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Resgate de vozes silenciadas
Crítica de As Mulheres de Nínive

Atriz Nínive Caldas no espetáculo Mulheres de Nínive. Foto: Felipe Souto Maior / Divulgação

No domingo, 24 de novembro, no Teatro Hermilo Borba Filho, no centro do Recife, uma situação inesperada transformou um contratempo técnico em uma experiência singular. O atraso em uma hora e meia do espetáculo Mulheres de Nínive, devido a problemas na mesa de luz, poderia ter sido motivo de frustração geral. Alguns espectadores partiram para outra atração do 23º Festival Recife do Teatro Nacional. No entanto, para quem ficou, a sessão  se tornou um momento de cumplicidade energética entre a artista, sua equipe criativa, os técnicos do teatro e o público. Essa conexão não planejada gerou uma atmosfera de solidariedade e expectativa compartilhada.

A permanência do público, que decidiu ficar, demonstrou uma disponibilidade e abertura, além da aceitação do imponderável de um evento ao vivo, marcado por uma magia rara. O erro, a falha e o imprevisível, às vezes, têm esse poder de transformar e unir, criando uma experiência e memorável para os envolvidos.

A atriz Nínive Caldas, ao concluir a sessão, expressou uma gratidão genuína que ressoou em cada canto do teatro lotado. Essa gratidão foi um reflexo da ligação afetiva que se formou naquele espaço, onde a arte foi além da cena, transformando-se em uma experiência coletiva de empatia, inspiração e beleza. 

Peça expõe e combate o o apagamento sistemático do feminino. Foto: Morgana Narjara / Divulgação

O espetáculo Mulheres de Nínive,, concebido e protagonizado pela atriz, apresentadora e produtora cultural Nínive Caldas, sob a direção da atriz, psicóloga e diretora teatral Hilda Torres, desafia a narrativa histórica dominante ao destacar o apagamento sistemático do feminino. A obra entrelaça figuras históricas e mitológicas, como Maria Madalena, Semíramis e as Eufames, para questionar as estruturas de poder que determinam quais histórias são preservadas e quais são extintas. Esta perspectiva se alinha com teorias feministas contemporâneas, que argumentam que a história é um campo de batalha ideológico, como enfatizado por teóricas como Joan Scott, Gerda Lerner e Michelle Perrot.

A peça utiliza uma estrutura não-linear para criar um diálogo entre passado, presente e futuro, sugerindo que as experiências de opressão e resistência das mulheres formam um continuum histórico de padrões de violência e silenciamento. Em essência, Mulheres de Nínive se apresenta como um ato de arqueologia feminina, desenterrando e reinterpretando a história das mulheres frequentemente ignorada pela historiografia tradicional.

Embora o título do espetáculo coincida com o nome da atriz, a peça vai além de experiências pessoais. A inspiração para a obra nasceu da conexão de Nínive com Maria Madalena, uma personagem que ela interpretou numa encenação da Paixão de Cristo em Fazenda Nova, no maior teatro ao ar livre do mundo, situado no interior de Pernambuco. Durante sua investigação, Nínive percebeu que Madalena era mais uma mulher cuja história havia sido destruída ou distorcida.

De batismo, a atriz carrega o nome de uma cidade histórica citada tanto nas narrativas bíblicas quanto nas tradições pagãs. Nínive, outrora capital da Assíria, estava situada na antiga Mesopotâmia, correspondendo hoje ao território do Iraque. Na tradição cabalística, Nínive é evocada como um símbolo de força primordial, remontando a tempos muito anteriores a Cristo.

Dentro desse contexto, destaca-se a figura lendária de Semíramis, uma das primeiras mulheres a ganhar notoriedade na história. Celebrada como uma guerreira e arqueira formidável, Semíramis lutava ao lado dos homens, se sobressaia nas caçadas, encarnando poder e liderança feminina em um cenário predominantemente masculino.

O espetáculo propõe que Semíramis perpetuou a herança da rainha de Sabá, assumindo o papel de guardiã dos segredos do sagrado feminino, transmitidos desde os tempos de Eva. As discípulas de Eva eram conhecidas como Eufames e detinham um profundo conhecimento das fases lunares, protegiam o fogo sagrado e eram versadas nos oráculo.

A peça insiste que as lacunas da ação feminina deve-se ao fato que a história foi escrita por homens

Como pano de fundo para discutir a violência contra as mulheres, a montagem comenta a destruição histórica de Nínive. A peça imagina um centro místico liderado pelas Eufames, que enfrentam perseguição e supressão. Embora não existam registros específicos sobre esse centro, a ausência de documentação é utilizada para destacar como a história foi predominantemente escrita por homens, frequentemente ignorando ou omitindo as contribuições e experiências das mulheres. Essa lacuna histórica serve como um poderoso lembrete da marginalização feminina ao longo dos séculos.

No Livro de Jonas, parte do Antigo Testamento da Bíblia, encontramos a narrativa desse profeta, que recebe a tarefa de levar uma mensagem de arrependimento à cidade de Nínive. Optando inicialmente por fugir, ele embarca em um navio para Társis. Durante a viagem, uma tempestade ameaça a embarcação, e Jonas, considerado responsável pela calamidade, é lançado ao mar, onde é engolido por um grande peixe. Após três dias e três noites de reflexão e oração, ele é libertado e decide cumprir sua missão em Nínive. A cidade, impactada pela mensagem, se arrepende, e a narrativa descreve que Deus poupa seus habitantes.

Até o Padre Antônio Vieira, no Sermão da Sexagésima, faz referência à cidade de Nínive, de uma perspectiva religiosa, como parte de sua argumentação sobre a eficácia da pregação e da conversão. Vieira utiliza a história de Nínive, que é mencionada na Bíblia, para ilustrar o poder transformador da palavra de Deus quando transmitida de forma eficaz.

O espetáculo tem direção de Hilda Torres e preparação corporal de Lilli Rocha. Foto: Felipe Souto Maior

A forte presença cênica de Nínive Caldas combina intensidade física e emocional, que se manifesta na forma como a atriz ocupa o espaço cênico, na modulação de sua voz e na precisão de seus gestos. Sua atuação confronta estereótipos, apresentando uma feminilidade que reivindica a beleza como parte integral da força feminina. A direção de Hilda Torres orquestra os elementos cênicos e a atuação de Caldas, criando um espetáculo coeso e envolvente. Sua direção parece focar em extrair o máximo da presença da atriz, criando momentos de intensidade dramática equilibrados com sutilezas na cena. O trabalho corporal de Lili Rocha é evidente na fluidez e precisão dos movimentos da intérprete.

Uma saia cenográfica monumental simboliza as águas da vida, o fluxo do tempo e a vastidão da experiência feminina ao longo da história. Sua versatilidade permite que Nínive Caldas a manipule de maneiras diversas, criando espaços cênicos variados ao apresentar múltiplas personagens e situações. A iluminação desempenha um papel crucial na criação da atmosfera e na condução da narrativa. Duas musicistas criam e amplificam efeitos sonoros e musicalidades. Elas contribuem no andamento e a atmosfera sonora de cada passagem.

O figurino evoca uma guerreira, com a atriz utilizando espadas (de São Jorge) para se proteger e avançar. A elegância no deslocamento de Nínive pelo palco é notável, combinando doçura e firmeza. Apesar de sua vasta experiência no teatro, ela mantém um frescor em sua interpretação, onde a determinação, o combate, as denúncias e os posicionamentos contra o patriarcado não reproduzem os códigos de violência masculina que são combatidos. 

Mulheres de Nínive é uma produção teatral de inegável força e impacto. No entanto, há espaço para refinamento, especialmente na apresentação dos nomes das mulheres retratadas. A riqueza e complexidade da narrativa podem, por vezes, obscurecer a identidade específica de cada personagem, limitando a compreensão plena do público. Uma ênfase mais pronunciada nos nomes e identidades das mulheres poderia permitir uma conexão mais evidente com cada história individual. Pois a obra convida à reflexão sobre gênero, poder e identidade, desde que essas vozes sejam ouvidas com nitidez e urgência.

Ficha técnica:
Idealização e atuação: Nínive Caldas;
Direção: Hilda Torres;
Preparação Corporal: Lilli Rocha;
Preparação vocal: Ceci Medeiros;
Músicas: Ana Paula Marinho
Trilha sonora e musicistas: Ana Paula Marinho e Nana Milet;
Núcleo de pesquisa/ figurino: Fabiana Pirro, Hilda Torres, Marcelo Mendx, Nínive Caldas e Xuruca Pacheco;
Núcleo de pesquisa de cenário: Hilda Torres, Marcelo Mendx, Nínive Caldas e Xuruca Pacheco;
Costureiras: Fátima Magalhães, Franci arte e costura, Expedita;
Iluminação: Natalie Revorêdo;
Técnica: Eduardo Autran (Dudu);
Textos: Nínive Caldas, Ezter Liu, Ana Paula Marinho, Khalil Gibran;
Dramaturgia: Hilda Torres e Nínive Caldas;
 VIsagismo:  Laércio Azevedo
Identidade visual: Maria Eduarda Caldas
Fotografia: Ravmes
Teaser: Morgana Narjara
Vídeo: Morgana Narjara
Social Mídia: Li Buarque
Núcleo de comunicação: Dea Almeida (Alcatéia Comunicação) e Márcio Santos;
Produção Executiva: Catarina Caldas;
Produção Geral: Nínive Caldas.

 

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

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Soledad faz passagem relâmpago por São Paulo

 

Hilda Torres no espetáculo Soledad

Hilda Torres no espetáculo Soledad, a Vida é Fogo Sob os Nossos Pés. Foto: Rick de Eça / Divulgação

Dignidade e coragem são palavras preciosas para à militante política paraguaia Soledad Barrett Viedma (1945-1973). Ela teve uma passagem luminosa pelo planeta Terra. Percurso de luta. Foi assassinada à traição pela ditadura militar brasileira, por emboscada do pai da criança que ela carregava no ventre.

Muito da vida dessa mulher, mãe, guerrilheira estão no monólogo Soledad – A Terra É Fogo Sob Nossos Pés. O espetáculo faz duas apresentações especiais, nestes 13 e 14 de fevereiro, como parte da Circulação Nacional – Etapa São Paulo, no Galpão do Folias, às 20h. Na quarta-feira (13/02) , a militante Damaris Oliveira Lucena é homenageada pela produção do espetáculo. E também está agendado um breve debate.

Conhecer Soledad, reencontrar Soledad é um bálsamo, um estímulo de bravura para esses tempos tão covardes. Ela morreu pela liberdade. Muitos morreram. Sua vida foi confiscada pela ditadura militar do Brasil (1964-1985).

“O projeto contou, desde o início, com a ajuda de muitas pessoas, como ex-prisioneiros políticos, militantes da época que tiveram contato com Soledad, ou não, além de parentes e compatriotas paraguaios. Também recebeu o apoio de militantes contemporâneos, que entenderam a relevância do projeto como contribuição importante para diversas lutas sociais, como as de gênero, direitos humanos e a do entendimento da arte como instrumento de formação e empoderamento sociopolítico e cultural”,

Malú Bazán, encenadora

Foto: Flávia Gomes / Divulgação

A direção é assinada por Malú Bazán. Foto: Flávia Gomes / Divulgação

Em 2015, a atriz pernambucana Hilda Torres, a diretora argentina Malú Bazán e a própria filha da militante, Ñasaindy Barrett, se juntaram para montar o espetáculo Soledad – A terra é fogo sob nossos pés.

Desde 2015 viemos resistentes, expandindo os horizontes do amor, da luta e da entrega; ampliando o alcance do conhecimento do que foi o período das ditaduras em nossa América nas décadas de 1950, 1960, 1970,1980…Ao contar a história de uma mulher como Soledad Barrett Viedma, militante internacionalista, mulher, poetisa, companheira, mãe, filha; contamos também a história de muitos outros e muitas outras. Pessoas que se entregaram plenamente ao destino de serem símbolo de transformação do mundo pelo exemplo de vida. movidos pelo amor e pela esperança em uma sociedade mais justa e igualitária.

Malú Bazán – dramaturgista e diretora

Soledad viveu na Argentina, no Uruguai, em Cuba e no Brasil, fugindo das repressões. Ao ser sequestrada por um bando de neonazistas em Montevidéu, ela adotou a guerrilha. Ao se recusar dizer a frase “viva Hitler!”, ela foi marcada nas coxas com a suástica nazista. Em Cuba, onde aprendeu a luta armada, conheceu Zé Maria, pai de sua filha Ñasaindy. No Brasil se apaixonou por José Anselmo dos Santos.

Soledad – A Terra É Fogo Sob Nossos Pés é a primeira encenação da vida da guerrilheira paraguaia  para palcos brasileiros. Ela foi caluniada como terrorista e ficou conhecida como a mulher do Cabo Anselmo, o policial infiltrado na guerrilha que entregou Soledad e mais cinco militantes contra à ditadura ao delegado Sérgio Fleury, em 1973. Eles foram executados no chamado “O massacre da granja São Bento”, em Abreu e Lima, Pernambuco. 

Nasceu com sua mãe e ela apenas, por isso Soledad – Solidão; criança que cresceu entre sons de bombas e brincadeiras, levando recados codificados em suas saias para dirigentes comunistas, indo visitar seu pai na cadeia, quando não, ele estava clandestino, presente pelos ideais, mas ausente na lida diária. Exilada com sua família com menos de 1 ano de idade. Com 16 anos, no Uruguai, no seu segundo exílio, começa a realizar apresentações de danças folclóricas em eventos solidários ao Paraguai. Sequestrada aos 17 por um grupo neonazista que marca com uma navalha o símbolo do nazismo. Vai pra URSS estudar teorias comunistas, em seguida vai para alguns países da América Latina na tentativa de invadir o Paraguai. Em 1967, vai para Cuba treinar para luta armada, casa-se e tem uma filha: Ñasaindy Barrett de Araújo, fruto do seu relacionamento com José Maria de Ferreira de Araújo. Em 1970, vem para o Brasil numa missão pela VPR; Mas aqui é entregue pelo “Cabo Anselmo”, até então o seu companheiro de quem estava grávida. Mulher, jovem, sonhadora, leal aos ideais, mãe, filha, companheira, dançarina, poetisa, militante aguerrida, dócil, serena, dedicada, destemida, empoderada… Soledad Barrett Viedma.

Hilda Torres – atriz

Soledad

Uma interpretação de fôlego da atriz Hilda Torres.

Soledad no Recife, livro do escritor pernambucano Urariano Mota, foi o ponto de partida do processo de encenação, em janeiro de 2015. A peça alumia pontos nebulosos da história do Brasil e acompanha Soledad Barret Viedma, desde seu nascimento, passando por vários países, até sua morte. O discurso é veemente.

Sozinha em cena, Hilda Torres acende o espírito da guerrilheira da Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR. O monólogo faz referências à uma série de entrevistas e pesquisa documental realizadas pela atriz e pela diretora, à publicação 68, a geração que queria mudar o mundo, compilação de relatos de uma centena de ex-militantes políticos, organizados e sistematizados por Eliete Ferrer, do grupo Os Amigos de 68. Além de consultas ao tijolaço da Comissão da Verdade e registros do Tortura Nunca Mais. E poemas de Marco Albertim e da artista plástica Ñasaindy de Araújo Barrett, filha de Soledad, que assina composições e empresta sua voz de cantora ao espetáculo.

A razão por que mando um sorriso e não corro, é que andei levando a vida quase morto. Quero fechar a ferida, quero estancar o sangue, e sepultar bem longe o que restou da camisa colorida que cobria minha dor. Meu amor, eu não esqueço, não se esqueça, por favor, que voltarei depressa, tão logo acabe a noite, tão logo este tempo passe, para beijar você’ “.

Para um amor no Recife, de Paulinho da Viola, que cantava na cadeia.

CONTRA À COVARDIA

A montagem se expressa generosa e caudalosa para recuperar a vida e a luta de uma mulher entregue à repressão pelo marido, numa farsa encenada pelo Estado de terror e traição no Recife da ditadura militar. A peça manifesta o poder da arte, de promover a reparação – pelo menos da imagem púbica – das violações a direitos fundamentais. Para reescrever a História e subverter a ordem do esquecimento.

O monólogo poético, que também faz alusões ao período atual da política brasileira, traça os conflitos como mulher, mãe, filha, militante perseguida. E recupera as facetas dessa musa política das esquerdas da América Latina.

Os episódios de dor são exibidos, num cenário de poucos elementos, com uma luz que convida para a intimidade dessa existência e na alternância da representação do trajeto de Soledad e a exploração do metateatro desvelado em seu processo de criação.

Soledad Barrett Viedma é um dos casos mais eloquentes da guerra suja da ditadura no Brasil. A peça é uma vitória pelo resgate da memória, da verdade e da justiça.

Urariano Mota, escritor

A encenação exalta os mitos e ritos ancestrais e evoca os povos originários. E incorpora esses dados na passagem do banho na água com os seios à mostra; na celebração de orixás como Nanã, do candomblé. E cenas fortes como das cruzes gamadas, as suásticas, riscadas a aço em suas pernas pelos militantes neonazistas.

Cabo Anselmo é apontado como um dos líderes do protesto dos marinheiros em 1964. Integrou o movimento de resistência à ditadura nos anos 1960 e, na década de 1970, atuou como colaborador do regime militar. A suspeita é que em todos os episódios ele atuava como um agente policial infiltrado.

Foi Anselmo quem entregou o esconderijo dos membros do VPR em Pernambuco, uma chácara no loteamento São Bento, no município de Paulista. Junto com outros companheiros, Eudaldo Gomes da Silva, Pauline Reichstul, Evaldo Luís Ferreira de Souza, Jarbas Pereira Marques e José Manoel da Silva, estava Soledad.

Segundo a versão oficial, os militantes foram mortos numa troca de tiros na chácara. O jornalista Elio Gaspari, em A ditadura escancarada, classifica o episódio como “uma das maiores e mais cruéis chacinas da ditadura”.

Uma coisa aprendi junto a Soledad: que deve-se empunhar o pranto, deixá-lo cantar. Outra coisa aprendi com Soledad: que a pátria não é um só lugar. Uma terceira coisa nos ensinou: que o que um não consiga, o farão dois”,

Da música Soledad Barret, do cantor, compositor e instrumentista uruguaio Daniel Viglietti.

Ficha técnica

Atriz e idealizadora: Hilda Torres
Direção: Malú Bazán
Dramaturgia: Hilda Torres e Malú Bazán
Pesquisa histórica: Hilda Torres, Márcio Santos e Malú Bazán
Pesquisa cênica: 
Hilda Torres e Malú Bazán
Concepção de cenário e figurino: 
Malú Bázan
Execução de cenário e figurino: 
Felipe Lopes e Maria José Lopes
Luz: 
Eron Villar
Operação de Luz: 
Eron Villar e Gabriel Félix
Direção musical: 
Lucas Notaro
Arte visual: 
Ñasaindy Lua
Produção: 
Hilda Torres, Márcio Santos e Malú Bazán
Produção executiva: 
Renato Barros
Produção geral: Márcio Santos
Realização: Cria do Palco
Fotografias: Rick de Eça

SERVIÇO

Soledad – A Terra É Fogo Sob Nossos Pés – Circulação Nacional – Etapa São Paulo
Onde: teatro Galpão do Folias (Rua Ana Cintra (ao lado do metrô Santa Cecília)
Quando: 13 E 14 de fevereiro às 20h
Ingressos: Preços: R$ 30,00 (inteira);  R$ 15,00 (meia); R$ 10 (moradores da Santa Cecília com comprovante)
Informações e Reservas – Galpão do Folias: (11) 3361-2223
site de venda: https://www.eventbrite.com.br/e/soledad-a-terra-e-fogo-sob-…
Duração: 1h10
Classificação: 14 anos

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Soledad que ainda se nega a morrer

Apresentações comemoram um ano do espetáculo Soledad - a vida é fogo sob nossos pés e 37 anos de anistia

Apresentações comemoram um ano de Soledad – A vida é Fogo sob Nossos Pés e 37 anos de anistia no Brasil

O título é do curta metragem de Sebastián Coronel Bareiro, Soledad que aún te niegas a morir. Traduz com presteza a passagem digna, valente, corajosa pelo planeta Terra dessa mulher paraguaia que se tornou militante política e foi assassinada à traição pela ditadura militar brasileira por emboscada do pai da criança que ela carregava no ventre. Há muitas portas de interpretação para o monólogo épico Soledad – A Terra É Fogo Sob Nossos Pés. Todas insuficientes para dar conta da complexidade de uma criação cênica dessa natureza. Mas as percepções e interpretações seguem a urgência do tempo.

O espetáculo faz duas apresentações especiais, nestes 1º e 2 de setembro, no Teatro Hermilo Borba Filho, às 20h, como parte das comemorações de um ano da encenação. Ao mesmo tempo celebra os 37 anos da anistia brasileira. Nesta quinta-feira, logo após a sessão, será reservado um ato de gratidão em homenagem aos ex-prisioneiros políticos, militantes da época que devotaram suas vidas na batalha pela democracia. Além de pessoas que contribuíram com o processo da montagem.

E ainda tinha gente brindando neste último dia de agosto o golpe contra a Democracia. “Respeitem quem foi torturado”, exige a peça que toma posição por quem teve a determinação de cuidar do terreno da soberania e da igualdade. A peça ilumina pontos obscuros da história do Brasil e acompanha Soledad Barret Viedma, desde seu nascimento, passando por vários países, até sua morte. O discurso é veemente. Sozinha em cena, Hilda Torres acende o espírito da guerrilheira da Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR.

“Falar sobre Soledad é traçar um caminho de poesia onde a dor e a alegria estão juntas, seguindo em marcha para erguer ideais libertadores. Falar sobre ‘Sol’ é falar de um pedaço de todos nós, que nos impulsiona diariamente a enfrentar, resistir, sem nunca abrir mão do brilho nos olhos ao imaginar um mundo melhor, com direitos iguais para todos e todas, na compreensão das nossas diferenças”, acredita a intérprete.

O livro Soledad no Recife, do escritor pernambucano Urariano Mota, foi o ponto de partida do processo, em janeiro de 2015. A dramaturgia é assinada pela atriz e pela diretora do espetáculo, Malú Bazán.

Soledad ganha os contornos de um animal que ama a liberdade e dela não abre mão. Com isso assume no seu corpo, nos seus gestos, na sua voz, a militância de todos, um dado universal. A trajetória dessa figura ganha uma poética viva e continua pulsando. Contra os ditadores de todos os tempos, contra a violência em qualquer paragem.

Soledad

Trechos da vida da guerrilheira são expostos no palco

A composição documental da encenação expõe momentos importantes da vida da guerrilheira. Os episódios de dor são exibidos, num cenário de poucos elementos, com uma luz que convida para a intimidade dessa existência e na alternância da representação do trajeto de Soledad e a exploração do metateatro desvelado em seu processo de criação.

O passado e o presente são confrontados, das barbáries de ontem e hoje, em que direitos são confiscados numa montagem em que esses elementos fazem parte de um organismo vivo, pulsante. Alguns retrocessos são denunciados, como o atentado contra o legado do educador pernambucano Paulo Freire.

É um espetáculo em que o feminino tem voz potencializada. E dá xeque-mate na misoginia e no machismo. Contra isso a força dessa mulher que pegou em armas, exigiu tratamento de igual para igual com os homens, mas também é tomada pela onda do feminino, do amor e da ternura.

A encenação exalta os mitos e ritos ancestrais e evoca os povos originários. E incorpora esses dados na passagem do banho na água com os seios à mostra; na celebração de orixás como Nanã, do candomblé. E cenas fortes como das cruzes gamadas, as suásticas, riscadas a aço em suas pernas pelos militantes neonazistas.

Maternidade defendida por Soledad

Maternidade defendida por Soledad

No artigo de Opinião de Urariano Mota, Dilma Rousseff e Soledad Barrett, publicado no último 29 de agosto, no Diario de Pernambuco, o escritor e jornalista traça elos da corrente: impeachment, Dilma, ditadura, anistia, Soledad no teatro e o Recife. “Entendam. Quando a brava presidenta amargou a prisão, todas as vezes em que as companheiras de cela voltavam da tortura, ela as recebia com os braços abertos, amparava, dava às sobreviventes sopinhas de colher na boca, e punha na vitrolinha de pilhas uma canção. Imaginem qual. As ex-presas políticas contam que Dilma sempre pedia a elas que prestassem muita atenção à letra de Para um amor no Recife, de Paulinho da Viola.

Paulinho cantava na cadeia ‘a razão por que mando um sorriso e não corro, é que andei levando a vida quase morto. Quero fechar a ferida, quero estancar o sangue, e sepultar bem longe o que restou da camisa colorida que cobria minha dor. Meu amor, eu não esqueço, não se esqueça, por favor, que voltarei depressa, tão logo acabe a noite, tão logo este tempo passe, para beijar você’ “. Boa lembrança de Mota.

Os traços afetivos de Soledad bolem com a memória de quem sofreu com a ditadura. Ou teve seus parentes e amigos mortos e/ou desaparecidos. A própria atriz Hilda Torres vive seu engajamento político que potencializa todos as emoções no palco. E como diz Urariano Mota é “Um encontro de teatro, história e resistência. Imperdível”

Entrevista // Hilda Torres

Hilda Torres em Aldeia do Velho Chico. Foto: Divulgação

Hilda Torres na Aldeia do Velho Chico. Foto: Divulgação

Um ano depois de viver agarrada no palco com Soledad Barret Viedma, (da Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR, morta ao lado de outros cinco companheiros) – fora o tempo de pesquisa, preparação da produção, ensaios – o que você tem a nos dizer sobre essa mulher?
Nasceu com sua mãe e ela apenas, por isso Soledad – Solidão; criança que cresceu entre sons de bombas e brincadeiras, levando recados codificados em suas saias para dirigentes comunistas, indo visitar seu pai na cadeia, quando não, ele estava clandestino, presente pelos ideais, mas ausente na lida diária; exilada com sua família com menos de 1 ano de idade e, com 16 anos, no Uruguai, no seu segundo exílio, começa a realizar apresentações de danças folclóricas em eventos solidários ao Paraguai; sequestrada aos 17 por um grupo neonazista que marca com uma navalha o símbolo do nazismo; vai pra URSS estudar teorias comunistas, em seguida vai para alguns países da América Latina na tentativa de invadir o Paraguai; 1967, vai para Cuba treinar para luta armada, casa-se e tem uma filha: Ñasaindy Barrett de Araújo, fruto do seu relacionamento com José Maria de Ferreira de Araújo; 1970, vem para o Brasil numa missão pela VPR; Mas aqui é entregue pelo “Cabo Anselmo”, até então o seu companheiro de quem estava grávida. Ela alfabetiza índios! Mulher, jovem, sonhadora, leal aos ideais, mãe, filha, companheira, dançarina, poetisa, militante aguerrida, dócil, serena, dedicada, destemida, empoderada… Soledad Barrett Viedma.

O que significam essas duas apresentações especiais? Essas celebrações?
Comemoraremos um ano de trajetória de um solo que fala de um passado tão presente, de uma mulher aguerrida que nos fortalece na luta de gênero sobretudo nos dias atuais em que vivemos. Comemorar essa trajetória, é também um momento de agradecer a todas e todos que contribuíram para essa realização, a equipe, amigos(as), colaboradores(as), parceiros(as), as plateias por onde passamos, aos festivais que nos convidaram! É um sentimento de gratidão!E a comemoração dos 37 anos de anistia no Brasil é referente a data da anistia que se comemora em agosto. Mas tendo em vista o que passamos atualmente e ao sentimento de gratidão que nos aflora nesse momento, decidimos agradecer aos ex-prisioneiros políticos e militantes que combateram o regime militar e que estiveram próximos ao processo da peça. Então agradeceremos não só pelo apoio nos dado, mas através deles, agradecer a todos e todas que entregaram suas vidas na luta por democracia, por um único sonho: liberdade! Essa geração atual precisa agradecer a uma geração que jamais poderá ser esquecida.

A vida ficou extremamente mais difícil no Brasil desde que vocês começaram a se envolver com a história de Soledad. Como você analisa esse arco do tempo do que acontece no país?
Desde o processo de pesquisa histórica para a montagem da peça, ainda em 2015, percebemos a relação íntima entre o passado e o presente. Nesse mesmo período aconteciam passeatas em São Paulo, principalmente, pedindo a “volta do golpe militar e chega de Paulo Freire”. Tudo começou a doer muito em nós, tanto que essas duas expressões entram na peça num momento de explosão de uma das cenas, justamente no Brasil. É isso! E depois do mergulho nessa época talvez seja mais difícil entender o que passamos hoje, ou mais fácil, e assim decidirmos por continuar a luta!

Soledad

Espetáculo homenageia presos políticos que lutaram por Democracia

O título da peça se refere a uma frase da protagonista, que exprime a bravura da militante. Ela já realizava um trabalho de empoderamento feminino na década de 1970. Como você detecta isso?
Resumo numa outra fala dela em resposta aos companheiros homens com quem ela treinava: “Não precisa, eu posso treinar com o mesmo fardamento que vocês”! Soledad hoje é nome e referência de luta feminina para vários movimentos feministas da América Latina!

Coragem e dignidade são palavras que queimam e no momento em que vivemos remete imediatamente para a presidenta Dilma Rousseff julgada (e condenada) por figuras de moral duvidosa, e com a morte política anunciada. Que paralelos são possíveis fazer dessas duas mulheres?
Ambas são destemidas, mulheres que não fizeram questão de serem vistas como a delicadeza da flor, mas que não abriram mão de serem firmes na luta por um mundo melhor.

O Brasil tem revelado que existe um teatro de resistência em atuação em cada canto desse país. Como sua produção vem conseguido essa proeza?
Já tivemos muitas portas abertas, alguns nãos. Normal. Mas já sentimos também que algumas portas foram fechadas justamente pela temática da peça, sobretudo, nos dias atuais.

“Percebemos a arte como gatilho para a transformação social. É preciso tirar a arte do papel da celebridade”, você já disse. Como seria possível isso nesse sistema capitalista capaz de inventar celebridades instantâneas o tempo inteiro?
Tudo vai depender das escolhas que cada fazedor(a) da arte fizer. Sim, trata-se de escolhas mesmo nos momentos de necessidade da demanda capitalista. Quanto ao público, a mídia, vive um perfil de fato com essa necessidade do “imediatismo” em tudo, inclusive nos mitos que muitas vezes representam o modismo e muito pouco os ideais, a forma de ver e sentir a vida.

Comunista come criancinhas???
Não, porque acreditamos nelas como uma esperança incansável para o futuro do País, da Nação, principalmente a nossa que precisa de um rumo onde ela própria seja “re”acreditada.

Ficha técnica
Atriz e idealizadora: Hilda Torres
Direção: Malú Bazán
Dramaturgia: Hilda Torres e Malú Bazán
Pesquisa histórica: Hilda Torres, Márcio Santos e Malú Bazán
Pesquisa cênica:
Hilda Torres e Malú Bazán
Concepção de cenário e figurino:
Malú Bázan
Execução de cenário e figurino:
Felipe Lopes e Maria José Lopes
Luz:
Eron Villar
Operação de Luz:
Eron Villar e Gabriel Félix
Direção musical:
Lucas Notaro
Arte visual:
Ñasaindy Lua
Produção:
Hilda Torres, Márcio Santos e Malú Bazán
Produção executiva:
Renato Barros
Produção geral: Márcio Santos
Realização: Cria do Palco
Fotografias: Rick de Eça

SERVIÇO
Soledad – A Terra É Fogo Sob Nossos Pés – Apresentações comemorativas
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho  – Cais Apolo, s/n , Bairro do Recife
Quando: Dias 1º e 2 de setembro às 20h
Ingressos: R$ 30 e R$ 15, à venda na bilheteria do teatro 1h antes do espetáculo
Informações: (81) 3355.3321
Duração: 1h10
Classificação: 14 anos

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