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Cinco sugestões para o fim de semana

Apenas mais três sessões dessa temporada de O ano em que sonhamos perigosamente, do Magiluth. Foto: Renata Pires

Apenas mais três sessões dessa temporada de O ano em que sonhamos perigosamente, do Magiluth. Foto: Renata Pires

O enigma em The Lobster (A Lagosta) é uma escolha, forçada (vale salientar) de não ficar sozinho, ou melhor, de arranjar um parceiro conjugal para a vida. Sob pena, se a regra não for obedecida, de se ser transformado em animal e jogado no bosque. O filme do grego Yorgos Lanthimos arrebatou o Prêmio do Júri em Cannes em maio deste ano. É uma fábula ácida e implacável situada num futuro distópico sobre a solidão e o amor. O cineasta, que realiza “gênero de filmes em que não se compreende tudo”, ganhou fama internacional com Canino (Prêmio Un Certain Regard, Cannes em 2009) e também dirigiu Alps (Prêmio do Argumento no Festival de Veneza em 2011) é uma das inspirações, referências ou disparadores criativos do novo trabalho do grupo Magiluth.

O ano em que sonhamos perigosamente é o título de um dos livros do sociólogo, filósofo, psicanalista e crítico cultural esloveno Slavoj Žižek. Esse autor, de produção intelectual intensa, utiliza conceitos de Jacques Lacan e vai de Marx a Hegel para analisar o cinema, o fundamentalismo e a tolerância, ideologia e subjetividade em tempos pós-modernos, entre outros temas da atualidade, em linguagem clara e provocativa.

O mundo das crises econômicas aos abalos existenciais está na rota desse novo espetáculo. Na busca do que seria belo, do que seria estética, eles abraçam Anton Tchekhov. E rasgam os véus das guerras, das arbitrariedades e do capitalismo. E mesmo diante do caos, convocam resistências, como o Ocupe Estelita.

SERVIÇO
O ano em que sonhamos perigosamente
Quando: Dias 19, 25 e 26 de Junho de 2015, às 20h
Onde: Teatro Apolo, R. do Apolo, 121 – Bairro do Recife
Informações: (81) 3355-3320

FICHA TÉCNICA
Direção: Pedro Wagner
Dramaturgia: Giordano Castro e Pedro Wagner
Atores: Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Mário Sergio Cabral, Pedro Wagner, Thiago Liberdade
Preparação corporal: Flávia Pinheiro
Desenho De Som:Leandro Oliván
Desenho De Luz: Pedro Vilela
Direção De Arte: Flávia Pinheiro
Fotografia: Renata Pires
Design Gráfico: Thiago Liberdade
Caixas De Som: Emanuel Rangel, Jeffeson Mandu e Leandro Oliván
Técnico: Lucas Torres
Realização: Grupo Magiluth

Tatto Medinni e Iara Campos estão no elenco da versão teatral de A emparedada

Tatto Medinni e Iara Campos estão no elenco da versão teatral de A emparedada

Ano passado, o público televisivo assistiu entusiasmado a uma versão do folhetim A emparedada da Rua Nova, de Carneiro Vilela. A minissérie Amores roubados (Rede Globo), com dramaturgia e roteiro de George Moura e direção do mineiro José Luiz Villamarim foi deslocada do Recife para o Sertão. O ator Cauã Reymond interpreta na trama o galanteador Leandro que alardeia: “Sempre gostei do perigo. O amor que não tem risco é uma cousa desenxabida, uma aventura sem encantos e pueril”. Bem difícil resistir à atuação de Cauã Reymond.

Há alguns anos, a Trupe Ensaia Aqui e Acolá emplacou sua adaptação de A emparedada da Rua Nova, tomando liberdades estilísticas e conquistando o público com suas cores fortes do melodrama de circo. O grupo fez opção declarada pelas referências à cultura pop e pela chave cômica dessa história trágica. Uma moça teria sido emparedada pelo pai, quando este descobriu sua gravidez, isso lá no final do século 19. E o grupo abusa dos clichês presentes em folhetins, cinema e novelas, faz alterações do romance, inserindo reviravoltas e um novo desfecho.

O Amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas é inspirado nesse caso nebuloso, que rendeu o romance A emparedada... , escrito entre 1909 e 1912. A montagem, dirigida por Jorge de Paula, já foi vista por quase 15 mil pessoas desde 2010.

A peça que usa a estética circense, com movimentos largos dublagem engraçadíssimas, ganha duas sessões neste fim de semana, no Teatro de Santa Isabel (Praça da República), sábado (20) e domingo (21), às 20h. A direção de atores é de Ceronha Pontes e no elenco estão Iara Campos, Jorge de Paula, Marcelo Oliveira, Andréa Veruska e Tatto Medinni.

SERVIÇO
O Amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas.
Onde: Teatro de Santa Isabel (Praça da República, s/n, Santo Antônio).
Quando: Sábado e domingo (20 e 21),às 20h.
Quanto: R$ 40 e R$ 20 (meia).
Informações: 3355-3322.
Duração do espetáculo: uma hora e meia

 

Júnior Aguiar e Marcio Fecher foram buscar poesia nas cartas de Glauber Rocha.

Júnior Aguiar e Marcio Fecher foram buscar poesia nas cartas de Glauber Rocha.

Numa época pós-ideologia, é muito interessante ver no palco dois atores investigando a recente história do Brasil a partir das relações do cineasta baiano Glauber Rocha com o estado de Pernambuco. Inspirado nas cartas escritas para o poeta Jomard Muniz de Brito e o ex-governador Miguel Arraes a dupla de atores Júnior Aguiar e Márcio Fecher. Premiado como melhor espetáculo e melhor trilha sonora no 20º festival Janeiro de Grandes Espetáculos, h(EU)stória – o tempo em transe perpassa por revolução, paixões e desilusões do amor e do cinema.

SERVIÇO
H(EU)stória – O tempo em transe
Onde: Teatro Arraial (Rua da Aurora, 457, Boa Vista).
Quando: Sextas e sábados, às 20h (até o dia 20 de junho).
Ingresso: R$ 20 (inteira) R$ 10 (meia).
Informações: 3184-3057

A Receita é um solo com Naná Sodré. Foto: Fernando Azevedo

A Receita é um solo com Naná Sodré. Foto: Fernando Azevedo

A receita apresenta uma mulher que tempera sua vida de abandono e violência com comida. Essa mulher representa as mulheres violentadas física e psicologicamente do mundo inteiro.

O solo é com a atriz Naná Sodré, do grupo O Poste Soluções Luminosas. O texto e a encenação de Samuel Santos, inspirados nos ensinamentos de Eugenio Barba,  convergem para a atuação da intérprete, num teatro ritualístico.

SERVIÇO
Espetáculo A receita
Onde: Espaço O Poste (Rua da Aurora, 529, loja 1, Boa Vista).
Quando: De 29 de maio a 26 de junho, todas as sextas, às 20h.
Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (meia).
Informações: 8484-8421.

Manoel Carlos, André Filho e Daniela Travassos, o núcleo duro da Cia Fiandeiros

Manoel Carlos, André Filho e Daniela Travassos, o núcleo duro da Cia Fiandeiros

A Tempestade (The Tempest) é considerada a obra-prima de William Shakespeare. O poder, a comédia e o romance são os três núcleos da peça. Um duque de Milão, chamado Próspero e sua pequena filha Miranda são lançados no mar e se abrigam numa ilha tropical. De lá, Próspero provoca uma tempestade em que o rei de Nápoles Alonso, seu irmão Sebastião, Antônio, um príncipe, noivo em potencial para Miranda e alguns nobres vão parar na ilha. Próspero tem a seu serviço o monstro Caliban, que ele escravizou e “domesticou”, e Ariel, o espírito que pode se metamorfosear em ar, água ou fogo. O protagonista prepara sua vingança.

A Cia. Fiandeiros de Teatro conclui seu ciclo de leituras dramáticas com A tempestade, última peça escrita por William Shakespeare. A direção é de André Filho e no elenco estão Domingos Soares, Célio Pontes, Marília Linhares, Jefferson Larbos, Carlos Duarte Filho, Geysa Barlavento, Pascoal Fillizola, Manuel Carlos, Luís Távora, Wellington Júnior e Quiércles Santana.

SERVIÇO
Leitura dramatizada de A Tempestade
Onde: Espaço Cultural Fiandeiros (Rua da Matriz, 46, 1º andar, Boa Vista).
Quando: Sexta (19), às 19h30.
Quanto: Entrada gratuita.
Informações: 4141-2431.

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Escritura clássica no foco da Cia Fiandeiros

Companhia Fiandeiros de Teatro realiza segunda edição do projeto Espaço Fiandeiros Dramaturgia neste mês de junho

Companhia Fiandeiros realiza segunda edição do projeto de Dramaturgia neste mês de junho

A Companhia Fiandeiros de Teatro investe nos processos formativos em artes nesses 12 anos de trajetória. Em 2009, o grupo criou a Escola de Teatro Fiandeiros, que veio suprir uma demanda de formação artística no Recife. Para se ter uma ideia de que existe procura pelo aprendizado na área, somente neste semestre são cinco turmas e 119 alunos matriculados. E os aprendizes já participaram de 13 peças ao longo desses anos.

O texto teatral é uma preocupação constante da trupe. Tanto é assim que no seu repertório constam montagens com escrituras originais compostas a partir de pesquisas inspiradas na dramaturgia pernambucana: Vozes do Recife – um concerto poético (2004), O capataz de Salema (2005), Outra vez, era uma vez…. (2008) e Noturnos (2011).

De 16 a 19 de junho o grupo realiza a primeira etapa da segunda edição do projeto Espaço Fiandeiros – Dramaturgia, com incentivo do Funcultura. O programa é composto de leituras dramáticas dos textos clássicos Antígona, de Sófocles; O canto do cisne, de Tchekhov e A tempestade, de Shakespeare, seguido de debates. Além da palestra A dramaturgia clássica e o teatro contemporâneo: tensões, relações e interseções, com professor da UFPE Rodrigo Dourado, que vai contar com tradução simultânea em Libras.

As leituras serão interpretadas por atores profissionais e alunos da Escola de Teatro Fiandeiros. No segundo semestre haverá apresentação de solos a partir de personagens extraídos das leituras, com participação de diretores convidados.

Na primeira edição do projeto, em 2013, o foco foi sobre os textos inéditos de autores pernambucanos. Desta vez o grupo propõe reflexões e conexões entre história, sociedade, dramaturgia e contemporaneidade à partir dessas obras clássicas.

PROGRAMAÇÃO
Dia 16/06 (terça-feira), às 19h30
Palestra A dramaturgia clássica e o teatro contemporâneo: tensões, relações e interseções – com Rodrigo Dourado

Leitura dramática seguida de debate:

Dia 17/06 (quarta-feira), às 19h30
Antígona, de Sófocles
Direção: Daniela Travassos
Elenco: Sandra Rino, Ivo Barreto, André Riccari, Eduardo Japiassú e Lili Rocha

Dia 18/06 (quinta-feira), às 19h30
O canto do cisne, de Anton Tchekhov
Direção: Manuel Carlos
Elenco: Ricardo Mourão e André Filho

Dia 19/06 (sexta-feira), às 19h30
A tempestade, de William Shakespeare
Direção: André Filho
Elenco: Domingos Soares, Célio Pontes, Marília Linhares, Jefferson Larbos, Carlos Duarte Filho, Geysa Barlavento, Pascoal Fillizola, Manuel Carlos, Luís Távora, Wellington Júnior e Quiércles Santana.

FICHA TÉCNICA DO PROJETO
Concepção e coordenação geral: Daniela Travassos
Produção executiva: Renata Teles e Jefferson Figueirêdo
Estágio em produção: Tiago Gondin (Faculdade Senac)
Realização: Companhia Fiandeiros de Teatro / Espaço Fiandeiros

SERVIÇO
Espaço Fiandeiros – Dramaturgia
Quando: De 16 a 19 de junho, sempre às 19h30
Dia 16 de junho: palestra A dramaturgia clássica e o teatro contemporâneo: tensões, relações e interseções, com Rodrigo Dourado
Dia 17 de junho: leitura dramática de Antígona, de Sófocles + debate
Dia 18 de junho: leitura dramática de O canto do cisne, de Tchekhov + debate
Dia 19 de junho: leitura dramática de A tempestade, de Shakespeare + debate
Onde: Espaço Cultural Fiandeiros: Rua da Matriz, 46, 1º andar, Boa Vista, Recife
Quanto: Entrada franca
Informações: (81) 4141.2431

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Poesia contra preconceitos

Solo da atriz Soraya Silva é inspirado na obra de Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda

Solo da atriz Soraya Silva é inspirado nas obras de Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda

Olhos de Café Quente embala histórias de meninas, mães, madrinhas e mulheres. Episódios belos, tristes, de denúncia. É um espetáculo que acende a memória de feridas provocadas por preconceitos (in)disfarçáveis. No solo, a atriz Soraya Silva debate cenicamente a questão de raça e realiza um mergulho profundo no universo feminino. A peça ergue uma heroína do povo a partir das obras de Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda. Olhos de Café Quente, com direção de Quiercles Santana, estreia nesta sexta-feira, 1º de maio, Dia do Trabalhador, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Recife.

O encenador diz que a montagem é uma aposta no teatro, na delicadeza dos pequenos movimentos, nas ações silenciosas, nas palavras, na poesia. Olhos de Café Quente faz vibrar quando aponta para as dores e as alegrias de existir. A atriz elabora no corpo, nos gestos, movimentos e sentimentos, as recordações e desejos de uma mulher, que são muitas numa só: a menininha abelhuda, a mocinha encantadora, a mulher enérgica, a anciã.

Quiercles Santana nos dá mais algumas pistas. A encenação “é sobre as diversas fomes e sedes que nos consomem… É sobre a solidão da escrita e a paixão por palavras instauradoras de mundos, imagens, sombras, reflexões”.

O processo de criação do espetáculo começou em 2013, a partir da obra de Carolina Maria de Jesus, mulher negra, pobre, catadora de lixo, mãe solteira, semianalfabeta, que morou na favela do Canindé, em São Paulo, e surpreendeu o mundo com uma escrita autobiográfica; memorialista; poética, em formato de contos, provérbios e romances. O contraponto para essa dramaturgia “de grande relevância política, estética e social” é a obra de Elisa Lucinda “negra de olhos verdes”, respeitada atriz, cantora, poetisa e jornalista com sua poesia do cotidiano.

No livro Quarto de despejo: diário de uma favelada, publicado em 1960, Carolina Maria de Jesus (1914-1977) faz um desabafo por todos os excluídos desse Brasil, os abandonados à própria sorte, enfrentando a miséria absoluta, fome e violência. A escritora ainda publicou, no Brasil, os livros Casa de alvenaria (1961), Provérbios (1963), Pedaços da fome (1963) e Diário de Bitita (publicação póstuma, 1982).

Atriz interpreta várias mulheres numa só

Atriz interpreta várias mulheres numa só

“Num balanço se balança, sem pressa, uma jovem mulher, de branco vestida.
É negra ela… Como negra é a tinta com que escreve, na brancura do papel, seus poemas e lembranças.
Suas histórias deslizam com pés de anjo, passos leves, no espaço, como se o tempo fosse outro, como se a vida não urgisse.
Ouvimos quando canta, voz grave, canções antigas.
Vemos quando acende velas multicores.
Sentimos o rescindir de perfumes.
Rodeada de livros e escritos, ela conta, tranquila-tranquila, sonhos de infância, de como entende a vida, de seus desejos de mulher, de suas perdas e danos, das dores e alegrias de ser mulher negra.
Às vezes a sentimos endurecer, guerreira, solicitando mais respeito, mais amor, alguma dignidade. Aí sua voz ganha força, peso, ressoa alto, penetrante, na plateia. Ela nos toca, provoca, afeta, faz pensar.
Ouvimos outras vozes nas suas palavras. E calamos ante sua força e fé. Pois que a dor que lhe grita por dentro não é sua somente. É nossa também. É de todo mundo que já se viu, em algum momento, apequeninado pelo preconceito racial.
A mulher de branco vestida é, ela mesma, um poema feito de carne, músculos e respirações. É puro movimento interno e externo. É um convite para se ver, de outro ângulo, o mundo tal qual o conhecemos.”

A peça é sobre ser negro e pobre, ter de se virar e  manter a altivez

A peça é sobre ser negro e pobre, ter de se virar e manter a altivez

Serviço
Olhos de café quente
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife)
Quando: Sextas, sábados e domingos, de 1º a 10 de maio, às 20 horas
Quanto: R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada)

ENTREVISTA // QUIERCLES SANTANA

Quiercles Santana, diretor do espetáculo. Foto: Andréa Neres

Quiercles Santana, diretor do espetáculo. Foto: Andréa Neres

Como vocês compuseram a dramaturgia?
A dramaturgia foi sendo erguida por tentativa e erro na lida diária dos ensaios. A gente testava, como um bricoleur, os fragmentos, casando as vozes, fazendo a alquimia de duas escritoras (Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda), que têm escritas completamente distintas. Como dar coesão de modo que fossem salvaguardadas as diferenças, fazendo ressaltar as semelhanças a ponto de que a performance da atriz tivesse coerência dramática.

Como foi dirigir poesia?
A poesia está na prosa das escritoras. É uma poesia em potencial, não se trata de poemas, fique claro. É antes uma contundente exposição de argumentos, de relatos sobre o que se vê, o que se vive no dia a dia, nas esperanças e solidões dessas mulheres. É uma poesia garimpada no prosaico da realidade.
Isso se falamos de poesia enquanto dizer, enquanto palavra. Mas o espetáculo guarda outra poesia, super importante para nós, que é a poesia feita com o espaço e o tempo. Porque não são apenas as palavras que falam em Olhos de café quente. É também o silêncio, é o tempo, que diz quando a palavra não pode mais dizer. É a dor entalada no peito, o nó na garganta, a espera, os sonhos não realizados, os nossos mortos que carregamos, as pequenas percepções da vida e do mundo que de repente nos faz silenciar e ouvir este fundo sem fundo que é o tempo passando (ou nós passando por ele).

Por que essa escolha?
Essa escolha, a princípio, foi feita pelas atrizes Márcia Cruz e Soraya Silva. Elas que me convidaram. Com o tempo fui me apaixonando também pela proposta inicial delas.

Quais suas influências para criar a cena?
Sabe, não pensei nisso, em influências. Mas em fluências, sim. Em deixar a “música” soar. Como criar dinamismos, mudanças de atmosferas, instaurar sensações com o corpo, como afetar e deixar ser afetado. Uma leitura que me tem feito pensar muito e que devorei no processo de realização desse sonho foi Ideograma: Lógica, Poesia, Linguagem, do Haroldo de Campos.

Qual o tratamento interpretativo para falar sobre “ser mulher, ser negra e ser pobre no Brasil”?
Talvez alguns estudiosos das obras das autoras reclamem por não vê-las ali representadas. Não queremos representar ninguém, mas apresentar, ou seja, tornar presente uma força que se move, que dança, que se imobiliza, que toca o invisível da linguagem. Não esteve nunca em nosso foco de atenção representar as autoras, mas recriar as suas obras. Não é uma biografia histórica delas. É uma reinvenção das suas vivências. Isso sem panfletos, por que também não é muito a nossa levantar bandeiras, mas provocar, sacudir, pensar sobre as situações. Há momentos do espetáculo que são completamente criticáveis, até politicamente incorretos, que interessam pelo poder crítico que carregam. Não quer dizer que concordamos, mas quer dizer que são importantes como alavancas de reflexão.

Como é a direção de arte e técnica?
Uma opção estética foi pelo mínimo. Até mesmo porque não temos dinheiro e não fomos agraciados por nenhum edital público de fomento. Então apostamos no mínimo. Nenhum grande cenário. Luz e palco quase nu. E olha como é difícil porque não é simples mesmo chegar no simples. É bem complexo. Mas acredito que conseguimos coisas muito importantes aqui, inclusive porque não desistimos de criar este mundo, mesmo sem grana. É uma aposta alta no poder evocativo da palavra e no corpo movente.

O que você espera do público ao abordar episódios complexos e diria até, violentos?
O que espero é que possamos afetar as pessoas de alguma maneira, emocioná-las ao mostrar uma mulher sozinha em cena a conjecturar sobre o valor da arte e da vida, com os seus fantasmas. Que o espetáculo possa ser um espelho e olhando para a Soraya possamos nos enxergar um tantinho melhor. É bem pretensioso, mas sem pretensões como fazer teatro hoje?

Por que vocês vão ficar tão pouco tempo em temporada?
Uma questão é que muitos grupos disputam os espaços hoje no Recife. Outra questão é que a atriz deve voltar à Itália no fim do mês e não temos como segurá-la aqui, a não ser que o espetáculo seja convocado para muitas outras apresentações, mesmo que em espaços alternativos (o que é possível porque tudo cabe dentro de uma mala). Não precisamos de muito para ir adiante. E ainda temos de pagar muita gente que topou esta poesia junto conosco.

FICHA TÉCNICA
Direção e preparação corporal: Quiercles Santana
Assistência de direção: Asaias Lira
Atriz pesquisadora: Soraya Silva
Texto: Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda
Organização e Seleção de Textos: Quiercles Santana e Soraya Silva
Cenografia e Figurino: Quiercles Santana
Iluminação: Natalie Revorêdo
Vídeo e montagem: D’Angelo Roberto
Fotografia: D’Angelo Fabiano
Programador Visual: José Barbosa e Luca Principi
Consultoria: Raffaella Fernandez – Dra. pesquisadora das obras de Carolina Maria de Jesus
Produção Executiva: Aracelly Silva
Produção Geral: Renata Phaelante
Realização: Eu&tu Nútero de Criação Teatral

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Das rendas da amizade e do amor

Atrizes Zuleika Ferreira e Celia Regina no espetáculo Sebastiana e Severina. Fotos: Pedro Portugal

Atrizes Zuleika Ferreira e Celia Regina no espetáculo Sebastiana e Severina. Fotos: Pedro Portugal

Duas amigas rendeiras, moradoras do interior da Paraíba sonham com um príncipe encantado. É tempo de festa para o padroeiro de Umbuzeiro, São Sebastião, quando aparece um forasteiro na cidade. O problema é que ambas ficam interessadas no mesmo homem e com isso a amizade delas fica balançada. E elas passaram a disputar a atenção do bandoleiro de todas as formas. Desde cantar, fazer rendas e até conclamar os poderes mágico de Dona Zefinha, a feiticeira da cidade. A versão pernambucana da peça Sebastiana e Severina, assinada por Claudio Lira, fica em cartaz no Teatro Hermilo Borba Filho aos sábados e domingos, às 16h, a partir deste final de semana.

“Fiquei encantado pela obra por me proporcionar uma volta ao interior. Lembrei muito da minha meninice, das festas de reis de São José do Egito, cidade dos meus pais onde vivi grande parte da minha infância”, relembra o encenador Claudio Lira, natural de Petrolina, no Sertão.

Esse drama amoroso é recheado de saudade de um Brasil mais profundo. O espetáculo Sebastiana e Severina é inspirado no livro do escritor e ilustrador pernambucano André Neves, publicado em 2002, pela editora DCL. O autor passava as férias escolares na cidade de Umbuzeiro, na casa de sua avó, quando era criança. Essas lembranças das festas do padroeiro serviram de inspiração para a história.

“O mais interessante do texto de André Neves foi vê-lo tratar o homem do interior não só no âmbito da seca, do sofrimento, mas também pelo lúdico, abordando, inclusive, suas alegrias”, diz Claudio Lira.

Em cena, os atores-músicos Célia Regina, Demétrio Rangel, Luiz Manuel e Zuleika Ferreira cantam e tocam instrumentos e expõem o processo da criação, pois eles interpretam uma trupe que chega para contar a história das solteironas. Uma espécie de oratório guarda e revela os elementos da encenação.

A montagem busca destacar o que o “interior” tem de belo. E para isso incorpora a alegria das manifestações populares, a arte do cavalo-marinho e do mamulengo e as brincadeiras de rua.

Sebastiana e Severina traz clima de festa de interior

Sebastiana e Severina traz clima de festa de interior

SERVIÇO
Sebastiana e Severina
Quando: sábados e domingos, às 16h, até dia 10 de maio
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Av. Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife. Fone: 3355 3321)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (crianças até 10 anos, estudantes, professores e maiores de 65 anos).
Realização: Claudio Lira e Teatro Kamikaze

Ficha Técnica
Assistência de direção, trabalho de construção prosódica e direção de produção: Andrêzza Alves
Assistência de Produção: Ivo Barreto
Iluminação: Játhyles Miranda
Direção Musical e Preparação Vocal (canto): Demétrio Rangel
Direção de Arte: Marcondes Lima
Preparação Corporal: Quiercles Santana
Programação Visual: Claudio Lira
Assessoria de Comunicação: Leidson Ferraz
Mestres Artesãos:
Máscara:
Giorgio De Marchi
Calçados: Expedito Seleiro
Malas: Zé das Malas

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A música ao redor

Jean-Jacques Lemêtre, do Théâtre du Soleil, ministrou oficina no Espaço Coletivo. Fotos: Tadeu Gondim

Jean-Jacques Lemêtre, do Théâtre du Soleil, ministrou oficina no Espaço Coletivo. Fotos: Tadeu Gondim

Este último fim de semana foi intenso e proveitoso para quem acompanhou a oficina do artista Jean-Jacques Lemêtre, do Théâtre du Soleil, promovida pelo Angu de Teatro e pela Atos Produções, com a parceria do Sesc-PE, no Espaço Coletivo, no Bairro do Recife. Não é a primeira vez que o Angu traz ao Recife um dos integrantes da trupe de Ariane Mnouchkine. Em 2011, houve aqui alguns dias de trabalho com o ator e diretor Maurice Durozier que, inclusive, veio novamente no último mês de abril para uma oficina que teve como tema o teatro japonês.

Como só acompanhamos por fotos e relatos nas redes sociais a oficina de Jean-Jacques, pedimos uma colaboração ao encenador Quiercles Santana (obrigada!), que nos escreveu contando um pouquinho sobre a experiência de participar do workshop:

“Quem disse que 20 horas, divididas em três dias, não podem mudar a forma como a gente se percebe no mundo e como enxerga o próprio ofício? Jean-Jacques Lemêtre, multi-instrumentista francês, compositor responsável desde 1978 pelas criações musicais do Théâtre du Soleil, esteve este último fim de semana no Recife para ministrar a oficina “O Corpo Musical”, graças a uma iniciativa do Coletivo Angu de Teatro.

Apesar da barreira da língua e da turma por demais esfuziante, Lemêtre, sempre com generosidade e bom humor, nos pôs frente a frente com nossos limites e resistências (tanto corporais quanto psíquicas). Embaralhando as coordenações motoras, os andamentos, fez o corpo soar no espaço criador.

Mais uma vez a dificuldade de compreendermos em nós mesmos a música que nos habita, a forma como usamos o tempo, como nos movemos no palco, como lidamos com o outro. Mais uma vez os obstáculos racionais que impedem que a música fale por si, que a ouçamos com todo o ser. Mais uma vez os limites auto-impostos e a sensação de que existem outros níveis de compreensão (não realistas, não psicológicos, poéticos, necessários e urgentes) de se estar na cena e de que há outras verdades, sim, e nem tudo é só razão.

Mas essa ética, essa po-ética do Soleil, em que a imaginação tem papel preponderante, continuará sendo ainda um mistério para nós, mesmo depois do encontro com Lemêtre. A diferença é que agora (felizmente) a gente sabe que pode ir mais longe, de que pode ser também multi-instrumentistas e fazer música.”

Oficina integrou projeto Mexendo o Angu

Oficina integrou projeto Mexendo o Angu

Alunos da oficina O corpo musical

Alunos da oficina O corpo musical

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