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Resgate de vozes silenciadas
Crítica de As Mulheres de Nínive

Atriz Nínive Caldas no espetáculo Mulheres de Nínive. Foto: Felipe Souto Maior / Divulgação

No domingo, 24 de novembro, no Teatro Hermilo Borba Filho, no centro do Recife, uma situação inesperada transformou um contratempo técnico em uma experiência singular. O atraso em uma hora e meia do espetáculo Mulheres de Nínive, devido a problemas na mesa de luz, poderia ter sido motivo de frustração geral. Alguns espectadores partiram para outra atração do 23º Festival Recife do Teatro Nacional. No entanto, para quem ficou, a sessão  se tornou um momento de cumplicidade energética entre a artista, sua equipe criativa, os técnicos do teatro e o público. Essa conexão não planejada gerou uma atmosfera de solidariedade e expectativa compartilhada.

A permanência do público, que decidiu ficar, demonstrou uma disponibilidade e abertura, além da aceitação do imponderável de um evento ao vivo, marcado por uma magia rara. O erro, a falha e o imprevisível, às vezes, têm esse poder de transformar e unir, criando uma experiência e memorável para os envolvidos.

A atriz Nínive Caldas, ao concluir a sessão, expressou uma gratidão genuína que ressoou em cada canto do teatro lotado. Essa gratidão foi um reflexo da ligação afetiva que se formou naquele espaço, onde a arte foi além da cena, transformando-se em uma experiência coletiva de empatia, inspiração e beleza. 

Peça expõe e combate o o apagamento sistemático do feminino. Foto: Morgana Narjara / Divulgação

O espetáculo Mulheres de Nínive,, concebido e protagonizado pela atriz, apresentadora e produtora cultural Nínive Caldas, sob a direção da atriz, psicóloga e diretora teatral Hilda Torres, desafia a narrativa histórica dominante ao destacar o apagamento sistemático do feminino. A obra entrelaça figuras históricas e mitológicas, como Maria Madalena, Semíramis e as Eufames, para questionar as estruturas de poder que determinam quais histórias são preservadas e quais são extintas. Esta perspectiva se alinha com teorias feministas contemporâneas, que argumentam que a história é um campo de batalha ideológico, como enfatizado por teóricas como Joan Scott, Gerda Lerner e Michelle Perrot.

A peça utiliza uma estrutura não-linear para criar um diálogo entre passado, presente e futuro, sugerindo que as experiências de opressão e resistência das mulheres formam um continuum histórico de padrões de violência e silenciamento. Em essência, Mulheres de Nínive se apresenta como um ato de arqueologia feminina, desenterrando e reinterpretando a história das mulheres frequentemente ignorada pela historiografia tradicional.

Embora o título do espetáculo coincida com o nome da atriz, a peça vai além de experiências pessoais. A inspiração para a obra nasceu da conexão de Nínive com Maria Madalena, uma personagem que ela interpretou numa encenação da Paixão de Cristo em Fazenda Nova, no maior teatro ao ar livre do mundo, situado no interior de Pernambuco. Durante sua investigação, Nínive percebeu que Madalena era mais uma mulher cuja história havia sido destruída ou distorcida.

De batismo, a atriz carrega o nome de uma cidade histórica citada tanto nas narrativas bíblicas quanto nas tradições pagãs. Nínive, outrora capital da Assíria, estava situada na antiga Mesopotâmia, correspondendo hoje ao território do Iraque. Na tradição cabalística, Nínive é evocada como um símbolo de força primordial, remontando a tempos muito anteriores a Cristo.

Dentro desse contexto, destaca-se a figura lendária de Semíramis, uma das primeiras mulheres a ganhar notoriedade na história. Celebrada como uma guerreira e arqueira formidável, Semíramis lutava ao lado dos homens, se sobressaia nas caçadas, encarnando poder e liderança feminina em um cenário predominantemente masculino.

O espetáculo propõe que Semíramis perpetuou a herança da rainha de Sabá, assumindo o papel de guardiã dos segredos do sagrado feminino, transmitidos desde os tempos de Eva. As discípulas de Eva eram conhecidas como Eufames e detinham um profundo conhecimento das fases lunares, protegiam o fogo sagrado e eram versadas nos oráculo.

A peça insiste que as lacunas da ação feminina deve-se ao fato que a história foi escrita por homens

Como pano de fundo para discutir a violência contra as mulheres, a montagem comenta a destruição histórica de Nínive. A peça imagina um centro místico liderado pelas Eufames, que enfrentam perseguição e supressão. Embora não existam registros específicos sobre esse centro, a ausência de documentação é utilizada para destacar como a história foi predominantemente escrita por homens, frequentemente ignorando ou omitindo as contribuições e experiências das mulheres. Essa lacuna histórica serve como um poderoso lembrete da marginalização feminina ao longo dos séculos.

No Livro de Jonas, parte do Antigo Testamento da Bíblia, encontramos a narrativa desse profeta, que recebe a tarefa de levar uma mensagem de arrependimento à cidade de Nínive. Optando inicialmente por fugir, ele embarca em um navio para Társis. Durante a viagem, uma tempestade ameaça a embarcação, e Jonas, considerado responsável pela calamidade, é lançado ao mar, onde é engolido por um grande peixe. Após três dias e três noites de reflexão e oração, ele é libertado e decide cumprir sua missão em Nínive. A cidade, impactada pela mensagem, se arrepende, e a narrativa descreve que Deus poupa seus habitantes.

Até o Padre Antônio Vieira, no Sermão da Sexagésima, faz referência à cidade de Nínive, de uma perspectiva religiosa, como parte de sua argumentação sobre a eficácia da pregação e da conversão. Vieira utiliza a história de Nínive, que é mencionada na Bíblia, para ilustrar o poder transformador da palavra de Deus quando transmitida de forma eficaz.

O espetáculo tem direção de Hilda Torres e preparação corporal de Lilli Rocha. Foto: Felipe Souto Maior

A forte presença cênica de Nínive Caldas combina intensidade física e emocional, que se manifesta na forma como a atriz ocupa o espaço cênico, na modulação de sua voz e na precisão de seus gestos. Sua atuação confronta estereótipos, apresentando uma feminilidade que reivindica a beleza como parte integral da força feminina. A direção de Hilda Torres orquestra os elementos cênicos e a atuação de Caldas, criando um espetáculo coeso e envolvente. Sua direção parece focar em extrair o máximo da presença da atriz, criando momentos de intensidade dramática equilibrados com sutilezas na cena. O trabalho corporal de Lili Rocha é evidente na fluidez e precisão dos movimentos da intérprete.

Uma saia cenográfica monumental simboliza as águas da vida, o fluxo do tempo e a vastidão da experiência feminina ao longo da história. Sua versatilidade permite que Nínive Caldas a manipule de maneiras diversas, criando espaços cênicos variados ao apresentar múltiplas personagens e situações. A iluminação desempenha um papel crucial na criação da atmosfera e na condução da narrativa. Duas musicistas criam e amplificam efeitos sonoros e musicalidades. Elas contribuem no andamento e a atmosfera sonora de cada passagem.

O figurino evoca uma guerreira, com a atriz utilizando espadas (de São Jorge) para se proteger e avançar. A elegância no deslocamento de Nínive pelo palco é notável, combinando doçura e firmeza. Apesar de sua vasta experiência no teatro, ela mantém um frescor em sua interpretação, onde a determinação, o combate, as denúncias e os posicionamentos contra o patriarcado não reproduzem os códigos de violência masculina que são combatidos. 

Mulheres de Nínive é uma produção teatral de inegável força e impacto. No entanto, há espaço para refinamento, especialmente na apresentação dos nomes das mulheres retratadas. A riqueza e complexidade da narrativa podem, por vezes, obscurecer a identidade específica de cada personagem, limitando a compreensão plena do público. Uma ênfase mais pronunciada nos nomes e identidades das mulheres poderia permitir uma conexão mais evidente com cada história individual. Pois a obra convida à reflexão sobre gênero, poder e identidade, desde que essas vozes sejam ouvidas com nitidez e urgência.

Ficha técnica:
Idealização e atuação: Nínive Caldas;
Direção: Hilda Torres;
Preparação Corporal: Lilli Rocha;
Preparação vocal: Ceci Medeiros;
Músicas: Ana Paula Marinho
Trilha sonora e musicistas: Ana Paula Marinho e Nana Milet;
Núcleo de pesquisa/ figurino: Fabiana Pirro, Hilda Torres, Marcelo Mendx, Nínive Caldas e Xuruca Pacheco;
Núcleo de pesquisa de cenário: Hilda Torres, Marcelo Mendx, Nínive Caldas e Xuruca Pacheco;
Costureiras: Fátima Magalhães, Franci arte e costura, Expedita;
Iluminação: Natalie Revorêdo;
Técnica: Eduardo Autran (Dudu);
Textos: Nínive Caldas, Ezter Liu, Ana Paula Marinho, Khalil Gibran;
Dramaturgia: Hilda Torres e Nínive Caldas;
 VIsagismo:  Laércio Azevedo
Identidade visual: Maria Eduarda Caldas
Fotografia: Ravmes
Teaser: Morgana Narjara
Vídeo: Morgana Narjara
Social Mídia: Li Buarque
Núcleo de comunicação: Dea Almeida (Alcatéia Comunicação) e Márcio Santos;
Produção Executiva: Catarina Caldas;
Produção Geral: Nínive Caldas.

 

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

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Coletivo Angu pergunta: “Onde está todo mundo?”

Integrantes do Coletivo Angu de Teatro: Hermila Guedes, Gheuza Sena, Lilli Rocha, Ninive Caldas, Ivo Barreto, Arilson Lopes e André Brasileiro. Foto: Tadeu Gondim

A parceria entre Marcelino Freire e o Coletivo Angu de Teatro, do Recife, rende frutos há quase 20 anos. Neste domingo, 10 de outubro, o grupo mostra ao vivo, pelo Zoom, o trabalho Onde Está Todo Mundo?, quando joga com o universo das lives e da comunicação on-line.  A peça integra a programação Palco Virtual, do Itaú Cultural.

Estão no elenco desse experimento virtual os atores André Brasileiro, Gheuza Sena, Ivo Barreto, Lilli Rocha, Luís Cao, Ninive Caldas e do diretor Marcondes Lima.

Nessa “live farsesca” nem o autor – Marcelino Freire – nem as personagens criadas por ele durante a pandemia comparecem para participar do programa.

A peça foi criada no ano passado para o Festival Arte como Respiro: Múltiplos Editais de Emergência – Edição Cênicas, do Itaú Cultural, primeira seleção de auxílio a artistas no começo da pandemia. 

Quando a presencialidade, tão cara à cena teatral, começou a afastar-se, Marcelino Freire perguntou “Onde Está Todo Mundo?” E ofereceu ao Coletivo Angu um balaio repleto de humor corrosivo, doses de poesia e personagens absurdamente palpáveis nesse tempo cada vez mais surreal, de fronteiras difusas entre o ser e o não ser.

Com humor, o Coletivo ergue uma metacena que atravessa questões como a perda, o espaço vazio, o desaparecimento de pessoas e a dor.

Primeiro grupo a levar à cena a prosa de Freire, o Angu foi criado em 2003, do encontro entre os atores André Brasileiro, Fábio Caio, Gheuza Sena, Hermila Guedes, Ivo Barreto e do diretor Marcondes Lima para a montagem do espetáculo Angu de sangue.

Desde então, criou os espetáculos Ópera (2007), com texto de Newton Moreno, Rasif – mar que arrebenta (2008) e Ossos (2016) , com textos de Marcelino Freire, todas com direção de Marcondes Lima e Essa febre que não passa (2011) texto de Luce Pereira e direção de André Brasileiro e Marcondes Lima.

Nínive Caldas e Luís Cao em Onde está todo mundo?. Foto: Divulgação

SERVIÇO
Onde está todo mundo? [com interpretação em Libras]
Palco Virtual do Itaú Cultural
Quando: Domingo 10 de outubro de 2021, às 19h
[duração aproximada: 120 minutos]
Onde: Plataforma Zoom.
Ingresso: Gratuito, via Sympla
Mais informações: www.itaucultural.org.br​

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Edital de emergência confere ânimo para artistas

Alguns selecionados do edital Arte como respiro: múltiplos editais de emergência: Herminia Mendes, PE (foto: Rogério Alves); Jéssica Teixeira, CE (Reprodução do FB); Núcleo Bartolomeu de Depoimento, SP (foto: Divulgação); Clowns de Shakespeare, RN (foto: Bruno Soares): Maikon K, PR (foto: reprodução do FB)

O número de inscritos no edital Arte como Respiro: múltiplos editais de emergência – Artes Cênicas, do Itaú Cultural, nos oferece uma dimensão da crise no setor cultural diante da paralisação das atividades relacionadas à área. Entre os dias 6 e 10 de abril, na busca por sobrevivência, mais de 7.200 propostas foram recebidas.

Dessas, o instituto escolheu 200, 80 a mais do que estava previsto. A grande maioria dos projetos – 158 – já foram ou serão produzidos neste período de quarentena; outros 42 são gravações prévias ao isolamento.

No Nordeste, 37 propostas foram selecionadas, sendo dez de Pernambuco. Uma delas é da atriz e diretora Hermínia Mendes, que escrutina os sintomas dessa época através de janelas possíveis, inclusive dos aplicativos da Internet. Poesia Performática – Pedaços questiona perspectivas de olhares e cria paralelos dos retalhos de gentes e coisas, deixando rastros, as mortalidades pelos cantos, cabelos pela casa, unhas cortadas, os lençóis amarfanhados, escritos na parede, o reflexo no espelho. 

Onde está todo mundo? é a proposta de montagem de um “espetáculo virtual” do Coletivo Angu de Teatro, do Recife, com texto inédito de Marcelino Freire. A encenação será dirigida virtualmente por Marcondes Lima, que está morando em Portugal. Os atores André Brasileiro, Gheuza Sena, Ivo Barreto, Luis Cao, Lilli Rocha e o próprio Marcondes atuam de suas casas, utilizando como cenografia, figurino e maquiagem o material de que dispõem neste momento. O trabalho dos atores vai ser gravado e depois editado por Tadeu Gondim.

A proposta é exibir uma “Live farsesca”, que não ocorre, porque ninguém chega para o programa, nem o autor Marcelino Freire, nem seus personagens. O trabalho brinda uma parceria exitosa entre autor e grupo no ano em que o livro Angu de Sangue completa 20 anos de lançamento – sendo Angu de Sangue o primeiro espetáculo do Coletivo Angu e que deu nome ao bando.

Opá, Uma Missão, é um monólogo da atriz e diretora Lívia Falcão, que convocou para essa investigação artística sua Palhaça Zanoia, uma benzedeira, descendente direta da xamã mais velha, de terras distantes, que já foi lugar de abundâncias e milagres. Para encontrar a dádiva-diamante escondida em seu corpo, Zanoia carrega por missão das antepassadas a de rir de si mesma nas ‘sete direções’: Leste, Oeste, Norte, Sul, Acima, Abaixo e Dentro. É uma criação coletiva, de Lívia, de Silvia Góes e Andrea Macera, que agora aceita o desafio de seguir virtualmente durante o isolamento.

No Ceará, um dos projetos escolhidos é da atriz, produtora e diretora cearense Jéssica Teixeira, que traz para o debate o seguinte questionamento: “Ser artista solo mulher e com deficiência no Brasil antes e durante o isolamento. E depois?”.  Sua investigação pessoal atua no seu próprio corpo estranho, numa pesquisa sobre “Corpo Impossível”, mola propulsora para a criação do seu primeiro solo “E.L.A”. Nesse trabalho, que fez temporada no Sesc Pompeia, em São Paulo, no ano passado, e agora vai estar disponível online, a artista desestabiliza e potencializa outros corpos e olhares. A peça investe em questões como beleza, saúde, política, feminilidade e acessibilidade, utilizando vídeo, artes plásticas e dramaturgia através de colagens e textos autobiográficos que refletem acerca da aceitação e do nosso lugar no mundo.

Confira a crítica do espetáculo “E.L.A”

Um dos projetos aprovados no Rio Grande do Norte é do grupo Clowns de Shakespeare. A atual circunstância de confinamento social imposta pela pandemia do COVID-19 confere à ficção fantástica Abrazo uma curiosa concretude. Imagine um lugar onde estão proibidos os abraços? Há três meses essa ideia só poderia ser encarada como ditatorial. A proposta da montagem era justamente essa: uma obra sem palavra, várias reflexões sobre repressões e cerceamento de liberdade. O espetáculo infanto-juvenil Abrazos – inspirado em O Livro dos Abraços, de Eduardo Galeano – foi censurado na temporada na Caixa Cultural em Pernambuco, em 2019.

O vídeo da encenação será disponibilizado online na íntegra, acompanhado de uma ação de desdobramento a partir de três pontos de vista: do grupo, do público e de convidados. Essas repercussões podem chegar no formato de textos (dramático, poético ou em prosa), vídeo ou canções, propondo uma atualização da provocação de Abrazo. O grupo também vai instigar o público a enviar material para os Clowns. Alguns parceiros, como Eduardo Moreira (Grupo Galpão/MG), Maurice Durozier (Théâtre du Soleil/França), Ana Correa (Yuyachkani/Peru), e outros, participam da ação.

No Sul, 19 projetos serão apoiados. Um deles é do artista da performance, Maikon K, que vive em Curitiba, e pesquisa formas de expansão da consciência, tendo o corpo e sua capacidade de alterar percepções como centro. O trabalho Proteja-se (Meditação) é o um registro de uma performance curta, feita com o celular, com cerca de 4’30’. Maikon K propõe uma ação de limite e resistência, ao vestir um preservativo na sua cabeça, respirando até que o látex se rompa. Com o trabalho, o artista fricciona tempo atual em meio à solidão, necessidade de proteger-se do mundo exterior e do contato com outrxs, a angústia, o sufocamento, a persistência, a busca por sobrevivência e fôlego.

Da região Sudeste, 126 projetos foram aprovados, sendo 82 de São Paulo, estado com o maior número de selecionados no país. Um deles é do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, que avança nas proposições do espetáculo Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias. Na peça, nove atores e dois DJs ensaiam confinados em um teatro. O debate deriva da dramaturgia de Bertolt Brecht para aventar a falência contemporânea. Novas questões foram colocadas com o advento da pandemia. Inspirada nas ideias do filósofo camaronês Achille Mbembe, o grupo desafia o neoliberalismo/ necroliberalismo como sistema que sempre operou com um aparato de cálculo, e agora expõe outra face ainda mais terrível: o que é mais importante a economia ou a vida? A necropolítica segue operando de maneira global para decidir quem tem direito à vida. 

Confira matéria sobre Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias.

Galiana Brasil. foto André Seiti / Divulgação

ENTREVISTA // GALIANA BRASIL, gestora de Artes Cênicas do Itaú Cultural

Primeiramente acredito que os artistas reconhecem o esforço do Arte como respiro: múltiplos editais de emergência, mas de que forma o instituto pretende avançar no apoio aos artistas durante o período de pandemia da Covid-19?
Penso que as ações de apoio começaram ainda antes do edital, com a decisão de manter pagamentos de cachês de todos os grupos e artistas que tinham agenda confirmada para apresentação neste semestre, para que pudessem contar com esse respiro financeiro com compromisso de mais adiante, a partir do segundo semestre, acomodarmos nova agenda de programação. Passado o edital – ou em paralelo à execução dos trabalhos selecionados, ainda faremos curadorias, convites e manteremos programação no site e plataformas parceiras.

Foram mais de 7,2 mil inscrições de todo o país, sendo selecionados 200 trabalhos de 25 estados. Que análise é possível fazer desses números? Sobre políticas culturais no Brasil? Sobre a atuação do Itaú Cultural? 
Olha, eu penso que já havia uma crise instaurada antes, pré-pandemia, e esse estado agora  sangrou mais vivamente um setor que já vinha sofrendo com a ausência de políticas públicas, de interrupções e falta de continuidade de projetos, orçamento incerto e precarizado e tantos ataques que maculam a noção de política pública.

Quais os critérios foram adotados para escolher esses selecionados?
O edital foi concebido em dois eixos. No primeiro, que permitia inscrição de trabalhos produzidos antes da pandemia, tínhamos um único requisito de partida que era uma solicitação para que o artista olhasse para essa obra “antiga” e propusesse algo que pudesse refletir no tempo presente, na forma que tivessem melhor condição de fazer – um texto crítico, uma reflexão, um bate-papo com os criadores que poderia ser através de live – achamos importante essa inserção porque subir um vídeo de um trabalho feito lá atrás – registro filmado de espetáculo – é algo bem menos complexo do que conceber e se desafiar a criar algo em situação de isolamento, com os recursos e possibilidades que se tenha, como foi o eixo segundo do edital. Afora esse critério mais objetivo que aplicamos no eixo 1, para ambos os eixos consideramos a relevância da proposta para o momento, a capacidade de comunicação com diferentes públicos, o histórico do grupo/artista e sua relação com aquele segmento.

O que podemos entender como “ampla representatividade” do resultado?
A diversidade de territórios, de segmentos nas linguagens. De termos contemplado trabalhos de performance, teatro de animação, dança e teatro para crianças. O fato de termos artistas com corpos desviantes, LGBTs, em especial trabalhos com protagonismo de artistas trans, artistas com deficiência, proponentes indígenas, trabalhos de cultura popular – mamulengo, maracatu -, trabalhos vindos de favelas, zona rural, agreste, circo tradicional. Os trabalhos de intérpretes e coletivos negros com força de número e conteúdo. Essa tentativa real de interferirmos nas assimetrias que ainda parece tímida nos números finais, mas que sabemos que é uma batalha frente às forças hegemônicas de séculos, basta considerar, apenas no quesito regionalidade, que mais de 64% dos inscritos foram da região Sudeste.

Como vocês estão trabalhando no Itaú Cultural durante esse período de quarentena?
Estamos trabalhando remotamente tanto quanto intensamente, desde uns dias antes do anúncio oficial de isolamento aqui em São Paulo. Estamos também em articulação com grupos, artistas, veiculando e programando diversos projetos no nosso site, que tem sido palco virtual de todas as linguagens artísticas. Apenas alguns exemplos das Artes Cênicas, encerramos recentemente as inscrições para a EAD Dramaturgia Negra – A Palavra Viva, com a professora Dione Carlos e, a partir de sábado (dia 9), estrearemos a série virtual “Camarim em Cena”, sendo este primeiro programa com a atriz Maria Alice Vergueiro.

Já existe uma agenda para a exibição dos projetos selecionados? Serão divididos por blocos? Quais serão as categorizações?
Estamos trabalhando justamente nessa acomodação, nesse momento pós anúncio dos selecionados. Em breve teremos essas informações.

Você consegue vislumbrar ações (articulações, pensamentos), dentro ou fora do instituto, do que fazer para que os artistas, nesta realidade de capitalismo, não fiquem tão vulneráveis economicamente, como a maioria vive agora?
Essa é a pergunta mais difícil de ser respondida, Yolandas. A pessoa que vos fala também nunca viveu algo assim e, porque humana, também se sente vulnerável e sente medo. Desde que começou o isolamento trabalhamos intensamente na busca de formas de apoio e rede de proteção para o setor, que não se encerrará na criação de um edital, até porque a situação parece longe de suavizar. Vamos combinar que, se a ideia é despertar a espécie, vemos que ainda tem muita gente dormindo ou num estado de nem uma coisa nem outra, o que é um tanto pior. Penso que precisaremos rever pensamentos de base (que tem a ver com tua próxima pergunta), e isso vale para toda a cadeia – do artista ao gestor. É nesse ponto que estamos agora, e isso é mais difícil porque não há distanciamento, então a tendência é encarar o momento com os instrumentos do “antes”. Porém, certamente, eles parecerão insuficientes, então precisaremos de novos significados para apoio, aporte, parceria… eu não tenho essas respostas, mas outras tantas dúvidas, eu tenho problemas e eles são motor para quem pesquisa, então vamos juntes criar formas para nos conectarmos com esse devir.

A discussão do momento é se o material que circula online por artista da cena, performance, pode ser considerado teatro. Se realmente existe teatro sem presença, sem o compartilhamento do tempo que arde no calor da hora entre artistas e público. O que você pensa sobre isso?
Acho a discussão pertinente, e não apenas pelo momento, mas, considerando a origem e natureza do teatro que é sim arte do encontro, da presença. Tal tensionamento, inclusive, não tem nada de novo, porém, a chegada desse vírus, forma de contágio e suas consequências trazem um caráter de imposição, de urgência que sim, nos atravessa como algo inaugural. E penso que vai ser interessante – ou condicionante -, deslocar esse desconforto e tentar “encarná-lo” em formas de fazer, porque o horizonte próximo sugere a criação de novos protocolos para convivência. Particularmente não estou pronta para imaginar uma existência sem encontro, mas preciso estar preparada – e mesmo motivada – a ampliar essa noção de encontro, o que talvez seja chave importante para acessar essa nova dimensão de nossa existência.

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Grupo Experimental celebra Chico Science

Foto: Wellington Dantas

Zambo lembra 20 anos sem o líder do movimento manguebeat. Foto: Wellington Dantas

No seu Monólogo Ao Pé De Ouvido, Chico Science entoa: “Modernizar o passado / É uma evolução musical / Cadê as notas que estavam aqui? / Não preciso delas! / Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos…” Do Recife, ele fez uma revolução musical com o Movimento Manguebeat, que irradia até agora. Neste 2 de fevereiro faz 20 anos que Chico Science partiu para outras galáxias, para o desconhecido sono. Parece que foi ontem, com toda aquela comoção da morte do jovem artista.

Nesta quinta-feira, às 20h, em sua sede, o Grupo Experimental apresenta Zambo, criado há duas décadas para celebrar a memória de Chico Science. A peça coreográfica, concebida e dirigida pela bailarina e coreógrafa Mônica Lira em parceria com Sonaly Macedo, ganhou nova versão exibida em 2016, no evento que reuniu quatro gerações que dançaram o espetáculo.

Nessa configuração participam os bailarinos do grupo Lilli Rocha, Gardênia Coleto, Jorge Kildery, Márcio Filho, Rafaella Trindade e Rebeca Gondim, com participação de Daniel Silva e parte da trilha executada ao vivo por Tarcísio Resende, Paula Caal e Jennyfer Caldas.

A apresentação batizada de Uma dança para Chico é o último elo da corrente Amigos do Experimental. Essa campanha de arrecadação de verba visa manter o coletivo, que não tem apoio regular de nenhum órgão ou instituição. Os que participaram da cruzada compõem o mosaico de patrocinadores da noite. Para o público geral os ingressos custam R$40 (inteira), R$20 (meia) e estarão disponíveis na bilheteria do espaço, uma hora antes da sessão.

Zambo lembra 20 anos sem o líder do movimento manguebeat. Foto: Wellington Dantas

Montagem original foi criada há duas décadas. Foto: Wellington Dantas

Ficha Técnica
Concepção: Mônica Lira e Sonaly Macedo
Direção: Mônica Lira
Músicas: Nusrat Fateh Ali Khan, DJ Spooky, Geoffrey Oryema e Antúlio Madureira
Elenco: Lilli Rocha, Jorge Kildery, Rebeca Gondim, Rafaella Trindade, Gardênia Coleto e Márcio Filho
Artista convidado: Daniel Silva
Músicos convidados: Paula Caal , Tarcísio Resende e Jennyfer Caldas
Concepção maquiagem e penteado: Ivan Dantas
Figurino: Período Fértil
Iluminação: Beto Trindade
Design Gráfico: Carlos Moura
Assessoria de comunicação: Paula Caal
Produção: Emeline Soledade
Colaborador: Danilo Carias
Sonoplasta: Adelmo do Vale

SERVIÇO
Zambo – Uma dança para Chico
Quando: Nesta quinta-feira (02/02), às 20h,
Onde: Espaço Experimental, sede do Grupo Experimental
Ingressos: R$40 (inteira), R$20 (meia), na bilheteria do espaço, uma hora antes do espetáculo

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Teatro das Canções

Coletivo Angu de Teatro faz show com repertório musical. Na foto, o grupo em início de carreira

Coletivo Angu de Teatro faz show com repertório musical dos espetáculos. Na foto, o grupo em início de carreira

Ivo Barreto integra o elenco do espetáculo musical e de Ossos

Ivo Barreto integra o elenco do show musical e de Ossos

A música está no nascedouro do Angu de Teatro. A trilha sonora faz parte da narrativa dos espetáculos do grupo, que usa e abusa das canções para surpreender e emocionar. E o Coletivo resolveu soltar a voz no Janeiro de Grandes Espetáculos para saudar o pessoal do som que o acompanha nessa estrada há 13 anos. Angu de Canções é uma parceria entre a trupe e o músico Juliano Holanda, compositor do roteiro musical da mais recente encenação Ossos e um dos artistas mais celebrados de Pernambuco.

Para passar em revista a trajetória, os músicos e atores vestem os figurinos de todas as montagens do Coletivo, assinadas por Marcondes Lima. A apresentação está agendada para esta quinta-feira (26), no Teatro de Santa Isabel.

As músicas dos outros espetáculos da companhia foram compostas por Henrique Macedo, que faz participação especial. Com direção musical de Marcondes Lima e André Brasileiro, o show conta com os atores Arilson Lopes, Gheuza Sena, Hermila Guedes, Ivo Barreto, Lilli Rocha e Nínive Caldas.

Marcelino Freire, autor de três peças do repertório do Angu de Teatro – Angu de Sangue, Rasif – Mar que arrebenta e Ossos – também participa da apresentação recitando textos de Miró da Muribeca, João Cabral, Bandeira e alguns de sua autoria.

Serviço
Angu de Canções Coletivo Angu de Teatro (Recife/PE)
Onde: Teatro de Santa Isabel
Quando: 26 de janeiro (quinta-feira), 20h
Quanto: R$ 40 e R$ 20

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