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Festival Cena CumpliCidades 2025:
Dramaturgias do Brasil e da França no Recife

Até aqui tudo bem, da Cia MALKA( França), abre a programação do Cena CumpliCidades. Foto: Alicia Cohim

Obras do Brasil e da França ocupam oito espaços culturais durante quase um mês de programação que redesenha o mapa das artes cênicas no Recife. O Festival Cena CumpliCidades retorna em setembro com uma curadoria que faz o hip hop francês conversar com o carnaval pernambucano, a militância das prostitutas brasileiras dialogar com a dança contemporânea, e o legado de Malcolm X ressoar nas periferias do Nordeste. Entre 4 e 28 de setembro de 2025, 20 espetáculos europeus e brasileiros de sete estados e 10 cidades de Pernambuco, em diferentes linguagens cênicas compõem uma programação que vai dos teatros tradicionais aos museus, dos parques aos centros universitários, em 27 apresentações, complementada por 4 ações formativas que consolidam o evento como plataforma de intercâmbio artístico e formação cultural no país.

O festival abre com uma provocação estética que reverbera por toda a programação: como as identidades contemporâneas se articulam em territórios de memória colonial? A Cia MALKA (França), que desenvolve pesquisas sobre encontros culturais há mais de duas décadas, exibe    Até Aqui Tudo Bem, enquanto Grupo de Dança da UFPE – LEED apresenta Danças do Carnaval de Recife, expondo a energia vibrante de três manifestações de uma das maiores festas populares do Brasil: o frevo, o caboclinho e o coco (04/09, 19h, Teatro de Santa Isabel, R$ 20). O espetáculo promove um encontro na mesma noite entre a cultura hip hop francesa – nascida também nas periferias de imigrantes – e a energia carnavalesca pernambucana , criando um diálogo coreográfico que borra fronteiras culturais ao demonstrar como diferentes formas de resistência popular podem se potencializar mutuamente.

Essa mesma urgência decolonial pulsa em CHENN / FRIDA DANSE | A Coluna Quebrada / Mes Horizons (11/09, 20h, Teatro Hermilo Borba Filho, Gratuito), do Centro Nacional de Desenvolvimento Coreográfico (CDCN) Touka Danses, da Guiana Francesa, que se apresenta no Brasil no âmbito da Temporada França-Brasil 2025, (o Touka Danses é a primeira entidade ultramarina vinculada à rede nacional francesa de CDCN’s). Um tríptico coreográfico que investiga as cicatrizes e potências do passado colonial através de três perspectivas: a corrente que simbolicamente une mas também pode confinar (CHENN), a transformação da dor em potência criativa (inspirado em Frida Kahlo) e a busca identitária das populações guianenses (Mes Horizons), explorando as complexidades de identidades que se formam entre diferentes referências culturais.

Brasil Plural: Geografias Afetivas

Tudo Acontece na Bahia (05/09, 19h, Teatro de Santa Isabel, R$ 20), da Subitus Company (PE), constrói uma geografia afetiva entre Rio de Janeiro e Salvador, onde Francisco e Quitéria vivenciam a tensão entre migração e pertencimento, entre partir e ficar, atravessando as complexidades urbanas, históricas e culturais de duas metrópoles brasileiras.

Gabri[Elas], do Coletivo Mulheres da Vida (SP) com Fernanda Viacava e direção de Malú Bazán. Foto: Divulgação

Fernanda Viacava constrói um “crochê de narrativas” em Gabri[Elas] (05/09, 19h, Teatro Hermilo Borba Filho, R$ 40), do Coletivo Mulheres da Vida (SP). Sob a direção de Malú Bazán, a atriz encarna Gabriela Leite – criadora da DASPU, liderança fundamental na luta em defesa dos direitos das prostitutas no Brasil – e todas as mulheres que fizeram da palavra “puta” uma ferramenta de luta e afirmação. O espetáculo, fruto de quatro anos de pesquisa com arquivos históricos e testemunhos vivos, utiliza a metáfora do crochê – hobby da ativista – para entrelaçar memória pessoal e luta coletiva.

A peça dialoga com décadas de invisibilização do feminismo das prostitutas, questionando por que a prostituta sempre foi objeto de representação e nunca sujeito de sua própria narrativa. O trabalho emerge de encontros com familiares de Gabriela, companheiras de luta como Lourdes Barreto e Vânia Rezende, além de pesquisadores como Soraya Simões (UFRJ), criando uma rede de memórias que ultrapassa os limites do teatro. Mesmo sendo um monólogo, o espetáculo é construído por 14 mulheres, demonstrando que a criação coletiva pode habitar a cena individual, multiplicando vozes em uma única intérprete.

Masculinidades em Crise e Memórias Interrompidas

Um solo autobiográfico que investiga três décadas de relação mãe-filho, Primavera Cega (06/09, 19h, Teatro Hermilo Borba Filho, R$ 40), de Igor Iatcekiw (SP), com direção de Alejandra Sampaio e Malú Bazán, mergulha nas ruínas da masculinidade tóxica. O espetáculo navega entre a homofobia estrutural que mata 291 pessoas LGBTQIAPN+ anualmente no Brasil e o Alzheimer que apaga memórias, criando um paradoxo cruel: enquanto o filho luta para lembrar, a mãe se liberta pelo esquecimento.

Eron Villar e DJ Vibra (Recife) em Se eu fosse Malcolm. Foto: Divulgação

Se eu fosse Malcolm (10/09, 19h, Teatro Apolo, Gratuito), de Eron Villar e DJ Vibra (Recife), constrói um encontro fictício entre Malcolm X e outras personalidades negras, de Martin Luther King e Nina Simone até Elza Soares e Bell Puã. A performance cênico-musical funciona como ritual de invocação, onde música contemporânea e teatro épico-narrativo criam um espaço de cura e resistência, questionando como o legado do ativista ressoa nas periferias brasileiras contemporâneas.

A Marcelos Move Dance School (Suíça/Brasil) apresenta Ne me jugez pas & Scape (06/09, 19h, Teatro de Santa Isabel, R$ 20), dupla de trabalhos que investigam identidades em trânsito através da dança contemporânea, onde artistas suíços e brasileiros exploram questões de julgamento social e possibilidades de fuga através de linguagens corporais que cruzam fronteiras geográficas e estéticas.

Balancê Antropofágico (14/09, 16h, Museu de Arte Sacra de PE, Gratuito), de Yla + Jeff (França/Brasil), propõe uma performance que dialoga com o espaço museológico, onde a dupla franco-brasileira desenvolve ações corporais que conversam com o acervo de arte sacra, criando tensões entre o sagrado e o profano, entre tradição e contemporaneidade.

Neris Rodrigues (Paulista-PE) apresenta Músicas do Mundo (19/09, 16h, Parque Dona Lindu/Galeria Janete Costa, R$ 20), um concerto que navega por sonoridades de diferentes culturas, enquanto a Banda Chanfrê (20/09, 20h, Teatro do Parque, R$ 20) traz um projeto musical colaborativo entre artistas franceses e brasileiros que explora fusões instrumentais e vocais, criando pontes sonoras entre dois continentes.

Carlota, Focus dança Piazzolla, com a Focus Cia de Dança (RJ). Foto: Divulgação

A Focus Cia de Dança (RJ) encerra o festival com três criações distintas. Trupe (24/09, 19h, CAC UFPE, Gratuito) e De Bach a Nirvana (26/09, 20h, Teatro Luiz Mendonça, Gratuito) antecipam Carlota, Focus dança Piazzolla (27/09, 20h, Teatro Luiz Mendonça, Gratuito), espetáculo que homenageia Carlota Portella através das composições de Astor Piazzolla.

Alex Neoral desconstrui o tango tradicional para criar linguagem híbrida onde oito bailarinos exploram “o drama do abandono” através de coreografias que buscam ir além do clichê passional. A trilha de Piazzolla atua como dramaturgia sonora, criando espaço para cenas que transitam entre melancolia e brilho, ressaltando a intensidade como personalidade da companhia de mais de mais duas décadas dede trajetória.

Criação Local e Mostra de Talentos

A produção pernambucana marca presença com Mouras (11/09, 18h, Teatro Apolo, R$ 20) do Impacto FM, Se eu Fosse Eu (12/09, 19h, Teatro Apolo, R$ 20) de Luna Padilha e convidados e Contando Histórias (13/09, 18h, Teatro Apolo, R$ 20) do Integrarte. A Mostra de Coreografias CENA (17 a 21/09, Teatro de Santa Isabel, R$ 20) apresenta a produção coreográfica local, revelando novos talentos e consolidando trajetórias.

As 10 ações formativas operam como laboratórios onde artistas locais, nacionais e internacionais compartilham metodologias e visões de mundo, criando rede de conhecimento que se estende além do período do festival e consolida o Recife como território de experimentação e irradiação artística no Nordeste.

O Festival Cena CumpliCidades 2025 oferece uma programação com ingressos entre R$ 20 e R$ 40, além de várias apresentações gratuitas. A diversidade de linguagens e origens dos trabalhos, aliada às ações formativas e à ocupação de diferentes espaços culturais da cidade, configura um evento que articula criação local e intercâmbio internacional, formação artística e circulação de obras contemporâneas.

Realização: Artistas Integrados
Ingressos: Sympla_cumpliCidades

 

📅 Programação Completa

Data/  Horário

Espetáculo / Companhia

Local 

Valor

04/09 – 19h Danças do Carnaval de Recife – Grupo de Dança da UFPE – LEED

Até Aqui Tudo Bem– Cia MALKA (França)

Teatro de Santa Isabel  R$ 20,00
05/09 – 19h Tudo Acontece na Bahia – Subitus Company (PE)  Teatro de Santa Isabel  R$ 20,00
05/09 – 19h Gabri[Elas] – Coletivo Mulheres da Vida (SP) Teatro Hermilo Borba Filho  R$ 40,00
06/09 – 19h Ne me jugez pas & Scape – Marcelos Move Dance School (Suíça/Brasil) Teatro de Santa Isabel  R$ 20,00
06/09 – 19h Primavera Cega – Igor Iatcekiw (SP) Teatro Hermilo Borba Filho  R$ 40,00
10/09 – 19h Se eu fosse Malcolm – Eron Villar e DJ Vibra (Recife) Teatro Apolo  Gratuito
11/09 – 18h Mouras – Impacto FM (Recife) Teatro Apolo R$ 20,00
11/09 – 20h CHENN / FRIDA DANSE / Mes Horizons – Touka Danses (França) Teatro Hermilo Borba Filho Gratuito
12/09 – 19h Se eu Fosse Eu – Luna Padilha e convidados (Recife) Teatro Apolo  R$ 20,00
13/09 – 18h Contando Histórias – Integrarte (Recife) Teatro Apolo  R$ 20,00
14/09 – 16h  Balancê Antropofágico – Yla + Jeff (França/Brasil)  Museu de Arte Sacra de Pernambuco Gratuito
17 a 21/09 Mostra de Coreografias CENA Teatro de Santa Isabel R$ 20,00
19/09 – 16h Músicas do Mundo – Neris Rodrigues (Paulista-PE) Parque Dona Lindu/Galeria Janete Costa R$ 20,00
20/09 – 20h Banda Chanfrê (França/Brasil) Teatro do Parque R$ 20,00
24/09 – 19h Trupe – Focus Cia de Dança (RJ) CAC UFPE Gratuito
26/09 – 20h De Bach a Nirvana – Focus Cia de Dança (RJ) Teatro Luiz Mendonça Gratuito
27/09 – 20h Carlota, Focus dança Piazzolla – Focus Cia de Dança (RJ) Teatro Luiz Mendonça Gratuito
28/09 Trupe – Focus Cia de Dança (RJ)  [A CONFIRMAR] A confirmar

 

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No Recife, palcos são ocupados por produções
comerciais e projetos experimentais

Circo Godot faz curta temporada no Teatro Hermilo Borba Filho de 24, 25 e 26 de julho. Foto: Divulgação

Édipo REC faz sessões no Luiz Mendonça nos dias 25 e 26 de julho. Foto: Camila Macedo

Os teatros do Recife são ocupados neste final de julho por grandes produções que desembarcam de outros centros e experimentos que brotam do próprio território pernambucano. De um lado, nomes consagrados da televisão brasileira como Antonio Fagundes e Christiane Torloni garantem bilheteria apoiados na familiaridade que décadas de presença televisiva construíram – fenômeno que leva o público a transformar a proximidade fictícia da tela em desejo de encontro presencial no teatro; do outro, artistas locais investigam desde metáforas biológicas sobre estruturas sociais até releituras de clássicos do teatro mundial. Entre esses extremos, o teatro infantil garante seu festival e a arte negra encontra território próprio em programação especializada.

É um período que permite ao público transitar entre diferentes estéticas – da intimidade televisiva às provocações experimentais, do entretenimento familiar às reflexões sobre ancestralidade -, revelando como a cena recifense acomoda desde apostas comerciais seguras até pesquisas de linguagem que desafiam convenções.

Para uma cidade com a tradição cultural do Recife, contudo, a oferta ainda se mostra aquém das possibilidades. A ausência de perfis curatoriais mais específicos para os equipamentos resulta em semanas onde a maioria dos teatros se encontra ocupada simultaneamente por comédias ligeiras e entretenimento comercial, enquanto o teatro experimental contemporâneo, a dramaturgia nacional de risco e as pesquisas cênicas mais ousadas circulam timidamente pela cidade. 

A programação dá indícios que Recife ainda não explorou plenamente seu potencial como polo de criação teatral nacional. E esse é um assunto que precisamos debater mais profundamente. A cidade possui artistas talentosos e dedicados, público interessado e tradição cultural sólida – elementos que, bem articulados, poderiam gerar cena teatral de projeção nacional. Embora o Grupo Magiluth seja atualmente reconhecido como grande representante da cena pernambucana, demonstrando que a excelência teatral é possível na cidade, os talentos teatrais estão espalhados por todo o Recife e precisam de maior investimento e visibilidade para florescer plenamente. As condições para um salto qualitativo existem, mas permanecem dispersas, aguardando articulação institucional que conecte políticas públicas consistentes, iniciativa privada comprometida com diversidade estética e movimentos artísticos independentes. 

A riqueza cultural que caracteriza Recife historicamente merece programação teatral à altura de sua relevância no cenário cultural brasileiro. A pergunta que emerge desta análise é inevitável: quando a cidade decidirá investir no teatro com a seriedade e a visão estratégica que sua tradição cultural não apenas permite, mas exige?

VAMOS DAR UM ROLÊ PELA PROGRAMAÇÃO

 

Christiane Torloni e Antonio Fagundes na peça Dois de Nós. Foto: Renata Casagrande

🎭 Dois de Nós – O Peso dos Nomes

Antonio Fagundes e Christiane Torloni ocupam o Teatro Luiz Mendonça carregando décadas de presença no imaginário brasileiro através da televisão. São figuras que se tornaram presenças familiares nas casas , e essa intimidade construída pela TV se traduz em garantia de plateia quando migram para os palcos.

O texto de Gustavo Pinheiro explora um dispositivo dramático simples de uma comédia romântica: dois casais de gerações distintas confinados em quarto de hotel, onde segredos emergem através de revelações e mentiras – opera em terreno conhecido, apostando mais na competência interpretativa dos protagonistas que em inovações dramatúrgicas.

A direção de José Possi Neto aposta na química entre os intérpretes – Fagundes, Torloni, Thiago Fragoso e Alexandra Martins – para sustentar uma dramaturgia que se apoia mais na competência interpretativa do que em inovações formais. O cenário único de Fábio Namatame e a iluminação de Wagner Freire criam a atmosfera intimista necessária para que as confissões ganhem peso dramático.

Uma experiência única oferecida é o tour pelos bastidores guiado pelo próprio Antonio Fagundes, incluindo visita aos camarins e sessão de fotos, disponível por R$ 120 adicionais. O tour VIP  exemplifica como o teatro comercial contemporâneo monetiza até mesmo o making-of da experiência teatral.

Fagundes, conhecido por sua intransigência com atrasos – traço que acompanha toda sua carreira -, mantém a política rígida: “quem chegar atrasado não entra”. É postura que revela tanto profissionalismo quanto compreensão de que a experiência teatral exige pacto temporal entre palco e plateia. 

📍 SERVIÇO:
Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu)
19 de julho, 20h
20 de julho, 17h sessão extra
R$ 125 a R$ 250 
Tour VIP: R$ 120 (adicional)


 

Tania Bondezane Fabiana Karla, Foto: Divulgação

🎭“Radojka” – Dramaturgia Internacional

Fernando Schmidt e Christian Ibarzabal construíram texto que aborda dilemas contemporâneos – precariedade laboral, etarismo, desespero econômico – através do filtro da comédia de situação. A trama das duas cuidadoras que escondem a morte da patroa para preservar o emprego funciona como alegoria das condições trabalhistas atuais.

Tania Bondezan, que assina tradução e atua ao lado de Fabiana Karla, encontrou na peça uruguaia material que dialoga diretamente com a realidade brasileira do trabalho doméstico. A direção de Odilon Wagner busca equilibrar momentos farsescos com instantes de melancolia social, evitando que o humor neutralize a crítica implícita.

O sucesso da obra em mais de quinze países demonstra como certas ansiedades laborais atravessam fronteiras culturais, ganhando contornos específicos em cada contexto nacional.

SERVIÇO:
Teatro Santa Isabel (Praça da República)
18-20 de julho (Sex 20h, Sáb 19h, Dom 16h)
R$ 40 a R$ 150


🎭 Um Sábado em 30 – História e Comédia Pernambucana

A montagem do Grupo Teatro de Raízes de Pernambuco retrata uma família do interior de Timbaúba durante a Revolução de 1930. Com sessão única, o espetáculo mistura romance proibido, conflitos familiares e crítica social, tudo temperado com o humor característico do teatro pernambucano.

📍 SERVIÇO
Um Sábado em 30
Teatro do Parque (Rua do Hospício, 81, Boa Vista)
20 de julho (sessão única), às 19h
Ingressos: R$ 50 a R$ 100

🎭 TBT do Matuto nas Férias – Tradição do Humor Regional

Zé Lezin celebra quatro décadas de carreira com seu personagem matuto, figura que atravessou gerações e mantém relevância no imaginário humorístico pernambucano. O espetáculo funciona como retrospectiva afetiva, reunindo causos e histórias que consolidaram o artista como referência do humor nordestino.

A participação de Carlos Santos adiciona camada geracional ao espetáculo, criando diálogo entre diferentes momentos da comédia local. É formato que privilegia a conexão emocional com o público sobre inovações formais, apostando na nostalgia como elemento de coesão.

📍 SERVIÇO
TBT do Matuto nas Férias, com Zé Lezin
Teatro Boa Vista (Rua Dom Bosco, s/n, Boa Vista)
19 de julho, 20h
R$ 50 a R$ 100

Vitor Trindade no Espaço O Poste. Foto: Divulgação

🎭 Espaço O Poste: Território da Arte Negra

Vítor da Trindade – Pedagogia Ancestral

O Espaço O Poste desenvolve programação consistente focada na valorização da cultura afro-brasileira, oferecendo alternativa aos modelos esporádicos de muitos equipamentos culturais. A presença de Vítor da Trindade exemplifica essa curadoria política.

A Vela Branca de Oxalá – Performance poético-musical inspirada no livro homônimo de Vítor da Trindade. Entre crônicas, canções e versos sobre cotidiano, amor e ancestralidade negra, ele é acompanhado da bailarina Elis Trindade, que traduz em movimento corporal o lirismo da obra.

Esta programação representa o compromisso do Espaço O Poste com a valorização da cultura afro-brasileira e a criação de espaços de diálogo sobre questões étnico-raciais através da arte.

📍 SERVIÇO:
A Vela Branca de Oxalá
Espaço O Poste (Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista)
Show: 19/07, 19h (R$ 10-20)

 

TEATRO INFANTIL: 21º FESTIVAL DE TEATRO PARA CRIANÇAS E MONTAGENS OUTRAS

Cantigas de Fiar. Foto: João Fernando Bonfim

Cantigas de Fiar(19/07, 16h30) – Companhia Fiandeiros de Teatro Show teatral que reúne crianças, jovens e adultos explorando o tema da saudade através de músicas de André Filho e Samuel Lira. O espetáculo homenageia André Filho, demonstrando como o teatro infantil local constrói memória artística própria. A abordagem de sentimento complexo – a saudade – através de linguagem acessível respeita a capacidade infantil de lidar com emoções profundas.

📍 SERVIÇO
Cantigas de Fiar (Companhia Fiandeiros de Teatro – Recife / PE)
Teatro do Parque (Boa Vista – Recife / PE)
19/07 (Sábado) – 16h30 –
Ingressos: R$ 60,00 (inteira) / R$ 30,00 (meia)

O Mágico de Oz – Foto Christian Farias

O Mágico de Oz (20/07, 16h30) – Capibaribe Produções Adaptação da obra de L. Frank Baum com direção de Roberto Oliveira. A montagem, com duração de 1h10, traz reflexões sobre coragem, amizade e superação através da jornada de Dorothy, embalada por trilha sonora no estilo de grandes musicais. Elenco numeroso inclui Letícia Galeno, Thiago Ambrieel, Janine Aroucha e outros, criando espetáculo de grande formato para público infantil.

📍 SERVIÇO
O Mágico de Oz (Capibaribe Produções / Moreno – PE)
Teatro do Parque (Boa Vista – Recife / PE)
20/07 (Domingo) – 16h30 –
Ingressos: R$ 80,00 (inteira) / R$ 40,00 (meia)

Tatu-do-bem. Foto:_ Luiza Costa

Tatu-do-Bem (19/07, 16h) – Catalumari e os Giguiotes Aventura ambiental que acompanha Andrezinho, filho de atores nômades, em descoberta da caatinga através dos tatus-bolas Tuta e Teteu. A montagem articula educação ambiental com estética regional, escolhendo a caatinga como cenário fantástico e valorizando bioma pouco presente no imaginário infantil urbano. Texto de Lucas Carvalho e direção de Guilherme Mergulhão demonstram maturidade da cena infantil local.

📍 SERVIÇO
Tatu-do-Bem (Catalumari e os Giguiotes / Recife–PE)
Teatro Barreto Júnior (Pina)
19/07 (Sábado) 
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) / R$ 20,00 (meia-entrada)

A Batalha de Botas. Foto: Thercles Silva

A Batalha de Botas Fábula que questiona conceitos de civilização através do encontro entre aviador militar e nativo de ilha. Inspirada em Fernando Arrabal e Plínio Marcos, a obra traz figuras do circo tradicional para abordar questões sociais contemporâneas. A montagem paraibana demonstra circulação regional do teatro infantil de qualidade.

📍 SERVIÇO
A Batalha de Botas – Trupe Arlequin (João Pessoa-PB)
Teatro Barreto Júnior
(20/07, 16h)
:R$ 60 (inteira) / R$ 30 (meia)

OUTRAS MONTAGENS PARA CRIANÇAS

Hélio o balão que não consegue voar Foto Ricardo Maciel / Divulgação

Hélio, o Balão que Não Consegue Voar

Produção pernambucana do Coletivo de Artistas que aborda com sensibilidade poética o Transtorno do Espectro Autista. Baseada no texto premiado de Cleyton Cabral, a obra de formas animadas evita tanto invisibilização quanto vitimização, criando narrativa que celebra diferenças através de metáfora delicada.

📍 SERVIÇO
Hélio, o Balão que Não Consegue Voar
CAIXA Cultural Recife 
18 a 20 de julho, 16h
R$ 30 (inteira) / R$ 15 (meia)

A Cigarra e a Formiga. Foto: Renan Andrade

A Cigarra e a Formiga (20/07, 15h) – Teatro RioMar

A clássica fábula de Esopo ganha formato musical sob a direção e adaptação de Roberto Costa, A Cigarra e a Formiga reúne cinco atores – Luan Alves, Ashila Moraes, Isabela Leão, Maycon Douglas e Ania Cellos – que dão vida aos habitantes da floresta, desde a cantante Cigarra até as trabalhadoras formigas, passando por Dona Joaninha, Abelhão, Abelhuda e Borboleta.

O espetáculo conta com três músicos – Luiz Henrique, Linaldo Lima e Arthur Correia – responsáveis pela execução ao vivo de todas as canções que compõem a trama. A adaptação mantém a estrutura narrativa original, acompanhando a cigarra que dedica o verão ao canto enquanto as formigas se concentram no trabalho de estocagem de alimentos para enfrentar o inverno, com a participação dos demais insetos que compartilham o mesmo ambiente florestal. A montagem inclui acessibilidade em Libras e combina humor, música ao vivo e efeitos especiais em uma apresentação voltada ao público infantil e familiar

📍 SERVIÇO

Musical A Cigarra e a Formiga
Domingo, 20 de julho, 15h
Teatro RioMar Recife
Ingressos: A partir de R$ 50
Vendas: Bilheteria do teatro
Acessibilidade: Libras

🎪 PRÓXIMA SEMANA (24 A 27 DE JULHO)

Circo Godot, com Asaías Rodrigues e Charles de Lima. Foto: Divulgação

Experimentação e Pesquisa – Circo Godot

Quiercles Santana dirige Asaías Rodrigues e Charles de Lima em adaptação livre de Esperando Godot que substitui angústia existencial pelo humor circense brasileiro. Gatropo e Tropino (referências a Lucky e Pozzo) comunicam-se através de “blablação” – língua inventada que universaliza a experiência da incomunicabilidade.

A escolha pela linguagem inventada, “gromelô”, elimina barreiras de classe e educação formal, criando comunidade temporária entre público e intérpretes. A participação ativa da plateia transforma reflexão filosófica beckettiana em jogo coletivo, demonstrando como clássicos podem ser reinventados através de filtros culturais locais.

A iluminação de Luciana Raposo e a produção de Juan Saucedo garantem estrutura técnica que sustenta a precariedade voluntária da estética circense. O Teatro Hermilo, com apenas 90 lugares, cria intimidade necessária para que o experimento funcione.

📍 SERVIÇO:
Circo Godot
Teatro Hermilo Borba Filho
24, 25 e 26 de julho
R$ 40 (inteira) / R$ 20 (meia)
Apenas 90 lugares

 

Erivaldo Oliveira interpreta o Coro-drag em Édipo REC. Foto: Foto: Camila Macedo / Divulgação

Tragédia grega na Manguetown

Édipo REC celebra duas décadas de experimentação do Grupo Magiluth, transformando a tragédia de Sófocles em uma experiência contemporânea. Após percorrer o Brasil, a montagem retorna ao Recife, convertendo o Teatro Luiz Mendonça em uma arena onde público e performers se entrelaçam numa dança entre realidade e representação. A direção de Luiz Fernando Marques (Lubi) e a dramaturgia de Giordano Castro criam um fluxo teatral em tempo real, onde câmeras, projeções ao vivo e vídeo mapping constroem uma Tebas reinventada como Recife-Pompéia – território onde a hiperexposição digital encontra a catástrofe ancestral, questionando como editamos nossas próprias vidas numa era de imagens.

A dramaturgia em dois atos conduz o espectador: da euforia de uma festa performática saturada de códigos pop à revelação da tragédia pessoal, onde todas as narrativas implodem. O elenco constrói um mosaico humano – Nash Laila ressignifica Jocasta com uma presença que marca o retorno feminino ao grupo, enquanto Erivaldo Oliveira comanda como Coro-drag, destilando humor e verdades. Giordano Castro molda um Édipo que é ícone pop e vítima de seu próprio narcisismo digital, navegando entre disputas de poder e a ilusão de controle. Mais que uma adaptação, Édipo REC funciona como um autorretrato do próprio Magiluth, interrogando: numa época onde somos diretores e personagens de nossas próprias tragédias virtuais, o teatro ainda possui a força de nos confrontar com quem realmente somos?

📍 SERVIÇO
Édipo REC – Grupo Magiluth
Teatro Luiz Mendonça, Parque Dona Lindu
25 e 26 de julho, às 20h
Ingresso: 30 a 120

Caliuga faz duas apresentações no Teatro Joaquim Cardozo

Caliuga

A Cia. de Teatro Negro Macacada constrói em “Caliuga” uma narrativa que espelha realidades enfrentadas cotidianamente por milhões de brasileiros, utilizando o palco como espaço de reflexão sobre as intersecções entre identidade racial e inserção no mercado de trabalho. O protagonista da obra se torna um representante de experiências coletivas que transcendem a ficção, navegando por situações que revelam as camadas sutis e explícitas de discriminação presentes nos processos seletivos e ambientes corporativos. A escolha dramatúrgica de centrar a ação na busca por emprego permite que questões estruturais sejam exploradas através de situações concretas e reconhecíveis, criando pontes entre a experiência individual do personagem e os desafios sistêmicos enfrentados pela população negra no Brasil.

A produção reconhece que as questões raciais e trabalhistas não podem ser simplificadas ou romantizadas. A Cia. de Teatro Negro Macacada se posiciona dentro de um movimento teatral que utiliza a arte como ferramenta de visibilidade e discussão, contribuindo para um panorama cênico que valoriza narrativas historicamente marginalizadas nos palcos brasileiros. O espetáculo se insere em um contexto cultural onde o teatro negro ganha cada vez mais espaço e reconhecimento, não apenas como expressão artística, mas como plataforma de debate sobre transformações sociais necessárias e urgentes na sociedade contemporânea.

📍 SERVIÇO:
Teatro Joaquim Cardozo – Centro Cultural Benfica
25 e 26 de julho, 19h30
R$ 20 (inteira) / R$ 10 (meia)

 

Dan Stulbach . Foto: Ronaldo Gutierrez. 

RELEITURA DE SHAKESPEARE

O Mercador de Veneza chega à CAIXA Cultural Recife de 24 de julho a 2 de agosto, de quinta-feira a sábado, sempre às 20h. Esta montagem dirigida por Daniela Stirbulov transporta o clássico da Itália do século 16 para um cenário contemporâneo inspirado nos anos 1990, década marcada pela aceleração da globalização e pelo surgimento de uma nova ordem mundial.

A trama acompanha Antônio, um mercador que contrai uma dívida com Shylock para ajudar seu amigo Bassânio. Como garantia para o empréstimo, Antônio oferece uma libra de sua própria carne. O não pagamento da dívida leva a um julgamento dramático, trazendo à tona temas como justiça e preconceito. A Bolsa de Valores dos anos 1990 se torna o espaço simbólico central da narrativa, onde o dinheiro rege as relações humanas, refletindo a aceleração da globalização.

Nesta versão, Shylock assume o papel de protagonista e a história é contada a partir de sua perspectiva, invertendo a estrutura tradicional da peça shakespeariana. 

A cenografia inclui uma estrutura acrílica transparente elevada no centro do palco que cria um tablado dinâmico para os atores, um painel LED circular posicionado no alto que desenha palavras e frases ligadas à ação em tempo real, um operador de câmera que capta imagens em tempo real também projetadas no painel, e uma baterista que executa a trilha sonora ao vivo no palco, criando uma atmosfera imersiva.

O elenco principal é formado por Dan Stulbach como Shylock, Cesar Baccan como Antônio, Gabriela Westphal como Pórcia e Marcelo Ullmann como Bassânio, além de um elenco de apoio que inclui Augusto Pompeo, Amaurih Oliveira, Júnior Cabral, Marcelo Diaz, Marisol Marcondes, Rebeca Oliveira, Renato Caldas e Thiago Sak. A equipe técnica conta com cenografia de Carmem Guerra, figurino e visagismo de Allan Ferc, desenho de luz de Wagner Pinto e Gabriel Greghi, e trilha sonora executada por Caroline Calê.

 

OUTRAS COMÉDIAS

NÂO

NÃO! com Adriana Birolli

A atriz Adriana Birolli retorna ao Recife com comédia de Diogo Camargos que aborda dificuldade de estabelecer limites pessoais. O monólogo, que já percorreu o Brasil com sessões lotadas, explora tema através da perspectiva de mulher que faz terapia há dezoito anos para aprender a dizer não.

A montagem representa teatro comercial contemporâneo: uma atriz conhecida da televisão em texto que combina humor com autoajuda, criando identificação imediata com público urbano de classe média. Adriana Birolli comenta que a resposta positiva de profissionais da saúde mental comprova a pertinência do tema.

SERVIÇO:
Teatro Santa Isabel
25 a 27 de julho (Sex 20h, Sáb 19h, Dom 18h)
R$ 40 a R$ 140

Wilson de Santos intepreta a rmã Maria José. Foto: Divulgação

A Noviça Mais Rebelde

A trajetória de mais de uma década nos palcos brasileiros consolida A Noviça Mais Rebelde  como um fenômeno teatral que conquistou públicos das mais diversas regiões do país. Wilson de Santos constrói um personagem que navega entre a devoção religiosa e as memórias mundanas com uma naturalidade que transforma cada apresentação em uma experiência única, já que a natureza improvisacional do espetáculo permite variações que mantêm a obra sempre renovada.

A habilidade do ator em conduzir a interação com a plateia, alternando entre momentos de reflexão espiritual e explosões de humor irreverente, demonstra sua versatilidade cênica desenvolvida ao longo de colaborações com importantes nomes do teatro nacional. O formato de monólogo interativo, que coloca o público como parte integrante da narrativa, quebra a quarta parede de forma orgânica, criando uma atmosfera de intimidade que faz com que cada espectador se sinta pessoalmente conectado às confissões e travessuras da Irmã Maria José. Esta longevidade artística

📍 SERVIÇO:
A Noviça Mais Rebelde
Teatro do Parque
25 e 27 de julho (Sex 20h, Dom 19h)
R$ 60 a R$ 120

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Uma comédia que quase ri da nossa insanidade
Crítica: Simples Assim

Georgiana Góes e Julia Lemmertz em Simples assim. Foto: Victor Hugo Ceccato.

Uma falha no sistema de microfones nos primeiros minutos da apresentação quase comprometeu a estreia de Simples Assim no Teatro Luiz Mendonça, Parque Dona Lindu, no Recife, na última sexta-feira – ironia não planejada para um espetáculo que justamente discute nossa dependência tecnológica. A peça, que ainda cumpre duas sessões no fim de semana, abre com uma cena alegórica: um âncora de telejornal (Pedroca Monteiro) que, ao noticiar uma sequência infindável de tragédias – “militares disparam mais de 80 tiros contra um carro com família”, fogo no parquinho, corrupção,  – gradualmente esmorece até confessar: “Cheguei no meu limite”. O quadro sintetiza a proposta do espetáculo: retratar com humor leve as pequenas insanidades de nosso cotidiano. Essa cena toda, que deveria chegar por cima para provocar a indignação e risos, perdeu a força devido ao problema de microfones, o que dificultou a recepção desses primeiro quadro.

Baseada nas crônicas de Martha Medeiros e adaptada pela própria autora em parceria com Rosane Lima, a montagem apresenta dez cenas inspiradas nas coletâneas Quem Diria que Viver Iria Dar Nisso e Simples Assim. As crônicas, conhecidas por seu tom leve e ocasionalmente divertido, não trazem revelações surpreendentes, mas capturam pequenos dramas cotidianos com precisão. O elenco, composto por Julia Lemmertz, Georgiana Góes e Pedroca Monteiro, transita por diferentes personagens que se interconectam através de uma engenhosa estrutura circular onde cada cena compartilha um personagem com a seguinte, criando uma teia narrativa que conecta diferentes neuroses atuais.

O apresentador de telejornal exausto pelas notícias trágicas surta no ar e deixa contrariada sua produtora, que vai ajudar uma amiga que diz que vai viajar para outro planeta; esta amiga abandona o amante executivo viciado em tecnologia; este homem, que só consegue dialogar através das telas, é marido da mulher que, sobrecarregada pela rotina, contrata uma dublê para substituí-la em compromissos familiares; e assim segue a cadeia de personagens, conectando cada quadro ao seguinte numa estrutura que espelha o ciclo de desencontros.

Não se trata de uma comédia de reflexões profundas, mas sim um retrato bem-humorado do cotidiano da classe média branca brasileira, com seus problemas e privilégios específicos. No entanto, as cenas sobre nossa relação com a tecnologia, o isolamento social e a superficialidade das relações contemporâneas acabam se tornando, ironicamente, superficiais demais. A expectativa era que a cena como um todo tivesse mais humor e provocasse mais risos, como prometido nos anúncios, o que não se concretiza durante boa parte da apresentação.

Veterano nos textos de Martha Medeiros, Ernesto Piccolo apresenta sua terceira montagem da autora com uma direção conservadora. Conhecido por trabalhos mais ousados em outras produções, o diretor aqui opta por uma abordagem que contradiz a irreverência sugerida pelo tema. Seu trabalho oscila entre lampejos de inspiração e longos trechos de marasmo cênico que drenam a energia cômica. Quando aposta na interação direta com o público ou em soluções mais arriscadas, a comédia respira; quando se acomoda em escolhas mais convencionais, a dinâmica desacelera. As transições entre os quadros, embora tecnicamente funcionais, carecem de efeito cômico, principalmente na primeira parte do espetáculo especialmente morosa.

As crônicas de Martha, que cintilam na intimidade entre leitor e página com sua precisão do trivial, enfrentam no palco o desafio da adaptação literária: transformar o que é sussurro confidencial em voz projetada. O que no papel convida à reflexão solitária e sorrisos de reconhecimento exigiria no teatro uma tradução cênica mais provocativa, capaz de recriar coletivamente aquela faísca de identificação que a autora alcança tão naturalmente na solidão da leitura.

Os figurinos de Helena Araújo são um dos pontos altos da produção, com peças coloridas e versáteis que auxiliam na rápida transformação dos atores entre personagens. A iluminação de Felício Mafra cria ambientes distintos com sutileza, conseguindo delimitar espaços dentro do palco aberto sem quebrar o ritmo das transições. A cenografia tem poucos elementos no palco além de algumas cadeiras e um grande telão ao fundo. Este telão projeta cenas de notícias e, por vezes, imagens dos próprios atores em diferentes situações.

Pedroca Monteiro e Julia Lemmertz. Foto: Victor Hugo Ceccato

Há um jogo interessante entre as duas atrizes e o ator em cena, que transitam entre diferentes personagens com alguma versatilidade. Esta energia entre eles, contudo, nem sempre consegue contagiar o público. Quando isso acontece, principalmente na segunda metade do espetáculo, a peça ganha a leveza prometida.

Julia Lemmertz leva pro palco a sofisticação e a credibilidade conquistadas em décadas de atuação na TV e no cinema. Conhecida por personagens de maior densidade dramática, a atriz segura o cômico com elegância. Um de seus momentos mais desafiadores acontece quando desce à plateia para interpretar uma mulher com “nomofobia” – o medo irracional de ficar sem celular. Lemmertz estabelece um vínculo especial com os espectadores, mesclando a familiaridade de seu rosto conhecido à capacidade de capturar, com delicadeza, as pequenas neuroses do nosso tempo.

A versatilidade é a marca do trabalho de Georgiana Góes nesta montagem. Quando encarna a personificação da Morte – vestida de branco, – a atriz cria um dos raros momentos de tensão genuína do espetáculo. Enquanto esquadrinha a plateia procurando “alguém”, Góes provoca um riso nervoso, quase desconfortável, transformando o quadro em uma experiência emocionalmente ambígua.

Já Pedroca Monteiro inicia com uma energia inconsistente que afeta o ritmo inicial do espetáculo. O que parece insegurança revela-se, aos poucos, como uma escolha para alguns personagens mais exaltados. O ator encontra seu melhor momento na pele do já mencionado apresentador de telejornal que, diante da enxurrada de notícias trágicas, tem um colapso existencial em pleno ar, mas que depois retorna como uma versão transformada de si mesmo.

Plateia: termômetro de uma comédia que hesita

A recepção do público funciona como um infalível indicador da eficácia de uma comédia, e aqui os sinais foram preocupantes: silêncio predominante na primeira metade, com risos escassos e educados. O espetáculo só ganha vivacidade quando os atores começam a improvisar, soltar “cacos” sobre locais, personalidades e situações específicas da cidade, provocando finalmente as gargalhadas espontâneas.

Simples Assim, que iniciou sua trajetória em São Paulo em setembro de 2019 e agora percorre o Brasil, oferece 90 minutos de uma pausa agradável em nosso frenético cotidiano. Com classificação indicativa de 12 anos, a montagem cumpre seu papel ao retratar com honestidade e alguns momentos de graça as neuroses e ansiedades de uma classe média que se vê cada vez mais desconectada apesar (ou por causa) de toda sua hiperconexão digital. E oferece um espelho onde parte do público consegue se reconhecer – às vezes com um sorriso, outras com um desconfortável aceno de cabeça.

Pedroca Monteiro e Julia Lemmertz em cena de acerto de contas. Foto: Victor Hugo Ceccato

Ficha Técnica
Texto e adaptação: Martha Medeiros e Rosane Lima.
Direção Artística: Ernesto Piccolo.
Elenco: Julia Lemmertz, Georgiana Góes e Pedroca Monteiro.
Produção e idealização: Gustavo Nunes.
Cenografia: Clivia Cohen.
Projeções Cênicas: Rico Vilarouca / Renato Vilarouca.
Figurino: Helena Araújo e Alfaiataria Conrado.
Luz: Felício Mafra.
Trilha Sonora: Rodrigo Penna.
Visagismo: Uirandê Holanda.
Produtora de Elenco: Yolanda Rodrigues.
Preparação Corporal: Cristina Moura.
Designer
Fotos: Victor Hugo Ceccato.

 

 

 

 

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Entre o humor e a falta de sentido

Cia Atores de Laura, do Rio de Janeiro, reapresenta hoje o espetáculo Absurdo. Fotos: Pollyanna Diniz

Alguém calunia você em praça pública e você em vez de procurar o advogado, a polícia ou os “capangas” continua a conviver com esse crápula com a educação que sua mãe e as rígidas freiras do colégio caríssimo lhe deram. Outra cena, um fulano sempre que lhe encontra lhe abraça e lhe beija, diz que você é sensacional, mas na verdade ele lhe odeia e quando você vira as costas fala coisas horríveis e até faz campanha para ocupar o seu lugar na firma; ou quer que você morra – real ou simbolicamente. Um espectador normal, que não seja tomado pela ganância e pela inveja em doses cavalares possivelmente achará essas cenas absurdas.

O diretor do grupo Atores de Laura, Daniel Herz diz que “as questões do teatro do absurdo estão camufladas no cotidiano”, que a peça que foi apresentada ontem e será reapresentada hoje no Teatro Luiz Mendonça, do Parque Dona Lindu, mostra que “quanto mais conhecemos alguém, mais se abre um abismo de desconhecimento”. É, muitas vezes…Um paradoxo a se enfrentar.

O espetáculo Absurdo traz um texto de criação coletiva da companhia carioca. A peça tem como referência o Teatro do Absurdo e as obras de Eugène Ionesco e outros mestres desse movimento. A criação coletiva do texto traz rasgos de humor e inteligência que conseguem a aderência da plateia, mas isso não ocorre o tempo todo. Há uma frouxidão na dramaturgia que contamina todo o jogo dramático.

Uma mesa de jantar e quatro cadeiras compartilhadas por dois casais. Eles habitam o mesmo espaço cênico. Mas cada casal só dialoga entre si, cada marido com sua própria mulher. Os dois casais vivem o mesmo dilema da sobrevivência da relação amorosa após 20 anos.

Direção é de Daniel Herz e dramaturgia é coletiva

Essas pessoas da sala de jantar também dividem o mesmo e único filho. E também podem trocar de parceiros. A revelação desse filho é uma das cenas que vale o espetáculo. A outra é quando o homem caído no chão é carregado até a mesa. Algumas cenas de repetição também são muito interessantes.

O elenco dos atores de Laura é ótimo: Ana Paula Secco, Anderson Mello, Luiz André Alvim, Márcio Fonseca e Verônica Reis. Mas a montagem recai num abismo monótono e até chatoso, na gangorra de afirmações e negações sem avanços estilísticos para tratar do desatino e de um círculo vicioso de falta de soluções. Eles partem de situações aparentemente bem comuns para chegar à incomunicabilidade ou às circunstâncias ilógicas.

Montagem faz parte das comemorações dos 20 anos do grupo

O espetáculo ganha quando tem mais agilidade e perde quando emperra no contraste. O jogo de contrários não tem força suficiente para que a montagem flua com a proposta do grupo de ir na corrente do humor de Ionesco e afastado do peso de Beckett. As escolhas do dramaturgo irlandês e sua consciência do vazio de sentido não passam perto da montagem, mas a leveza e o humor irresistível de Ionesco também não ganham fôlego nas opcões do grupo pelo ilógico e irracional.

Na encenação Absurdo a palavra mente. Frases são ditas e a outra pessoa escuta outra coisa. O simulacro do casamento nao alcança a distorção cênica gerada pela intimidade. Falta uma maior sustentação. Os diálogos ganham um aspecto mais superficial e falta uma amarração das cenas como um todo.

Apesar do humor, diálogos geralmente não conseguem fugir da superficialidade

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Edwin Luisi é o show

Edwin Luisi em Tango, bolero e cha cha cha. Fotos: Pollyanna Diniz

Da primeira vez que protagonizou Tango Bolero e Cha Cha Cha, em 2000, Edwin Luisi arrebatou cinco prêmios de melhor ator (Associação Paulista dos Críticos de Arte-APCA, SHELL, Quality Brasil, Governador Estado Rio de Janeiro e o Mambembe). Ao completar 40 anos de carreira o artista volta com Lana Lee/Daniel, transexual que magnetiza o espetáculo. A montagem faz a terceira apresentação hoje, no Teatro Luiz Mendonça, do Parque Dona Lindu, dentro do projeto Janeiro de Grandes Espetáculos.

O texto é de Eloy Araújo e a direção de Bibi Ferreira. Na trama, Daniel abandonou a família 10 anos antes e volta como o transexual Lane Lee para dar explicações à família sobre o que aconteceu. Ele se transformou numa estrela nos palcos de Paris e Nova York. A mulher mora no mesmo lugar, mudou pouco a disposição dos móveis e é meio lentinha para entender as coisas (ah, está também mais gordinha). O filho, agora adolescente, é revoltado com a atitude do pai, mas ao mesmo tempo mostra-se imaturo e carente.

Esse conflito perde o ar grave com a interpretação de Edwin Luisi – o Genaro da novela Rebelde (Record) – “sarocoteando daqui pra acolá”. Ele pula, dança, grita, explora tiques, e se diverte neste espetáculo.

Edwin Luisi já fez personagens inesquecíveis na televisão, como o protagonista Álvaro da primeira versão de A Escrava Isaura ou o assassino do personagem Salomão Hayala na primeira versão da novela O Astro. A última vez que esteve no Recife, que me lembro, foi com Eu Sou a Minha Própria Mulher, peça em que se multiplicava em 22 papéis diferentes, entre eles, um travesti.

Em Tango Bolero e Cha Cha Cha ele expõe seu talento e o sacrifício de passar quase duas horas “amarrado” por meias, espartilho, sutiã, em cima de um salto. Sua diva é cheia de cacoetes. O humor cáustico e a ironia da protagonista provocam gargalhadas que têm um efeito de onda na plateia.

Daniel volta ao Brasil como Lana Lee e trazendo o noivo Peter

Confesso que não achei tanta graça assim. Apesar de reconhecer o talento, o valor interpretativo do ator principal, prefiro um humor mais sofisticado, mais ao tipo de O deus da carnificina.

Mas o público adora Lana Lee e suas excentricidades. E se diverte com uma dramaturgia que transforma um problema grave em comédia para rir mesmo. Embarca nas tiradas previsíveis, nas piadas infames.

O elenco usa e abusa das gags com alto teor sexual. São personagens caricatas. A que mais se destaca é Carolina Loback, no papel da empregada doméstica “folgada” Genevra, que lembra algum personagem do Sai de Baixo. Ela provoca muitos mal entendidos no espetáculo. O ator que interpreta o filho (Johnny Massaro) é o mais fraco e não dá contraponto a esse humor escrachado, de ritmo frenético.

A folgada empregada Genevra entendeu tudo errado

É demorada demais a revelação. Fica parecendo que a mulher (Alice Borges) que foi trocada pelo bofe é um pouco retardada ou não vive neste mundo. Estica demais o que está óbvio. E o final também promete bem mais do que dá. E aquela enrolação do Peter (Pedro Bosnich) na frente das cortinas como apresentador é demais.

Clarice quase não consegue entender que Lana Lee é Daniel

A peça é recheado de clichês. Mas pode ser encarada como uma comédia de costumes, que questiona com humor o preconceito, inclusive dos que estão rindo.

Lana Lee fazendo sucesso nos palcos de Paris

Momento "eu sou é macho"

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