Peça infantil confronta preconceitos
contra pessoas neurodivergentes

 

Espetáculo da Cia Boto-Vermelho chega ao Recife questionando nossos paradigmas sobre diferença. Foto: Luisa Peres / Divulgação

Uma criança neurodivergente sofre bullying na escola, vive noites de insônia cercada por fios imaginários e encontra refúgio apenas em seus sonhos. Enquanto isso, uma sociedade que se proclama inclusiva continua empurrando para as margens todos aqueles que não se encaixam em seus padrões de “normalidade”. Quantas crianças como João você conhece? Quantas outras fingimos não ver?

Neste domingo, 13 de julho, às 16h30, o Teatro de Santa Isabel recebe – dentro da – programação do 21º Festival para Crianças de Pernambuco –  João por um Fio, espetáculo da Cia Boto-Vermelho que conta a história de um menino autista e se posiciona como um espelho implacável de nossas contradições sociais. Esta adaptação do premiado livro de Roger Mello — vencedor do Hans Christian Andersen — força o público a confrontar uma hipocrisia social: em uma sociedade que se proclama inclusiva, João não encontra aceitação plena no mundo real.

O ator Ricardo Schöpke interpreta vários personagens através de acrobacias, projeções e teatro de sombras e transforma o palco em um cubo de fios entrecruzados — metáfora da mente do protagonista. Cada fio representa uma conexão neural diferente, cada movimento uma forma de resistência contra uma sociedade que insiste em padronizar o que deveria celebrar como diversidade.

A arte como resistência ao capacitismo velado

O texto de Roger Mello não romantiza o isolamento – ele denuncia uma sociedade que só oferece espaço para a diferença quando ela é invisível. João não “foge” para a imaginação; ele habita plenamente sua experiência neurodivergente num mundo que insiste em tratá-la como desvio.

Schöpke utiliza teatro físico, acrobacia aérea, projeções em vídeo e teatro de sombras para criar universos sensoriais que reproduzem a experiência neurodivergente. O cenário — um cubo de fios entrecruzados inspirado na Escola Bauhaus e na cultura boliviana — funciona como metáfora visual da complexidade mental de João. 

A trilha sonora de Daniel Belquer, executada por software que acompanha os movimentos do ator, materializa a hipersensibilidade auditiva característica do espectro autista. Cada gesto de Schöpke é pontuado por intervenções sonoras, criando uma sinfonia que traduz cenicamente como o mundo é percebido por quem tem os sentidos aguçados.

O Bullying como sintoma de uma sociedade adoecida

Um dos aspectos mais contundentes do espetáculo é a manifestação do bullying sofrido por João. As vozes das crianças da escola, que “instigam e buscam respostas para o seu jeito único de ser”, ecoam durante toda a peça como fantasmas de uma violência cotidiana normalizada.

João é descrito como “menino solitário, órfão de mãe e de pai”, mas sua orfandade extrapola a ausência parental. Ele é órfão de uma sociedade que deveria acolhê-lo, órfão de instituições educacionais que deveriam incluí-lo, órfão de um mundo que prefere a uniformidade à riqueza da diversidade.

A herança familiar — ser rendeiro e pescador como os pais — conecta João a tradições ancestrais que valorizam o trabalho manual e a paciência, contrastando com a aceleração contemporânea que não respeita ritmos diferentes de aprendizagem e desenvolvimento.

Ao transformar a diferença neurológica em poesia cênica, a Cia Boto-Vermelho questiona, e convida o público a repensar seus preconceitos. 

Serviço:

Espetáculo João por um Fio
Data: Domingo, 13 de julho de 2025
Horário: 16h30
Local: Teatro de Santa Isabel – Recife/PE
Ingressos: R$ 80,00 (inteira) | R$ 40,00 (meia-entrada)
Evento: 21ª Edição do Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco

Ficha técnica
Texto e adaptação: Roger Mello
Idealização, encenação, dramaturgia corporal, atuação, direção de arte, cenografia e arquitetura de luz: Ricardo Schöpke
Produção executiva: Claudia Cruz Cerquinho
Direção sonora: Daniel Belquer e Carlos Eduardo Soares
Direção de vídeo: Daniel Belquer
Música original, som cênico e programação: Alexandre Bräutigam
Figurino: Leo Thurler
Direção de movimento: Esther Weitzman e Sueli Guerra
Preparação corporal: Sueli Guerra
Direção de animação do corpo cênico Marcio Nascimento
Criação do teatro de sombras Marcelo Karagozwk
Criação do corpo cênico Clayton Diirr
Preparação acrobática na cama elástica: Roberto Silva
Direção de produção: Ricardo Schöpke
Comunicação e mídia: Boto-Vermelho Assessoria
Fotografia Luisa Peres
Realização: Cia Boto-Vermelho

 

 

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Pesquisador lança livro digital gratuito
sobre crítica teatral no Recife dos séculos 19 e 20

Leidson Ferraz apresenta Ponto de Vista: crítica e cena pernambucana no Teatro de Santa Isabel nesta quinta-feira. Foto: Léo Mota / Divulgação

O Teatro de Santa Isabel, palco histórico que testemunhou 175 anos de arte pernambucana, recebe nesta quinta-feira (10 de julho) o lançamento de uma obra que resgata justamente essa memória teatral. A partir das 19h, o jornalista, crítico e historiador Leidson Ferraz apresenta o livro-pesquisa Ponto de Vista: crítica e cena pernambucana, um mergulho inédito nos primórdios da crítica teatral recifense.

A publicação digital gratuita, com 236 páginas, é fruto de uma extensa pesquisa em periódicos e foi viabilizada pela Lei Aldir Blanc (LAB/PE), com apoio do Governo Federal e do Estado de Pernambuco. O evento, que deveria ter ocorrido em maio durante as comemorações dos 175 anos do teatro, foi adiado devido às fortes chuvas da época.

Um mergulho nos bastidores da crítica teatral

O trabalho de Ferraz, Doutor em Artes Cênicas pela UNIRIO, desvenda as primeiras publicações de resenhas críticas nos jornais, inicialmente assinadas por pseudônimos intrigantes como O Kapla, O Espectador, Os R. R., O Sentinela e O Apreciador do Mérito. A pesquisa avança até revelar colaboradores identificados do século 19, como João Ferreira Villela, Antônio Pedro de Figueiredo (Abdalah-el-Kratif) e Luiz Caetano Pereira Guimarães Júnior (Luciano d’Athayde).

“A intenção é revelar detalhes dos gêneros teatrais daqueles tempos, o formato dos espetáculos, os artistas de maior destaque, a relação que o público mantinha com o palco e como a imprensa reagia a tudo isso. Os embates de opiniões, claro, foram inevitáveis e a gente vai ver que o passado, às vezes, se assemelha bastante ao presente, claro que cada qual com seu contexto específico”, explica Ferraz.

Polêmicas e embates do século 19

O livro concentra-se especialmente na segunda metade do século 19, período posterior à inauguração do Teatro de Santa Isabel em 18 de maio de 1850. A obra documenta a chegada de grandes companhias visitantes, incluindo astros como João Caetano dos Santos, considerado o maior nome do teatro brasileiro da época, e Germano Francisco de Oliveira.

Uma das curiosidades mais marcantes relatadas por Ferraz ocorreu em 1869, ano em que o teatro sofreria um devastador incêndio. Meses antes da tragédia, a exibição das primeiras óperas-buffa causou tumultos memoráveis:

“Para se ter uma ideia, em 1869, no mesmo ano em que o Teatro de Santa Isabel sofreria um terrível incêndio, pouco antes disso a exibição das primeiras óperas-buffa já havia causado alvoroço naquela casa de espetáculos, com agressões a artistas, quebra pau e presença de polícia para conter os espectadores mais indignados”, relembra o historiador.

Do romantismo aos gêneros ligeiros

A pesquisa também aborda a transição do teatro romântico e realista para os gêneros ligeiros, como opereta, mágica e teatro de revista, mudança que causou estranhamento tanto na crítica quanto no público recifense. O trabalho inclui ainda a atuação de empresários como o português Antônio José Duarte Coimbra, que mais tempo administrou o Teatro de Santa Isabel.

Nos primeiros anos do século 20, a obra documenta o trabalho de jornalistas contratados como Manoel Arão, Mário Melo, Samuel Campello e Valdemar de Oliveira, mostrando a evolução e profissionalização da crítica teatral local.

Ferraz preparou uma palestra com projeção de imagens raras e promete contar curiosidades sobre a tríade formada pelas peças apresentadas, os espectadores e a imprensa teatral – um sistema repleto de embates e polêmicas que moldou a cena cultural pernambucana.

 

Serviço

Lançamento do livro-pesquisa Ponto de Vista: crítica e cena pernambucana
Quando: Quinta-feira, 10 de julho de 2025, às 19h
Onde: Teatro de Santa Isabel – Praça da República, s/n, Santo Antônio, Recife
Entrada Franca
Apoio: Lei Aldir Blanc (LAB/PE), Governo Federal e Governo do Estado de Pernambuco

Para baixar o livro gratuitamente: Livro BAIXE AQUI

 

Sobre o autor
Leidson Ferraz é jornalista, Mestre em História pela UFPE e Doutor em Artes Cênicas pela UNIRIO. É organizador e autor de diversas publicações sobre teatro pernambucano, incluindo a coleção Memórias da Cena Pernambucana e os livros Teatro Para Crianças no Recife – 60 Anos de História no Século XX (Volume 01) e O Teatro no Recife da Década de 1930: outros significados à sua história.

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Semana Hermilo tensiona
tradição e contemporaneidade

Bolor, criação em dança de Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi,

Hermilo Borba Filho morreu em 1976 acreditando que o mamulengo poderia resistir à televisão. Quase cinquenta anos depois, numa época em que influenciadores ensinam “cultura nordestina” no TikTok, o Teatro Hermilo Borba Filho recebe uma pergunta incômoda: ainda faz sentido defender tradições populares quando quase ninguém mais sabe direito o que isso significa?

A Semana Hermilo celebra a figura de Hermilo Borba Filho (Palmares, 8 de julho de 1917 — Recife, 2 de junho de 1976), dramaturgo, advogado, escritor, crítico literário,  romancista, diretor, jornalista, teatrólogo e tradutor. O evento, realizada pela Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife, que começa nesta terça-feira (08) e vai até 20 de julho, não promete respostas fáceis. Pelo contrário: reúne seis espetáculos que colocam lado a lado criações experimentais sobre plantation açucareira e comédia tradicional de bonecos, oficinas com mestres da cultura oral e adaptações universitárias de Brecht. É programa para quem não tem medo de sair do teatro com mais perguntas do que entrou.

A abertura traz uma novidade editorial: o lançamento do livro Cultura, Diversidade de um Conceito, do professor Flavio Brayner, mestre em história, doutor em educação e pós-doutor em filosofia, que também ministrará palestra sobre o tema às 19h. A escolha não é casual – em tempos de disputas sobre o que constitui cultura “autêntica”, a reflexão conceitual se torna urgente.

Bolor: crítica decolonial à plantation Açucareira

O destaque da noite de abertura fica por conta de Bolor, criação em dança de Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi, vencedora do Prêmio O Solo do Outro, iniciativa da Prefeitura do Recife dedicada à pesquisa e criação de espetáculos de dança. O espetáculo estabelece um diálogo crítico com a obra Açúcar de Gilberto Freyre, questionando as narrativas romantizadas sobre a formação brasileira através da economia açucareira. O trabalho mergulha no “solo violentado da plantation açucareira” para dar protagonismo aos fungos como metáfora de resistência e regeneração, contrastando radicalmente com a perspectiva freyreana que enfatizava a doçura e o refinamento civilizatório do açúcar.

Enquanto Freyre celebrava o açúcar como elemento formador da identidade nacional e símbolo de miscigenação harmoniosa, Bolor revela a devastação ecológica, a violência estrutural e o empobrecimento da biodiversidade causados pela monocultura açucareira, propondo uma estética da decomposição que valoriza processos subterrâneos e invisíveis de transformação.

A obra incorpora reflexões dos pensadores Malcom Ferdinand e Anna Tsing para construir uma perspectiva decolonial sobre os legados da plantation. Ferdinand, com sua ecologia decolonial, demonstra como a plantation açucareira estabeleceu o primeiro modelo de devastação ambiental sistemática, criando padrões extractivistas que persistem no capitalismo contemporâneo e destruindo formas tradicionais de habitabilidade entre humanos e não-humanos. Anna Tsing, por sua vez, oferece o conceito de “paisagens arruinadas” e a compreensão dos fungos como agentes de regeneração em ecossistemas devastados pelo capitalismo, formando redes subterrâneas de colaboração multiespécie que facilitam o crescimento de novas formas de vida.

O espetáculo utiliza essas perspectivas para imaginar como os fungos podem regenerar terras devastadas pelo açúcar, explorando redes de resistência e solidariedade que operam no “subterrâneo quase invisível” e tramam “outras possibilidades de se construir aliança e erguer futuros” a partir das ruínas da plantation, estabelecendo assim uma crítica radical às narrativas hegemônicas sobre a formação brasileira e propondo caminhos decoloniais de regeneração ecológica e social. O trabalho tem sessões nos dias 8, 9, 19 e 20.

Vossa Mamulengecência criado a partir da obra de Ariano Suassuna em diálogo com Hermilo Borba Filho

Vossa Mamulengecência, comédia escrita e dirigida por Arthur Cardoso, celebra a rica tradição do teatro de mamulengos pernambucano. A peça – vencedora do Prêmio de Fomento e Pesquisa O Aprendiz em Cena 2024/2025, outro mecanismo de fomento da gestão municipal voltado para estimular a produção cênica na cidade, com foco na formação de novos diretores – acompanha as aventuras do mestre de mamulengos e vendedor de perfumes Cheiroso Dorabela, que utiliza o humor como ferramenta para apresentar suas peças no teatro de bonecos.

O espetáculo estabelece conexões diretas com a obra A Pena e a Lei  de Ariano Suassuna e dialoga com textos fundamentais de Hermilo Borba Filho, como A Fisionomia e O Espírito do Mamulengo e o conto O Perfumista.

O elenco composto por Thiago Augusto, Victória Cavalcanti, Camomila Boudoux e João Tavares dá vida tanto aos personagens humanos quanto aos mamulengos que os acompanham, contando com uma equipe técnica que inclui preparação de elenco, produção musical de Lígia Fernandes, figurinos de Mariana Barbosa, bonecos criados por Luan Lucas Leite e iluminação de Natalie Revorêdo. Com apresentações nos dias 10, 11, 12 e 13 de julho, sempre às 19h30, o espetáculo de 1h30 de duração promete um final “digno de um espetáculo de Ariano Suassuna”.

Luz nas Trevas, adaptação de Bertolt Brecht pelos alunos da UFPE, com direção de Marcondes Lima.

A atuação universitária se faz presente de forma significativa na programação. Luz nas Trevas (15 de julho, às 20h), adaptação de Bertolt Brecht pelos alunos da UFPE sob direção do professor Marcondes Lima, explora os princípios do teatro épico brechtiano, buscando provocar reflexão crítica do público sobre questões sociais e políticas. A montagem conta com classificação indicativa de 16 anos e reúne um elenco expressivo de 24 atores: Acácia Mendes, Cheshire Mills, Clara Barbalho, Edla Ferreira, Flavio Soares, Gilliard Medeiros, Giovanna Hortência, Gusta Machado, Haru Jun, Isabelle Lemos, João Xavier, Jotapê, Lisbela de Holanda, Malu Oliveira, Marina Lino, Matheus Travassos, Max Teles, Mel Leão, Murilo Lima, Nelba Santos, Pauly, Rafael de Souza, Samuel Kapus e Victor Filho. A assistência de direção fica por conta de Gui Vicente, e a iluminação é assinada por Tycia Ferraz.

Tudo de Novo no Front (16 de julho) apresenta uma proposta igualmente experimental, nascida do exercício acadêmico. Como conclusão da disciplina Laboratório de Encenação do curso de Licenciatura em Teatro da UFPE, a montagem surge de um processo de criação coletiva conduzido pelos próprios estudantes, sob a orientação das professoras Agrinez Melo e Vika Schabbach, com assessoria do professor Marcondes Lima. Inspirada na dramaturgia de Fernando Arrabal, especificamente em sua peça Piquenique no Front, a montagem constrói uma situação de absurdo perturbador: durante uma guerra, pais visitam o filho no front e organizam um piquenique dominical ao som de tiros e bombardeios, transformando o campo de batalha em cenário de reunião familiar.

A proposta expõe a naturalização grotesca da violência através de uma inversão irônica que transforma horror em cotidiano doméstico. Essa estratégia cênica, característica do teatro do pânico de Arrabal, ecoa também as experimentações do absurdo europeu, mas dialoga diretamente com as inquietações hermilianas sobre os mecanismos sociais que tornam a brutalidade aceitável. A encenação universitária, ao escolher essa dramaturgia provocadora, coloca em questão a banalização dos conflitos armados e nossa capacidade coletiva de normalizar situações extremas, transformando-as em eventos familiares banais.

Completam a programação cênica os espetáculos de dança Dança Caminhos, de Fabinho Soares (17 de julho), e Passo, da Compassos Cia. de Dança (18 de julho), oferecendo perspectivas contemporâneas sobre movimento e expressão corporal.

Saberes Ancestrais em Cena

Um momento significativo da programação acontece no dia 18, quando a ancestralidade cultural nordestina encontra espaço central no evento. A mestra Nice Teles, primeira mulher negra condecorada mestra do cavalo-marinho da Zona da Mata Norte pernambucana, oferece uma aula-espetáculo sobre Personagens Femininos no Cavalo-marinho“. Sua presença representa  o reconhecimento de saberes tradicionais e principalmente a urgência de incluir perspectivas de gênero e raça nas discussões sobre cultura popular.

A participação de Nice vai além da apresentação. Entre os dias 15, 16 e 17 (das 14h às 17h), ela ministra oficina sobre o mesmo tema, oferecendo formação prática em conhecimentos que resistiram séculos de invisibilização. É uma oportunidade rara de acessar saberes transmitidos oralmente ao longo de gerações, mantidos vivos principalmente por mulheres das comunidades rurais.

Reflexões Teóricas e Formação

A dimensão formativa da Semana Hermilo inclui palestras que articulam passado e presente das artes cênicas pernambucanas. No dia 15, o professor Roberto Lúcio aborda a Contribuição de Hermilo Borba Filho para a formação de atores e atrizes do Recife de 1950 a 1970, período crucial para a consolidação do teatro moderno pernambucano.

As rodas de conversa dos dias 16 e 19 promovem diálogos entre diferentes perspectivas teatrais. O professor Marcondes Lima conduz discussão sobre “cena épica segundo Brecht e Hermilo”, explorando conexões entre o teatro político alemão e as experimentações hermilianas. Já Felipe Koury aborda a “antropologia do gesto cênico”, campo de estudos que ganha relevância crescente nos debates contemporâneos sobre corporeidade e performance.

As oficinas gratuitas complementam a programação formativa. Antropologia do Gesto“, ministrada por Felipe Koury nos dias 11, 12 e 13 (das 9h às 12h), oferece perspectiva teórico-prática sobre estudos do movimento cênico. As inscrições para ambas as oficinas devem ser feitas pelo email centroapolohermilo.pauta@gmail.com.

Cenário Cultural em Transformação

A realização da Semana Hermilo acontece num contexto de profundas transformações no cenário cultural recifense. A cidade enfrenta desafios crescentes na manutenção de espaços dedicados às artes cênicas, enquanto a especulação imobiliária pressiona territórios históricos como o Recife Antigo. O Teatro Hermilo Borba Filho, inaugurado em 1988, resiste como um dos poucos equipamentos públicos dedicados exclusivamente ao teatro, mas enfrenta as limitações de uma infraestrutura que demanda investimentos urgentes em modernização técnica, acessibilidade e conforto. A defasagem tecnológica dos equipamentos de som e iluminação, somada à necessidade de adequações que garantam pleno acesso a pessoas com deficiência, evidencia como a precarização dos investimentos públicos em cultura compromete a qualidade das produções e a capacidade do equipamento de cumprir sua função social de democratização do acesso às artes cênicas.

Os editais que deram origem aos espetáculos principais – O Solo do Outro e O Aprendiz em Cena — representam iniciativas importantes da gestão municipal para estimular a criação teatral recifense, oferecendo oportunidades concretas para artistas emergentes e projetos experimentais. No entanto, esses mecanismos pontuais evidenciam a ausência de uma política cultural continuada que articule ações de curto, médio e longo prazo para o desenvolvimento sustentável das artes cênicas. Embora essenciais para a emergência de novos trabalhos, editais isolados não substituem investimentos estruturantes em formação de público, manutenção de equipamentos, criação de circuitos de apresentação e consolidação de uma cena teatral que transcenda a lógica de projetos individuais. O desafio permanece: como transformar iniciativas pontuais em política cultural que efetivamente consolide o Recife como território fértil para as artes cênicas, honrando o legado hermiliano?

Exposição permanente do pensamento de Hermilo Borba Filho, no corredor do teatro. Foto: Andréa Rêgo Barros

SERVIÇO
Semana Hermilo 2025

Período: 8 a 20 de julho
Local: Teatro Hermilo Borba Filho – Recife Antigo
Entrada: Gratuita
Inscrições para oficinas: centroapolohermilo.pauta@gmail.com

PROGRAMAÇÃO 

08/07 (Terça-feira)
18h30 – Abertura oficial
18h45 – Lançamento do livro Cultura, Diversidade de um Conceito
19h – Palestra com professor Flavio Brayner
19h45 – Espetáculo Bolor

09/07 (Quarta-feira)
19h – Espetáculo Bolor

10/07 (Quinta-feira)
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

11/07 (Sexta-feira)
9h às 12h – Oficina: Antropologia do Gesto
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

12/07 (Sábado)
9h às 12h – Oficina: Antropologia do Gesto
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

13/07 (Domingo)
9h às 12h – Oficina: Antropologia do Gesto
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

15/07 (Terça-feira)
14h às 17h – Oficina: Personagens Femininos no Cavalo-Marinho
19h – Palestra com professor Roberto Lúcio
20h – Espetáculo Luz nas Trevas

16/07 (Quarta-feira)
14h às 17h – Oficina: Personagens Femininos no Cavalo-Marinho
19h – Roda de conversa com professor Marcondes Lima
20h – Espetáculo Tudo de novo no front

17/07 (Quinta-feira)
14h às 17h – Oficina: Personagens Femininos no Cavalo-Marinho
19h – Espetáculo Dança Caminhos

18/07 (Sexta-feira)
17h – Aula-espetáculo com Mestra Nice
19h – Espetáculo Passo

19/07 (Sábado)
17h – Palestra com professor Felipe Koury
19h – Espetáculo Bolor

20/07 (Domingo)
19h – Espetáculo Bolor

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21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco
aposta na criatividade sem limite

Jornada teatral promete encantar público com histórias instigantes como O Segredo da Arca de Trancoso. Foto: Wilson Lima

Pinoquio. Foto: Cesar Almeida

Por que levar as crianças ao teatro?
O teatro é uma arte poderosa para o desenvolvimento infantil. Além de estimular a imaginação e a criatividade, as apresentações teatrais ajudam as crianças a desenvolverem empatia, pensamento crítico e habilidades sociais. Não tem contraindicação. 

“Quando uma criança assiste a um espetáculo teatral, ela não está apenas se divertindo, mas também aprendendo sobre emoções, valores e diferentes perspectivas de vida”, destaca Edivane Bactista, produtora do 21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco (FTCPE), que neste 2025 tem como tema Criatividade sem Limite.

O universo lúdico e encantador do teatro infantil ganha as principais casas de espetáculo do Recife a partir deste final de semana e traz 14 espetáculos que prometem transportar o público para mundos de fantasia, aventura e aprendizado.

De 5 a 27 de julho, sempre aos sábados e domingos, os teatros de Santa Isabel, Parque e Barreto Júnior serão palco de montagens que celebram a diversidade cultural brasileira e a imaginação sem fronteiras. A programação reúne companhias de Arcoverde, Moreno, Paulista, Recife, João Pessoa (PB), além de uma montagem luso-brasileira vinda do Rio de Janeiro e uma produção olindense com influências egípcias e espanholas.

“O Festival busca oferecer ao público infantil uma mostra das muitas possibilidades que o teatro proporciona através da dramaturgia, da música, das formas animadas e do circo, linguagens que dialogam naturalmente com o universo da criança”, explica Ruy Aguiar, diretor artístico do evento.

Uma novidade desta edição é que todas as sessões contarão com acessibilidade em Libras, tornando o festival ainda mais inclusivo.

A solenidade de abertura acontece neste sábado (05/07), às 16h30, no Teatro de Santa Isabel, dez minutos antes da apresentação do espetáculo Mundo em Busca do Coração da Terra, da Tropa do Balacobaco de Arcoverde. Na ocasião, serão homenageados três artistas pernambucanos que dedicaram mais de 50 anos às artes cênicas, com destaque para as dramaturgias negras e quilombolas: as atrizes Carmelita Pereira e Juraci Vicente, e o ator, diretor e dramaturgo Didha Pereira.

Os espetáculos selecionados para o 21º FTCPE abordam temas relevantes como amizade, coragem, diversidade cultural e respeito ao meio ambiente, sempre de forma lúdica e acessível ao público infantil.

Em 21 anos de atividade, o Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco consolidou-se como um dos mais longevos do Brasil. Até a edição de 2024, foram realizados 270 espetáculos presenciais em mais de 485 apresentações, alcançando 154 mil espectadores e gerando mais de 5.200 trabalhos diretos e indiretos. Além das apresentações, o Festival também promove o Colóquio do Teatro para Infância e Juventude, que em 2025 completará 11 anos.

MUNDO em busca do coração da Terra – Foto_ Kaian Alves 

Programação do Final de Semana de Abertura

Sábado (05/07)
Teatro de Santa Isabel – 16h30

Mundo em Busca do Coração da Terra (Tropa do Balacobaco/Arcoverde-PE) : Uma aventura emocionante sobre um menino sertanejo que sonha conhecer a noite, em um tempo onde o sol reina sozinho. A jornada o leva a encontrar lendas das cinco macrorregiões do Brasil.
Ingressos: R$ 60,00 (inteira)/ R$ 30,00 (meia-entrada)
Duração: 70 minutos
Classificação: Livre

Teatro do Parque – 16h30

O Segredo da Arca de Trancoso (Cênicas Cia de Repertório/ Recife-PE): A história de um menino que recebe a missão de entregar uma arca misteriosa, enfrentando personagens inusitados e descobrindo que o objeto tem poderes surpreendentes.
Ingressos: R$ 60,00(inteira)/ R$ 30,00 (meia-entrada)
Duração: 60 minutos
Classificação: Livre

Domingo (06/07)
Teatro de Santa Isabel – 16h30

Pinóquio (Roberto Costa Produções/ Paulista-PE): O clássico boneco de madeira que sonha em se tornar um menino de verdade ganha vida no palco, em uma adaptação que encanta gerações.
Ingressos: R$100,00 (inteira) /R$ 50,00 (meia-entrada)
Duração: 50 minutos
Classificação: Livre

O Segredo da Arca de Trancoso. Foto: Wilson Lima

Pinoquio. Foto: Cesar Almeida

PROGRAMAÇÃO POR POLO

Teatro de Santa Isabel (16h30)
13 de julhoJoão por um Fio – (Companhia Boto-Vermelho / Rio de Janeiro–RJ e Lisboa–Portugal) Ingressos: R$ 80,00 (inteira) e R$ 40,00 (meia-entrada)

Teatro do Parque (16h30)
12 de julhoPra não dormir – Cutia Coletivo (Recife–PE)
R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia-entrada)

Teatro Barreto Júnior (16h)
12 de julhoO Reizinho Negro – Companhia Fuá de Terreiro (João Pessoa–PB)
R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia-entrada)

13 de julhoO Dia em que a Morte Sambou – Grupo Habib e Valeria (Olinda/Egito/Espanha)
R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia-entrada)

19 de julhoTatu-do-Bem – Catalumari e os Giguiotes (Recife–PE)
R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia-entrada)

20 de julhoA Batalha de Botas – Trupe Arlequin (João Pessoa–PB)
R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia-entrada)

Serviço
21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco

Data: De 5 a 27 de julho (sábados e domingos)
Locais: Teatro de Santa Isabel e Teatro do Parque (16h30)
Teatro Barreto Júnior (16h)
Ingressos: Preços variados, com meia-entrada para crianças a partir de 2 anos, autistas e acompanhantes, estudantes, professores, doadores regulares de sangue ou de medula óssea e idosos com apresentação da carteira.
Vendas: Plataforma Sympla (link disponível no site
www.teatroparacrianca.com.br) e nas bilheterias dos teatros a partir das 15h nos dias das apresentações (sujeito à lotação).
O 21º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco é uma realização da Métron Produções, com incentivo cultural do SIC – Sistema de Incentivo à Cultura / Fundação de Cultura Cidade do Recife / Secretaria de Cultura / Prefeitura da Cidade do Recife.

 

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Projeto Totem Relicário:
A memória viva da performance pernambucana

Acervo histórico do grupo compreende cerca de 600 itens de 38 criações realizadas entre 1988 e 2009

Pesquisa continuada em quase 40 anos de trajetória. Foto: Olga Wanderley/ Divulgação

O Grupo Totem, um dos mais longevos e influentes coletivos de artes cênicas de Pernambuco, com 37 anos de trajetória, celebra sua história com o lançamento do projeto Totem Relicário. Este evento marca a disponibilização de um vasto acervo virtual que documenta as primeiras duas décadas de produção do grupo, oferecendo uma imersão na rica cena performática pernambucana e brasileira.

Fundado em 1988 por Fred Nascimento e Lau Veríssimo, o Grupo Totem tem sido um laboratório contínuo de experimentação nas artes cênicas, explorando as fronteiras entre teatro, performance, dança e rituais. Desde sua origem no casarão da Rua de São Bento, em Olinda, onde funcionava o icônico bar Abraxas, o grupo se dedicou a uma poética singular, caracterizada pela intensidade corporal, pela exploração de arquétipos e mitos, e por uma perspectiva ritualística da cena.

Suas obras, como Signosimbolosícones, Ele, Artaud!, Ita e Mulheres marcaram época e influenciaram gerações de artistas. A longevidade do grupo, mantendo-se ativo e relevante por quase quatro décadas, é um testemunho da força de sua pesquisa artística.

A filosofia do Totem aposta na capacidade de transformar o corpo do performer em um discurso político e poético, explorando a subjetividade e a cultura caosmopolitana, como visto em Caosmopolita. A composição de referências, desde a psicologia arquetípica de Carl Gustav
Jung e James Hillman até a antropofagia cultural brasileira, demonstra a riqueza intelectual e criativa que permeia suas produções.

A Preservação da Memória Performática em Formato Digital

Lançamento do projeto com reperformances em Olinda

O lançamento do projeto Totem Relicário, neste 5 de julho de 2025, representa um marco na história do Grupo Totem e na cena artística brasileira. Trata-se de uma plataforma virtual que reúne e disponibiliza o vasto acervo histórico do grupo, compreendendo cerca de 600 itens de 38 criações realizadas entre 1988 e 2009. Este “relicário” digital é uma verdadeira viagem no tempo, oferecendo acesso a fotos, vídeos, material gráfico, manuscritos, clipagens, croquis, mapas técnicos de palco e luz, fichas técnicas e roteiros.

A iniciativa é de extrema importância para a preservação da memória da performance. A arte performática, por sua natureza efêmera e de acontecimento ao vivo, enfrenta o desafio intrínseco de sua documentação e arquivamento. Muitas obras se perdem no tempo, existindo apenas na memória dos espectadores e artistas. Ao digitalizar e organizar este acervo, o Grupo Totem garante a perenidade de sua própria história como também oferece uma valiosa fonte de pesquisa e inspiração.

Jailson de Oliveira, Angélica Costa, Nara Sales, Lau Veríssimo e Zoraya Brayner, elenco de ITA

Cartaz do trabalho Ele, Artaud. Foto: Divulgação

Festivo e imersivo, o lançamento do Totem Relicário retorna ao local de origem do grupo em Olinda, no casarão da Rua de São Bento. A programação é um convite à revisitação e ressignificação das obras do Totem:

Reperformances

Integrantes, ex-integrantes e colaboradores convidados apresentarão cenas de seis performances históricas:

Duplo Faca Destino (2005),
com Juliana Nardin: Performance criada a partir da obra do artista visual Rinaldo Silva, explorando a dualidade da faca, do corte e do ferir.

Signosimbolosícones (1991),
com Lau Veríssimo, Suzi Couto e Zoraya Brayner: Um teatro de imagem, uma paisagem humana, mixando personas de trabalhos anteriores do grupo e registros fotográficos.

Ele, Artaud! (1997),
com Angélica e Luan Amim: Espetáculo ritualístico que antropofagicamente absorve o teatro Artaudiano, misturando-o com referências culturais brasileiras.

Ita (1991) e Mulheres (1993),
com Jailson Oliveira: Solo que integra trechos dessas performances. Ita delineou a poética do Totem, enquanto Mulheres aborda o princípio feminino e arquétipos de deusas.

Caosmopolita (2005),
com Gabi Cabral: Situa-se na fronteira do teatro físico, performático e dança, com o corpo do ator/performer como discurso político.

Outras Atividades

Depoimentos e Documentário:
O evento inclui depoimentos em vídeo de artistas que passaram pelo grupo e a exibição do documentário Totem Retrospecto, de Taína Veríssimo.

Roda de Conversa:
Uma discussão sobre a história do grupo e o site do acervo, com a participação de Fred Nascimento, Taína Veríssimo, Zé Diniz (web designer), Alexandre Figueirôa (jornalista/cineasta), e participações em vídeo de Alexandre Nunes e Inaê Veríssimo.

Pocket Show:
Atual e ex-integrantes da banda do Totem, incluindo Fred Nascimento, Cauê Nascimento, Mário Sérgio, Mari Paiva, Patrício Rodrigues e Gustavo Vilar, apresentarão trilhas sonoras dos espetáculos.

O projeto Totem Relicário é realizado via Fundo de Incentivo à Cultura do Governo de Pernambuco – Funcultura, garantindo a gratuidade e acessibilidade do acervo. O site (grupototem.com.br) conta com ferramentas de acessibilidade comunicacional para pessoas com baixa visão, daltônicos, surdas e cegas, reforçando o compromisso do grupo com a inclusão e a democratização do acesso à cultura.

GeoPoesis, filme da videoperformance do Totem. Foto: Divulgação

A performance, por sua natureza transitória, sempre representou um desafio para a historiografia da arte. O Totem Relicário encara diretamente essa questão, transformando a efemeridade em um legado acessível. Ao digitalizar e contextualizar seu vasto material, o grupo contribui para a construção de uma memória viva da performance brasileira, permitindo que obras que aconteceram uma única vez ou em poucas ocasiões possam ser estudadas, revisitadas e compreendidas por novas gerações.

Isso se alinha a discussões contemporâneas sobre a “arquivabilidade” da performance e a importância dos acervos digitais como ferramentas de pesquisa e difusão cultural. Como aponta a teórica Diana Taylor em seu livro O Arquivo e o Repertório, existe uma tensão produtiva entre o arquivo (documentos, textos, vídeos) e o repertório (práticas corporais, conhecimentos incorporados). O Totem Relicário cria uma ponte entre essas duas dimensões.

A programação do evento, com as “reperformances”, é um exemplo prático da teoria da reencenação na arte contemporânea, que pensa numa ressignificação das obras originais no contexto atual, com novos corpos e perspectivas. Isso demonstra a vitalidade da performance como linguagem, capaz de se adaptar e gerar novos sentidos ao longo do tempo.

A reperformance celebra a continuidade e a evolução de uma linhagem artística. Este conceito dialoga com as práticas de artistas como Marina Abramović e seu projeto Seven Easy Pieces, onde ela reperformou obras icônicas suas e de outros artistas.

A longevidade do Grupo Totem e a participação de ex-integrantes e colaboradores no evento de lançamento sublinham seu papel como um polo de formação e irradiação artística. Muitos artistas que passaram pelo Totem seguiram suas próprias trajetórias, levando consigo a experiência e a filosofia do grupo.

O Totem Relicário, ao disponibilizar o histórico de criações e processos, torna-se uma “escola” aberta, um repositório de metodologias e inspirações para jovens artistas e pesquisadores que buscam compreender as raízes e as evoluções da performance no Brasil. Esta função pedagógica é fundamental em um país onde o ensino formal das artes performáticas ainda enfrenta desafios estruturais.

A atuação contínua do Grupo Totem em Pernambuco, e a visibilidade que o Totem Relicário trará, reforça a importância das cenas artísticas regionais para o panorama cultural brasileiro. Em um cenário muitas vezes centralizado no Rio-São Paulo, o Totem demonstra a riqueza e a capacidade de produção artística de outras regiões, contribuindo para a diversidade e a pluralidade das expressões performáticas nacionais.

O projeto, financiado pelo Funcultura, também evidencia a relevância do apoio público para a sustentabilidade e o desenvolvimento da cultura local. Em tempos de escassez de recursos para a cultura, iniciativas como esta reafirmam a importância das políticas públicas para a preservação da memória artística.

Lau Veríssimo, uma das fundadoras do Grupo Totem. Foto: Divulgação

Fred Nascimento, um dos fundadores do Totem. Foto: Divulgação

Em quase quatro décadas de existência, o Grupo Totem construiu uma das mais consistentes e inovadoras trajetórias artísticas do Brasil, reinventando constantemente as fronteiras da performance, do teatro ritual e da experimentação corporal em Pernambuco. Apesar de sua metodologia singular, que mescla referências antropológicas, mitológicas e políticas, e de ter formado gerações de artistas que hoje atuam em diversas frentes da cena cultural brasileira, o Totem permanece um tesouro parcialmente oculto no panorama artístico nacional. Como tantas iniciativas culturais surgidas fora do trânsito Rio-São Paulo, o grupo carrega o paradoxo de ser simultaneamente reverenciado por quem conhece sua obra e invisibilizado nos grandes circuitos e narrativas oficiais das artes cênicas brasileiras, raramente recebendo o reconhecimento proporcional à sua contribuição estética e cultural.

O projeto Totem Relicário surge, portanto, como um arquivo digital e como um ato de justiça histórica e resistência cultural. Ao disponibilizar virtualmente seus 600 itens documentais e registros de 38 criações realizadas entre 1988 e 2009, o grupo ultrapassa as barreiras geográficas que tradicionalmente limitaram seu alcance, permitindo que pesquisadores, artistas e entusiastas de qualquer parte do mundo possam descobrir e estudar esta produção única. Esta plataforma representa a democratização da memória performática pernambucana e a possibilidade de reescrita de uma história das artes cênicas brasileiras mais plural e descentralizada. O Totem Relicário honra não apenas o passado do grupo, mas aponta para um futuro onde iniciativas artísticas de todas as regiões do Brasil possam ser devidamente reconhecidas, estudadas e celebradas, inscrevendo definitivamente o Grupo Totem no lugar que sempre mereceu: o de referência fundamental da performance contemporânea brasileira.

SERVIÇO
Lançamento do Acervo Virtual do Grupo Totem
Local: Rua de São Bento, 344 – Olinda-PE
Dia: SÁBADO, 05 de julho de 2025
Horário: 17h às 20h
Entrada: gratuita
Mais informações: @grupototemrecife
Site do acervo: grupototem.com.br

FICHA TÉCNICA
Acervo Virtual do Grupo Totem
Direção/coordenação: Fred Nascimento
Pesquisadoras: Lau Veríssimo, Juliana Nardin, Taína Veríssimo e Íris Campos
Web designer e programação: Zé Diniz
Editor gráfico: Luan Amim
Produtora: Taína Veríssimo

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