Exercício de tecnossobrevivência
Crítica de Sala de Espera

Trechos de peças clássicas são dramatizados pela atriz. Foto: Reprodução de tela

Respira, respira, pontua várias vezes Cira Ramos.  Foto: Reprodução de tela

O mundo anda muito estranho. Foto: Reprodução de tela

* A ação Satisfeita, Yolanda? no Reside Lab – Plataforma PE tem apoio do Sesc Pernambuco

Sala de Espera é uma experiência virtual, com roteiro adaptado e atuação de Cira Ramos, direção de fotografia e direção geral de Fernando Lobo, supervisão artística à distância de Sandra Possani. O trabalho é inspirado na estrutura dramatúrgica da peça Próxima e utiliza fortemente os recursos audiovisuais.

A figura de Cira Ramos, multiplicada em muitos papéis dela mesma e fragmentada no tempo que escapa, encara uma espécie de looping seguidamente. Acontecimentos de um mesmo dia se misturam com pequenos acréscimos.

Lentilha, Ano Novo, Carnaval, a peça Próxima, as incertezas dos editais, Cira se desembrulha para investigar como viemos parar nessa situação. Que tempos são esses???

Arrisco dizer que o golpe de 2016 piorou tudo que veio em seguida.

Sala de Espera aguenta um estado de suspensão, traça uma reflexão alucinada, bem-humorada, vertiginosa sobre calendários, agendas, passagens dos dias e o que caiu sobre nossas cabeças e nos paralisou.

O trabalho nos conduz por um túnel do tempo, como se tudo acontecesse de novo e de novo. Será que a mulher da tela está ficando louca; presa no tempo, condenada a reviver esta data repetidamente? Ou somos nós?

O cinema é prodigioso em explorar esses recursos. Feitiço do Tempo, de 1993, dirigido por Harold Ramis é um deles, no qual o personagem leva um choque elétrico e os acontecimentos dos seus dias se repetem sem parar.

Peça Próxima, com Cira Ramos e direção de Sandra Possani, já flertava com o audiovisual. Foto: Reprodução de tela

Próxima, a peça inspiradora dirigida por Sandra Possani, estreou em 2018 como ato comemorativo dos 40 anos de carreira da atriz Cira Ramos. Investiga a dura luta da artista mulher, que enfrenta mais obstáculos e uma carga de trabalho reforçada pelas atividades domésticas, não usufrui de equidade salarial entre gêneros e outros desafios para conseguir o  papel seguinte, o trabalho posterior.

O tempo implacável que deixa suas marcas, as glórias do passado e as incertezas quanto ao amanhã quando se vive de arte ocupam a centralidade das discussões de Próxima, espetáculo que traz esse flerte entre teatro e cinema e aproveita poeticamente as possibilidades dos recursos tecnológicos.

Mas uma pergunta desabou sobre minha cabeça, sobre se a natureza de Sala de espera é ou não é teatro e contaminou os bastidores do Satisfeita.

Elucubrações de Yolanda

Dei uma gira nos labirintos da minha cabeça. E os vultos, meus fantasmas a me atormentar: “Isso é teatro?”
– Pare o mundo que eu quero…
– O mundo parou há um ano, de uma certa forma… Não percebeu?–Eita…
– Por isso o teatro presencial foi interditado, entre outras atividades como consequência das medidas de isolamento social para tentar barrar a disseminação do vírus.
– Cadê minha bolsa, meus documentos?

O teatro é tanto que não pode ser unívoco. Dos muitos teatros possíveis, resistência e combate contra autoritarismo, contra arbitrariedade e qualquer forma de opressão se faz presença.

Como centenas de obras virtuais, Sala de Espera é resultado da necessidade de prosseguir criando durante a pandemia de Covid -19. Urgências de experimentar, em casa, no espaço privado, que se torna público durante a exibição do trabalho gravado. A artista seguiu os protocolos e operou com as pessoas da família, o marido e as filhas, que também entraram na equipe.

Sala de Espera é um desafio. O clima é de adiamento, para quando a vida voltar ao normal. Será que volta? É melhor diminuir a expectativa e se maravilhar com o poema de João Cabral de Melo Neto, “Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos”.

Ano Novo, Carnaval, o tempo é misturado no experimento artístico. Foto: Captação de tela

O que é o teatro? Desde o século passado me pergunto isso, pergunto a um e a outra. Não encontrei resposta decisiva. Satisfatoriamente definitiva. Continuo procurando. “O que é que há, pois, num nome? Aquilo a que chamamos rosa, mesmo com outro nome, cheiraria igualmente bem”. Shakespeare, Romeu, Julieta. Que doideira! Isso é romântico?

Arte da presença. Mas a presença-ausência espacial, sincrônica temporalmente? Uns e outros levando choques vindos da tela? Hum hum. Pode ser. Teatro virtual… teatro gravado… teatro cinematográfico… teatro com mídias… teatro intermídia… teatrofilme… teatro da dramaturgia visual… teatro.. teatro…
Ai que saudade do teatro presencial.

No experimento gravado Sala de Espera, Cira Ramos transborda dessas indagações, faltas, desejo de aglomerar. Ai, ai, saudade Saudade tão grande Saudade que eu sinto Do Clube dos Pás, dos Vassouras Passistas traçando tesouras Nas ruas repletos de lá Batidas de bumbo São maracatus retardados Que voltam pra casa cansados Com seus estandartes pro ar Quando eu me lembro O Recife tá longe A saudade é tão grande Eu até me embaraço… Antônio Maria, sua música embala corações.

Tem gente que não gosta de jeito nenhum desse teatro virtual. Eu preferiria o presencial, bien sûr. Mas por que essa mania excludente? Ou é isso ou é aquilo? Por que não ser isso e aquilo?

Elucubrações de Yolanda

Os fantasmas não me largam, fazem um sambada na minha cabeça:
– E o risco cênico?
– Parem, assombrações, de me atormentar! Que é que tem o risco cênico?
– Não tem! Tá tudo gravado, editado.
– Ai meu São Longuinho, Santa Edwiges, Iemanjá!!! O risco ocorreu na hora da gravação, caramba.
– Mas a gente não viu!
– Use a imaginação!!!
– A presença tem que ser ao vivo…
– É preciso levar em conta as experiências que incorporam a tecnologia. Outros tempos, outros regimes de presença. E principalmente agora, com a pandemia que não é uma gripizinha.

Cira Ramos é mignon, uma atriz versátil que atua com desenvoltura em muitas possibilidades teatrais e tem um timing especial para o humor. Assisti algumas de suas atuações. Dos infanto-juvenis Avoar, de Vladmir Capella, com direção de José Manoel (1987/1990); Maria Borralheira, de Vladmir Capella, com direção de Manoel Constantino (1988), A Ver Estrelas com texto e direção de João Falcão (1990); e para o público adulto, O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchecov, dirigido por Antonio Cadengue (1990/92), Senhora dos Afogados de Nelson Rodrigues, também sob a batuta de Cadengue (1993/1994); Fernando e Isaura, de Ariano Suassuna encenado por Carlos Carvalho (2005/2006/2007), Carícias, de Sergi Belbel com direção de Leo Falcão (2009/2010/2012), e tem muito mais. Uma trajetória rica de experiências cênicas.

Fernando Lobo, que assina a direção, é publicitário, músico, diretor e produtor musical com mais de 40 anos de profissão. Um cara experiente, premiado, criativo. Ele imprime um ritmo frenético aos questionamentos da atriz, com cortes, repetição, edição.

Sala de espera utiliza animações. Foto: Captação de tela

Elucubrações de Yolanda

Os fantasmas voltam mais ferozmente indagativos:

– As telas não substituem o encontro real entre seres humanos…
– Não mesmo? As pessoas namoram, fazem sexo por telinhas, negociam ganham dinheiro.
– Você está mudando de assunto…
– Será?!
– Vamos falar sério?
– Mais ainda
– Que as telas não substituam o encontro real entre seres humanos!!!
– Então vamos cruzar os braços e esperar a morte chegar? Porque teatro presencial está proibido, contato físico com outros humanos desaconselhável durante essa pandemia.
– Não, claro que não, mas não podemos chamar uma coisa pelo nome que não lhe pertence.
– Vamos lá… então… teatro virtual, teatro MAIS que expandido durante a peste do século 21.
– Sabe Jorge Dubatti?!!!
– Sim, claro, o teórico, filósofo e crítico argentino, que criou a Escola de Espectadores.
– Então, para mim, a teoria dele é a mais adequada. Dubatti defende que existem dois feitios de elaboração poética: a convivial e a tecnovivial.
– São paradigmas diferentes
– O tecnovívio, para Dubatti é essa cultura vivente desterritorializada por intermediação tecnológica.
– Mas o teatro respira em movimentado diálogo com os tempos e ganha muitos contornos no percurso…
– Mas sem perder sua essência… Dubatti pensa a arte do teatro como acontecimento convivial, de duração efêmera, localizada e territorializada. Então precisa estar de corpo presente, corpo físico vivo, na materialidade do espaço físico.
– Sei, sei, uma cultura de convívio, feito as partidas de futebol em campo, encontros com amigos, os rituais religiosos, as aulas presenciais nas salas de aula…
– O filósofo argentino coloca em oposição a cultura tecnovivial da cultura convivial. Nessa cultura tecnovivial as relações humanas ocorrem por desterritorialização, à distância, por meio de máquinas ou sistemas tecnológicos.
– Certo, mas ambas são experiências artísticas, performáticas, com poiesis e espectadores
– Mas falta o fator convivial… território convivial, o calor humano. não vivenciamos a experiência teatral.
– Com cenas pré-gravadas, não é teatro!
– Que coisa mais purista. O teatro é um fenômeno multifacetado. E podemos criar outros conceitos. Lembra da obra Stifters Dinge, de Heiner Goebbels? Um peça sem atores, uma performance sem performers?
– Sim, sim, exibida II Mostra Internacional de Teatro de São Paulo – MITsp, em 2015. Não considero como teatro, mas uma instalação…
– Pois penso que a reverberação, os aplausos, a reflexão, os ensaios, a repercussão, a crítica, também são teatro. Como no poema Resíduo, de Carlos Drummond de Andrade, fica um pouco. E se fica é porque tem.
– É interessante, mas não me convence.
– Está bem, então ficamos assim, pois preciso terminar essa crítica, que já demorou muito…
– Mas, fazer crítica não é fazer bolo de rolo?
– Como assim?
– Bolo de rolo é patrimônio cultural e imaterial de Pernambuco, desde 2007!
– Eu sei!!!! E adoro. Mas existe uma receita, né?!

Ela troca de fantasias. As imagens de arquivo de Carnaval foram cedidas por HIGH TECH Vídeos Profissionais

Sala de Espera pulsa mais teatro quando expõe sua artesania, os objetos e arranjos que eles usaram para fabricação da imagem. São utilizados desenhos animados em algumas cenas e o trabalho palpita de ânsia pelo encontro e pela presença física.  A atriz utiliza frases curtas, questionamentos cotidianos feitos nessa pandemia e narra as experiências enquanto são mostradas: lavar as mãos, fechar a porta, chamar o elevador, descer as escadas. 

Os momentos mais teatrais jorram das falas das peças Macbeth, – o mais tenebroso dos dramas shakespearianos de acordo com o crítico literário Harold Bloom; Maria Stuart, do escritor Stefan Zweig, – sobre a rainha da Escócia (1542-1587), pretendente ao trono inglês, por ser descendente de Henrique VII, que foi condenada por traição e presa durante 22 anos por determinação de sua prima Elizabeth I, rainha da Inglaterra; Medeia, a tragédia grega de Eurípides, datada de 431 a.C., sobre a impressionante mulher que mata os filhos como vingança e proteção, depois de ser abandonada pelo marido que ela ergueu; Gota d’água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, escrita em 1975 inspirada na peça de Eurípedes sobre o mito de Medeia, transposta para o Rio de Janeiro.

O experimento artístico foi exibido pela primeira vez durante o Festival Reside Lab – Plataforma PE, a partir do Recife, na plataforma do Youtube, com chat aberto antes da apresentação e uma breve interação entre artistas e público. A atriz falou, ou pensou, no seu nervosismo, naquelas pessoas que ela conhece. Alguns, amigos ou fãs ou pessoas que assistiram Próxima no teatro, fizeram suas conexões, deixaram frases, comentários.

Mas afinal, depois dessa elucubração toda, é ou não é teatro? Minha resposta por enquanto, depois de tudo, é que estou na Sala de Espera, aguardando para assistir ao espetáculo Próxima. E vamos em frente, criando e refletindo sobre esse momento histórico utilizando as ferramentas tecnológicas disponíveis.

Ficha Técnica:
Sala de Espera
Roteiro adaptado: Cira Ramos
Direção: Fernando Lobo
Supervisão artística: Sandra Possani (Contatos remotos)
Assistência de direção: Cira Ramos
Atuação: Cira Ramos
Direção de fotografia: Fernando Lobo
Trilha sonora original: Fernando Lobo e Fábio Valois
Iluminação: Fernando Lobo
Sonoplastia: Fernando Lobo
Captação de áudio: Fernando Lobo
Assistente de captação de áudio: Alice Lobo
Assistência de fotografia e iluminação: Julia Lobo e Alice Lobo
Animação: Julia Lobo e Alice Lobo
Edição e montagem: Fernando Lobo
Imagens de carnaval, cedidas do arquivo HIGH TECH Vídeos Profissionais.

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Mostra Cenas do Nordeste exibe registros de
18 espetáculos e uma rodada de conversa sobre crítica

Utopyas to every day life, com Flavia Pinheiro (PE), foto,  e Carolina Bianchi (SP). Imagem: Danilo Galvão / 

Medeia negra, com Marcia Limma. Foto: Adeloya Magnoni / Divulgação

Uma mostra bem interessante com peças de teatro, dança e performance de grupos e artistas nordestinos começa hoje e segue até 10 de abril. Cenas do Nordeste é o nome do evento realizado pela Ardume Produções, do Rio Grande do Norte. Esta segunda edição, virtual, conta com 18 registros audiovisuais de espetáculos (15 para o público adulto e três destinados ao público infanto-juvenil) dos estados do Piauí, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Maranhão, Ceará e Rio Grande do Norte.

As exibições ocorrem de forma gratuita através da plataforma de conferências Zoom e ao final das apresentações o público pode participar do bate-papo com os grupos, mediado pelos artistas-pesquisadores convidados Franco Fonseca (RN) e Daniela Beny (AL). Os ingressos estão disponíveis através do site Sympla, no Instagram do evento @cenasdonordeste.

Neste ano, um grupo de críticos convidados acompanham a mostra e realizarão uma live no dia 10 de abril, às 19h, no canal da Ardume Produções no Youtube, encerrando o evento Cenas do Nordestee com um Panorama Crítico. Participam os críticos Lorenna Rocha (PE), Lili Lucca (AL), Daniel Guerra (BA) e Ítalo Rui (AM).

Atenas Mutucas, Boi e Body (MA). Foto: Divulgação

Atenas: mutucas, boi e Body, com a Santa Ignorância Cia De Artes, do Maranhão, ergue-se na triangulação tragédia, bumba-meu-boi e justiçamentos urbanos (linchamento), para discutir as relações cívico-mítico-religiosas das cidades com seus cidadãos, tendo os heróis anônimos do folguedo como porta-vozes dos trágicos conflitos contemporâneos. O espetáculo junta referências no estudo do trágico, dos tragediógrafos clássicos e dos elementos ritualísticos, físicos, sonoros e visuais do bumba meu boi do Maranhão, na perspectiva de desenvolver dramaturgias e método de preparação física de atores a partir de personagens da manifestação popular maranhense.

Medeia Negra, espetáculo baiano que já circulou por algumas cidades e festivais, recria a tragédia grega para o corpo e o pensamento de uma mulher negra. A peça, dirigida por Tânia Farias, traz a interculturalidade e referências afro diaspóricas, por meio dos itãs (relatos míticos da cultura iorubá) e arquétipos das divindades como Nanã, Iansã, Exu e Omolu.

Os movimentos de Flavia Pinheiro (PE) e Carolina Bianchi (SP) buscam agarrar a imaterialidade do presente em Utopyas to every day life. É uma instalação performática obsessiva, com 3 horas de duração. Nesse espaço-tempo as artistas desconstroem-se, vibram de vitalidade, se afetam com violência, se transformam em objetos de arte daquela paisagem, tentam flutuar carregam-se, escorregam, dançam, cantam trechos de algumas canções. Escrevemos uma crítica sobre o trabalho. Confira!

De Sergipe temos Vulcão, um teatro da alquimia da intimidade, um monólogo autoral feito com material biográfico da atriz Diane Velôso com direção de Sidnei Cruz. Já Mi Madre, de Pernambuco, é um solo de dança-teatro, criado pela artista Jhanaina Gomes para falar sobre sua ancestralidade, sobre seu clã de mulheres,  sobre as histórias de suas matriarcas.

Entre Rio e Mar Há Lagoanas (AL). Foto: Nivaldo Vasconcelos / Divulgação

Entre Rio E Mar Há Lagoanas (Al) perscruta as mulheres que crescem ao redor da Lagoa. A fábula que recria o nascimento da Lagoa através do cotidiano e da memória de mulheres que cresceram as suas margens e dentro dela.

A bússola de Pra Frente O Pior (CE) é ser coletivo, mesmo com as dificuldades dos pactos de convivência , permanecer como grupo, comunidade, tribo, sociedade… Seguir adiante, criando , lutando, mesmo com o corpo sinalizando sucumbir. Adiante, mesmo que a esperança fuja.

O evento Cenas do Nordeste conta com recursos da Lei Aldir Blanc Rio Grande do Norte, Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria Especial de Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal .

Serviço
Cenas do Nordeste – 2ª Edição Virtual

De 02 a 10 de abril de 2021
Mais informações: Instagram @cenasdonordeste

Programação completa:

Dia 02 de abril, Sexta-Feira.
17h – Medeia Negra, de Márcia Limma (BA)
21h – Pele Negra, Máscaras Brancas, do Grupo de Teatro da UFBA (BA)

Dia 03 de abril, Sábado.
10h – No Coração da Lua, do grupo Estação de Teatro (RN)
17h – Os Cavaleiros da Triste Figura, do Grupo Boca de Cena (SE)
21h – Vulcão, do Grupo Caixa Cênica (SE)

Dia 04 de abril, Domingo.
10h – Para Onde Voam os Pássaros, da Sociedade T (RN)
17h – Mi Madre, do Corpo Semente Sagrada (PE)
21h – Pra Frente o Pior, da Inquieta Cia. (CE)

Dia 05 de abril, Segunda-Feira.
17h – Atenas: Mutucas, Boi e Body, da Santa Ignorância Cia. de Artes (MA)
21h – Sonhoridades para Desadormecer Serpentes, de Elton Panamby (MA)

Dia 06 de abril, Terça-Feira.
17h – Utopyas to Everyday Life, de Flávia Pinheiro e Carolina Bianchi (PE/SP)
21h – Terreiro Envergado, do Coletivo Tanz (PB)

Dia 07 de abril, Quarta-Feira.
17h – Plantas e Fantasmas, de Bruno Moreno (PI/SP)
21h – Nebulosa, de Vanessa Nunes e Arthur Doomer (PI)

Dia 08 de abril, Quinta-Feira.
17h – Entre Rio e Mar Há Lagoanas, do Coletivo de Teatro Hetéaçã (AL)
21h – Dança Anfíbia, da Cia. dos Pés (AL)

Dia 09 de abril, Sexta-Feira
17h – Circo Alegria, do Grupo Garajal (CE)
21h – Instruções para Ser Humano, do Grupo Graxa (PB)

Dia 10 de abril, Sábado.
19h ­– Live Cenas do Nordeste: Panorama Crítico, com Lorenna Rocha (PE), Daniel Guerra (BA), Lili Lucca (AL) e Ítalo Rui (AM).

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4º Crítica em movimento traz espetáculos, debates, podcasts e publicações

Épico, da Tercer Abstracto. Foto: Brendo Trolesi

Tempos de Errância – lado B [vídeo teatro], espetáculo do Núcleo 2 Coletivo de Teatro. Foto: Polly Rosa

A 4ª edição do Crítica em Movimento, realizado pelo Itaú Cultural, vai acontecer a partir desta quinta-feira (1) até domingo (4) com espetáculos, debates, lançamentos de podcasts e cadernos digitais, com textos sobre crítica e teatro, que serão publicados paulatinamente, de 1 a 22 de abril.

A abertura da programação será com a mesa “Considerações sobre a recepção crítica na vida contemporânea” nesta sexta-feira, às 20h. Valmir Santos, co-curador do Crítica em Movimento, jornalista e crítico do site Teatrojornal, conversa com a pernambucana Clarissa Diniz, curadora, pesquisadora e crítica de artes visuais, atualmente professora e curadora da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, e com Alcir Pécora, professor e crítico literário da Universidade Estadual de Campinas.

Na sexta-feira (2), às 20h, começam as apresentações de espetáculos com Épico, peça do grupo Tercer Abstracto, que trabalha com artistas do Chile e do Brasil desde 2012. No espetáculo, o grupo coloca em paralelo uma peste mortífera que assolou a Europa em 1348 e a situação da Covid-19 no mundo desde o ano passado. O espetáculo faz parte do Projeto Manifestos, que investiga na cena as propostas e manifestações teatrais do início do século XX. Neste caso, o ponto de partida é Bertolt Brecht. Depois da apresentação, haverá uma conversa com o professor-adjunto do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará, Héctor Briones.

A programação continua no sábado (3), às 20h, com Tempos de Errância – lado B [vídeo teatro], espetáculo do Núcleo 2 Coletivo de Teatro, de Minas Gerais. O espetáculo parte de três fotogramas recentes e contemporâneos da paisagem latino-americana, buscando rastros de devastação pela violência armada. Pós-apresentação, o público acompanha o bate-papo do diretor artístico Narciso Telles com a atuadora gaúcha Tânia Farias.

No domingo (4), a companhia Enxame Circo, de São Paulo, apresenta o espetáculo Enxame. A sinopse diz que quatro indivíduos à espera de que algo aconteça acabam subvertendo a ordem das coisas dentro de um fluxo de acontecimentos não-rotineiros. A encenação traz técnicas circenses tradicionais, como corda lisa, malabarismo, palhaçaria e paradas-de-mão, elementos do teatro e da dança, e ainda projeção de vídeo. Logo depois, a conversa será conduzida por Fátima Pontes, atriz, produtora cultural e professora de teatro, que há 20 anos coordena as áreas executiva e artística da Escola Pernambucana de Circo.

O podcast Crítica em Movimento possui cinco episódios, que serão liberados todos ao mesmo tempo a partir desta sexta (1), no site do Itaú Cultural e nos aplicativos de podcast. O primeiro episódio tem como tema “Quais os enfrentamentos da prática da crítica de teatro hoje?”, com participação do crítico e jornalista Macksen Luiz e da crítica e pesquisadora Daniele Avila Small, da revista Questão de Crítica, com a mediação de Valmir Santos. No segundo programa, participam Lourdes Macena, pesquisadora e artista cearense, e o ator e diretor Rogério Tarifa, com mediação do professor paraibano Diógenes Maciel, a partir do tema “Como a crítica se relaciona com a noção do popular nas artes cênicas?”.

Maria Fernanda Vomero, jornalista, crítica, curadora e pesquisadora, faz a mediação do terceiro episódio que tem como pergunta disparadora “Qual a percepção de quem cria a respeito do travalho da crítica?”. Participam a atuadora Tânia Farias, da gaúcha Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, e o dramaturgo e diretor Edyr Augusto Proença, do paraense Grupo Cuíra. No quarto programa, o tema é “Como exercer olhares e escutas a partir da cena remota?”, com mediação da jornalista e crítica Luciana Romagnolli, do site Horizonte da Cena. O último episódio, com mediação da professora, crítica e jornalista Julia Guimarães tem como tema “Qual o lugar da resistência na formação da crítica?”, com Dodi Leal, professora do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade Federal do Sul da Bahia, e Henrique Saidel, diretor, performer, curador e professor gaúcho.

O Crítica em Movimento traz ainda a publicação de oito caderno com 24 textos. Ivana Moura, jornalista e crítica aqui do Satisfeita, Yolanda? escreveu para o primeiro caderno, que sai nesta quinta-feira (1), com o tema “O papel da crítica de teatro no Brasil: do jornal impresso à plataforma digital”. Também escrevem neste caderno Edson Fernando (PA) e Macksen Luiz (RJ) a partir do tema O papel da crítica de teatro no Brasil: do jornal impresso à plataforma digital.

No caderno 2 “O vão entre a crítica e o circo” escrevem Alice Viveiros de Castro (RJ), Daniel Lopes (SP), Ermínia Silva (SP) e Fátima Pontes (PE). O caderno 3 traz textos de Carlos Alberto Pereira dos Santos (RS), Daniel Kairoz (SP) e Rosa Primo (CE) com o tema “Estados da crítica de dança”.

Pollyanna Diniz, jornalista e crítica aqui do Yolanda escreveu para o caderno 4 a partir do tema “Espaços digitais empenhados em artes cênicas”, que tem ainda como autores Diogo Spinelli (RN) e Walmeri Ribeiro (RJ). No caderno 5 “A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua” os autores são Altemar DiMonteiro (CE), Lindolfo Amaral (SE) e Marta Haas (RS). Fernando Cruz (MS), Nena Inoue (PR) e Onisajé (Fernanda Júlia|BA) escrevem no caderno 6 “A cena engajada no contexto contemporâneo”. O caderno 7 propõe o tema “Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil”, com os autores Camila Scudeler (Colômbia), Luis Alonso-Aude (BA) e Luvel Garcia (Cuba). E, por fim, o caderno 8 “Panorama do teatro latino-americano visto da ponte” reúne textos de Alice Guimarães (Bolívia), Andrea Hanna (Argentina) e Héctor Briones (Chile/CE).

PROGRAMAÇÃO CRÍTICA EM MOVIMENTO

Mesa Considerações sobre a recepção crítica na vida contemporânea
Com Alcir Pécora (SP), Clarissa Diniz (RJ) e Valmir Santos (co-curador desta edição do Crítica em Movimento – SP)
Quando: Quinta-feira (1), às 20h
Onde: Pela plataforma Zoom, com ingressos via Sympla
Quanto: Gratuito
* Com tradução simultânea em espanhol

Clarissa Diniz (foto: Portrite) e Valmir Santos (foto: Agência Ophélia) participam de mesa de abertura

Épico, da Cia Teatral Tercer Abstracto (Chile/Brasil)
Após a apresentação, acontece um bate-papo com mediação de Héctor Briones (CE)
Quando: Sexta-feira (2), às 20h
Onde: Pela plataforma Zoom, com ingressos via Sympla
Quanto: Gratuito
* Com legenda em espanhol

Tempos de Errância – lado B [vídeo teatro], do Núcleo 2 Coletivo de Teatro (MG)
Após a apresentação, acontece bate-papo com o ator Narciso Teles, mediado por Tânia Farias (RS)
Quando: sábado (3), às 20h
Onde: Pela plataforma Zoom, com ingressos via Sympla
Quanto: Gratuito
* Com legenda em espanhol

Enxame, da companhia Enxame Circo. Foto: Daniel Carvalho

Enxame, do Enxame Circo (SP)
Após a apresentação, acontece um bate-papo com mediação de Fátima Pontes (PE)
Quando: domingo (4), às 20h
Onde: Pela plataforma Zoom, com ingressos via Sympla
Quanto: Gratuito

PROGRAMAÇÃO DE PUBLICAÇÕES, no site do Itaú Cultural

1 de abril, quinta-feira:
Caderno 1: O papel da crítica de teatro no Brasil: do jornal impresso à plataforma digital
Autores: Edson Fernando (PA), Ivana Moura (PE) e Macksen Luiz (RJ)

Caderno 2: O vão entre a crítica e o circo
Autoras: Alice Viveiros de Castro (RJ), Daniel Lopes (SP), Ermínia Silva (SP) e Fátima Pontes (PE)

8 de abril, quinta-feira:
Caderno 3: Estados da crítica de dança
Autores: Carlos Alberto Pereira dos Santos (RS), Daniel Kairoz (SP) e Rosa Primo (CE)

Caderno 4: Espaços digitais empenhados em artes cênicas
Autores: Diogo Spinelli (RN), Pollyanna Diniz (PE) e Walmeri Ribeiro (RJ)

15 de abril, quinta-feira:
Caderno 5: A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua
Autores: Altemar DiMonteiro (CE), Lindolfo Amaral (SE) e Marta Haas (RS)

Caderno 6: A cena engajada no contexto contemporâneo
Autores: Fernando Cruz (MS), Nena Inoue (PR) e Onisajé (Fernanda Júlia | BA)

22 de abril, quinta-feira:
Caderno 7: Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil
Autores: Camila Scudeler (Colômbia), Luis Alonso-Aude (BA) e Luvel Garcia (Cuba)

Caderno 8: Panorama do teatro latino-americano visto da ponte
Autores: Alice Guimarães (Bolívia), Andrea Hanna (Argentina) e Héctor Briones (Chile/CE)

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As duras linhas do diário de um ator na pandemia
Crítica de 72 dias

Paulo de Pontes registra cotidiano de um artista em isolamento em 72 dias. Foto: Keity Carvalho

* A ação Satisfeita, Yolanda? no Reside Lab – Plataforma PE tem apoio do Sesc Pernambuco

A matéria da Folha de S. Paulo, publicada neste domingo, 28 de março de 2021, registra: “O Brasil voltou a bater recorde na média móvel de mortes por Covid neste domingo: 2.598. É o maior número desde o início da pandemia e um crescimento de 42% se comparado com a última semana, o que indica tendência de alta nos óbitos pela doença (…)”.

Nós não esperávamos tamanha tragédia. Nenhum pesadelo poderia ter previsto essa realidade. Para uma pessoa comum, não os estudiosos ou os infectologistas, ou gente da área, isso nunca passaria pela cabeça, que estaríamos vivendo uma pandemia nessas dimensões. E, mais ainda, que duraria tanto tempo.

Em março do ano passado, quando do dia para a noite tudo fechou e pairava uma sensação de incerteza e de insegurança diante de um risco que não conhecíamos, fizemos projeções. Boa parte delas a partir da gravidade da situação que acompanhávamos pela televisão na Europa e na Ásia. Mesmo assim, irreais. No solo 72 dias, exibido na programação do Reside Lab – Plataforma PE, o ator Paulo de Pontes conta que imaginou que o isolamento social duraria 15 dias. Um ano depois, o acachapante saldo de mais de 300 mil mortos no Brasil, ilusões desfeitas, cenário devastador de guerra. No experimento, como diz o título, foram 72 dias.

O solo se estrutura como um diário de criação gravado por um ator durante este período pandêmico. Na conversa com um amigo do outro lado da tela, ele insiste que não precisa de companhia, que ficaria bem sozinho nas duas semanas que durariam aquela situação mais grave. Como muitos de nós privilegiados, nos agarramos às possibilidades de encontrar coisas boas no meio de tudo aquilo: seria uma chance de parar um pouco, descansar, dedicar-se a atividades que não tínhamos tempo no cotidiano. Finalmente fazer yoga. Levanta a mão quem se identifica! No caso do personagem, montar um espetáculo solo depois de tantos anos de carreira, de ter se empenhado sem intervalos aos projetos de outras pessoas. A metalinguagem se coloca como recurso de maneira muito fluida, quase intuitiva. Somos nós, os espectadores, que estamos ali, aceitando o convite para acompanhar a peça sendo criada em tempo real, quando o pedido por companhia beira o desespero.

O material dramatúrgico se apoia praticamente por completo no real e no autobiográfico. Paulo de Pontes é um ator com uma carreira longeva e profícua, com muitos personagens e projetos em seu repertório. De fato, quando começou a pandemia, ele estava morando no teatro, o espaço da Casa Maravilhas, que serviu como cenário para a gravação. A dramaturgia foi criada em parceria com Quiercles Santana, que também assina a direção. Virou um mergulho nos sentimentos e nas emoções cotidianas que foram se modificando ao longo dos dias arrastados do isolamento. Veio o cansaço, a solidão, o medo, a exaustão.

Diante do acirramento da crise, com o material da vida real pulsando, também surge a preocupação com a situação dos artistas, a necessidade batendo à porta, a sobrevivência que se instaura como pressão diariamente. A campanha de demonização dos artistas como uma política que vem sendo colocada em prática há alguns anos, mas que agora sobe alguns degraus, fazendo jus e coro à necropolítica implantada por este desgoverno, enfrentada por gente como Paulinho. Gente como os artistas que participaram do Reside. Que continuam se articulando, criando, conversando, resistindo, questionando “Quem mandou matar Marielle Franco?”, cansando, mas levantando a cabeça no momento seguinte. E não por romantização, ato de bravura ou qualquer coisa que o valha, mas porque não há outra possibilidade. Porque o teatro é a vocação, faz falta ao corpo, ao espírito.

Experimento utiliza material biográfico. Foto: Keity Carvalho

O experimento é cru em sua natureza dramatúrgica. Escancara o cotidiano de muitos artistas durante a pandemia, que provavelmente passaram por situações semelhantes. Mas essa dureza também nos afasta em certa medida, porque é uma realidade que já nos é muito próxima, que está em nossas próprias casas. Criado no calor do momento, o experimento ainda carrega uma carência de elaboração poética, talvez semântica, talvez em sua capacidade de abstração. Faz falta transcender o cotidiano ou ser capaz de promover conexões que não se atenham só aos fatos mais óbvios, mas se desprendam, possam ir além.

Neste jogo, Paulo de Pontes é um ator com estofo, que agarra a nossa atenção em 72 dias sem nos permitir dispersar. As precariedades nessa experimentação da linguagem do audiovisual, no isolamento imposto por uma pandemia, são incorporadas à dimensão processual do trabalho e fazem sentido, inclusive na condução da dramaturgia. Afinal, trata-se de um ator que está se virando sozinho, como a grande maioria, para continuar criando, para não perder os laços com alguma dimensão de realidade. Para não perder a oportunidade da dimensão da cura que o teatro nos proporciona a cada novo mergulho. Em 72 dias, o teatro pulsa como necessidade, como linguagem que corre nas veias, que escorre pela câmera. Corte seco e direto.

Ficha técnica:
Dramaturgia: Paulo de Pontes e Quiercles Santana
Diretor: Quiercles Santana
Atuação e produção geral: Paulo de Pontes
Direção de arte: Célio Pontes
Músicas: Sonic Júnior
Técnico de som, luz e vídeo: Fernando Calábria
Streamer: Márcio Fecher
Produção executiva: Márcia Cruz
Fotos: Keity Carvalho
Realização: Pontes Culturais e Cia Maravilhas de Teatro

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Alto da Boa Vista inspira cultura em Triunfo
Crítica dos experimentos cênicos
Da Laje-palco respeitável público e Dentra

Peça de Triunfo (PE) integra programação do Reside-LAB. Foto: Guilherme Andrade

Alto da Boa Vista, numa perspectiva de cima. Foto: captação de tela

Com a máscara da veinha em Da Laje-palco respeitável público o Alto. Foto: captação de tela

Com a máscara do careta. Foto: captação de tela

Depois de benzer o gato. Foto: captação de tela

* A ação Satisfeita, Yolanda? no Reside Lab – Plataforma PE tem apoio do Sesc Pernambuco

Triunfo fica em pleno Sertão pernambucano, distante 400km do Recife (quase sete horas de viagem de carro), na divisa dos estados de Pernambuco e Paraíba. Mas a cidade surpreende por algumas características incomuns da região do semiárido. Situada a 1.000 m acima do nível do mar, ostenta um clima ameno, com temperaturas que baixam a 6°C durante o inverno. Esse cenário peculiar guarda paisagens verdes, montanhas do vale do Pajeú e cachoeiras que contribuem para o município ser apelidado de oásis do Sertão. O ponto mais alto de todo estado de Pernambuco fica encravado lá, na zona rural: o Pico do Papagaio, com 1.260 metros de altitude. No centro ganham relevo o prédio do Cine Teatro Guarany, erguido em 1922, e as charmosas e coloridas edificações do século 19, fincadas nas ladeiras da cidade. As histórias e lendas do cangaço dizem que Lampião usou como esconderijo uma construção, de posição estratégica, conhecida hoje como Casa Grande das Almas. A cidade também abriga um Museu do Cangaço. Já a gruta denominada Furna dos Holandeses serviu de refúgio para remanescentes da tropa estrangeira depois da expulsão dos holandeses do Brasil, em 1654.

Pensar em Triunfo é vislumbrar o folguedo dos caretas e sua variação, as veinhas. Os mascarados, que ganham protagonismo no carnaval, representam a cidade sertaneja. Essa brincadeira conta mais de um século e banca uma tradição transmitida de pais para filhos. As máscaras, com as bocas voltadas para baixo (da tragédia do teatro), adotam desenhos multiformes. Além das roupas coloridas, eles usam luvas e outros apetrechos – como chapéus enfeitados por fitas, tabuletas com mensagens irônicas ou picantes e chocalhos – para garantir o anonimato do brincante. E o mais importante: carregam os relhos, que são os chicotes que provocam um estalido fascinante e assustador ao mesmo tempo.

A atriz, diretora e produtora Bruna Florie fala desse lugar em Da laje-palco, respeitável público: o Alto, com a autoridade do pertencimento, de quem fez movimentos de saídas e retornos. Na real, ela elege um bairro para exaltar, um celeiro de artistas: o Alto da Boa Vista. “Eu cresci aqui”, começa narrando. Para reforçar “O Alto inspira cultura em Triunfo”. E mais na frente nos fazer cúmplices: “Conheço cada detalhe”.

Uma panorâmica, feita de cima com um drone, percorre os telhados das casas e Bruna passeia por ruas e memórias e cita pessoas marcantes do pedaço: família de músicos e artesãos de Seu Dão (que entrelaçava os cipós tão ligeiro quanto o olhar da menina); seus amigos Mazé e João Edson; Seu Zuza, “o careta mais exímio de Triunfo”; Seu João de Pastora, um dos criadores das cambindas; Maria de Zuza, que costura as peças dos artistas; seu primo Lúcio Fabio, que integrou o primeiro ateliê de arte do Alto; Neta, brincante e rezadeira, que deixa os meninos sambarem no terreiro; Nino Abraão e a Treca de Caretas Alto Astral.

O mundo visto do Alto é bordado, alimentado por poesia extraída do cotidiano, que celebra a vida e inventa outras razões para festejar. Da sua laje-palco, espaço que aloja caixas d’água, a atriz dança com o estandarte da Cambinda de Triunfo, de 2012. Ao portar a máscara do careta/veinha ela assume o silêncio enigmático desses brincantes e sai pelas ruas em sua performance com uma bengala e seu vestido vermelho: senta para descansar, para em um santuário, benze um gato.

Bruna Florie assume várias funções no trabalho Da laje-palco, respeitável público: o Alto, salientando sua inquietação. Ela colabora com vários coletivos de Triunfo: Pantim, Casa Espiral da Terra, Mangaio, RIPA (Rede Interiorana de Produtores, Técnicos e Artistas de Pernambuco) e o grupo de samba de coco e poesia “A Cristaleira”. Ela reúne no currículo outras dramaturgias, como Um conto de Lôre, Giro Espiral, Andeja, Dentra.

A trilha sonora traz uma camada a mais da riqueza cultural de Triunfo. O eletrococo muderno de Jéssica Caitano manda muito bem na cena ao misturar repente, coco, rap e beats e sintéticos. São ideias sonoras muito potentes, com músicas autorais de Jéssica e Chico Correa, responsável pelo componente instrumental, com beats, samplers e programações. 

Nesse período pandêmico tive oportunidade de conhecer alguns grupos que geralmente estariam fora do meu raio. Fiquei satisfeita com o trabalho de Bruna Florie. Aliás, admiro muito os realizadores, os que enfrentam e superam as dificuldades e/ou, apesar delas, concretizam sonhos com orgulhosa alegria.

Mesmo sozinha na gravação, a artista carrega consigo meio mundo de gente que atravessou  seu caminho, e muitos outros da sua ancestralidade, que sempre souberam do prazer da brincadeira compartilhada entre parentes e amigos. Os artistas do Alto da Boa Vista, como ela diz, vem sendo visita, passagem, memória, resistência, engrenagem. Salve, salve a cultura brasileira.

Dentra

Dentra, com Bruna Florie. Foto Divulgação

O corpo está repassado de um ruidoso mundo externo. O corpo ocupa um espaço no universo. Nessa proposta, o corpo físico é distinguido, fragmentado e desconstruído para desligar-se do mundo, silenciar e ouvir a voz interior. Em Dentra ouvimos o sussurro não pronunciado de Bruna Florie “O corpo é a nossa casa, a mais pessoal, a mais primordial. Precisamos cuidar bem dele”.

O experimento cênico Dentra convoca outras texturas poéticas além das memórias coletivas de Da laje-palco, respeitável público: o Alto. Clama por intimidades, aconchegos, outros afetos. Temporada de escuta; respiração como renovação.

As máscaras nas paredes, as peças das roupas de baixo no varal, um tom melancólico de recolhimento com o quase cheiro de terra úmida.

Dia desses a Tristeza bateu. “Escutei-a. escutei-me”. Ela escutou, abriu as janelas.

O tempo pulsa em cada pequeno objeto.

Vivemos tempos voltados para dentro.

Com uma boneca de pano, ela mostra que é possível suturar as dores, embelezar-se com um vestido. Tudo é delicado.

A feitura do chá é a criação de uma pintura. Pés mergulhados.

Na casa de bonecas ela enfia a cabeça. Closes bonitos nos olhos. Eles falam muitas coisas. Você entendeu?

Aproveitar o tempo hoje. Abraçar as experiências. Encarar suas sombras interiores. Acolher-se, solidarizar-se, valorizar-se. A realidade já está cruel demais. Vibre de emoção. Cada amanhecer é uma nova possibilidade.

Da laje-palco: respeitável público, o Alto
Ficha técnica:

Direção, roteiro, atuação e produção: Bruna Florie
Assistente de produção e videomaker: Guilherme Andrade
Filmagens com drone: Maycon Jonathan
Maquiagem: Karol Virgulino
Participações especiais de artistas do Alto da Boa Vista: Joaneide Alencar, Carlinhos Artesão e Jéssica Caitano
Edição, fotografia e direção de arte: Bruna Florie
Trilha Sonora:  Beat the Burglar – Scott Holmes, Repente – Jéssica Caitano & Chico Correa, Música Lab II– Jéssica Caitano & Paulo Beto, Canarin – Jéssica Caitano & Chico Correa

DENTRA
Ficha técnica:

Direção geral e produção: Bruna Florie
Roteiro: Bruna Florie e Guilherme Andrade
Assistente de produção I e videomaker: Guilherme Andrade
Assistente de produção II: Geibson Nanes
Trilha sonora: Sad walk with sad piano – komiku, Amaryllis Flower – Ivy Meadows, Dreaming of You – Komiku
Edição, montagem, fotografia: Bruna Florie e Guilherme Andrade
Direção de arte, atuação e poema Dentra: Bruna Florie

 

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