com a valorização da cultura afro-brasileira e a criação de espaços de diálogo sobre questões étnico-raciais através da arte.

📍 SERVIÇO:
A Vela Branca de Oxalá
Espaço O Poste (Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista)
Show: 19/07, 19h (R$ 10-20)

 

TEATRO INFANTIL: 21º FESTIVAL DE TEATRO PARA CRIANÇAS E MONTAGENS OUTRAS

Cantigas de Fiar. Foto: João Fernando Bonfim

Cantigas de Fiar(19/07, 16h30) – Companhia Fiandeiros de Teatro Show teatral que reúne crianças, jovens e adultos explorando o tema da saudade através de músicas de André Filho e Samuel Lira. O espetáculo homenageia André Filho, demonstrando como o teatro infantil local constrói memória artística própria. A abordagem de sentimento complexo – a saudade – através de linguagem acessível respeita a capacidade infantil de lidar com emoções profundas.

📍 SERVIÇO
Cantigas de Fiar (Companhia Fiandeiros de Teatro – Recife / PE)
Teatro do Parque (Boa Vista – Recife / PE)
19/07 (Sábado) – 16h30 –
Ingressos: R$ 60,00 (inteira) / R$ 30,00 (meia)

O Mágico de Oz – Foto Christian Farias

O Mágico de Oz (20/07, 16h30) – Capibaribe Produções Adaptação da obra de L. Frank Baum com direção de Roberto Oliveira. A montagem, com duração de 1h10, traz reflexões sobre coragem, amizade e superação através da jornada de Dorothy, embalada por trilha sonora no estilo de grandes musicais. Elenco numeroso inclui Letícia Galeno, Thiago Ambrieel, Janine Aroucha e outros, criando espetáculo de grande formato para público infantil.

📍 SERVIÇO
O Mágico de Oz (Capibaribe Produções / Moreno – PE)
Teatro do Parque (Boa Vista – Recife / PE)
20/07 (Domingo) – 16h30 –
Ingressos: R$ 80,00 (inteira) / R$ 40,00 (meia)

Tatu-do-bem. Foto:_ Luiza Costa

Tatu-do-Bem (19/07, 16h) – Catalumari e os Giguiotes Aventura ambiental que acompanha Andrezinho, filho de atores nômades, em descoberta da caatinga através dos tatus-bolas Tuta e Teteu. A montagem articula educação ambiental com estética regional, escolhendo a caatinga como cenário fantástico e valorizando bioma pouco presente no imaginário infantil urbano. Texto de Lucas Carvalho e direção de Guilherme Mergulhão demonstram maturidade da cena infantil local.

📍 SERVIÇO
Tatu-do-Bem (Catalumari e os Giguiotes / Recife–PE)
Teatro Barreto Júnior (Pina)
19/07 (Sábado) 
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) / R$ 20,00 (meia-entrada)

A Batalha de Botas. Foto: Thercles Silva

A Batalha de Botas Fábula que questiona conceitos de civilização através do encontro entre aviador militar e nativo de ilha. Inspirada em Fernando Arrabal e Plínio Marcos, a obra traz figuras do circo tradicional para abordar questões sociais contemporâneas. A montagem paraibana demonstra circulação regional do teatro infantil de qualidade.

📍 SERVIÇO
A Batalha de Botas – Trupe Arlequin (João Pessoa-PB)
Teatro Barreto Júnior
(20/07, 16h)
:R$ 60 (inteira) / R$ 30 (meia)

OUTRAS MONTAGENS PARA CRIANÇAS

Hélio o balão que não consegue voar Foto Ricardo Maciel / Divulgação

Hélio, o Balão que Não Consegue Voar

Produção pernambucana do Coletivo de Artistas que aborda com sensibilidade poética o Transtorno do Espectro Autista. Baseada no texto premiado de Cleyton Cabral, a obra de formas animadas evita tanto invisibilização quanto vitimização, criando narrativa que celebra diferenças através de metáfora delicada.

📍 SERVIÇO
Hélio, o Balão que Não Consegue Voar
CAIXA Cultural Recife 
18 a 20 de julho, 16h
R$ 30 (inteira) / R$ 15 (meia)

A Cigarra e a Formiga. Foto: Renan Andrade

A Cigarra e a Formiga (20/07, 15h) – Teatro RioMar

A clássica fábula de Esopo ganha formato musical sob a direção e adaptação de Roberto Costa, A Cigarra e a Formiga reúne cinco atores – Luan Alves, Ashila Moraes, Isabela Leão, Maycon Douglas e Ania Cellos – que dão vida aos habitantes da floresta, desde a cantante Cigarra até as trabalhadoras formigas, passando por Dona Joaninha, Abelhão, Abelhuda e Borboleta.

O espetáculo conta com três músicos – Luiz Henrique, Linaldo Lima e Arthur Correia – responsáveis pela execução ao vivo de todas as canções que compõem a trama. A adaptação mantém a estrutura narrativa original, acompanhando a cigarra que dedica o verão ao canto enquanto as formigas se concentram no trabalho de estocagem de alimentos para enfrentar o inverno, com a participação dos demais insetos que compartilham o mesmo ambiente florestal. A montagem inclui acessibilidade em Libras e combina humor, música ao vivo e efeitos especiais em uma apresentação voltada ao público infantil e familiar

📍 SERVIÇO

Musical A Cigarra e a Formiga
Domingo, 20 de julho, 15h
Teatro RioMar Recife
Ingressos: A partir de R$ 50
Vendas: Bilheteria do teatro
Acessibilidade: Libras

🎪 PRÓXIMA SEMANA (24 A 27 DE JULHO)

Circo Godot, com Asaías Rodrigues e Charles de Lima. Foto: Divulgação

Experimentação e Pesquisa – Circo Godot

Quiercles Santana dirige Asaías Rodrigues e Charles de Lima em adaptação livre de Esperando Godot que substitui angústia existencial pelo humor circense brasileiro. Gatropo e Tropino (referências a Lucky e Pozzo) comunicam-se através de “blablação” – língua inventada que universaliza a experiência da incomunicabilidade.

A escolha pela linguagem inventada, “gromelô”, elimina barreiras de classe e educação formal, criando comunidade temporária entre público e intérpretes. A participação ativa da plateia transforma reflexão filosófica beckettiana em jogo coletivo, demonstrando como clássicos podem ser reinventados através de filtros culturais locais.

A iluminação de Luciana Raposo e a produção de Juan Saucedo garantem estrutura técnica que sustenta a precariedade voluntária da estética circense. O Teatro Hermilo, com apenas 90 lugares, cria intimidade necessária para que o experimento funcione.

📍 SERVIÇO:
Circo Godot
Teatro Hermilo Borba Filho
24, 25 e 26 de julho
R$ 40 (inteira) / R$ 20 (meia)
Apenas 90 lugares

 

Erivaldo Oliveira interpreta o Coro-drag em Édipo REC. Foto: Foto: Camila Macedo / Divulgação

Tragédia grega na Manguetown

Édipo REC celebra duas décadas de experimentação do Grupo Magiluth, transformando a tragédia de Sófocles em uma experiência contemporânea. Após percorrer o Brasil, a montagem retorna ao Recife, convertendo o Teatro Luiz Mendonça em uma arena onde público e performers se entrelaçam numa dança entre realidade e representação. A direção de Luiz Fernando Marques (Lubi) e a dramaturgia de Giordano Castro criam um fluxo teatral em tempo real, onde câmeras, projeções ao vivo e vídeo mapping constroem uma Tebas reinventada como Recife-Pompéia – território onde a hiperexposição digital encontra a catástrofe ancestral, questionando como editamos nossas próprias vidas numa era de imagens.

A dramaturgia em dois atos conduz o espectador: da euforia de uma festa performática saturada de códigos pop à revelação da tragédia pessoal, onde todas as narrativas implodem. O elenco constrói um mosaico humano – Nash Laila ressignifica Jocasta com uma presença que marca o retorno feminino ao grupo, enquanto Erivaldo Oliveira comanda como Coro-drag, destilando humor e verdades. Giordano Castro molda um Édipo que é ícone pop e vítima de seu próprio narcisismo digital, navegando entre disputas de poder e a ilusão de controle. Mais que uma adaptação, Édipo REC funciona como um autorretrato do próprio Magiluth, interrogando: numa época onde somos diretores e personagens de nossas próprias tragédias virtuais, o teatro ainda possui a força de nos confrontar com quem realmente somos?

📍 SERVIÇO
Édipo REC – Grupo Magiluth
Teatro Luiz Mendonça, Parque Dona Lindu
25 e 26 de julho, às 20h
Ingresso: 30 a 120

Caliuga faz duas apresentações no Teatro Joaquim Cardozo

Caliuga

A Cia. de Teatro Negro Macacada constrói em “Caliuga” uma narrativa que espelha realidades enfrentadas cotidianamente por milhões de brasileiros, utilizando o palco como espaço de reflexão sobre as intersecções entre identidade racial e inserção no mercado de trabalho. O protagonista da obra se torna um representante de experiências coletivas que transcendem a ficção, navegando por situações que revelam as camadas sutis e explícitas de discriminação presentes nos processos seletivos e ambientes corporativos. A escolha dramatúrgica de centrar a ação na busca por emprego permite que questões estruturais sejam exploradas através de situações concretas e reconhecíveis, criando pontes entre a experiência individual do personagem e os desafios sistêmicos enfrentados pela população negra no Brasil.

A produção reconhece que as questões raciais e trabalhistas não podem ser simplificadas ou romantizadas. A Cia. de Teatro Negro Macacada se posiciona dentro de um movimento teatral que utiliza a arte como ferramenta de visibilidade e discussão, contribuindo para um panorama cênico que valoriza narrativas historicamente marginalizadas nos palcos brasileiros. O espetáculo se insere em um contexto cultural onde o teatro negro ganha cada vez mais espaço e reconhecimento, não apenas como expressão artística, mas como plataforma de debate sobre transformações sociais necessárias e urgentes na sociedade contemporânea.

📍 SERVIÇO:
Teatro Joaquim Cardozo – Centro Cultural Benfica
25 e 26 de julho, 19h30
R$ 20 (inteira) / R$ 10 (meia)

 

Dan Stulbach . Foto: Ronaldo Gutierrez. 

RELEITURA DE SHAKESPEARE

O Mercador de Veneza chega à CAIXA Cultural Recife de 24 de julho a 2 de agosto, de quinta-feira a sábado, sempre às 20h. Esta montagem dirigida por Daniela Stirbulov transporta o clássico da Itália do século 16 para um cenário contemporâneo inspirado nos anos 1990, década marcada pela aceleração da globalização e pelo surgimento de uma nova ordem mundial.

A trama acompanha Antônio, um mercador que contrai uma dívida com Shylock para ajudar seu amigo Bassânio. Como garantia para o empréstimo, Antônio oferece uma libra de sua própria carne. O não pagamento da dívida leva a um julgamento dramático, trazendo à tona temas como justiça e preconceito. A Bolsa de Valores dos anos 1990 se torna o espaço simbólico central da narrativa, onde o dinheiro rege as relações humanas, refletindo a aceleração da globalização.

Nesta versão, Shylock assume o papel de protagonista e a história é contada a partir de sua perspectiva, invertendo a estrutura tradicional da peça shakespeariana. 

A cenografia inclui uma estrutura acrílica transparente elevada no centro do palco que cria um tablado dinâmico para os atores, um painel LED circular posicionado no alto que desenha palavras e frases ligadas à ação em tempo real, um operador de câmera que capta imagens em tempo real também projetadas no painel, e uma baterista que executa a trilha sonora ao vivo no palco, criando uma atmosfera imersiva.

O elenco principal é formado por Dan Stulbach como Shylock, Cesar Baccan como Antônio, Gabriela Westphal como Pórcia e Marcelo Ullmann como Bassânio, além de um elenco de apoio que inclui Augusto Pompeo, Amaurih Oliveira, Júnior Cabral, Marcelo Diaz, Marisol Marcondes, Rebeca Oliveira, Renato Caldas e Thiago Sak. A equipe técnica conta com cenografia de Carmem Guerra, figurino e visagismo de Allan Ferc, desenho de luz de Wagner Pinto e Gabriel Greghi, e trilha sonora executada por Caroline Calê.

 

OUTRAS COMÉDIAS

NÂO

NÃO! com Adriana Birolli

A atriz Adriana Birolli retorna ao Recife com comédia de Diogo Camargos que aborda dificuldade de estabelecer limites pessoais. O monólogo, que já percorreu o Brasil com sessões lotadas, explora tema através da perspectiva de mulher que faz terapia há dezoito anos para aprender a dizer não.

A montagem representa teatro comercial contemporâneo: uma atriz conhecida da televisão em texto que combina humor com autoajuda, criando identificação imediata com público urbano de classe média. Adriana Birolli comenta que a resposta positiva de profissionais da saúde mental comprova a pertinência do tema.

SERVIÇO:
Teatro Santa Isabel
25 a 27 de julho (Sex 20h, Sáb 19h, Dom 18h)
R$ 40 a R$ 140

Wilson de Santos intepreta a rmã Maria José. Foto: Divulgação

A Noviça Mais Rebelde

A trajetória de mais de uma década nos palcos brasileiros consolida A Noviça Mais Rebelde  como um fenômeno teatral que conquistou públicos das mais diversas regiões do país. Wilson de Santos constrói um personagem que navega entre a devoção religiosa e as memórias mundanas com uma naturalidade que transforma cada apresentação em uma experiência única, já que a natureza improvisacional do espetáculo permite variações que mantêm a obra sempre renovada.

A habilidade do ator em conduzir a interação com a plateia, alternando entre momentos de reflexão espiritual e explosões de humor irreverente, demonstra sua versatilidade cênica desenvolvida ao longo de colaborações com importantes nomes do teatro nacional. O formato de monólogo interativo, que coloca o público como parte integrante da narrativa, quebra a quarta parede de forma orgânica, criando uma atmosfera de intimidade que faz com que cada espectador se sinta pessoalmente conectado às confissões e travessuras da Irmã Maria José. Esta longevidade artística

📍 SERVIÇO:
A Noviça Mais Rebelde
Teatro do Parque
25 e 27 de julho (Sex 20h, Dom 19h)
R$ 60 a R$ 120

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