Nostradamus quer ser superprodução pernambucana

Médico chamou a atenção do clero da sua época com profecias. Foto: Leandro Lima

Médico chamou a atenção do clero da sua época com profecias. Foto: Leandro Lima

O espetáculo Nostradamus, da Delfos Produções, estreia no dia 16 de maio, esta quarta-feira, com o desejo de ser uma superprodução pernambucana. Com 13 atores e um custo divulgado de R$ 150 mil, o carro-chefe do espetáculo é a dramaturgia de Doc Comparato, roteirista famoso por seus trabalhos no cinema e na TV, mas pouco visto nos palcos. O texto é uma visão pessoal de Doc sobre a figura controversa de Michel de Nostradame (1503-1566), médico francês que ficou famoso por suas profecias.

Para divulgar o espetáculo para a imprensa, a produção do espetáculo agendou uma entrevista coletiva num lugar inusitado: a Assembleia Legislativa de Pernambuco. Quem intermediou o uso do espaço foi o deputado estadual Waldemar Borges (PSB), por quem a equipe da peça e jornalistas tiveram de esperar durante uma hora para que ele começasse o evento com um breve discurso. O ambiente formal da Alepe também levou várias pessoas da equipe do espetáculo a usarem roupas sociais e maquiagem. Já o criador do texto, Doc Comparato, chegou na capital pernambucana na semana passada e foi tratado como convidado de honra. Ele estará na plateia durante a estreia e toda a sua estadia está sendo bancada pela Delfos.

Metido em terno e gravata e com uma maleta inseparável ao seu lado, Doc disse ter começado a comemoração de seus 40 anos de carreira no Recife e descreveu como esta montagem de Nostradamus passou a ganhar forma. “Vim ao Recife em 2016 para dar um curso de roteiro e acabei cedendo os direitos de duas peças da minha autoria: Jamais, Calabar, com direção de Jorge Farjalla, e esta. Criei Nostradamus em 1982, em Nova Friburgo. Estava de férias no sítio do meu pai e escrevia uma ou duas cenas por dia. Li muito sobre a época na qual ele viveu, mas depois de estar embebido daquilo, joguei fora”.

O potencial da vida de Nostradamus como material dramático, segundo Doc, foi explorado a partir da incompreensão das pessoas de sua época e do fascínio provocado por sua figura. “Imagine aquele homem falando do terceiro milênio, da 2ª Guerra Mundial no século 16. Aquilo ali não dizia respeito às pessoas daquele tempo. Também achava aquilo uma besteira e, recentemente, reli algumas profecias de Nostradamus e levei um choque. Peguei o que me chamou mais atenção, o que era mais vibrante, e o que ele falou realmente aconteceu. A grande pergunta da peça é a seguinte: nós temos destino ou cada um de nós tem poder sobre o livre-arbítrio? Ele era um visionário, um sonhador e Shakespeare diz que somos feitos da mesma matéria dos sonhos”.

A primeira montagem de Nostradamus, encenada em 1986, teve Antônio Fagundes como carro-chefe e Antonio Abujamra como diretor. A peça faz parte do que o autor chama de Trilogia do Tempo, que contém também os textos Michelangelo e O círculo das luzes. “Ninguém me encomenda peças para teatro. Eu é que sento para escrever. Sai da minha alma. É como se fosse um vestido de alta costura, dá um trabalho enorme. Já a televisão é um prêt-à-porter”, reflete Doc.

Mas um texto como esse tem relevância para os dias de hoje? O diretor da peça, Anderson Leite, acredita que sim. O encenador é, originalmente, do grupo São Gens de Teatro e foi chamado pela Delfos Produções para tocar o projeto e ajudar a escolher o elenco. “Nostradamus é visto sobre a ótica do tempo, em um triângulo entre passado, presente e futuro. Os três são uma coisa só. O texto tira o Nostradamus do endeusamento e o coloca como humano”. Em complemento à dramaturgia, ele diz ter tomado algumas liberdades. Uma dramaturgia paralela e não-verbal foi criada com a participação do multiartista Messias Black, que encarna um personagem misterioso. “Ele é um prisioneiro do tempo, um personagem que aparece em momentos de transição”.

A montagem, por sua vez, é a culminância de um processo que já dura dois anos, tempo necessário para montar o elenco, fazer a troca de alguns atores e levantar recursos financeiros, no caso dessa peça específica bastante volumosos para uma produção local – especialmente em tempos de crise. “Usamos recursos próprios e muita coisa não foi orçada em dinheiro, mas em serviços”, justifica Ana Patrícia Vaz Manso, produtora da peça junto com Matheus Vaz. Ela foi a responsável por comprar os direitos do texto após participar do curso de roteiro que Doc ministrou no Recife em 2016.

Os planos para a produção são ambiciosos. Os produtores dizem estar em negociações para levar o espetáculo a todas as capitais do Nordeste até janeiro de 2019, em 22 apresentações, quatro delas no Recife. A dupla também afirma estar em captação de recursos para circular pela Região Norte e colocaram outra meta que parece ainda mais difícil de realizar: levar a montagem até o Festival de Avignon, na França, um dos mais importantes do mundo, no ano que vem. “Nostradamus viveu na cidade, então tem tudo a ver. Já faz quatro anos que nenhuma peça brasileira se apresenta lá. Se não conseguirmos entrar na programação oficial, queremos encenar Nostradamus em alguma produção paralela”, sonha Ana Patrícia.

Serviço:
Nostradamus, da Delfos Produções
Quando: 16 de maio (quarta), às 20h
Onde: Teatro de Santa Isabel – Praça da República, s/n, Santo Antônio
Quanto: R$ 60 e R$ 30 (meia)
Informações: (81) 3355-3323 ou espetaculonostradamus@gmail.com

Ficha técnica: 
Dramaturgia: Doc Comparato
Direção: Anderson Leite
Produção executiva: Ana Patrícia Manso e Matheus Vaz
Elenco: Alberto Oliveira, Anaýra Bandeira, Cristiano Primo, Halberys Morais, Hannah Minervino, Isabela Leão, Mário Coelho, Messias Black, Patrícia Manso, Paulo César Freire, Thiago Leal, Ulisses Nascimento e Vanessa Sueidy
Trilha sonora: Raphael Souto
Cenografia: Anderson Leite
Cenotécnico: Paulo Régis
Iluminação: João Guilherme de Paula
Figurino: Deivison Maciel e Patrícia Manso
Preparação de elenco: Manoel Constantino
Programação visual: Matheus Vaz
Maquiagem: Ana Paula Oliveira
Adereços: Lourdes Alves e Paulo Régis
Assistentes de produção: Halberys Morais, Ivaldo Cunha Filho, Paulo César Freire Ulisses Nascimento
Sonoplastia: Paulo César Freire
Assistente administrativo: Magno Holanda
Música tema “Sabina”: Vanessa Sueidy
Assessoria de Imprensa: Deva Mendes
Fotografia: Leandro Lima e Matheus Vaz
Realização: Delfos Produções

Postado com as tags: , , , ,

Teatrando! reconta história do Santa Isabel com jogo

Atores jogam com o público no Projeto Teatrando. Foto: Wesley D'Almeida

Atores jogam com o público no Projeto Teatrando!. Foto: Wesley D’Almeida

Terça-feira, 15h. Esse é um horário pouco habitual para a maioria das produções teatrais, mas quem passar pelo Teatro de Santa Isabel neste dia e horário e prestar atenção vai ver um grupo na frente da casa de espetáculos, inaugurada em 1850. Todas esperam pela abertura de suas portas para participar do Proscenium! Teatro Jogo, incluída em um projeto maior, chamado Teatrando!. A ação vai oferecer atividades no local até agosto, incluindo também oficinas, saraus e debates, tudo de graça.

O Proscenium! Teatro Jogo não é propriamente uma visita guiada, mas uma proposta de experiência imersiva e interativa na história do Santa Isabel, baseada na educação patrimonial. A intenção é atingir tanto o público espontâneo quanto grupos previamente agendados, até o limite de 50 pessoas. Na última terça, cerca de 40 alunos de uma escola de Ipojuca estavam lá, junto com mais dois adultos – uma delas era eu.

A recepção pode até parecer uma visita guiada convencional, mas logo uma série de acontecimentos leva todo mundo para dentro do teatro de uma forma inusitada. Em vez de vermos de cara toda a glória do Santa Isabel pela perspectiva de quem chega para assistir a um espetáculo, somos levados para os bastidores, conhecendo o teatro pelo seu avesso. Os personagens históricos e mitológicos que passam a aparecer aqui e ali reforçam a brincadeira, conduzida pelos atores Alexandre Sampaio, Bruna Luiza Barros, Ellis Regina, Kadydja Erlen, Luciana Lemos, Paulo de Pontes e Rafael Dyon.  A direção de Quiercles Santana e Célio Pontes usa as situações reais relacionadas ao teatro como ponto de partida para fazer o público ligar os elos por conta própria.

A construção do teatro pelo engenheiro francês Louis Vauthier e, principalmente, o incêndio sofrido pela casa em 1869, são o centro desse passeio interativo, pois detonam todos os acontecimentos que vêm a seguir. Dos porões até o sótão do teatro, passando pelos camarins, tudo pode estar em cena e guardar uma surpresa. É preciso ter um pouco de fôlego para subir e descer andares inteiros do teatro em cerca de duas horas de ação. Em certo momento, o público é dividido em três grupos diferentes, conduzidos por diferentes personagens, e o conceito de gamificação ganha ainda mais força. Assim como no RPG, cada escolha vai resultar em uma experiência única e somente no final da visita o grupo vai se reunir por inteiro novamente.

Um dos maiores méritos do Proscenium! Teatro Jogo não é apenas mostrar a história do Teatro de Santa Isabel de uma forma criativa, mas levar quem participa a fazer uma reflexão sobre a arte de forma mais ampla. Questões como a ausência de público nas casas de espetáculos ou o valor dado à cultura no Brasil são postas nos textos dos atores e no tipo de interação entre eles e o público, mostrando que esses temas são tão antigos quanto à história desse local. Em um teatro que já viu muitas histórias serem contadas, tanto em seu palco como fora dele, é bom ver que seus fantasmas também rendem uma boa narrativa.

Projeto leva à reflexão sobre arte. Foto: Wesley D'Almeida

Projeto leva à reflexão sobre arte. Foto: Wesley D’Almeida

Além do Proscenium! Teatro Jogo, agendado para todas as terças-feiras até o fim de agosto, o Teatrando! tem outras ramificações. Uma delas se chama Diálogos, com debates abertos ao público toda última terça-feira do mês, sempre às 19h. Os saraus estão previstos para ocorrer quinzenalmente e a convocatória para quem quiser se apresentar por lá está na página do teatro na internet. As oficinas, por sua vez, ainda não começaram. Fato raro nas artes cênicas da cidade, todo o valor captado para essas ações veio da Lei Rouanet, a partir do patrocínio do banco Santander. Quem executou o projeto foi o Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), mesma instituição responsável pelo funcionamento do Paço do Frevo. Já as visitas guiadas do Santa Isabel continuam, sem previsão de encerramento, nos mesmos horários: domingos, às 14h, 15h e 16h, com entrada gratuita. 

Serviço:

Proscenium! Teatro Jogo
Quando: Todas as terças-feiras, às 15h, até o fim de agosto
Onde: Teatro de Santa Isabel (Praça da República, s/n, Santo Antônio)
Quanto: Gratuito, mas é preciso fazer o agendamento por telefone
Informações: (81) 3355-3323 / 3324

Público pode agendar participação gratuitamente. Foto: Wesley D'Almeida

Público pode agendar participação gratuitamente. Foto: Wesley D’Almeida

Postado com as tags: , ,

Crítica: Tutorial de tudo*

Tutorial de tudo faz última sessão no Teatro Joaquim Cardozo. Foto: Doralice Lopes

Tutorial de tudo faz última sessão no Teatro Joaquim Cardozo. Foto: Doralice Lopes

*Crítica escrita por Durval Cristóvão

O que nos ensina esse Tutorial de tudo?

No coração do bom selvagem todas as virtudes do mundo estão gravadas. O mito do bom selvagem foi criado por Rousseau para denunciar a exploração do homem pelo próprio homem, mas acabou reduzido a uma imagem poética romantizada que, de certo modo, contribuiu para formar a nossa ideia de criança. Se o homem é bom por natureza, as crianças, por estarem mais próximo dela, e ainda não tendo se apropriado da maldade, seriam, portanto, necessariamente boas. Acreditar no bem como princípio norteador é a condição de qualquer sistema ético. Para Rousseau, esse processo de naturalização do homem o aproximaria do bem e da moral.

Para outros franceses admiráveis, como Antonin Artaud ou o Marquês de Sade, a crueldade seria o primeiro sentimento que a vida nos imprime. Artaud fala em apetite de vida; Sade, em paixão e intemperança. Apesar de a natureza não ter valores, não conseguimos contemplá-la sem atribuir a ela características humanas, não há nada de errado nisso. Mas se olharmos para o mar, para o céu, para a montanha ou mesmo para dentro de nós, a crença nesta natureza amorosa e pacífica pode não se sustentar. O Marques de Sade disse: “A crueldade é o primeiro sentimento que a vida nos imprime. A criança destrói seu brinquedo, morde a teta de sua ama-de-leite, estrangula seu passarinho, muito antes de atingir a idade da razão(…) logo, seria um absurdo estabelecer que é consequência da depravação.”

Quem acha que criança não tem sexualidade, que criança não é perversa, que criança não é humana – é um anjinho –, provavelmente nunca conviveu com uma.

Começo, desse modo, esta breve reflexão logo dizendo que senti falta de alguma crueldade na peça Tutorial de tudo, criação coletiva dos alunos do quarto período do curso de Teatro, da UFPE, dirigida por Luís Reis. Sim, eu sei que a palavra “não” é cheia de crueldade, mas é crueldade adulta. Não precisa abrir uma lagartixa, não precisa matar um passarinho, não precisa morder o coleguinha, mas queria sentir aquele friozinho do medo. O medo nos aproxima da infância.

Mas, o que fazer com as crianças? Eis uma preocupação tão antiga quanto a história do pensamento no Ocidente. Apesar disso, a criança viveu na sombra do pensamento filosófico por muitos séculos. Ao que me parece, só depois de Nietzsche, a criança passou a interessar verdadeiramente aos pensadores e aos filósofos.

Todos nós fomos criança um dia, quem envelheceu não pode duvidar disso. Mas a nossa memória não acessa plenamente esse estágio do nosso desenvolvimento. O motivo me parece óbvio: a memória depende do desenvolvimento da linguagem, e a linguagem tem como principal meio de expressão a fala. Infância quer dizer in-fale, sem fala. Se quisermos falar para todos, o silêncio talvez seja um bom começo. A peça começa assim, e é cheia de silêncio e de poesia. Gosto de ir ao teatro para encontrar o contrário da casa, quero dizer: o contrário das nossas vidas. Isso me faz muito bem. Não quero pagar para apanhar, já estou dilacerado. A vida arranha, a vida maltrata. Tenho evitado protestos que não sejam tímidos. Esses mexem mais comigo, parecem mais belos, mais profundos, mais mobilizadores do que certos gritos. Tutorial de tudo é um protesto tímido.

O espetáculo é uma obra para todas as idades. Cheio de belas surpresas e de invencionices. Uma única palavra é utilizada em cena: “não!”, a palavra que mais ouvimos em nossa vida. Desconfio que qualquer pessoa no mundo é capaz que entender esse som, em qualquer língua. Nós, artistas de teatro, cortejamos os universais e eles nos rondam como leões famintos. A peça tem essa pretensão. Acho que até a maior banalidade, quando está posta como obra, ambiciona ser ou participar de algum universal.

Eu não aprendi nada com Tutorial de tudo, o espetáculo não quer ensinar nada. A arte não deveria ensinar nada além da dúvida, da contradição e do equívoco. O teatro é uma máquina de moer tudo. Ele mói até essa gente chata que faz um discurso asséptico para tudo. Eu só me interesso por mãos sujas ou por quem tem coragem de sujá-las.

Na dança coletiva do acontecimento teatral, fui arrastado para uma zona de não-conhecimento, fui levado a um lugar chamado infância. Senti vontade de falar como as crianças que estavam na plateia. E olhe que ninguém jogou açúcar nelas.

O espetáculo é anárquico, subversivo. Saí do teatro Joaquim Cardozo, naquele domingo, 22 de abril de 2018, com vontade de lutar contra as “adultices”. Numa época que cobra sempre alguma bandeira, Tutorial de tudo também ergue a sua. Os “nãos” da cena não são ditos para as crianças, têm os adultos como alvo.

O que costura todas as cenas é um elemento simples e insólito, um banal instrumento de trabalho de operários. Uma ferramenta de trabalho transfigurada, capaz de fazer um barulhinho instigante, um tic-tac, que marca o tempo, que cria toda uma ambiência, e que atiça a nossa curiosidade. Uma ferramenta que faz música. A peça é musical, pulsante. Não consegui contar quantos sins foram dados à criação, à invenção, à arte. Tutorial de tudo não subestima a inteligência dos pequeninos, e procura respeitar o conselho do mestre russo, Stanislavski, aos atores que se dedicam à desafiadora missão de representar para as crianças: “faz como se também fosse para os adultos, só que melhor!“

Apenas uma palavra é dita no espetáculo. Foto: Doralice Lopes

Apenas uma palavra é dita no espetáculo. Foto: Doralice Lopes

Ficha técnica:
Elenco: Aline de Lima, Andresa Sedrez, Cynthya Dias, Danilo Ribeiro, Dênis Lima, Juliana Chaves, Gabriel de Lisboa, Hadassa Melo, Larissa Leão, Paixão Félix, Rafael Dayon, Raphael Bernardo, Raquel Franco, Rômulo Ramos e Júnior de Lima.
Direção geral: Luís Reis
Dramaturgia: Luís Reis e elenco
Núcleo de dramaturgismo: Hadassa Melo (coordenação), Aline de Lima e Gabriel de Lisboa
Núcleo de encenação: Raquel Franco (coordenação), Paixão Félix e Rômulo Ramos
Núcleo de direção de arte: Rafael Dayon (coordenação); Danilo Ribeiro e Dênis Lima (iluminação); Andresa Sedrez (maquiagem); Rafael Dayon e Paixão Félix (figurinos e adereços).
Direção musical: Cynthya Dias
Núcleo de preparação de elenco: Raphael Bernardo (coordenação) e Juliana Chaves (preparação vocal)
Núcleo de produção: Júnior de Lima (coordenação), Andresa Sedrez e Hadassa Melo
Núcleo de mediação: Larissa Leão (coordenação) e Raquel Franco
Design: Rafael Dayon
Fotos: Doralice Lopes

Serviço:
Tutorial de tudo
Quando: Domingo (29 de abril), às 16h
Onde: Teatro Joaquim Cardozo (Rua Benfica, 157, Madalena)
Quanto: Pague Quanto Puder
Indicação especial: Crianças entre 2 e 6 anos
Informações:(81) 2126-7388

Postado com as tags: , , ,

Um minuto para dizer que te amo emociona

Elenco de Um Minuto pra dizer que te amo. Foto: Divulgação

Elenco de Um Minuto pra dizer que te amo: Lucas Ferr, Célia Regina, Carlos Lira e Vanise Souza. Foto: Divulgação

Há muitas formas de abraçar o espetáculo Um minuto para dizer que te amo, produção do pernambucano Matraca Grupo de Teatro, do Sesc Piedade. E analisar. A montagem vem de uma trajetória notável de reconhecimento do público e de seus pares. Carrega no currículo seis prêmios do Janeiro de Grandes Espetáculos deste ano (Melhor Diretor: Rudimar Constâncio; Melhor Atriz: Célia Regina Rodrigues Siqueira; Melhor Atriz Coadjuvante Vanise Souza; Melhor Sonoplastia ou Trilha Sonora: Samuel Lira; Melhor Iluminação: João Guilherme de Paula e Melhor Maquiagem: Vinicius Vieira.

Bem, o Prêmio Apacepe é a principal premiação na área do teatro pernambucano (outro dia me sugeriram que o Yolanda criasse uma premiação) e parece-me ser importante para a classe como instância de distinção. Não vou me ater aos procedimentos específicos de escolhas do Prêmio Apacepe que, talvez, mereçam uma outra reflexão.

A recepção dos pares ao espetáculo Um minuto para dizer que te amo é recheada de adjetivos, que tentarei evitar. A peça tematiza uma doença incurável, o Alzheimer, que atinge 15 milhões de pessoas em todo mundo. Quando ela chega muda a vida. Mas mesmo quem não tem um parente ou amigo que sofra do Mal de Alzheimer pode ser tocado pela encenação, que foi trabalhada na direção de emocionar o público.

Em cenas alternadas acompanhamos a relação de um homem velho com o seu filho e de uma mulher e sua cuidadora, separados pela doença. Amélia tenta resgatar os fios das lembranças da mãe de Lúcio.

A montagem de Rudimar Constâncio chama para camadas do real na interpretação. Mas busca outras expressões para alardear fantasmas e materializar labirintos de seres deslocados de sua memória.

A peça amplifica as fragilidades humanas. E isso é explorado com maestria pela encenação. Os canais de comunicação trazem sentimentalismo caro a todos nós. Ninguém é pleno de sua existência. Até os mais poderosos não podem prever com certeza o que irá ocorrer com seu corpo ou seu futuro.

Esse sentimento, meio esquecido, de finitude, é convocado na construção da peça e isso causa efeitos na plateia. Ver o declínio das funções cognitivas dos personagens e o impacto disso na cena pode atinge os nervos da plateia.

Um minuto para dizer que te amo merece uma análise mais detalhada – e espero que a encenação tenha uma vida longa – mas por ora digo algumas palavras sobre o elenco.

A composição de Célia Regina Siqueira para a personagem da velha é convincente e comovente. Nos gestos e andar, na fala, nos gritos, nas atitudes pueris ou nas vontades cheias de si. É uma interpretação para se aplaudir de pé. Existe possibilidade de identificação do espectador com aquela figura.

Carlos Lira também se supera no personagem do pai deslocado de sua própria história de vida. É um grande ator pernambucano e tem uma atuação tocante, com nuances de leveza e olhares perdidos. Seus deslocamentos falam com todos os sentidos da ameaçadora solidão. Vanise Souza faz uma cuidadora entre amorosa e enérgica. Também estão na peça Edes di Oliveira, Douglas Duan e Lucas Ferr.

O texto de Luiz Navarro e dramaturgismo de Moisés Monteiro de Melo Neto compõem esse mosaico afetivo. Mas tem falas que atritam o ouvido (ou a minha sensibilidade) quando fazem uso de frases feitas depois da exibição de uma potente malha poética. A música ao vivo é executada e cantada pelos atores. O cenário de Séphora Silva trabalha com uma simbologia de esconder e descortinar, que dá margem para uma viagem lúdica pelo tempo da memória. A maquiagem/ caracterização de Vinicius Vieira ganha uma importância grande nessa peça, já que se torna pele e alma dos atores.

O que se deve esquecer? Ali no palco, recordações perdidas se embaralham com memórias impossíveis de se deslembrar e também com lembranças inventadas. É uma visão da vida no seu ocaso, das perdas de si mesmo e da certeza que o ser humano – apesar de toda arrogância – é muito pequeno diante do Universo.

Ficha Técnica:
Texto: Luiz de Lima Navarro
Encenação: Rudimar Constâncio
Elenco: Carlos Lira, Célia Regina Rodrigues Siqueira, Vanise Souza, Edes di Oliveira, Douglas Duan e Lucas Ferr
Dramaturgia e cenas adicionais: Moisés Monteiro de Melo Neto
Assistente de direção e partitura do ator: Sandra Possani
Partitura do corpo: Paulo Henrique Ferreira
Partitura da voz do ator: Leila Freitas
Direção musical, músicas originais e arranjos: Samuel Lira
Cenografia, figurinos e adereços: Séphora Silva
Maquiagem e visagismo: Vinicius Vieira
Projeto de luz e execução: João Guilherme de Paula
Programação visual: Claudio Lira
Orientação da pesquisa e organização do programa: Rudimar Constâncio
Revisão dos textos: Acrimôri Araújo
Cenotécnico e contrarregra: Elias Vilar
Execução de cenário, adereços e figurinos: Manuel Carlos
Pintura da malha do espectro: Altino Francisco
Costureiras: Helena Beltrão, Irani Galdino e Ana Paula Tavares
Serralheiro: Israel Galdino
Direção de produção: Ana Júlia
Direção geral: Rudimar Constâncio
Realização: Grupo Matraca de Teatro/Sesc Piedade

Postado com as tags: , , , , ,

Doutores da Alegria selecionam novos palhaços

Dra. Svenza (Luciana Pontual), Dra. Baju (Juliana de Almeida) e Dr. Micolino (Marcelino Dias). Foto: Lana Pinho

Dra. Svenza (Luciana Pontual), Dra. Baju (Juliana de Almeida) e Dr. Micolino (Marcelino Dias). Foto: Lana Pinho

Os Doutores da Alegra completam 15 anos de atividades no Recife com uma boa notícia para os artistas cênicos da cidade: a associação está com processo de seleção aberto para quatro novos integrantes até a próxima segunda-feira, dia 30 de abril. Para participar, é preciso ter mais de 18 anos e ser profissional de artes cênicas, com DRT de ator ou palhaço e, de preferência, experiência nesta última função. A experiência artística e a compatibilidade com o trabalho no hospital são alguns dos critérios a serem levados em conta.

Os candidatos devem entregar uma ficha de inscrição com declaração preenchida, assinada e escaneada junto com currículo, carta de intenção, uma foto de artista e outra de palhaço e links de vídeos de boa qualidade em teatros ou espaços públicos. Todo esse material deve ser enviado para o e-mail editalrecife@doutoresdaalegria.org.br. O edital com todas as informações e a ficha de inscrição estão disponíveis no site www.doutoresdaalegria.org.br, onde o resultado será divulgado no dia 11 de junho. As etapas da seleção incluem análise curricular, oficina de seleção, teste prático no hospital e entrevista.

A última vez em que houve seleção de elenco na capital pernambucana foi em 2010. Atualmente, a unidade Recife dos Doutores da Alegria conta com nove artistas. Eles se dividem em duplas que atuam duas vezes por semana em quatro hospitais: Hospital Barão de Lucena (HBL), Hospital da Restauração (HR), Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC)/Procape e Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP). Às sextas-feiras, os palhaços realizam treinamentos em conjunto. Os Doutores da Alegria não trabalham como voluntários. Todos os profissionais são remunerados.

“A criança é uma espectadora ativa, que influencia e determina junto com os palhaços o que acontece. Todo o hospital é palco e nós, palhaços e crianças, atores desse espetáculo”, explica Arilson Lopes, coordenador artístico da unidade Recife dos Doutores da Alegria, conhecido nos hospitais como Dr. Ado.

Em paralelo ao Recife, a unidade de São Paulo (SP) também realizará um processo seletivo nos mesmos parâmetros, que resultará na contratação de seis artistas para o elenco local. Os participantes precisam escolher em qual cidade desejam atuar, sendo vetada a inscrição nas duas seleções.

Arilson Lopes, ao centro, como Dr. Ado, no Hospital da Restauração. Foto: Lana Pinho

Arilson Lopes, ao centro, como Dr. Ado, no Hospital da Restauração. Foto: Lana Pinho

ENTREVISTA // Arilson Lopes (Dr. Ado), coordenador artístico dos Doutores da Alegria

O ator geralmente está acostumado a apresentar seu trabalho diante de uma plateia. No hospital, embora a interação seja direta, os palhaços jogam com poucos espectadores por vez. Qual a diferença para o ator?
A base do nosso trabalho é a improvisação. Deixar-se impactar pelo encontro com a criança e, a partir disso, construir uma relação de jogo com ela é fundamental. Erguemos esse momento juntos. A criança é uma espectadora ativa, que influencia e determina junto com os palhaços o que acontece. Todo o hospital é palco e nós, palhaços e crianças, atores desse espetáculo.

Além dos pré-requisitos já divulgados no edital, quais as habilidades que um palhaço precisa ter para se tornar um dos integrantes do Doutores da Alegria?
É bem-vindo o artista que toque bem algum instrumento musical, cante, faça mágica, manipule bonecos e/ou objetos e tenha disponibilidade para o jogo e a improvisação. Tão importante quanto ter alguma habilidade específica, procuramos artistas com tempo para se dedicar ao trabalho, que gostem de conhecer pessoas e de se relacionar com elas. Sobretudo, é importante entender que somos uma associação do terceiro setor, que propõe a arte como mínimo social para crianças e adolescentes em vulnerabilidade e risco social, na rede pública de saúde. A realidade hospitalar é o cenário no qual o artista irá atuar.

O elenco pernambucano é formado por atores de diversos grupos e formações. Como se dá essa interação entre vocês e de que forma o trabalho no hospital é beneficiado por ela?
Todo conhecimento individual enriquece o aprendizado e a construção do coletivo. Buscamos identificar em cada um a sua potência nas sextas-feiras de treinamento do elenco e essas descobertas reverberam e são ressignificadas no dia a dia dos artistas, nos hospitais ou nas diversas ações que realizamos fora deles, sejam nos espetáculos teatrais, nas “palhestras” ou nas ações de captação e mobilização de recursos que fazemos em empresas.

Postado com as tags: , ,