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Prêmio de pesquisa com textos de Hermilo

Os projetos O Aprendiz em Cena e O Solo do Outro devem adaptar peças do teatrólogo de Palmares

Os projetos O Aprendiz em Cena e O Solo do Outro devem adaptar peças do teatrólogo de Palmares

Voltados para artistas iniciantes de teatro e de dança, respectivamente O Aprendiz em Cena e O Solo do Outro, estão com inscrições abertas até o dia 30 de julho. Esses dois Prêmios de Pesquisa estão focados Neste ano na obra do teatrólogo, diretor e crítico literário Hermilo Borba Filho. A proposta é da Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cultura, Fundação de Cultura Cidade do Recife, e o Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo Hermilo.

O interessado em participar da seleção deve escolher um dos quatro contos do escritor: A Rã, Anunciação, A Enchente e Lindalva. Para cada categoria será escolhido um vencedor, que receberá ajuda no valor de R$ 22.300,00 para viabilizar o projeto. um profissional do Centro Apolo-Hermilo acompanhará a execução da proposta.

O programa prevê a estreia da montagem de O Solo do Outro durante o Festival Internacional de Dança do Recife, que ocorre no mês de outubro. Já o espetáculo de O Aprendiz em Cena deverá será apresentado durante o Festival Recife do Teatro Nacional no mês de novembro. Isso quer dizer que a Secretaria de Cultura do Recife sinaliza a realização do festival de teatro neste ano. Então já está na hora de apresentar os critérios.

A publicação dos projetos vencedores está prevista para o dia 6 de agosto.

SERVIÇO
Inscrição até o dia 30 de julho.
Centro Apolo-Hermilo, na Rua do Apolo, s/n, Bairro do Recife
www2.recife.pe.gov.br/sites/default/files/edital_solo_e_aprendiz_02_de_julho_de_2015_1.pdf

Edital do Prêmio de Pesquisa O Aprendiz em cena e O Solo do Outro/2015.

 Contos de Hermilo Borba Filho

Os contos aqui disponibilizados deverão ser apreciados pelos proponentes, escolhido apenas um, e a partir deste elaborar o projeto destinado ao Solo do outro ou para O Aprendiz em Cena.

hermilo_maqConto 01. A Enchente.

Marulhou, gorgolejou, ela sentiu mais que ouviu a corrente, gorgolou, estava nos pés, ela na beira da cama, e o defunto?, pulou, espadanou água na altura dos joelhos já, se guiava na penumbra, sozinha, talvez ilha, a corrente subindo e a chuva caindo, quando balançou os tamboretes que apoiavam o caixão viu que estavam bambos, pensou em sair com o esquife, o morto dentro, nos braços, atravessando o rio, chegou a rir com a ideia, rir-se de tudo, afastou-se um pouco, ficou parada no meio da sala invadida pela preguiça dos fósforos e do candeeiro, tinha nada não, que tinha?, ficava mesmo ali, atenta, a quê?, atenta, foi tão ligeiro que quando ela viu foram os joelhos frios e Ra frieza da água, bem meio metro calculou, mas sabia que cálculos não iriam adiantar nada, só ficou imaginando o fim, de tudo menos o dela, nadaria, voaria, sairia.

Quando os cavalos na estrebaria se levantaram e se moveram nos beiços um di outro, aos coices as tábuas voaram, o cão ergueu as orelhas, na espera, a cabeça deitada ainda e sobre ela, à procura de calor, a ovelha, isto no mais alto, a chuva caindo, a água nos gorgolejos de corrente, os bichos atentos, mas somente atentos, havia um olho que os espiava e era o olho de quem não se sabia, no mundo líquido uma volta que dava já formava um redemoinho, o funil na velocidade maior arrastando o que ia de cambulhada: panelas, copos de ágata, quadro de santo, flores de contas de mulungu, as riquezas da casa.

Na sala, a mulher tirou a roupa, toda a roupa, sentia que devia estar nua quando chegasse o fim, o fim para tudo menos para ela, continuava pensando, preparava-se, água nas coxas, os pés quase sem apoio no escorrego, já para um metro de andada os braços faziam o movimento do nado, com mais um pouco era abandonar tudo, teria forças, acreditava, água no horizonte e ela mais além do horizonte, era forte já nadava ao derredor da sala, foi quando  olhou em volta e viu: o defunto metido na fatiota nova e nos sapatos de verniz boiava, satélite do caixão, em movimentos lentos, dir-se-iam medidos, graciosos, rodeados pelas borbulhas, bolhas e barulhos de água cada vez mais crescente, ela nadou junto dele procurando uma saída, abrira uma janela e água emendara com água, um lençol na noite cinzenta, a mesma chuva. O mesmo céu fechado, luz nenhuma, ilha mesmo afinal, todos no nado.

Do defunto foi separada por um peixe escamoso que mexia as nadadeiras e fazia pequenas ondas dentro das maiores, num volteio ela bateu com o braço na cadeira de balanço que vogava, sentiu-se dormente quando mais precisava dele, lá fora já nadavam sem destino cavalos, cães, ovelha, o olho continuava fixo na observação aquática, na vida fluvial, na latomia pluvial, no tempo e no gesto, na espera e na ânsia, no nado e no nada, nadavam e se esbofavam e voltavam ao mesmo lugar, aos bichos se juntaram o defunto e o caixão, tudo num rodopio para o funil, para o cone, na descida verticatiginosa, ali seria definitivamente o Abreu, a mulher o olho viu no exato momento em que uma trave, caindo, alcançava-a na altura dos olhos jogando-a na escuridão total, o sangue jorrando e água absorvendo-o, os peixes bicando-o, quase nenhum vermelho, e já a mulher, entre a vida e a morte, perdida a certeza, ia para o funil. No alto do frontal, na escuridão e sob a chuva, o carneiro de pedra branca, sentado, montava guarda.

hermilo_maqConto 02. Lindalva

Obra de uns seis para oito anos durava o namoro: sabonete Dorly nas segundas-feiras, brilhantina Flor de Amor nas terças, colônia Royal-Briar nas quartas, talco Ross nas quintas, esmalte para as unhas nas sextas, nos sábados uma lata de goiabada marca Peixe e nos domingos um pão-de-ló feito por sua tia, com quem morava desde que órfão ficara, Antônio Periquito das Neves Cândido, mais conhecido como Candinho-das-Amas, especializado em aventuras domésticas para satisfação do corpo, mas par constante de Lindalva, moradora na Rua da Ponte, quase em terras do Engenho Japaranduba, em cuja janela se debruçava todas as noites às sete, saindo às dez, antes entregando-lhe o presente do dia, sem contar os das quatro festas do ano, no carnaval uma caixa de Vlan, pelo São João fogos-de-bengala, na festa da padroeira gravuras da santa, pelo Natal um bolo-de-bacia, isto sem levar em conta as frutas da estação e outras bugigangas tais como biliros, fitas,meias,batons,ruges,marrafas, anéis de feira, pulseiras de vidro, brincos de fantasia, até mesmo um corte de fazenda.

Desusados esforços envidava Candinho-das-Amas para o presente do dia, já que empregado nas redação do tempo azeitando o eixo do sol, nos conformes dos dizeres da tia, ditos de bondade, incapaz de alevantar a voz para o seu menino,indo ele desde o pedido à tia, emérita boleira, aos pequenos roubos, à venda de frutas do quintal, magros mil-réis, suores frios, dias havia em que chegava a boca-da-noite, o comércio fechando e ele sem presente, dia de azar no víspora de Nenê Milhaço ou na fiche de Guará, sempre por artes mágicas os caraminguás apareciam e o presente saia, nunca falhara uma só noite nos todos os dias que se decorreram em bem seis ou oito anos, conforme já se disse e se reafirma agora. Desassossego maior era no dia do aniversário de Lindalva quando a prenda deveria ter mais valia, podendo ser um par de sapatos ou mesmo um anel de alguns quilates dourados comprados a Doroteu, quase sempre à prestação, está-se a ver, o que desequilibrava completamente o plano orçamentário de Candinho-das-Amas, as próprias domésticas, às vezes, contribuindo com uma propina pós-coito, dada a sua perícia técnica, tudo servindo para o mealheiro dos presentes.

Sete da noite, Pirangi batendo no sino do mercado, ele apontava na esquina e ao soar a última badalada estava estendendo a mão para Lindalva que justo naquele momento debruçava-se na janela e estendia a sua para, antes, receber o presente, muito agradecida, colocando-o num canto, novamente estendendo a mão que Candinho-das-Amas aninhava nas suas, contemplando o generoso decote, mas jamais avançava um centímetro além da mão, seria sua esposa um dia, tinha empregos prometidos, aventuras de corpo ficavam para as amas, nem sequer despertava fisicamente para Lindalva por enquanto, dizia, era o respeito, ficaria para a noite nupcial, Lindalva parece que ficava muito satisfeita com todos aqueles propósitos de castidade, mas curvava-se à devoção e aos presentes. E conversavam sobretudo sobre os afazeres domésticos dela, a retreta do domingo, os achaques da mãe e o reumatismo do pai, o tempo com a chuva ou sol, as perspectivas da safra, o filme do Cine-Apolo, das sete às dez, longas pausas de entremeio, as mãos suadas sem se mexerem, Candinho-das-Amas de pescoço doído de olhar para cima e de baço dormente da posição, Lindalva de cotovelos escalavrados, mas firmes na noite, das sete às dez, todas as abençoadas noites estivais ou invernosas, nestas Candinho-das-Amas metido num capote de baeta, suando em bicas, mas enxuto, somente os pés molhados, a chuça martelando e ele agarrado nas mãos de Lindalva, das sete às dez.

No primeiro de dezembro deu-lhe o estalo: a oleografia da santa na sala de visitas da tia era o presente ideal para Lindalva no dia oito, festa da padroeira, festividade maior, quando da janela ouviriam os sons da banda de música, dos pregões do leilão, do bruaá que ali chegava, já que nunca os dois, juntos ou acompanhados, passearam pela praça, foram ao cine, compareceram a um baile. Dali da janela não saiam, tudo era ali, nas mãos dadas, das sete às dez; e tome uma santa, a santa, sua imagem de santa em azul e róseo, em brancos e carmins, em violáceos, mas a tia não lhe dava a santa, não abria a mão da padroeira, fora presente do falecido, balançava a cabeça, negava, obtemperava firme, ele juro que não ia fazer isto que fará eu, Candinho-das- Amas menino dengoso no dia dois, adulador no dia três, amuado no dia quatro, os dias se passando, o dia se aproximando, fora de casa na noite do dia cinco, lacrimoso no dia seis, tentando suicídio de mentira no dia sete. Ameaçando de morte na tarde do oito, na noite do dia oito às quinze para as sete com a padroeira debaixo do braço, embrulhada em papel celofane, em direção à Rua da Ponte.

E quando chegou no princípio da rua olhou, com o coração batendo, a janela iluminada, tal-e-qual como nas outras noites, só que naquela o coração lhe dizia que alguma coisa de maior haveria de acontecer, foi andando e andando se aproximando com o coração aos pulos, aos pulos chego era estender a mão na batida das sete e Lindalva estender a sua, receber a santa, e as sete baterem e a janela vazia estava vazia ficou, de primeiro sentiu uma tonteira, coisa de pouca duração que apareceu uma mulher, a mulher era a empregada que tinha visto raras vezes, a empregada lhe disse algo, nada ouviu, somente a mão estendida da empregada com um papelito, poderia ser uma dose de sal amargo mas não era, talvez farinha-de-castanha mas também não era não, bicarbonato de sódio e o tal não era, era papel de bilhete, desdobrou-o, com a lua que vinha da sala, a santa debaixo do braço, conseguiu lê-lo, as letras trêmulas: Candinho, resolvi depois de muito pensar e de muito sofrer acabar com o nosso namoro da sua amiga Lindalva e a da santa caiu e o vidro quebrou, deixou-la lá, abaixou-se e tirou os sapatos, deu um nó nos enfiadores, enfiou-os no dedo, os sapatos numa mão e o bilhete na outra, atravessou a rua, entrou na bodega confronte, balcão, disse para o bodegueiro uma bicada, tomou-a, estendeu-lhe o bilhete, veja, Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva, saiu sem pagar e o bodegueiro deixou-o ir; atravessou o ria, foi bater na casa-grande do Engenho Paul, veio o vigia, meu compadre Lauro Paiva, quero falar com o meu compadre Lauro Paiva, veio o compadre Lauro Paiva, estendeu-lhe o bilhete, veja, Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva, não esperou resposta, desfez o caminho, mesmo de noite foi envolvido por uma nuvem e nela andou, voou, reatravessou o ria, subiu a ladeira da estação, entrou sem pedir licença na  do Doutor Bertoldo, mostrou-lhe o bilhete, Lindalva, Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva. Doutor Bertoldo deu-lhe um conhaque e um charuto, tomou o conhaque e acendeu o charuto, foi em direção à pensão de Quiterinha, de puta em puta com o bilhete, veja, Lindalva é mina amiga, minha amiga Lindalva; e no fuá parou a orquestra, aos músicos foi, de bilhete em punho, mostrando e falando Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; e deixou-se ficar num canto, bebendo e babando, só murmurando Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; invadiu a casa paroquial e tirou o padre Abílio da conversa com os magníficos, ao padre mostrou, aos magníficos mostrou e para todos falou Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; e no Pátio do Mercado chegou e a todos foi: ao homem do tivoli, ao bedegueba do pastoril, ao leiloeiro, ao homem da roleta, ao capitão do bumba e ao vassoura do fandango, ao presidente do Clube Literário e ao prefeito, todos leram o bilhete e ouviram sua afirmativa dolorida: Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva; e quando subiu as escadarias da igreja viu-a, dedo mindinho com o dedo mindinho com o caixeiro-viajante da fábrica Bordalo, ela se escolheu, o caixeiro-viajante que é que há meu bem, ela nada, encolhida, só encolhida, Candinho-das- Amas na frente dos dois e de costa para os dois se postou, os sapatos pendurados no dedo, o bilhete na ponta dos outros, a camisa fora das calças e a gravata torta, o chapéu fora do prumo, bem junto, quase colado no casal, o olhar atravessando o pátio, falando e eles ouvindo, falando: Quem chupou minhas laranjas-cravo é só pagar;Quem recebeu meus biliros, minhas brilhantinas, meus extratos meus pós-de-arroz as barraquinhas estão aí mesmo; e continuou falando mesmo muito depois que o casal já não estava mais às suas costas, saindo à sorrelfa, e quando olhou de soslaio e viu que era lugar limpo, mesmo assim, em tom de discurso, continuoua relembrar os presentes dados e recebidos durante os seis para oito de janela das sete às dez, juntando gente, a multidão formada, e ele na falação, até que chegou o Cabo Luiz e o levou pelo cós das calças até a beira do rio, mergulhou profundamente sua cabeça dentro d´água para tirar as fumaças de bebedeira, mas bebedeira era outra, foi o que ele disse à autoridade, bebedeira de amor, senhor cabo, bebedeira de corno, e lhe nasceram chifres e pelas ruas correu, e pega daqui e pega dali, Lindalva já estava na barraca das prendas quando ele subiu à torre da igreja e deu um brado Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva, e foi ela olhar para o alto e ele ir-se, adejou, passou por cima do Cine-Apolo, de chifres e asas, gritando até se perder, o eco cada vez mais fraco, Lindalva é minha amiga, minha amiga Lindalva, e noticias dele não se teve, não foi pescado no rio nem encontrado na mata, deu-se como perdido e não se falou mais nele, nem mesmo Lindalva.

hermilo_maqConto 03. A Rã

No Coaxo, ela, na coaxada tardes e noites, a rã, já deveria estar acostumada, ela, a mulher, na beira do riacho corredor, só que nunca via a rã, nunca quase, quando a via tinha um nojo de arrepiar a pele, era uma ou eram mais?, dizer não saberia, só o coaxo dobrava com o vento, pior ainda na cruviana da noite, embora de mesmo de noite ao riacho só tivesse ido em caso de necessidade da mais premente, qual?: lençol co diarreia de menino novo, lençol com vômito de marido, lençol na primeira pancada do boi, coisas raras, anuais até, riacho era coisa para de dia e de dia podia ver a rã, só que raramente já se disse, mas de noite era de ouvi-la na coaxação, que animal coaxante a rã nascera, da sua condição.

Vai na manhã de roupa na cabeça, vai, ao riacho, pensamentos nenhum, brisa fresca e sol acabado de nascer, florzinhas pelas beiradas do caminho, amarelas, brancas, róseas, essa coisa de passarinhos e insetos e bichinhos rastejantes e corredores, manhã já se disse, e na picada vai, vai ao riacho, sozinha, aquele fio-d´água é só para ela, aguada maior fica muito mais embaixo, lá onde as lavadeiras mourejam, ela não é lavadeira, lava o da tua casa, do seu homem de cama e mesa e dos outros:irmãos e filhos taludos, todos já na touceira da cana, nas várzeas e nas chãs, só de tardinha chegariam; e lá vai para o riacho, vai, se disse, se repete, é necessário insistir nessa caminhada, vai lá, ó mulher, acocorada já, a saia arrepanhada para dentro das coxas, à mostra joelhos reluzentes, e sobre a pedra, no vuco-vuco do sabão, os panos, os timões, as ceroulas, as anáguas, os corpinhos, calças e camisas de saco de farinha-de-trigo, peixinhos na ronda, bicando e repudiando o sabão forte, ela lá, sol se levantando, tudo ao derredor e na pedra ao lado, sem saber como, a rã, pequenina, quase confundida com o cinzento da pedra, ela mas se apercebeu, quando viu a rã, arrepiou-se, afastou p arrepio, uma coisinha dessa resmungou, convenceu-se:não PE medo, é nojo.

A rã pulou para outra pedra, oi, cresceu um pouquinho ou é outra, intrigou-se ela, besteira, a mesma, não pode crescer num pulo, estirou as perninhas, foi isso, só, baixou a cabeça e voltou aos panos vendo o sabão formar correntezas brancas, lavou e enxaguou até ver tudo alvo e sentir os braços doídos, ergueu-se no sol a pino estendeu os panos nas pedras para quarar, iria ao almoço, voltaria ao de tardinha para apanhar a roupa, ajuntou os seus apetrechos, um sapo?, bem reparado não, uma rã, do tamanho sim, a mesma não podia ser, rã nenhuma vai crescendo assim na vista da gente, arrepiou-se mas deu um muxoxo, afastou a rã da cabeça e pôs-se a caminhar na picada, para casa, ainda teria que fazer o almoço dela e do dos homens, na picada seguia, uns baques fofos no capim, parou, olhou para trás, a rã, ela, crescera para o tamanho de um sapo-boi, não podia ser, gritou, dessa vez, grito em vão, começou a correr, pulos fofos continuavam perto, avistou a casa, correu mais, adentrou a casa, trancou a porta, trancou as janelas, quando se sentou no tamborete, arfante, em cima da mesa, papo batendo, a rã, grande, de olhos pulados, ela e a rã na casa fechada, correu para o quarto, passou a tramela na porta, na cama, maior ainda, comparado o tamanho a um peru-de-escova, dos grandes, a rã, papo batendo, boca rasgada.

E lá se foi a mulher para os campos, a rã atrás, sempre crescendo, voltou à cas, a rã maior, cansou a mulher, ficou derreada a um canto, todas as portas e janelas fechadas, a rã crescendo, a s duas, a rã e a mulher, já eram do mesmo tamanho, estavam juntas agora, o medo da mulher se fora, só faz mesmo fechar os olhos e esperar.

Quando, de tardinha, os homens chegaram para o descanso e o de-comer, com portas e janelas trancadas gritaram e mais que gritaram e nada de nada, abaixo foi uma das portas, vasculharam toda a casa e não encontraram a mulher, foram aos campos, nada, no riacho as roupas continuavam quarando com pedrinhas em cima por causa do vento, voltaram à casa, nada, somente em cima da mesa uma rã, uma pequena rã, uma rã de parece que um dos homens, impaciente, afastou com um piparote.

hermilo_maqConto 04. A Anunciação

Pirangi nem viu nem nada. Devia ter sido posto depois que badalara as quatro, quer dizer, quando os profissionais da madrugada já circulavam e o dia ameaçava romper, os profissionais no inquérito negando de pés juntos ter visto sequer sombra do capataz que se esquivava nos altos da Casa Almeida Tecidos Ferragens Secos e Molhados: MINHA VIDA É VERBENA, um cartaz daqueles comumente usados pelo Cine-Apolo, papel branco sobre sarrafos entrelaçados, tinta azul, as letras mal feitas, mas Fanhim Deixa-que-eu-chuto, que percorria os pontos estratégicos da cidade carregando-os, botando-os e trocando-os, conforme a fita, chamado para o inquérito, tudo negou com maneios de cabeça e resmungos, dele só se ouvindo claramente uma frase: Eu termino tomando na jatobá. O que intrigava mais mundo naquele sovaco da região – frase somente dita uma vez pelo recém-advindo promotor Tertuliano Braga de Caldas, recém-egresso dos bancos acadêmicos, somente dita uma vez porque jamais teve oportunidade de repeti-la, embora garantisse e soluçasse depois que fora uma brincadeira trêfega, já que removido imediatamente pelo governador em exercício, a pedido do prefeito em exercício – era como diabo de cão aquele cartaz tão grande podia ter sido içado e amarrado a arame no pára-raios.

E começaram as especulações e os cochichos, os murmúrios e os disses, os ouvi dizer, os segredinhos, as intenções, os dedos apontados, houve quem primeiro pensasse nas artimanhas do vizinho município de Catende, cujo time de futebol fora lavado no último domingo, depois debaixo de tudo quanto pedra encontrada numa redondeza de dois quilômetros para bombardear o trem que levara de volta os vencidos, uma das pedras recocheteantes acertando em cheio nos cornos do tabelião apelidado de Chico Viperino, casado com a matrona Inácia Lambe-Lambe, sobejadamente conhecidos e reconhecidos como os maiores papadores da vida alheia, e em cuja casa acudiam as comadres e os compadres para pensarem em tão magno enigma, Chico Viperino ainda de gaze na cabeça, Lambe-Lambe recebendo as visitas, ele está completamente quase bom, o tabelião na espreguiçadeira mais ouvia do que falava para significar i pesaroso do seu estado, mas quando falava era na chincha, e abria perspectivas imensas de assombro nos olhos quando a compreensão chegava, dele partindo a ideia de que a mulher do prefeito, uma das da roda, falasse sem petição ou requerimento, na intimidade, ao seu emérito marido no sentido de que congregasse todas as forças para elucidação do enigma que tanto vinha inquietando a vida da cidade: os membros da Associação Comercial, os da Sociedade União Humanitária, os do Recreio Familiar, os do Clube Literário, entre eles juízes e o promotor e o delegado, sobretudo estes três, responsáveis diretos pela tranqüilidade di vale, afirmando com muita seriedade, rosto preocupado, sábado faz quinta-feira que botaram o cartaz e ninguém ainda não sabe de nada.

A mulher do edil sentiu-se feliz por ter outra ocupação na vida que não a de levar bolachas Maria santinhos coloridos e rapé, uma vez por mês, para os três trancafiados crônicos na cadeia pública: Goguéia, Bole-Bole e Bole-sem-Tempo, e pôs-se a galopar no campo das suas amizades, com ordem do marido, a sessão tendo lugar na sala de audiências do Paço Municipal, o beletrista Costinha, arauto dos sentimentos de toda a população, apelando para as autoridades constituídas no sentido de elucidação do mistério, a primeira providência consistindo na retirada do acintoso cartaz, coisa primária na qual ninguém havia pensado; a segunda como sugestão, mandando que o funcionário competente verificasse nos livros de licença se licença fora concedida e a qual ente e vivente, para aposição do cartaz em pauta, ausente a qual se caracterizaria a culpa; e terceira e última, porém não menos importante, uma missa campal ao mesmo tempo de agravo e desagravo pela audácia de inquietar a heroica cidade.

Foi a partir, pois, da manhã seguinte a esta tarde, quando as autoridades houveram por bem acatar as sugestões do poeta Costinha, futuro camisa-verde, que a cidade começou a viver em pé-de-guerra, na inquietação maior. Para começar, às oito horas, mas o comércio abrindo as suas portas, chegaram os próceres e a banda de musica Siri-na-Lata, bem defronte da Casa Almeida tecidos Ferragens Secos e Molhados, a banda atacando um dobrado lento de enterro ou procissão de sexta-feira santa, Fanhim Deixa-que-eu-Chuto subiu como um macaco, sem escada nem nada, pelas anfractuosidades da parede principal do estabelecimento comercial, amarrou o cartaz criminoso a uma corda e ele desceu rodando para os braços do Cabo Luís, dali diretamente para a fogueira preparada para tal fim, que o engoliu em dois tempos, alguns mais temerosos receando papocos, mas nada aconteceu, pelo que a Siri-na-Lata atacou um dobrado vibrante e todos voltaram ais quefazeres. O mesmo Cabo Luís, acompanhado por três praças, de ordem do excelentíssimo senhor doutor juiz de direito desta comarca, aos trinta do mês de março, varejou os hotéis de Dona Quitéria, Boca-de-rã, Doroteu e os Familiar, convocando, melhor dito intimando todo e qualquer caixeiro-viajante que lá estivesse aboletado para comparecer no prazo de trinta minutos à sala do júri no intuito de ser submetido a um interrogatório destinado a apurar, no respectivo inquérito, o responsável pela colocação do cartaz nos altos da Casa Almeida Tecidos Ferragem Secos e Molhados, sob pena de arcar com rigores da lei, que iam desde os previstos no Código Penal aos aplicados nas caladas e gritadas da noite: cinco, os que estavam na cidade, compareceram, declarando que sem coação, mas nenhuma de suas representações se ligava, embora remotamente, a qualquer produto de beleza, suposição primeira das damas dos próceres, tendo em vista a palavra verbena. Um vendia produtos farmacêuticos altamente especializados em sífilis, blenorragia, mula, quarta-venérea, afogagem, crista-de-Galo, cavalo, cancro-mole; outro se dedicava unicamente à disseminação dos produtos regeneradores das forças vitais como o Reconstituinte Silva Araújo, o Biotônico Fontoura (cada frasco acompanhado pelo Jeca Tatu de Monteiro Lobato), o Gluconato de Cálcio Alemão; o terceiro aos xaropes contra as tosses, fossem coqueluche, piado de gato, seca, bronquite, catarral: Bromil, Rum Creodotado, Creosoto de Faia, Fimatosan: o penúltimo se especializara em medicamentos para o aparelho digestivo: Elixir de Inhame, Bicarbonato de Sódio Cooper, Gotas-Amargas do Doutor Gilvan; e o derradeiro aos problemas da escassez ou da abundância feminina nos seus fluxos mensais: saúde da Mulher e Regulador Gesteira (N° 1 e N°2). Absolvidos e aliviados reuniram-se à noite no café de Nenê Milhaço, beberam dúzias de cerveja alternada com goles de Genebra Foquim, vomitaram no salão, quebraram algumas mesas e terminaram dormindo no xilindró, por castigo na mesma cela de Bole-Bole que fedia mais do que nunca, já que a digníssima do prefeito, afobada, atarefada e tonteada pela campanha anticartaz, lá se esqueceu de ir e insistir para que ela tomasse o seu banho mensal de leco-leco.

No segundo dia das diligencias o promotor teve uma intuição condoreira: Só podem ter sido os bolchevistas. Foi o quanto bastou para que o juiz expedisse de boca a ordem de prisão e o delegado chamasse o Cabo Luís com os seus praças para cumpri-la, o Cabo indo direto à Rua da Ponte onde o único intelectual bolchevista da cidade morava com a sua mulher fazedora de bolo-de-gome, entala-gato, batintope, bolas de cambará, vendidos em tabuleiro dos dois: Zumba-Dentão, que assim chamado porque nas centenas de prisões por que passara arrancando-lhe as unhas e todos os dentes menos o grandão da frente, jamais nada se provando porque coisa nenhuma existia, mas ele pagando por qualquer malfeito impune na cidade, seria mais uma vez, podia ser tudo maneiro ou não, na verdade já se fazia muito tempo que era só protocolar, na faz-de-conta, no arremedo, não tinha mais graça; mas se precisava esgotar todos os recursos na elucidação do mistério, uma vez seria a primeira, e Zumba-Dentão poderia ter se fingido de morto por todo esse tempo; foi chegando na delegacia e para início das conversações, por ordem do delgado, levou um tapa-olho do Cabo Luís que viu tudo rodar, tombou, caiu, quando se levantou: se mal pergunto, por que motivo?, levou outro que achanou o pé da goela, procurando ar, nas pontas  dos pés, como se o ar estivesse acima dele, foi se aquietando, calado estava calado ficou, então lá vai pergunta, chovia pergunta de todo o lado, o triunvirato – juiz, promotor, delegado – só observando, quem interrogava era Costinha, o vate langoroso das valsas dançadas no Clube Literário recitando, entredentes, para a dama nunca morrer assim, num dia assim, ágil na inquirição, em funções de escrivão da polícia, se Zumba-Dentão suava ele suava mais ainda, pulava na ponta dos pés, tomava goles de gasosa de bolinha, arrotava fofo, incansável, perquiridor, quer perder o dente?, e o interrogado só sabia dizer não sai da minha casa; pararam para almoçar, os quatro, posso ir embora?, de tão espantados se engasgaram, bateram uns nas costas dos outros, borrifos, goles, admirações, continuaram pela tarde adentro, não saí da minha casa, no fim da tarde o vate chamou o Cabo Luís e disse arranque , Zumba-Dentão abriu a boca, o Cabo chegou com a torquês, houve um suspense, segurou no pé do dente e puxou, quase nem saiu sangue, quase também que nem doeu, a noite já estava chegando, o juiz na calçada se encontrando com o doutor Bertoldo se lembrou que no dia, melhor na noite assinalada  o bolchevista estava mesmo de cama com uma disenteria dos diabos, ele lá estivera, o quarteto riu, o doutor se afastou balançando a cabeça, uma semana depois era Zumba-sem-Dente para todos os efeitos.

No terceiro dia, por denúncia estrita e anônima, só que todo mundo sabia que quem escrevia carta-anônima ali era Lambe-Lambe, foi chamado o conhecido herbanário e homeopata Alfredinho-Bom-de- Cheiro, mais amarelo que nunca via de cãibra de medo, interrogado com meticulosidade, tartamudeantemente respondendo às questões, negando, jamais, juro, lidei com as verbenas, da família das verbanáceas, conhecidas vulgarmente por camaradinhas, recitando pois o verbete do Dicionário da Língua  de Jaime Seguier, aqui só encontradas nos mais provectos jardins das mais ilustres casas das mais ilustríssimas damas, como poderia eu? , nunca fiz estudos de tal delicadeza tamanha, repito, ameaças mil não surtira, efeito, Alfredinho-Bom-de-Cheiro, de cara com a maldade e a tortura (tinham um odor dos mais estranhos, asseverou depois, uma mistura de sovaco de soldado com merda de urubu diluída em mijo de vaca prenhe) , já passava do amarelo, para o verde pálido, depois em verde mais carregado, cor de folha mesmo, parecia um calango vestido de fraque. Vai então o excelentíssimo senhor doutor juiz de direito dos nascimentos casamentos e óbitos desta comarca aos tantos interrompeu a mão na cara de Alfredinho-bom-de-Cheiro, a mão gordinha quase escura da vate Costinha, com uma pena recôndita, homem de bons sentimentos, e mandou parar, estou convencido de que esse pobre diabo nada ter a ver com a coisa. Foi o que mais insultou o herbanário, que de lá saiu furioso, daí em diante, quando podendo, com as maiores precauções, insultando a autoridade, tenho a minha personalidade, sou homem pra agüentar repuxo, não fujo da parada, só não admito insultos à minha personalidade nem nome de mãe.

Diabo de uma merda de cidade desse tamanho, já se vasculhou tudo, não se sabe mais o que se faça, afirmava o doutor juiz de direito numa partida de gamão com Santos Lafaeite, ao entardecer do dia, não se encontra o criminoso que tanto tem agitado a ordeira população com aquele seu cartaz estúpido sem pé nem cabeça. Isto por haver passado grande parte do dia anterior e toda a tarde desse inquirindo com palavras, quirisadas, chapuletadas bem distribuídas os marginais do burgo. Vieram Mateus de bumba-meu-boi, bedeguebas de pastoril, capitães da fandango, mamulengueiros, mestre de samba-de- baque e ninguém sabia nada, ninguém, jamais tivera notícia de autor de tal proeza que um deles, porta – voz da ralé afirmou como sendo a mais ignóbil já perpetrada naquelas cercanias. Assinaram um termo se comprometendo a delatar o infrator, indo até mais além, assinaram um termo se comprometendo a sindicar nas camadas baixas em que viviam os falatórios que pudessem levar à elucidação daquele mistério de Paris no dizer de Lelé o fotógrafo. Mas se fosse esperar por isso, sabiam, iriam esperar sentados, pois aquela gente não tem nenhum pudor, nenhum pejo, nenhum sentido social de solidariedade humana, sou eu quem diz, eu Costa Andrada, interrogador.

Foi o caso que favoreceu o Cabo Luís, sem estar no seu cumprimento do dever nem nada, não era direito, foi o que os bengala-fumengas disseram depois, não valia, cogitaram até de mandar o Cabo desta vida para a outra, desistindo da ideia somente porque não sendo tempo de eleição nenhum babaquara os protegeria do castigo da justiça, que invocada seria e alcançaria a todos, justiça não faz distinção de raça, religião e posição social: o cabo Luís estava sentado no botequim de Guará, toando de graça as suas habituais cachaças de raiz, quando chegou Dorotéia-Rabo-Peludo de maletinha na mão, foi uma alegria de todos, como se foi de Gameleira?, demorou muito, tome um guaraná Fratelli, conte as festas, e La vai palavras, lá vai risada, lá vão ditos e negaças, lá vai piadinhas,e entrelinhas, elá vai coisa, e no meio de um daqueles silêncios que se fazem em toda a reunião, alto e bom som Doroteia-Rabo-Peludo perguntou com a maior naturalidade do mundo onde está Verbena que faz ponto aqui toda noite a essa hora? As línguas pronunciaram palavras jamais pensadas na ânsia de fazer barulho para abafar a interrogação por demais comprida aliás e eram todas ao mesmo tempo mais aos gritos do que às falas e de repente foi um grito maior que fez voltar o silêncio e La estava o Cabo Luís de olhos injetados olhando nos olhos de cada um, era só escolher, avançou e abecou Guará, arrastando-o por cima do balcão, você vai comigo, Doroteia-Tabo-Peludo não entedia o que estava passando, quis intervir, puxaram-na para um canto, calma mulher, depois eu explico, não se meta agora, deixe que Guará sabe o que pode fazer.

Guará sabia o que podia fazer mas não aguentou mais de quarenta e oito horas. Que aguentou, aguentou: pau na marra, pau na bunda, cacetada nos penduricalhos, cacete no ventoso, extração de dentes e de pentelhos, arranco da unha do indicador da desta e quebra do dedo mínimo da sinistra, novamente cacete na panasqueira. Na noite do segundo dia, sem querer, o Cabo Luís acertou com o fraco de Guará que jamais comera comida quente em sua vida desde que a mãe lhe contara todas as noites durante cinco anos, para dormir e lhe trazer pesadelos, a estória de água meu netinho azeite senhora avó: felá da puta, se você não abrir o focinho eu lhe meto um ovo quente na boca e costuro com arame. Guará ainda pensou que fosse somente ameaça, mas quando viu o dito referido numa colher de sopa, pegando fogo, engasgou-se e obrou tudo:  diz que Verbena deixou a vida de puta para amigar-se com Otoniel, o filho de Odin; diz que sim, aquele mesmo que vive fazendo novenas contra as ordens do Padre Alípio e que é devoto de São Sebastião; diz que amor à primeira vista, que Otoniel jamais conhecera mulher vivendo das bem tocadas gloriosas, aqui estou livre de pegar doença feia, aqui estou livre de roubar mulher alheia; diz que em dois dias Verbena se apaixonou Poe ele, que foram morar juntos numa casinha no Alto do Matadouro, que de tão alegre Otoniel escrevera ele mesmo aquele cartaz e de madrugada colocara-o no altos da Casa Almeida Tecidos Ferragens Secos e Molhados com a maior inocência sem saber de posturas municipais e segurança nacional, somente para anunciar o amor; diz que o infrator de nada está sabendo, pois além de nada entender afora santos e agora amor, ninguém quis incomodá-lo durante esse período. Diz mais que são as mulheres e os jogadores do Alto do Lenhador que estão sustentando o casal e que quando passar a tesão original Otoniel era trabalhar com ele depoente, Verbena podendo fazer a vida até a hora de irem para casa; e o que disse mais estava fora das tábuas da lei pelo que foi na palavra casa lido e achado conforme assino a presente declaração por livre e espontânea vontade Menelau Alves da Silva vulgo Guará.

Foi por iniciativa própria que o Cabo Luís agiu daquela maneira, conforme ficou provado no inquérito que se seguiu, nem mesmo chegando a ir a júri, muito menos cadeia, afastado do cargo durante uma semana enquanto juiz, promotor e delegado verificavam a melhor maneira de tirar a pobre autoridade subalterna daquela enrascada. Foi assim: deixando Guará aos tombos quebrados dirigiu-se à moradia do casal lá para as onze da noite, sem chamar nem moço botou a porta abaixo com a coronha do rifle, arrastou Otoniel de olhos redondos de cima de Verbema de olhos mortos até o quintal e lá deu-lhe uma coronhada bem aplicada para começar a brincadeira mas a brincadeira terminou ali na mesma hora subitamente espoucada sem ais e quando o Cabo constatou aquilo não fez mais que lançar um suspiro, não ia divertir-se, do que ele fez depois não há testemunhas visuais ou auriculares, nem mesmo Verbena testemunha da primeira parte que desmaiou durante horas até ser socorrida pelas ventoinhas outras.

Quando a barra do dia ia quebrando aqueles que passavam no Cruzeiro podiam distinguir um vulto nele pregado e os que tiveram a coragem demasiada de aproximar-se reconheceram Otoniel, filho de Odin, um facão rabo-de-galo enfiado no peito, Entre o peito e o cabo da lâmina um cartaz: O REI DOS FRESCOS. Mas quando o dia clareou de vez, Otoniel na estava mais lá. Em casa do juiz bebiam-se os últimos cálices de Quinado Constantino, enquanto os notáveis da cidade preparavam-se para regressar à paz.

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Engolindo baratas: atriz questiona falta de pagamento da Prefeitura do Recife

Atriz apresentou leitura dramatizada em agosto e ainda não recebeu pagamento. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Atriz apresentou leitura dramatizada em agosto e ainda não recebeu pagamento. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Entra governo e sai governo e parece que as coisas mudam muito pouco. Aqui mesmo no Satisfeita, Yolanda? algumas (muitas) vezes já fizemos matérias cobrando pagamentos de cachês atrasados. Artistas que trabalharam e não tiveram suas atividades remuneradas; ou que levaram meses e passaram por muito constrangimento até conseguir o que era simplesmente um direito. Agora a história se repete. Mais uma vez. Luciana Lyra utilizou as redes sociais neste sábado (18) para protestar e fazer um apelo às autoridades. A atriz e diretora participou da abertura da programação da 12ª edição do Festival Recifense de Literatura A Letra e A Voz, realizado pela Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife, com curadoria do jornalista Schneider Carpeggiani.

Sob direção de Newton Moreno, a atriz apresentou a leitura dramática A Paixão segundo GH que, inclusive, voltou aos palcos recentemente em São Paulo. A apresentação criada especialmente para o festival no Recife foi no mês de agosto do ano passado e, até agora, nem sinal de pagamento de cachê. “(…)Por meio da intensidade das palavras da escritora, engoli barata e ‘dei inocentemente a mão ao público, e porque eu a segurava é que tive coragem de me afundar’. Tive a competente direção de Newton Moreno respondendo ao convite delicado do curador Schneider Carpeggiani. Ainda para completar o cuidado todo dedicado à leitura dramática realizada em homenagem ao romance de Clarice, tive produção de Karla Martins, indumentária de Fabiana Pirro e música de Ricardo Braz”, escreveu Luciana Lyra.

“Infelizmente o mesmo cuidado que empregamos na lida com este lindo público e com o evento, não teve a Fundação de Cultura da Cidade do Recife, da Prefeitura do Recife, em fazer o pagamento desses artistas a espera há longos oito meses”, continuou. Segundo Luciana Lyra, há pelo menos seis meses uma nota fiscal foi entregue à Prefeitura, mas “não tivemos sequer retorno ou satisfação dos coordenadores do Festival acerca do pagamento por nossa atuação em terreno pernambucano”.

Schneider Carpeggiani durante entrevista coletiva que anunciou a programação do festival. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Schneider Carpeggiani durante entrevista coletiva que anunciou a programação do festival. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

O jornalista Schneider Carpeggiani, que fez pela terceira vez a curadoria do festival, também usou as redes sociais para se manifestar. “Como curador passei um tempão tentando ajudar os convidados do festival, que não conseguiam informações de quando ou se iriam receber. Mas acabei ficando sem conseguir essas informações para repassar, tanto quanto os outros. (…) Compartilho aqui a indignação de Newton e de Luciana, porque como curador a minha principal moeda é justamente a confiança das pessoas que eu convido para o meu trabalho, confiança que tanto o conceito vai ser bom quanto que elas vão receber”, escreveu.

Em entrevista ao blog, Carpeggiani ressaltou a falta de capacitação da equipe que compõe a Fundação de Cultura. Segundo o seu relato, um dos autores que participou do festival recebeu um e-mail dois meses após o evento, informando que ele só receberia se enviasse fotos comprovando que participou da programação de fato. “É preciso haver uma capacitação das pessoas que fazem parte atualmente da Fundação de Cultura, para que elas entendam o que estão fazendo. Há uma percepção que eles contratam não pessoas especializadas, mas técnicos, pessoas de ação. Só que para a realização de um festival é preciso que esses técnicos tenham noção não apenas de ação, mas de com quem e em relação a que estão trabalhando”, pontuou o curador, afirmando que a parte operacional e de produção durante o festival é competente. “Eles precisam saber quem é um Newton Moreno ou o que é A paixão segundo GH de Clarice, porque isso facilita o processo”.

Para o curador, que disse ter conhecimento de que outros artistas também não receberam, “não é só honrar com os compromissos. Além disso, as pessoas não podem se sentir constrangidas quanto ao fato de procurarem informações em relação ao pagamento”, concluiu.

Enviamos um e-mail para a assessoria de imprensa da Prefeitura do Recife para tentar algum esclarecimento com relação ao não pagamento dos convidados do festival A Letra e A Voz.

Mas será mesmo que é só esse festival que está sofrendo com a falta de compromisso do poder público? Que outros eventos ainda aguardam pagamento? Se você é artista e também não recebeu, comente! Quem sabe não conseguimos ampliar esse clamor na luta por respeito e dignidade?

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Prefeitura discute festivais de teatro e dança

*Atualizada às 17h29

Errata:
A assessoria de imprensa da Secretaria de Cultura do Recife entrou em contato para esclarecer que a Prefeitura do Recife ainda não voltou atrás na decisão de tornar os festivais bienais. Segundo a assessoria, a reunião foi de escuta; e isso será decidido entre as representações de classe, a Secretaria de Cultura do Recife e a Fundação de Cultura Cidade do Recife. Uma nova reunião está marcada para o dia 9 de dezembro, às 10h. De acordo com algumas pessoas entrevistas pelo blog, o recuo da Prefeitura ficou subentendido pelo decorrer da reunião.

Confira a nota publicada pelo blog:

A Prefeitura do Recife resolveu recuar. Depois de anunciar que o Festival Recife do Teatro Nacional e o Festival Internacional de Dança do Recife seriam bienais, realizados de forma intercalada, sem que a sociedade civil e a classe artística fossem ouvidas, a decisão foi revista.

Leda Alves, secretária de Cultura do Recife, e o presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife, Diego Rocha, tiveram uma reunião na manhã de ontem (10), no gabinete da secretária, no prédio da Prefeitura, com representantes da Associação de Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe), da Federação de Teatro de Pernambuco (Feteape), do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão no Estado de Pernambuco (Sated), da Associação de Realizadores de Teatro de Pernambuco (Artepe) e do Movimento Dança Recife.

De acordo com informações, Leda Alves teria pedido desculpas à classe artística por anunciar que os festivais seriam bineais sem nenhuma discussão pública prévia. Mesmo com o recuo, não haveria recursos e tempo hábil para realizar a edição 2014 do Festival Nacional. A promessa é de que novas reuniões devem ser realizadas mensalmente entre os sindicatos e a Prefeitura do Recife.

Leda Alves pediu desculpas à classe artística. Foto: Ivana Moura

Leda Alves pediu desculpas à classe artística. Foto: Ivana Moura

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Militância na gestão pública

Romildo Moreira, chefe da Divisão de Artes Cênicas da Fundação de Cultura Cidade do Recife

Romildo Moreira, chefe da Divisão de Artes Cênicas da Fundação de Cultura Cidade do Recife

O nome dele está vinculado a ações significativas no teatro pernambucano. Idealizou o Janeiro de Grandes Espetáculos, o Festival Recife do Teatro Nacional, o Circuito Pernambucano de Artes Cênicas, realizado entre 2001 e 2006, participou da criação do Centro Apolo-Hermilo, lutou pela climatização do Teatro do Parque e pela reforma do Teatro de Santa Isabel. Como gestor, o dramaturgo, diretor e ator Romildo Moreira já passou pela Prefeitura do Recife, pelo Governo do Estado de Pernambuco, pelo Ministério da Cultura e pela Secretaria da Cultura do Governo do Distrito Federal.

Atualmente, Romildo Moreira é o chefe da divisão de Artes Cênicas, na Fundação de Cultura Cidade do Recife. Por ironia, recentemente viu seus superiores tomarem a decisão de cancelar a edição 2014 do Festival Recife do Teatro Nacional e ainda de torná-lo bienal, sendo realizado alternadamente com o Festival Internacional de Dança do Recife, evento que hoje está sob a responsabilidade de Moreira e que foi realizado no mês passado com apenas R$ 200 mil de desembolso da Prefeitura do Recife. O restante, R$ 450 mil, veio de parcerias construídas pelo gestor e por sua equipe.

Em entrevista ao Satisfeita, Yolanda?, Romildo Moreira diz que não foi consultado sobre as mudanças nos festivais, admite que a Prefeitura do Recife possui um déficit de atuação na área da cultura, mas se diz motivado a continuar militando na atual gestão. A entrevista foi concedida ao blog na semana passada.

ENTREVISTA // ROMILDO MOREIRA

O que você achou do cancelamento do festival deste ano e da transformação do festival em bienal? Como você, enquanto gestor que criou o festival, enxerga isso?
Não dá para separar o artista Romildo Moreira, que esteve na gestão que criou o festival e que coordenou três edições, do atual gestor, que voltou para a Fundação de Cultura, 13 anos depois. Acho que é lamentável. Depois de tanto tempo que o festival se mantém como projeto anual, que ele tenha essa interrupção. Já tive uma experiência parecida: no terceiro ano consecutivo do festival, a gente optou por não torná-lo bienal, quando surgiu essa proposta, porque nós estávamos com pouca verba e tínhamos o compromisso com o Ministério da Cultura para a reforma do Teatro de Santa Isabel. O festival era o único recurso disponível na prefeitura até então para a área das artes cênicas. Então nós nos reunimos com as entidades, chamamos algumas pessoas notórias das artes cênicas, eu lembro bem, Germano Haiut, Reinaldo de Oliveira, discutimos essa proposta e vimos que não seria a melhor opção. Uma das discussões que a gente levantava era: havendo uma crise por algum motivo, no ano em que ele seria executado, o festival deixaria de acontecer não só um ano, mas por três anos. Nesta situação atual, não sei quais os discursos de defesa dessa proposta e quais os discursos que foram postos contrários a essa bienalidade. Talvez tenham até me poupado, em função de que eu estava muito atarefado com a realização do Festival Internacional de Dança.

Você foi consultado com relação a essa decisão?
Eu não fui consultado. Precisamos esclarecer: mesmo que a gestão cultural da Prefeitura seja uma só para a sociedade de modo geral, existem duas instituições públicas que trabalham com ela. O Festival é ligado ao Centro Apolo-Hermilo e o Centro Apolo-Hermilo é ligado diretamente ao gabinete da secretária. Na minha instância de hierarquia, eu passo por outro segmento, que é o da Fundação de Cultura. Isso também não impede que a gente sente, em comum acordo, para discutir. Mas eu não fui consultado; e aí, repito, talvez até em função das minhas atividades, que estavam muito fortes nesse período, em função do festival. Agora, se eu tivesse sido consultado, certamente teria defendido o contrário. Acho que não teria sido difícil mostrar até o ponto de vista do prejuízo político para a instituição. Dezoito anos depois, tornar o festival bienal, quando nenhuma gestão anterior se colocou neste lugar.

Qual o prejuízo político dessa decisão?
A Prefeitura do Recife está com um déficit muito grande dentro da história de sua participação no universo cultural da cidade, em especial nas artes cênicas, que é onde milito. Esse prejuízo é político, quando isso acontece exatamente numa gestão em que a secretária de Cultura é uma pessoa de teatro, sensível às questões teatrais, uma gestão cheia de pessoas de artes cênicas. É difícil para a sociedade entender como o cancelamento do festival é uma necessidade inadiável; não fica muito claro. Esse prejuízo se estende também ao lado artístico, porque passar dois anos alheios ao que está acontecendo em cena no país inteiro é ruim para a história local, como uma cidade receptora de grandes espetáculos, através exatamente do Festival Recife do Teatro Nacional e do Janeiro de Grandes Espetáculos. O Janeiro de Grandes Espetáculos não supre sozinho essa necessidade.

Um dos argumentos utilizados por Carlos Carvalho, coordenador do festival, é de que não teríamos um prejuízo muito grande, já que a cidade possui muitos festivais. Mas sabemos que o Festival Recife do Teatro Nacional tem um perfil e um objetivo muito específicos.
Acho que passa exatamente pelo que você pontua: perfil. Quando o poder público percebe que ele cumpre um papel e define esse papel como uma função sua, ele não pode ser comparado a outros, tem que ter um diferencial. Temos que voltar mesmo à história do festival: quando, nas três primeiras edições, ele tinha uma curadoria enorme, um grupo grande de pessoas para pensar e realizá-lo, do ponto de vista da programação, era exatamente essa discussão que a gente levantava: qual o diferencial que o Festival Recife do Teatro Nacional tem para o Festival de Curitiba, para Porto Alegre, para os grandes festivais de teatro do país que existiam na época? E a gente via que a importância que o festival iria adquirir para o cenário brasileiro, era exatamente esse seu perfil singular. A gente queria reunir, como reunimos, grandes espetáculos, tendo como mote para cada ano um ponto de vista, a partir desse olhar viriam os convites. O primeiro ano foi a reunião de grupos consolidados. Trouxemos pela primeira vez ao Recife, o Galpão, o Latão, que estourou nacionalmente aqui no Recife, porque era muito conhecido por um gueto de intelectuais em São Paulo, mas à medida que veio para cá, com dois espetáculos, despontou para o resto do Brasil – isso está no livro que o Sérgio de Carvalho escreveu quando o grupo completou 15 anos. É este perfil de trazer o que de melhor se produz, na forma como originalmente foi produzido. Uma coisa não substitui outra. Mas sei que deve ter sido bem doloroso também para os diretores da secretaria e da fundação tomarem essa medida, mas é lamentável, porque quebra uma história.

Espetáculo belga L’AssautdesCieux não viria ao Recife através de produtores independentes. Foto: Irandi Souza/PCR

Espetáculo belga L’AssautdesCieux não viria ao Recife através de produtores independentes. Foto: Irandi Souza/PCR

O Festival Internacional de Dança foi realizado sob sua coordenação. Como você conseguiu viabilizar o festival financeiramente, já que a falta de verba seria um dos motivos pelos quais o Festival Nacional foi cancelado?
A viabilidade do Festival de Dança este ano realmente foi muito difícil. Este ano para a cultura no Brasil não foi fácil e para Recife em especial. Politicamente houve uma ruptura entre o governo federal e o governo estadual e, consequentemente, com o municipal. Isso implicou na questão de verbas da Prefeitura. Para se ter uma ideia: parte dos recursos do Ministério do Turismo para o carnaval ainda não foi liberado, da mesma forma com o ciclo junino. Ou seja: a Prefeitura teve que arcar com despesas que não estavam pré-orçadas para tal, teve que tirar de eventos próprios, como foi tirado do Festival de Dança. O Festival de Dança estava orçado em R$ 700 mil, depois baixou para R$ 500 mil. Ele foi realizado com quase R$ 650 mil em desembolso direto, dos quais R$ 200 mil apenas foram da Prefeitura. O restante foi parceria. A programação realizada no Paço Alfândega, por exemplo, se nós fôssemos pagar todas as despesas lá: aluguel de linólio, aluguel de som, aluguel do espaço, por duas semanas, isso ultrapassaria R$ 50 mil e nós conseguimos como parceria. O grupo da Bélgica, que veio com onze pessoas, o Ministério da Cultura da Bélgica pagou as passagens de ida e volta; o grupo do Sesc de Petrolina, com 22 pessoas, foram passagens de avião pagas pelo Sesc. Foram aportes que se somaram, para que o festival acontecesse, inclusive de forma grandiosa. Não foi menor do que o do ano passado, muito pelo contrário, pela opção que fizemos de espalhar a programação pela cidade inteira, essa programação que foi realizada no Paço Alfândega, diariamente, pegando outro tipo de público, no horário do almoço, resultou muitíssimo bem, tudo isso foi ampliando mesmo o volume do festival. O Paço do Frevo também, que foi outro parceiro, apoiador maravilhoso. O espetáculo da filha de Antônio Carlos Nóbrega, Maria Eugênia, apresentado lá, até o cachê do espetáculo foi o próprio Paço quem pagou. Enfim, a gente saiu buscando parceiros para que, de fato, a gente politicamente cumprisse o prometido com a categoria.

Quem buscou essas parcerias? Quem fez essa produção?
A Gerência de Artes Cênicas, nós, sob minha responsabilidade.

Vocês tiveram algum recurso vindo do setor de captação da própria Prefeitura?
A captação de recursos institucional a gente tentou através das leis de incentivos, que foram poucas, mas não tivemos resposta positiva. Isso foi negociação direta mesmo da Gerência com os apoiadores. O chefe dessa divisão de captação de recursos é Wellington Lima. Eu estive com ele, fizemos projeto para o BNDES e algum outro, que não foram aprovados. Mas essa captação que resultou em verbas alocadas para o 19° Festival Internacional de Dança do Recife veio através de negociação direta com a Gerência.

Como foi a negociação com o Presidente da Fundação de Cultura para que o festival fosse realizado?
Quando eu soube que só tinha R$ 200 mil em desembolso para realizar o festival – porque precisa ainda computar outros gastos, por exemplo, manter um Teatro como o Santa Isabel funcionando a semana inteira em função do festival, isso tem uma despesa muito grande, energia, funcionário, hora extra de funcionário. Mas, de desembolso mesmo, de orçamento para liberação de recursos, só tinha R$ 200 mil. Então tinha duas opções: realizá-lo fazendo a multiplicação dos pães, ou não realizá-lo, porque o dinheiro, de fato, não atenderia às necessidades. E eu, com a minha equipe, resolvemos arregaçar as mangas e investir na realização dele.

Com relação à qualidade artística, não conseguimos acompanhar o festival, mas soubemos de espetáculos imperdíveis; e, ao mesmo tempo, de espetáculos questionáveis…
Realmente, nós tivemos umas oscilações, tivemos alguns espetáculos fracos mesmo. As pessoas até disseram: ‘como uma comissão de avaliação deixa passar isso?’. Mas, em compensação, tivemos outros maravilhosos. Ficamos muito felizes. A exemplo do Dois Mundos, com a atriz e bailarina Mariana Muniz. Ela faz um espetáculo onde o corpo todo se expressa em libras; inclusive ela é daqui, maravilhosa. O grupo da Bélgica, um espetáculo daquele nenhum produtor independente traz, um espetáculo que, para entrar em cena, você tem que adquirir três metros e meio de areia, um botijão de gás hélio que custou R$ 930 só para encher o balão, comprar um monte de tralhas que não dá para trazer da Bélgica, tem que comprar aqui, como pá de construção.

2 Mundos, espetáculo de Mariana Muniz, foi destaque no Festival Internacional de Dança. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

2 Mundos, espetáculo de Mariana Muniz, foi destaque no Festival Internacional de Dança. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Voltando às decisões da Prefeitura, o que foi divulgado é que os Festivais de Dança e de Teatro serão bienais, realizados de forma alternada. Isso envolve o Festival de Dança, sob a sua batuta. Ele virou bienal à sua revelia?
Eu não diria à minha revelia porque não tenho poder de decisão. Tenho superiores. Tenho um cargo muito pequeno diante de quem tem as decisões. Lamento não ter podido estar presente, para defender a manutenção dos festivais. Talvez eu tivesse argumentos suficientes para a gente rever. Para mim, seria muito mais coerente politicamente falando dentro de uma gestão que tem esse elenco de pessoas envolvidas até a medula com a questão da cultura na cidade, como a secretária Leda Alves. Seria muito mais fácil a gente sentar com a comunidade e dizer: “olha, este ano não dá para fazer porque não tem dinheiro. A gente não quer colocar as pessoas para trabalhar e não saber se vai poder pagar. Isso não é uma coisa responsável, não seria uma atitude responsável. Mas, a gente vai se comprometer com vocês que, no ano seguinte, a gente faz o festival, tentar até alocar mais recursos, trazer mais parceiros, para fazer o festival à altura, como a cidade merece”. Acho que as pessoas entenderiam que este ano era impossível fazer, porque foi um ano de Copa, um ano que teve muitos problemas de infraestrutura na cidade, por causa das chuvas, foi um ano atípico, com coisas que justificam a queda de arrecadação da Prefeitura. Agora, o que acho que a gente fica devendo, de fato, é tomar uma medida dessas que não é fácil de ser aceita pela comunidade, sem ter tido esse diálogo, essa oportunidade.

Você já conversou com o presidente depois disso? Você acha que essa é uma decisão reversível? Você vai tentar fazer o Festival Internacional de Dança ano que vem?
Ainda não. Se for uma decisão superior, não posso me opor, muito pelo contrário, tenho que acatar, porque não sou secretário de Cultura, presidente da Fundação ou prefeito do Recife. A possibilidade de voltar a ser anual, acho que tem muito mais a ver com a mobilização da comunidade artística do que da nossa própria interferência lá dentro. Não sei quais os argumentos que levaram a se ter essa decisão, eu não ouvi, pode ser até que essa minha ausência nessa reunião também tenha me deixado sem argumentos suficientes para defender essa posição, porque não ouvi os discursos que levaram a essa decisão, não sei quais foram. Sei que falta de dinheiro existe, mas gostaria mesmo que fosse revista essa posição e que a gente tivesse no próximo ano tanto o festival de dança quanto o de teatro. Até mesmo porque ambos os festivais já têm inscrições em leis de incentivo para o ano de 2015. Então vai ficar muito difícil se um dos projetos que enviamos para uma dessas leis de incentivo for aprovado e a gente não realizá-lo. Ainda tem uma situação delicada, na medida em que se tornou público isso, porque se uma comissão que vai analisar os projetos de 2015 sabe que o nosso festival passou a ser bienal, é óbvio que ela não vai votar no nosso. Já existe um prejuízo. Politicamente é difícil tramitar agora com projetos prévios para um festival que deixou de ser anual, quando a gente já tinha perspectiva de realizá-lo ano que vem.

Na nota que anunciou o cancelamento do Festival Nacional, a Prefeitura aproveitou para anunciar o fomento às artes cênicas. Os artistas sabem do seu empenho, desde o encontro que você teve com a classe no Forte das Cinco Pontas, no início do ano, para que o fomento fosse retomado. Mas como, neste momento, você vai defender esse fomento, com um valor que não é o ideal e que pode ser visto como um ‘cala a boca’ para os artistas?
Ele já estava previsto. A gente precisa fazer um histórico disso também. No último ano que o fomento saiu foi de R$ 20 mil. Quando se descontava os percentuais de praxe, de um desembolso público, isso ficava um valor tão irrisório… Mas o poder público trabalha com orçamentos e a gente não pode pensar num orçamento ilusório, a gente tem que pensar um orçamento real, viável, possível. Então, obviamente, paulatinamente, esses valores vão melhor atendendo às necessidades. Sei que R$ 33 mil, dependendo do tipo de produção é um aporte pequeno, mas é alguma coisa. Até mesmo porque o fomento não impede que um projeto contemplado capte recursos noutras fontes, como o Funcultura. Estamos dando uma pequena parte para incentivar. Fomento não é um patrocínio, é um aporte de apoio mesmo.

Ele não viabiliza. Ele fomenta…
Não produz, ele fomenta. Ele dá o incentivo, não a produção. O Funcultura sim, se você consegue aprovar 100% do seu projeto, é um patrocínio. Agora como foi dito e discutido nesse encontro em fevereiro do ano passado, a gente tinha uma verba de R$ 300 mil. Como dividir? Até porque, ele tinha sido pensado em valores diferentes, para teatro e dança era um e para circo era outro. E lá, nesse encontro, as pessoas de circo não foram favoráveis a esse desnível de valores e conseguiram sensibilizar todos, de que não deveria ser assim. Agora a ideia é que, paulatinamente, a gente vá adequando esses valores, até mesmo porque a inflação existe, é real, está voltando, então a gente precisa fazer com que essas verbas não estacionem. Agora, nunca vai ser suficiente para a montagem. Vai ser sempre uma verba de apoio e nem é um apoio tão pequeno, para iniciar uma produção, já cumpre um bom papel.

R$ 33 mil sem descontos?
A gente está querendo que saia via Fundo, o que tem um implicador burocrático, porque o Fundo é controlado pelo Conselho Municipal de Cultura. Ele tem uma ligação direta com o Conselho. De forma que, se pudermos liberar esses recursos através do Fundo Municipal de Cultura, ele sai como prêmio; caso contrário, o fomento é dado com os descontos normais, de praxe. Mas estamos tentando que ele saia como prêmio do Fundo.

Nós sabemos que, desde sempre, a falta de espaços ou a precariedade dos espaços
Existe já há algum tempo, isso não é recente, não vem dessa gestão atual, um departamento chamado Goe, Gerência de Operação de Espaços, que não está ligada diretamente às artes cênicas. Então todos os teatros, museus, galerias, bibliotecas, os espaços físicos da área de cultura são gerenciados por esse departamento. Existe sempre algum diálogo entre a Divisão de Artes Cênicas e esse departamento. No caso do Barreto Júnior, em especial, ele não está fechado. Está em condições precárias para uso. De forma que os produtores que o buscam sabem que o ar-condicionado de lá não tem mais retorno. Já foi feito agora o processo de levantamento de custos para a compra de um novo equipamento, porque ali é em cima do mar e a maresia acabou com toda a estrutura da máquina. Agora, no Festival, nós usamos o teatro. Teve um custo enorme para colocar aqueles ar-condicionados portáteis, que são alugados para eventos. Colocamos seis aparelhos, quatro no auditório, um nos camarins e um no palco. Ficou um clima agradável. Mas, por exemplo, uma produção independente que vá cumprir temporada não vai conseguir arcar com essa despesa para tirar de bilheteria.

Qual a previsão?
A partir do primeiro semestre de 2015. Essa foi uma notícia recente, que o próprio diretor do teatro, Marcelino Dias, me passou. Que o GOE já está fazendo esse processo de custos, para abrir processo de compra, os trâmites burocráticos. Segundo Marcelino, vai ser adquirido no primeiro semestre de 2015.

Porque além dos festivais, a casa abre edital para ser ocupado, faz parte da política de ocupação do espaço. Então até o fim do primeiro semestre isso não vai acontecer?
Parece que é para bem antes, pelo que Marcelino me passou. Esse processo de compra se encerraria ainda este ano; no Janeiro de Grandes Espetáculos provavelmente ele não vai estar instalado, mas a ideia é que logo após carnaval, o teatro já esteja com o equipamento.

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Sem orçamento, Secretaria de Cultura cancela edição 2014 do Festival Nacional

Carlos Carvalho diz que assina embaixo a não realização do FRTN, porque não havia recursos suficientes para fazer um bom festival. Foto: Pollyanna Diniz

Carlos Carvalho diz que assina embaixo a não realização do FRTN, porque não havia recursos suficientes para fazer um bom festival. Foto: Pollyanna Diniz

Agora é oficial. O burburinho que tomava conta das rodas de conversa dos artistas se concretizou: a 17ª edição do Festival Recife do Teatro Nacional (FRTN) não irá acontecer em 2014. Sem que a sociedade civil e a classe artística fossem ouvidas, a Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife, decidiu que o FRTN e o Festival Internacional de Dança do Recife serão intercalados. O Festival de Dança terminou este mês e agora só deve acontecer em 2016.

O Festival Nacional, como é chamado pela classe artística, sempre foi em seus bastidores um palco de lutas e afirmações, de buscas de políticas culturais mais amplas e quase nunca de consensos. A exceção talvez esteja no fato de que todos sempre concordaram com a importância da sua realização. Em 16 anos, a mostra ganhou alguns formatos, na busca pela excelência artística e também pelo cumprimento do seu papel social não só para os artistas e amantes do teatro, mas para o público em geral.

No ano passado, o Festival sofreu algumas alterações, na esteira da mudança política decorrente da gestão do PSB, que assumiu a Prefeitura do Recife. Foi uma edição bastante complicada – seja pela falta de planejamento, de orçamento, de qualidade artística. A discussão sobre o festival foi acalorada e pensou-se que iria render frutos, para uma próxima edição. Não foi o que aconteceu na prática. Sem verba, a edição 2014 do festival foi limada do calendário.

Em quase duas horas de conversa, o gerente geral do Centro de Formação e Pesquisa Apolo-Hermilo, Carlos Carvalho, responsável pela realização do festival, tentou explicar a decisão ao blog e reconheceu que a classe artística não foi ouvida, embora afirme que o momento é crucial para discussões.

Conversamos também sobre as ações que estão sendo executadas e planejadas para o Centro Apolo-Hermilo. Como a notícia sobre o cancelamento do festival já foi divulgada, resolvemos publicar logo a última parte da entrevista com Carlos, justamente sobre o FRTN. Logo mais, divulgaremos o restante da conversa.

Gestor garante que quer conversar com as entidades ainda este ano

Gestor garante que quer conversar com as entidades ainda este ano

ENTREVISTA // CARLOS CARVALHO

Isso não foi anunciado oficialmente (não havia sido até que a assessoria de imprensa da Prefeitura do Recife divulgasse uma nota no mesmo momento em que realizávamos a entrevista), mas o que se consta é que este ano não teremos Festival Recife do Teatro Nacional. Qual o motivo? Quem tomou essa decisão? Por quê?
De fato, não vai acontecer. Não há tempo para fazer o festival em 2014. O que levou a essa decisão? Primeiro: a diminuição dos recursos para o evento. Dois: um festival com a história que tem, seriam 17 edições este ano, não tem regularidade de orçamento. Penso também que, sendo coerente com o meu discurso de que gestão é feita não só pelos gestores, mas em parceria com a sociedade, que esse é o momento para sentarmos todos à mesa para discutir o que é esse festival, para quem, para que serve, a que ele atende? Porque, afinal de contas, estamos tratando de recurso público. Não estou pensando em números, números de quantas pessoas assistiram ou não, porque esse é um componente da discussão, mas não é fundamental. Para que serve, pra quem serve, para a cidade, para alguns? Esse debate precisa ser alargado. Essa foi a minha defesa. A decisão não foi minha, porque o festival não pertence ao Centro de Formação e Pesquisa, ele está aqui, por questões que o trouxeram para cá, mas ele pertence à gestão. Claro que todas as avaliações do festival (feitas ao final do festival), são escutas, onde se projetam coisas para o próximo ano; mas há muitas recorrências. Ao olhar as avaliações, de todos os anos, percebemos que, ora se fala mal do curador, ora se fala bem do curador, ora se fala mal do grau de excelência dos espetáculos. Creio que esse momento de não ter o festival, não ter para que no próximo ano ele seja bienal, acho que isso é uma coisa salutar. O fazer tem que ser precedido do planejar. Tem que ser discutido, planejado, consenso, vários olhares. Como agregar valor a esse festival? Tem tantas coisas a serem pensadas, sabe? Penso que a gente, ainda este ano, convide os entes todos, as entidades, e os interessados, os grupos, os artistas, enfim, pra discutir. Fazer talvez um grupo de trabalho para pensar o festival.

Porque isso não aconteceu antes? Tivemos um ano, desde o festival passado, já realizado com muitos problemas e críticas. A classe tem interesse nessa discussão. A avaliação, realizada aqui no Teatro Hermilo, estava lotada. É importante para a classe. De que forma ele vai ser reestruturado, debatemos, mas acho que a importância, não se discute. Tivemos pelo menos um ano para fazer isso. Queria saber o porquê disso não ter sido feito e, claramente, de quem foi a decisão de não ter festival e de ele ser bienal? Foi de Leda Alves?
É da Secretaria, em conjunto com a Fundação. Não teve um herói.

Mas, por exemplo, Romildo Moreira (gerente de artes cênicas da Prefeitura do Recife) foi consultado neste cancelamento?
Não sei lhe dizer. Sinceramente, não sei dizer se ele foi consultado.

Porque como ele é o gerente de artes cênicas, enfim…
Eu sei dizer que isso foi tema e eu participei de discussões, porque a gente estava esperando orçamentos, esperando orçamentos.

Essa decisão foi tomada quando?
Pouco tempo atrás.

Já se sabe que o orçamento para esse festival é bastante abstrato, assim como para qualquer outro evento de cultura da Prefeitura do Recife. Mas o Festival de Dança foi realizado agora há pouco. Também sabemos, historicamente, que é necessário que tenha alguém que vá atrás da captação de recursos, para que esse festival tenha, digamos, certa autonomia de verba.
A Secretaria tem um captador, que é Wellington (Lima). Onde a gente pode, nos editais, colocar o festival, colocamos, tanto Romildo por sua parte, como eu. Tive pouquíssimo contato com Romildo. Confesso que não era para ser assim. Mas as coisas aqui e lá e ele está distante, ele está no Pátio de São Pedro…

Por que as discussões não aconteceram?
As discussões aconteceram, aconteceram algumas discussões a respeito. Porque a luta continua. Ou seja: você espera que o orçamento seja consolidado em tal época, em tal tempo, aí não é consolidado, mas se abre uma perspectiva, então pra frente, pra frente. Na parte de captação, a gente colocou em vários editais o festival. Alguns não passaram, outros estamos esperando uma resposta.

Mas não dá mais tempo..
Sim, pra 2015. Estamos aguardando ainda alguns e estamos colocando noutros, além da Rouanet. Outro problema que já foi grave ano passado é que o festival estava com algumas pendências no Ministério da Cultura. A Secretaria, enquanto Festival de Dança, e de Teatro, eu soube. Isso teve que ser resolvido, de documentação, coisas desse tipo.

Mas isso foi importante na decisão de cancelar o festival? A Prefeitura não tem verba para fazer o festival? É isso?
A maior coisa foi falta de recursos.

Próximo ano teremos verba para fazer o festival?
Acho que sim. Estamos lutando para isso. Não posso dizer se teremos, porque nenhuma das pessoas pode dizer se próximo ano teremos, nem o prefeito; a não ser que ele diga assim: “eu vou tirar de tal lugar e colocar aqui”. A gente tem um orçamento que vai ser votado. Esse orçamento vai para a Câmara, tem um processo.

Porque Carnaval nós teremos…
Carnaval terá com a Prefeitura ou sem a Prefeitura.

Eu venho acompanhando esse festival desde o início. Em alguns momentos, o secretário de Cultura, ele chegou ao prefeito para garantir a realização do festival. E disse: “você tem que bancar esse festival, porque esse festival é muito importante para a cidade”. Eu acho que, talvez, mas isso é uma suposição, de que Leda não tenha peitado, cobrado isso do prefeito, como prioridade da gestão.
Eu não diria assim. Eu aceito a sua suposição, mas acho que isso é de fato uma suposição. A secretária despacha com o prefeito regularmente. Penso que Leda está puxando todas as questões que são pertinentes à secretaria e à sua gestão junto ao prefeito. Não tenho a menor dúvida disso. Acho que a questão foi exatamente orçamentária. Eu não sei dizer quanto foi que o Festival Internacional de Dança captou ou quanto foi o orçamento definitivo dele, uma vez que é da Fundação, e eu não tenho acesso aos recursos da Fundação. E louvo o festival ter acontecido, como eu louvo ter feito o FRTN ano passado. Foi uma dificuldade enorme para fazer o festival, com aquele dinheiro.

Que foi quanto?
Foi R$ 700 mil. Mas R$ 700 mil para fazer um festival daquele? É uma loucura.

Quanto disso foi recurso próprio?
Teve um patrocínio da Caixa Cultural, acho que era R$ 50 mil. Pouquíssimo foi captado. Acho que esse festival precisa, com todo respeito a tudo que já foi feito, passar por um alargamento do olhar, não só dos que fazem teatro, mas aumentar o olhar sobre o festival, para que ele aumente em importância. Defendo, colaboro, assino em baixo, a não realização, pela razão dos recursos não serem os necessários para se fazer um bom festival. E acho que fazer capenga demais, não é bom, nem para quem está fazendo, nem para o público. Penso que é o momento não só para discutir o festival, mas para discutir política cultural.

Qual é o reflexo para a cidade e para a classe a não realização do festival?
Acho que serão muitas críticas. Tenho certeza que serão muitas críticas. Mas a gente está aqui também para receber críticas.

Mas, além das críticas, quais os reflexos para a nossa formação? Estamos dentro de um Centro de Formação, para a ampliação do olhar…
Eu acho que o Festival ele cumpre um papel. Mas, como ele, tem outros. A gente tem agora a Cena Cumplicidades, o Festival de Circo do Brasil, o Palhaçaria, o Janeiro de Grandes Espetáculos, que é internacional. Essa formação do olhar, a cidade não tem essas carências todas, da formação do olhar, da acuidade dos sentidos. Não vejo como a falta do festival vai influir de forma tamanha que vai ser um desastre para os apreciadores desta arte. Não vejo assim. Acho que não fazer vai gerar alguns desconfortos, mas esse desconforto, até aproveito aqui para convocar: vamos conversar?

O que eu soube era que o festival teoricamente já estava pensado.
Tinha muita coisa que a gente avaliou, a questão da curadoria, a questão do edital, a questão da ocupação dos espaços. Fizemos algumas leituras de como alargar o festival para a cidade, em espaços que habitualmente o festival não foi. Tem uma série de coisas que a gente discutiu e formulou para, exatamente, na deflagração, “vai ter, o orçamento é esse”, a gente trabalhar.

Por que o Festival de Dança aconteceu? De que forma ele conseguiu recursos? Você falou que o Festival de Teatro precisa reencontrar um conceito. E o Festival de Dança?
Não posso te responder isso, infelizmente. Acho que essa é uma pergunta que Romildo (Moreira) deve te responder. Não quero nem tocar nesse assunto. Quando eu digo que o Festival de Teatro precisa ser repensado, é porque acabou o tempo dos sólidos. A gente pode ser mais fluido. Não é porque esse modelo está consolidado ou foi consolidado, que ele não precisa ser revisitado. Não estou dizendo que ele é ruim. Estou dizendo que ele precisa ser revisitado, outros olhares, outras maneiras de ver.

Foi batido o martelo que o festival vai ser bienal? Ou isso ainda vai ser definido?
Acho que está consolidado que será bienal, alternadamente, um ano um, um ano outro.

A Secretaria já tomou essa decisão, isso já está consolidado?
É.

Próximo ano a gente não vai ter Festival de Dança?
Não.

A sociedade civil foi consultada para essa decisão, a classe artística?
Acho que não.

Quando a gente diz que a gestão é compartilhada, que tinha que ter o diálogo…
Eu estou dizendo que é preciso ter. Estou dizendo que é preciso a gente avançar nisso. Acho que é bom, é salutar.

A não realização do festival de teatro, em parte, seria uma responsabilidade da sociedade civil, das entidades, que não estão acompanhando…?
Não estou dizendo que a culpa é de ninguém. Estou dizendo que aconteceu.

Se as pessoas estivessem mais atentas…
Pode ser. Ou pelo menos a explicação de que não tem. Você só faz feira se tiver dinheiro. Então, se você não tem o dinheiro… Agora, no ano passado, já foi muito difícil fazer. A gente emprestou a nossa competência pessoal nos diálogos para diminuir cachê, diminuir custo de transporte. Foi muito difícil fazer.

Você como gestor, e como artista, se sente frustrado, pela não realização do festival?
Não. Sinto que foi necessário. É uma decisão madura, pelo menos minha. Penso que essa é uma atitude honrada. Acho que é uma atitude de quem tem responsabilidade, entendeu? E acho que, aproveitando esse momento, que provavelmente será de insatisfação de muitos, vamos pensar juntos e aí avançar para o próximo ano. Penso que esse festival pode ser muito melhor do que foi. Penso que o festival pode ser mais propositivo em várias questões.

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