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Não permitam que a voz de Juana Borrero se perca

La Virgen Triste, da Compañia Galiano 108. Foto: Jennifer Glass

La Virgen Triste, da Compañia Galiano 108. Foto: Jennifer Glass

X Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

A cubana Juana Borrero (1877-1896) foi uma artista precoce. Aos cinco anos começou a pintar de forma autodidata; dois anos mais tarde, iniciou aulas de pintura e escreveu seu primeiro poema. Considerada um dos nomes mais importantes na pintura e na poesia modernista cubana, Juana teve dois envolvimentos amorosos que marcaram profundamente a sua obra. Tanto Julián del Casal (1863-1893) quanto Carlos Pío Uhrbach (1872-1897), esse último considerado o grande amor de Juana, eram poetas. Juana Borrero morreu dois meses antes de completar 19 anos, vítima de uma tuberculose. A acadêmica cubana Susana Montero (1952-2004), que era especialista em estudos de gênero, escreveu que a obra de Juana “comporta uma novidade e uma rebeldia contra os princípios estabelecidos da educação da mulher, que se mostram coerentes com as outras manifestações de modernidade em sua obra: literária, pictórica, ética, filosófica e política, essa última entendida como uma manifestação precoce de suas ideias emancipatórias” (tradução própria).

O espetáculo La Virgen Triste, monólogo apresentado durante a X Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo, assinado pela Compañia Galiano 108, criada em Cuba, explica logo no início de sua sinopse que não é um texto biográfico sobre Juana Borrero, mas uma peça inspirada em sua poesia. Apesar disso, deixa claro a importância de saber quem é a personagem. As próximas linhas da sinopse são gastas justamente explicando quem foi Juana: “uma menina prodígio e, por direito, uma das figuras mais fascinantes do modernismo americano”. A contradição da sinopse, infelizmente, não se mostra no palco: realmente, a montagem é baseada na obra de Juana, nas suas cartas, nos seus poemas; mas o resultado prático disso é que, quem não conhecia Juana previamente, entra e sai do teatro sem poder falar muito sobre a artista. Parece uma incoerência; mas, de fato, a obra revela pouco da artista e essa é uma das fragilidades do espetáculo.

No palco, a atriz Vivian Acosta tem a responsabilidade de encenar o monólogo – defende a montagem, de acordo com algumas pesquisas rápidas na internet, há duas décadas. Vivian encarna duas personagens: Juana e uma velha – o texto não deixa muito claro se é a própria mãe da poeta ou uma babá, uma dama de companhia. Mesmo que as duas personagens se diferenciem pela voz e pelo corpo de Vivian, ambas são baseadas numa composição exagerada, que beira o caminho da caricatura. É a dor levada ao extremo, em vozes e gestos de figuras fantasmagóricas, de mortalha e rosto branco. Ainda que o texto seja inspirado pela obra de Juana, o que poderia gerar um lirismo em cena, a encenação não conseguiu transmitir poesia, nem sustentar a atenção do público do Centro Cultural São Paulo.
As personagens caem na monotonia do exagero continuado e as palavras de Juana ficam como que pairando, não alcançam efetivamente a plateia. No mesmo sentido, não há um tratamento dramatúrgico que demonstre quem foi Juana, quais eram as suas dores, o que a levou a morte e, mesmo que essas não fossem questões para a direção, que obra é essa, construída por essa “menina prodígio”. O ponto não é ser autobiográfico, mas conseguir estabelecer razões, pertinências, conexões, pertencimentos.

Espetáculo é inspirado na vida e obra de Juana Borrero

Espetáculo é inspirado na vida e obra de Juana Borrero

Pelas poesias e textos escolhidos, Juana é uma menina que sofria de amor, sofria com a perda dos seus amantes, não uma artista efetivamente; nada se vê da mulher que, como aponta o texto de Susana Montero, trazia em sua obra muita rebeldia. Ao contrário, o espetáculo não empodera a voz de Juana, inclusive seguindo uma tendência que parece ser a mesma da literatura, dar muita importância à influência dos amantes na obra de Juana. É sintomático, por exemplo, que o título do espetáculo seja o mesmo de um poema que Julián del Casal escreveu, dizem os estudiosos, inspirado em Juana.

Se a atuação se mostra exagerada e baseada em cacoetes interpretativos, o cenário e a iluminação vão na mesma direção. Muitas velas espalhadas no palco, um candelabro e uma mala com uma foto de Juana e papeis amarelados, esmaecidos pelo tempo, para simular as cartas de Juana. De tempos em tempos, gelo seco; e a construção de uma cena pouco criativa. Logo depois de citar a lua, em determinado momento, lá vem a luz azul; ou quando fala-se em enterro, mais gelo seco e música de sofrimento. O texto segue a mesma trilha… “ouço vozes”, diz em determinado momento a personagem.

Para quem está na plateia, fica a impressão de que a atriz e o diretor, Rogério Tarifa, se agarraram a uma forma ultrapassada de encenação, que pouco consegue estabelecer conexão com o público. Soa falso, forçado, cansativo. Ainda assim, quando conhecemos um pouco mais de Juana Borrero, logo percebemos os motivos que levaram a companhia a se dedicar tanto tempo a essa empreitada. Há muita potência e muito ainda por dizer a partir da obra dessa cubana tão pouco conhecida no Brasil. Fica a expectativa de que a montagem tenha conseguido despertado a curiosidade do público.

Ficha Técnica
Autora: Elizabeth Mena
Direção e encenação: José A. González
Elenco: Vivian Acosta
Figurino: Raúl Martin
Iluminação: Carlos Repilado
Música: Juan A. Leyva
Diretor Técnico: Pedro Balmaseda

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***A cobertura crítica da X Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo é uma ação da DocumentaCena – Plataforma de Crítica, que articula ideias e ações do site Horizonte da Cena, do blog Satisfeita, Yolanda?, da Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais e do site Teatrojornal – Leituras de Cena. Esses espaços digitais reflexivos e singulares foram consolidados por jornalistas, críticos ou pesquisadores atuantes em Belo Horizonte, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. A DocumentaCena realizou cobertura da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a MITsp (2014 e 2015); do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília (2014 e 2015); da Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo, em São Paulo (2014); e do Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, em Belo Horizonte (2013).

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Talento para sobreviver na guerra

Merida Urquia apresenta Mãe coragem há 13 anos. Fotos e texto: Ivana Moura

(Texto de Ivana Moura!)

A guerra é um negócio lucrativo. Mãe Coragem sabe disso, embora só descubra o peso do sacrificio imposto quando perde seus maiores tesouros: seus filhos. Mas ela prossegue na guerra. A atriz e diretora cubana Merida Urquia fez algumas adaptações na obra de Bertolt Brecht no espetáculo solo que exibe ainda hoje às 19h, no Teatro Marco Camarotti, dentro do Palco Giratório. Além de limar uma série de personagens, ela investe sua carga nos malefícios da guerra em todos os tempos, inclusive hoje.

A atriz costuma dizer que teve três mestres na sua carreira: o italiano Eugenio Barba, o brasileiro Antunes Filho e os palcos. Com uma motivação física plena de consciência corporal, memória dos ensinamentos de Eugenio Barba, e uma presença cênica poderosa, que também teve a mão do mestre Antunes filho, Merida Urquia leva para o palco a fúria de quem precisa sobreviver. Ela está de mãos dadas com Mãe coragem há treze anos.

Última sessão do espetáculo será nesta sexta

A atriz se desdobra em Anna Fierling, mascate que segue o Exército Sueco na Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648, sua filha muda Katrin e a narradora.

O texto foi adaptado por Ricardo Muñoz, que criou com Merida o grupo Teatro A Cuestas, há 18 anos. Nas justaposições de cenas, ela aparece como a “hiena no campo de batalha”, que aprende muito pouco com tudo que acontece.

Uma das cenas mais bonitas de se ver é quando a filha Katrin denuncia o horror e, como não pode falar, bate seu tamborzinho, enquanto a cidade acovardada permance silenciada. As mudanças de papeis são feitas com força, a força intepretativa de uma atriz que se joga por inteiro nos personagens e os domina com cantos, silêncios, gestos desesperados e até mesmo cobranças à plateia como coresponsável por tudo que acontece no mundo.

Parece que no fundo ela insiste na tese de que a a guerra torna os homens piores e não melhores. Mãe coragem segue com sua carroça cada vez mais vazia. Entre a fartura do começo e a penúria do final, há um movimento para arrancar o espectador da zona de conforto, como o queria Brecht.

Atriz diz que teve três mestres: Eugenio Barba, Antunes Filhos e o palco

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