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Em nome do primeiro amor

Matheus Nachtergaele em Processo de Conscerto do Desejo. Foto: Marcos Hermes

Matheus Nachtergaele abre Janeiro de Grandes Espetáculos com Conscerto do Desejo. Foto: Marcos Hermes

janeiro-de-grandes-espetáculos-SSSSQuando entrevistei Matheus Nachtergaele pela primeira vez, ele já havia passado pelo método do diretor paulista Antunes Filho, pela Escola de Arte Dramática (USP-SP), e deixado sua marca no grupo Teatro da Vertigem, dirigido por Antônio Araújo, por sua atuação nos espetáculos Paraíso Perdido e O Livro de Jó. Já colecionava prêmios como Shell, Mambembe e APCA. Foi uma conversa durante as filmagens de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, dirigido por Guel Arraes, em Cabaceiras, na região do Cariri Velho, a 200 km de João Pessoa. A cidadezinha de apenas três ruas tinha virado um set de filmagem. O cotidiano pacato da população foi alterado com a presença de tanta gente famosa.

Intenso, profundo, boêmio, conversador, bem articulado, magrinho, de uma energia etérea. Matheus Nachtergaele, que interpretava João Grilo, despertava cuidados. Era tanta entrega que parecia que ele poderia explodir. “O tempo vai cuidando de tranquilizar a gente. Mas acho que, daquele tempo, 1998, até agora, acho que estou mais tranquilo. Acho que a minha intensidade talvez fosse um romantismo juvenil, uma entrega muito grande ao personagem, sempre fui muito boêmio. Tinha uma preocupação da produção ‘será que ele vai chegar às 5h da manhã ao set?’. Eu chegava. Mas também não tenho a mesma saúde daquela época para aguentar o tranco.

O ator é uma presença forte no cinema pernambucano. Atuou em quatro filmes de Cláudio Assis: Amarelo Manga, Baixio das Bestas, Febre do Rato e Big Jato. Além de Árido Movie e Sangue Azul de Lírio Ferreira; e Nina, de Heitor Dhalia. Já está com mais um na agulha. Uma adaptação de Nelson Rodrigues dirigida pelo pernambucano Jura Capela, com Lucélia Santos no elenco.

Hoje Nachtergaele abre o festival Janeiro de Grandes Espetáculos com Conscerto do Desejo uma homenagem e tentativa de apaziguamento pela ausência da mãe, que se suicidou quando Matheus tinha três meses. Depois de 30 anos de divã ele resolveu tornar pública essa dor da falta que carrega desde a infância. Acompanhado pelos músicos Henrique Rohrmann (violino) e Luã Belik (violão) o ator faz sua oração profana. Das entranhas, da memória, da imaginação, uma emoção vertiginosa como o primeiro amor que escapou tão rápido.

ENTREVISTA // MATHEUS NACHTERGAELE

Com esse espetáculo, imagino que você está tentando se curar totalmente. Por que você resolveu levar essa inquietação ao palco?
Veja só: comecei a fazer teatro no Antunes Filho. Era 1989. Não estreei nenhuma peça lá. Era o processo de Paraíso Zona Norte, duas peças de Nelson Rodrigues, que ele ia montar; e o trabalho dos atores era muito baseado no trabalho do Kazuo Ohno, o bailarino japonês. Então a gente leu muitos textos de Kazuo Ohno, nem sabia que tinha, mas a gente descobriu na época. Foi a minha primeira experiência teatral realmente. Kazuo Ohno, a física quântica e Nelson Rodrigues eram os nossos três focos. Essa dança expressionista oriental, que tinha o Hijikata e o Kazuo Ohno como pais, essa dança japonesa pós-guerra, o universo de Nelson Rodrigues e a física quântica. Assim eu fui apresentado ao teatro e isso me deixou marcas profundas, até hoje. É claro que eu tive muitas experiências, fui para o Teatro da Vertigem, onde eu fiz o Jó (O livro de Jó), passei pela Escola de Arte Dramática da USP, fiz muito cinema, tive muitos diretores, mas essas coisas me marcaram muito. Dessas coisas todas, alguns princípios me nortearam e me norteiam até hoje. Um deles é o depoimento pessoal. Isso está no Kazuo Ohno, isso está no butô, quer dizer, fazer da sua dor, a dor universal. O trabalho do butô era um trabalho de procurar a sua dor particular e dançar essa dor particular, sem palavras. E isso daria origem, se você fosse um poeta, a uma dança de alguma maneira universal, que atingisse todo mundo, a ideia de que quanto mais você fala do seu quintal, mais você fala do mundo, quanto mais você fala da sua dor, mais você fala da dor de todo homem. Então acho que o processo de Desejo de Conscerto tem a ver com isso. Acho que mais do que nunca estou indo no âmago das minhas questões e acreditando que isso deva fazer sentido para todos nós. Se cada um tem uma grande dor, uma grande perda, uma grande alegria, a minha deve também se comunicar com a dor de todo mundo; e me torna, minha dor especial, igual a todos. Todo mundo tem sua história, suas barbáries e suas maravilhas. Por isso que estou fazendo essa peça. Desde o Woyzeck, em 2005, eu não produzo um espetáculo de teatro. Fiquei muito envolvido com cinema, dirigi um longa-metragem, fiz muitos filmes como ator, muitos trabalhos na televisão e não me ocorria um texto que fosse importante de ser montado. Achava que os meus colegas que faziam teatro, que eu gosto, estavam fazendo teatro que tinha que ser feito, como o Zé Celso, como algumas pessoas que admiro. E me contive. De vez em quando pensava em fazer um Tennessee Williams, por exemplo, logo depois de uns meses de projeto, eu dizia: “não é isso. A veia não é essa!”. Eu tinha feito Woyzeck, que é uma peça determinante, uma peça de texto muito forte, moderno, que inaugura a tragédia moderna. É no Woyzeck que o destino do herói deixa de ser decidido pelos deuses para ser decidido pela sociedade capitalista. É uma peça que fala sobre muitas coisas. Que fala sobre um Brasil que não mudou muito de 2005 para cá. Então eu me sentia um pouco sem tema. Algumas pessoas me diziam: “faz o Hamlet”. Mas o meu Hamlet é o Woyzeck. O meu ser ou não ser estava no Woyzeck. Então me dediquei a outras coisas. Tinha os poemas da minha mãe guardados. Desde os 16 anos que eu tenho esses poemas, eles são o meu único contato oral, mental, racional com a minha mãe. Para mim, minha mãe é uma lembrança, também é uma perda, uma ausência. Eu estive com ela durante doze meses. Dentro do útero e fora do útero. Todo período deu doze meses. Não me lembro disso porque aos três meses é que você cria os primeiros laivos de alteridade. Parece que aos três meses é que a criança saca que existe outro. Até os três meses ela e a mãe são uma coisa só. Então minha mãe se matou justamente quando eu não era mais uma coisa só. Uma mulher inteligente, provavelmente não foi à toa. Não se matou enquanto eu era uma coisa só com ela. Esperou aquele neném entender que ele também existe sozinho e aí ela foi. Eu tinha esses textos como um tesouro. A transmissão oral que me foi possível, intelectual.

Você só teve acesso aos textos aos 16 anos?
Eu tinha 16 anos quando o meu pai me deu, pouco tempo depois de eu saber como ela tinha morrido. Até os 16 anos eu sabia que a minha mãe tinha falecido, que a minha mãe não era minha mãe, minha mãe era uma madrasta, que eu chamo de mãe até hoje, a Carmem, é minha mãe também. Mas eu não sabia como tinha acontecido. Eles demoraram um pouco porque na nossa sociedade o suicídio é uma coisa complexa. Eu acho que na nossa sociedade não…é complexo. Então demoraram um pouco para me contar. Quando me contaram eu tinha 16 anos e logo na sequência papai me deu os poemas. E eu então guardei. Foi mais ou menos quando eu decidi ser ator. Acredito que, de alguma forma, eu estou esperando esse momento há muito tempo. Como você falou, talvez uma certa intensidade, uma boêmia, um romantismo meu, me impediram de fazer isso antes. Sempre achei que se eu fizesse, eu ia ficar muito mexido e não ia aguentar a barra. E agora eu me sinto diferente. Eu me sinto homenageando não a mamãe exatamente, mas o que nós temos em comum, homenageando a possibilidade de ser feliz com o que se tem. Então tenho mamãe, que morreu em condições tristes, não são as condições ideais, um suicídio é de alguma maneira como um acidente, como um câncer, como algo que a gente não gostaria que acontecesse. Sendo que a pessoa que morre empunhou a arma que a matou. Mas, ao mesmo tempo, a mamãe me deixou os poemas, me deixou o talento, me deixou 50% de tudo que acontece em mim. Então quando eu faço essa peça e só agora eu posso fazer dessa forma, eu celebro o fato de, por ter sofrido a falta dela, talvez, também ser um ator, e usar o que eu tenho para dizer os textos dela, quer dizer, dar voz ao que foi calado. Fazer uma peça com mamãe, já que eu não pude fazer muitas coisas com ela, além de ser gerado e mamar, se é que é pouco. Agora a gente faz uma peça juntos. Eu não sou místico, então eu não acredito que ela esteja, em nenhum nível aqui acompanhando espiritualmente. Mas acredito que ela energeticamente, uma palavra mais ampla, está junto, os textos são dela, não mudo uma palavra do que ela escreveu, visto um vestido parecido com o vestido que dizem ela tinha separado para usar no meu batizado, ela morreu na madrugada que antecedia o meu batismo. Nunca se sabe se esse vestido preto foi guardado para o meu batismo ou se já foi reservado para o enterro. Ela foi enterrada com essa roupa, então eu nunca vi essa roupa, mas eu sei que era um vestido preto. Então eu visto essa roupa e falo os poemas da mamãe, mas sou eu falando. A gente faz a peça juntos. É uma peça bem simples, é um recital, com música, tem um violão clássico, com Luã Belik, e um violino clássico tocado por Henrique Rohrmann, e eu falo os poemas da mamãe, a gente canta e toca músicas que eu sei que a mamãe gostava, por notícias de parentes, de papai. E a gente faz disso então um concerto.

Você falou que não é místico. Você é agnóstico?
Eu não gostaria de definir, sabe por que? Eu acho que nenhuma palavra daria conta do que acontece exatamente. Nem comigo, nem com ninguém, não é? Se eu disser que eu sou um agnóstico, eu estaria mentindo. Se eu disser que sou ateu, eu vou estar mentindo também. Mas se eu disser que eu creio, eu também estou mentindo. Então eu sou um ateu que acredita em milagre. Eu sou um agnóstico com presságios, entendeu? Eu tenho sentimento de agradecimento pela vida, no sentido budista, mas não sou budista. Eu acredito que o amor é uma força bonita, poderosa e criadora, mas não acho que isso tenha um nome, não acho que isso vem de um ser, isso é uma consequência de um fluxo de coisas. Me sinto em Deus, se é que eu tenho que usar uma palavra para que todo mundo possa falar a mesma palavra. Então não sinto que eu preciso acreditar em Deus, uma vez eu já estou em Deus, eu, você, a planta, a máquina fotográfica. Está todo mundo em Deus, nesse fluxo que tem vida, tem morte, tem poema, tem suicídio, tem políticos roubando a gente, tem gente passando fome, tem Aids, tem amor, tem dança, tem festa, tem batuque, tem flor, tem espinho, tem leão matando a gazela, tem a gazela dando à luz um bebezinho de gazela, que sai e come uma plantinha, entendeu? E tudo isso vai sendo Deus. Então não preciso acreditar em Deus, uma vez que estou nele. E aí eu me defendo da pergunta dessa forma. Por que eu acreditaria, se eu já estou? Se já estamos todos aqui. Não é muito diferente do que as doutrinas pregam, mas não é doutrina.

A peça estreou no Rio de Janeiro. Recife é a primeira cidade que recebe a montagem depois da estreia?
É a primeira vez que a gente viaja. Estou bem contente de ser aqui, por motivos óbvios. Sou um pouco pernambucano de alma. Artisticamente eu sou muito pernambucano. Por muitos motivos eu fui jogado para dentro de uma poética que é a poética pernambucana, a poética de vocês, que se tornou a minha também. Acho que isso começou a acontecer no Auto e depois isso seguiu acontecendo nos meus encontros com Cláudio Assis, com Lírio, com Guel. Eu frequento a família Suassuna, sou amigo de Dantas, amava Ariano. Fiquei muito tempo no Sertão, trabalhando, filmando, e participando acho que poeticamente do universo pernambucano. Então apesar de ser paulistano, eu tenho cadinho que é pernambucano. Tenho grandes amigos aqui, pessoas que eu amo de verdade. Então estou contente de a primeira viagem da peça ser para cá. Acho que é um colo bom. É a primeira vez que a peça vai ser feita no palco italiano, é a primeira vez que a gente vai ter muito público. A peça sempre foi feita no Teatro Poeira, que é um teatro pequeno, como um útero. É uma cerimônia. Aqui a gente vai ter que fazer essa cerimônia se tornar uma missa, uma missa ateia, uma missa laica. Manter essa delicadeza da oração laica, mas para 700 pessoas. Então estar com amigos por perto é bom.

Por falar em amigos, acho muito bonita a relação que você tem com Conceição Camarotti. Então já que estamos falando de amor, de amizade, qual o significado dessas pessoas na sua vida?
Eu sempre me achei um cara meio incapaz de amar. Mas eu acho que subestimei minha capacidade. Muito tempo eu sentia culpa. Dizia: ‘poxa, eu não sou tão amigo dos meus amigos quanto eles são de mim’, ‘poxa, não sou tão amigo da minha madrasta quanto ela é de mim’. Eu colocava muita culpa nessa minha dor da mamãe ter morrido e ao longo do tempo e do amadurecimento que a gente vai tendo, eu fui percebendo que não, que eu tinha amigos de longa data e pessoas que estão na minha vida de uma maneira tão determinante. E a Conceição Camarotti é uma dessas pessoas. A gente se conheceu no Amarelo Manga, filme do Cláudio Assis, a gente criou um vínculo afetivo para além das cenas e do convívio no cinema, no set de filmagem. A gente ficou amigos íntimos, a gente é confidente, a gente se frequenta, a gente se fala de quando em quando, ela me liga quando tem saudades, só para dizer que estava com saudades, só para falar oi para mim. E eu penso na Conceição quase todo dia da minha vida, em algum momento, lembro da Conceição, assim como lembro de algumas pessoas que eu amo para sempre. Acho que a Conceição é uma dessas pessoas que me ensina que eu sei amar. Claro que grande parte disso é um mérito dela, ela que foi me ensinando ao longo do tempo, que uma amizade pode ser algo muito duradouro, muito eterno, muito bom. Eu fico muito calmo quando estou perto dela, me sinto em paz. A gente dá muita risada e fala muita sujeira! Vocês não têm noção da quantidade de porcaria que a gente fala dando gargalhadas. Ao mesmo tempo a gente é capaz de passar horas em silêncio, sem se incomodar, isso é importante eu acho, alguém com quem você possa ficar em silêncio muitas horas, é muito gostoso. Eu estou doido para que ela veja a peça, porque ela conhece essa minha história, conhece os poemas, ela se comove com a história da mamãe, ela gosta da história da mamãe, mesmo sem ter conhecido a minha mãe; ninguém conheceu a minha mãe, só meu pai e os meus avós. É engraçado…ela sempre gostou muito da mamãe, simpatiza com a mamãe. Então acho que ela vai se emocionar.

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Valdi Coutinho: amante do teatro, futebol e Carnaval

Jornalista e crítico teatral Valdi Coutinho, homenageado do Festival Recife do Teatro Nacional deste ano. Foto: Inaldo Lins

Jornalista e crítico teatral Valdi Coutinho, homenageado do Festival Recife do Teatro Nacional 2015. Foto: Inaldo Lins

Talvez os artistas de teatro mais jovens de Pernambuco não conheçam o trabalho de Valdi Coutinho. Aqueles com mais anos de estrada, certamente sim. Muitos desses, como bem disse Paula de Renor na abertura do Festival Recife do Teatro Nacional, no último dia 21 de novembro, iam à redação do jornal entregar o release impresso dos seus espetáculos. O jornal era possivelmente a principal ferramenta de divulgação das peças.

Como os tempos mudaram, os críticos de teatro que atuam hoje em jornal não têm o mesmo prestígio e poder de persuasão que Coutinho exerceu durante praticamente três décadas – 1970, 1980, 1990. Ele assinou uma coluna diária no Diario de Pernambuco, além de escrever artigos mais longos e entrevistas. Impulsionou muitas carreiras numa época em que não existia internet ou mídias sociais. Fez muitos amigos e poucos inimigos. Foi um crítico moderado: admite que preferia o silêncio quando considerava a qualidade do espetáculo muito comprometida.

Por muitos anos, na labuta diária do jornalismo, se dividiu entre duas paixões: o teatro e o futebol. Em entrevista ao Satisfeita, Yolanda?, Valdi Coutinho conta, por exemplo, que acompanhou quatro Copas do Mundo. Ele é também apaixonado por Carnaval e é um dos idealizadores do Baile dos Artistas.

Homenageado do 17º Festival Recife do Teatro Nacional, em reconhecimento ao seu trabalho como jornalista, ator e incentivador do teatro pernambucano, Valdi Coutinho emocionado, na abertura do evento, disse que era o dia mais lindo de sua vida. Muita gente de teatro estava lá para prestigiar esse tributo, como as atrizes Maria de Jesus Baccarelli, Suzana Costa, Ivonete Melo, os diretores Antonio Cadengue, João Denys e José Manoel Sobrinho.

ENTREVISTA // VALDI COUTINHO

Valdi, você trabalhou muito anos no Diario de Pernambuco. Você fez parte da editoria de Esportes também? Como eram divididas suas tarefas?
Passei quase 30 anos no DP e durante algum tempo me dividi entre Esportes, com o editor Adonias de Moura, e Viver – artes cênicas – com a editora Leda Rivas, o que não criava problema nenhum, pois os dois editores compreendiam minha simbiose entre o futebol e o teatro. Quando viajava, – e viajei muito, conheci toda a América do Sul, Estados Unidos, e fiz quatro Copas do Mundo (Argentina, Espanha, México e Itália), passando dois meses em cada um desses países,- era substituído na coluna diária de artes cênicas por jornalistas-colegas maravilhosos, tais como Sanelvo Cabral, Inês Cunha, Marilourdes Ferraz, entre outros, e nunca houve problemas. Grato, então a Leda Rivas e ao saudoso Adonias de Moura. José Maria, esse último foi quem me entregou  a missão de fazer a coluna de artes cênicas (substituindo Adeth Leite, quando ele faleceu), todos os dois de saudosa memória.

No período em que você atuou, o teatro pernambucano era mais vibrante? Tinha mais projeção?
Não, quando eu comecei a escrever sobre artes cênicas só havia o TAP, chamado de Jardim dos Oliveiras, o Tucap, Leandro Filho e seu teatro infantil. Aí eu fui incentivando, abrindo espaço, dando notícias sobre outras produções e começou o rebuliço, e passamos a ter um movimento teatral, chegando o Recife a ser o 3º polo de produção teatral. Enfim, sem falsa modéstia, o Recife começou a ter projeção nacional.

Como foi o seu encontro com o teatro? Como ator, diretor, crítico?
Naquela época não existia Internet nem redes sociais. O jornalista tinha que estar por dentro de tudo, bem informado sobre o que ia escrever, e eu estava até demais, só assim tinha informações, críticas e resenhas para escrever sobre teatro, diariamente. Aos 10 anos já fazia teatro interpretando Tarcísio, o mártir da Eucaristia, no Seminário de Nazaré da Mata, sob a direção do professor Higino. Depois, no Seminário de São Pedro, em Natal, comandava o show Xô Arara, Arara Show, aos domingos, para fugirmos da sala de estudos, à noite. Aos 16 anos, na cidade de Gurupi, Goiás, dirigi vários espetáculos musicais apresentados no Cine Boa Sorte, de sr. Moisés, com coreografias, esquetes dramáticos e cômicos, etc, que lotavam a casa. Quando jornalista, no Recife, fiz estreia na peça A Falecida, de Nelson Rodrigues, pelo elenco dos aspirantes ao TAP, direção de Valter de Oliveira. Depois fui presidente do Teatro Ambiente, do MAC, substituindo Petrúcio Nazareno, fundei o Teatro Experimental de Olinda, TEO, onde despontaram inúmeros talentos, como o hoje famoso José Manoel.E não parei mais, fazendo e escrevendo sobre teatro.

Uma crítica de teatro ainda tem alguma serventia?
Uma crítica de teatro ainda tem incomensurável valor não só para o público mas especialmente para os que fazem teatro.

Você ainda escreve críticas? O que você acha importante analisar?
Não escrevo mais críticas. Mas, acho tudo muito importante na crítica, desde a análise do texto até da contrarregragem.

Como se forma um bom crítico de teatro?
Um bom crítico, ao meu ver tem que compreender tudo, desde os bastidores até o produto final de uma encenação.

Uma das grandes polêmicas da produção pernambucana foi a estreia, e a curta temporada, da montagem Um Bonde chamado desejo, da qual você era assessor de imprensa. A crítica, num caso raríssimo, foi publicada duas vezes em página inteira no JC, porque trocaram a assinatura do autor da matéria. E não era uma crítica favorável ao espetáculo. O que diria sobre isso?
Naquela época existia uma guerra demolidora, amarga, azeda, de bastidores. Conheço produtores que ligavam para os teatros a fim de saber quantas pessoas tinham ido ver o outro espetáculo em cartaz para compará-lo com o seu. Um Bonde Chamado Desejo foi vítima dessa discórdia, sobrou até pra mim, foram pedir minha cabeça no jornal porque eu fiz assessoria de imprensa do espetáculo. Sofri muito na época. Sobrou para a produtora e protagonista do espetáculo Suzana Costa, na época namorada do presidente da FCCR, injustamente perseguida. Foi uma baixaria. Saímos incólumes dessa violência, o espetáculo fez sucesso e eu permaneci escrevendo sobre artes cênicas. Não mexe comigo, eu não ando só…

O que acha da cena teatral brasileira contemporânea? Estamos mais ricos ou mais pobres artisticamente
Acho que estamos mais pobres. O valor comercial do espetáculo prevalece, o público adora ver pintas no palco. Mas isso está passando graças a uma nova geração que está chegando com excelentes espetáculos

Na sua carreira de crítico tem algum texto que você se arrependeu de ter escrito. Por quê? Ou alguma crítica que você lamentou não ter escrito. Por quê?
Não, não. Quando eu achava que o espetáculo era pobre demais eu simplesmente não fazia crítica para não prejudicá-lo.

Quais as melhores peças que você já conferiu?
As melhores que conferi são muitas, mas eu destacaria as dirigidas por Antonio Cadengue, Carlos Bartolomeu, José Pimentel, Guilherme Coelho, José Francisco Filho, Geninha Rosa Borges, entre outros, os citados são os melhores encenadores para mim.

Você tem alguma mágoa do teatro ou do jornalismo pernambucanos?
Não tenho. Mágoas e ressentimentos provocam câncer, infarto, depressão, já não sei o que são esses sentimentos. Se houve, passaram, hoje eu vivo o presente e cada dia como se fosse o último.

O que você faz do seu tempo?
Amo. A Deus, à vida, ao mundo, antenado e animado pelas redes socais, pela Internet.

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Um massacre para não esquecer

Salmo 91 estreia hoje no Recife. Fotos : Wilson Lima / divulgação

Outubro de 1992. Oficialmente, 111 presos foram mortos na casa de detenção de São Paulo, conhecida pelo nome de Carandiru. Comenta-se, no entanto, que foram mais de 250. A chacina chocou o país e o mundo. Esse episódio virou livro, Estação Carandiru, de Drauzio Varella, e depois teatro. Com texto do jornalista e dramaturgo Dib Carneiro Neto, Salmo 91 aborda o cotidiano selvagem de personagens que se digladiam entre domínios e desejos. Ao dar voz aos prisioneiros, a peça mostra como o sistema carcerário brasileiro está falido.

Composta por dez monólogos, Salmo 91 conta o drama de cada personagem. Dadá, um sobrevivente do massacre inicia a narração. Em seguida, os outros nove presos expõem suas questões.

O texto teve sua primeira montagem em 2007, com direção de Gabriel Vilela, e conquistou o prêmio Shell de melhor autor no ano seguinte. Além da montagem de Vilela, a peça teve outras duas montagens: uma no Uruguai e outra na Bahia. Hoje estreia a versão pernambucana com o grupo Cênicas Cia de Repertório, na sede do grupo, no Bairro do Recife, com direção de Antônio Rodrigues. É a primeira montagem que o grupo fez especificamente para estrear na sede, espaço alternativo importante da cidade, que vem recebendo ao longo dos anos cada vez mais apresentações e projetos. Os ingressos para a estreia já estão esgotados.

Entrevista // Antônio Rodrigues

Antônio Rodrigues, diretor e ator do espetáculo

Salmo 91 é uma peça teatral escrita por Dib, adaptação do livro Estação Carandiru, de Drauzio Varella. O texto já foi encenado várias vezes e ganhou muitos prêmios. O que lhe motivou a encenar esse texto agora, no Recife de 2015?
A relação com o texto, mesmo que indireta, já é antiga. Antes de montarmos Senhora dos Afogados, tínhamos interesse em um texto do Sergio Roveri que era inspirado no conto Barbara, do Drauzio Varella, que tinha o Carandiru como tema. Passamos um tempo procurando textos para o elenco masculino do grupo, mas não montamos na ocasião. Depois do Nelson (Rodrigues) mergulhamos no texto A filha do teatro, montagem com o elenco feminino do grupo. Quando voltamos à ideia de montar um espetáculo com os atores da cia, fomos pesquisar textos dentro do universo carcerário. Foi aí que entramos em contato com Dib Carneiro Neto, que nos enviou o livro com o texto Salmo 91 e a identificação foi imediata. Não somente pelo universo retratado, uma vez que, apesar de terem se passado 23 anos do massacre, essa questão permanece atual e urgente, como também pelo caráter confessional dos monólogos, que nos permitiria uma encenação onde a relação próxima e íntima com o público fosse potencializada, em espaços alternativos, uma vez que tínhamos o desejo de estrear um espetáculo feito no Espaço Cênicas.

Você assistiu a alguma das outras montagens?
Não tivemos a possibilidade de assistir nenhuma montagem anterior. Em nossas pesquisas tivemos conhecimento da montagem do Gabriel Vilela em São Paulo, da montagem baiana e de uma montagem fora do Brasil, no Uruguai.

Qual a sua abordagem nessa encenação?
A peça pretende construir uma ambientação que condense essa atmosfera trágica dos muros e paredes do Carandiru. O público precisa sentir-se dentro desse ambiente, na intimidade dos narradores e com a proximidade como estratégia de ligação com o universo carcerário. A cena se passa no espaço interno do presídio, o público é levado para dentro da cadeia, seja na intimidade das celas ou nos corredores das galerias. As cadeiras serão dispostas nas laterais da cena, fazendo da assistência um espectador próximo e íntimo dos relatos. Além desta pretensa proximidade, a iluminação será pontual valorizando o jogo de claro e escuro, sombra e luz, que revelam ou escondem as dores e agruras expostas. Os depoimentos do texto sugerem uma composição, tanto em termos cênicos como interpretativos, que oscila entre uma mobilidade pulsante dos personagens e das imagens, como em movimentos muitos precisos e limitados pelo ambiente do claustro. As imagens e visualizações potencializam a composição e construção das personagens, revelando as sensações e pulsações da cena. As narrativas dos monólogos têm caráter íntimo e devastador.

Como funcionou o processo de criação – os ensaios, a escolha do elenco?
O elenco é formado pelos atores da Cênicas Cia de Repertório. Fizemos um levantamento de pesquisa sobre o universo da montagem: assistimos documentários, lemos o livro Estação Carandiru e só não fomos ao presídio porque estourou uma rebelião nos presídios de Pernambuco no período dos ensaios. A mola propulsora da encenação é o trabalho de corpo e voz dos atores, que atuam como coautores das cenas, criando uma nova dramaturgia, a dramaturgia do ator. Toda uma experimentação envolvendo contensão física e expansão energética será combustível na criação de um corpus interpretativo que desenvolva no ator a apropriação da atmosfera densa, da construção de personagem e de uma relação próxima com o público. No início foram trabalhados laboratórios com o universo do texto, sem definição de papeis. Só após uma apropriação das possibilidades que os personagens foram sendo construídos. Todos os atores passaram pelos 10 personagens na sala de ensaio. Tivemos a assistência de direção e preparação de elenco de Sônia Carvalho.

A narrativa explora em dez monólogos intercruzados a visão pessoal dos presos em relação à vida e ao crime. Como você elaborou as cenas e conduziu a visão de cada personagem?
Além de dar voz à margem, cada cena, cada diálogo, é um retrato real daquelas vidas, tirando-as do anonimato e colocando-as em destaque para questionar a violência das paredes e daqueles que a habitam. A cena traz a história de 10 detentos do pavilhão 9, onde oficialmente 111 foram assassinados, mas de acordo com a voz dos detentos foram mais de 250 mortos. A peça não é um relato realista do massacre e foca na perspectiva do preso sobre a vida marginal. Por meio da subjetividade das personagens, o drama desenrola questionamentos sociais sobre a marginalidade, colocando em foco as sensações de medo, desejo, vaidade e violência, revelando uma representação do teor do livro que expõe o que realmente acontecia dentro e fora das celas.

O que você acha de ter no Recife outra peça que dialoga com essa questão do cárcere – no caso , Sistema 25?
O massacre do Carandiru, que ficou conhecido como a maior chacina do sistema penitenciário brasileiro, não é um fato isolado. Ter mais de um espetáculo abordando essa temática, revela que o tema é uma questão que urge, o nosso sistema carcerário padece de reforma. Questões como redução da maioridade penal, pena de morte, entre outras, não são verdadeiramente abordadas buscando as reais soluções. O problema é em toda estrutura do sistema. A violência velada desse sistema é algo urgente e atual.

Ficha Técnica:

Texto: Dib Carneiro Neto (adaptação do best-seller Estação carandiru, de Drauzio Varella)
Encenação: Antônio Rodrigues
Preparação de elenco e Assistência de Direção: Sonia Carvalho
Elenco: Álcio Lins, Gustavo Patriota, Raul Elvis, Rogério Wanderley e Antônio Rodrigues
Ator coringa: Tarcísio Vieira – standy by
Figurinos: Álcio Lins, Antônio Rodrigues e Sônia Carvalho
Adereços: Álcio Lins, Felipe Lopes, Sônia Carvalho e o Grupo
Máscaras: Grupo
Cenário: Antônio Rodrigues
Execução de Cenografia: Felipe Lopes
Execução de Figurino: Francis Souza
Maquiagem: Álcio Lins
Sonoplastia: Antônio Rodrigues
Operação de som: Tarcísio Vieira
Fonoaudióloga: Sandra Carmo
Iluminação: Luciana Raposo
Operação de luz: Nardonio Almeida
Design Gráfico: Antônio Rodrigues
Contra Regra: Monique Nascimento
Produção Executiva: Sônia Carvalho e Antônio Rodrigues
Realização: Cênicas Cia de Repertório

Peça expõe sofrimentos, desejos, frustrações, revoltas dos presos do Carandiru

Serviço:

Salmo 91
Quando: De 1º de agosto a 6 de setembro, sábados às 20h; e domingos, às 18h. Os ingressos para a estreia estão esgotados.
Onde: Espaço Cênicas (Rua Marquês de Olinda, 199 – segundo andar. Bairro do Recife Antigo – Entrada pela Vigário Tenório).
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada mediante apresentação de carteira de estudantes ou RG em caso de maiores de 65 anos.).
Ingressos antecipados no link: http://www.eventick.com.br/salmo-91
Capacidade:65 lugares

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Teatro pernambucano de fora do FIG

Plateia do espetáculo Gonzagão, a lenda, que lotou o Palco Pop/Forró. Foto: Costa Neto

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O Festival de Inverno de Garanhuns (FIG) é gigantesco, com vários polos nas mais diversas linguagens, da música às artes visuais, do cinema à cultura popular. Passando por patrimônio, literatura, fotografia e artes cênicas. Durante dez dias do mês de julho, esse evento consolidado, e que já conta um quarto de século, atrai gente de todo o Brasil interessada na programação artística gratuita, na gastronomia, nas iniciativas educativas e no friozinho que confere um charme especial a essa cidade do Agreste pernambucano.

Com tantos predicados e um público faminto por consumir arte e cultura, a programação da 25ª edição FIG surpreendeu, frustrou e deixou indignada a classe teatral do Recife e de outras cidades do estado: nenhum espetáculo de teatro adulto de Pernambuco foi selecionado para participar do evento. A única peça de teatro adulto de Pernambuco que entrou nessa grade foi Frei Molambo, de Marcelo Francisco, mas na cota de Garanhuns (do mesmo modo como acontece com a música na Praça Dominguinhos, que sempre traz uma atração da cidade).

Já na categoria para infância e juventude, as três peças que compõem a programação são pernambucanas: Era Uma Vez Um Rio, da Cênicas Cia de Repertório; Haru – A Primavera do Aprendiz, de Carla Souza Navarro; e Salada Mista, da Cia 2 em Cena. Cafuringa, de José Alexandre Menezes de Andrade, também de Pernambuco, foi para a grade de teatro de rua.

Teatro Luiz Souto Dourado, que hospeda as peças adultas

Teatro Luiz Souto Dourado, que hospeda as peças adultas. Foto: Normando Siqueira

Teatro adulto – A programação de teatro adulto do FIG este ano é composta por cinco espetáculos do Rio de Janeiro (Gonzagão, A Lenda, da Companhia A Barca dos Corações Partidos; Oleanna, de Pasodarte Eventos; As Bondosas, da Cia. SOS de Teatro Investigativo; O Pastor, do Cine Teatro Produções e No Buraco, Etc e Tal Produção Cultural), um da Paraíba (Quincas, do Grupo de Teatro Osfodidário,), um do Rio Grande do Norte (Jacy, Grupo Carmin) um do Rio Grande do Sul (GPS Gaza, Cia. de Solos e Bem Acompanhados) e o já citado Frei Molambo, de Pernambuco.

A questão é delicada: não se pode pensar em barrar os bons espetáculo nacionais. E, este ano, as peças até agora tem mostrado ótima qualidade, a exemplo de Gonzagão, A Lenda; Jacy; Quincas e Oleanna. Mas o questionamento também é inevitável. Se o FIG tem todo esse destaque – até o governador faz questão de dizer que o festival valoriza a cultura pernambucana -, como não incluir os pernambucanos?! Os grupos teatrais do estado se sentiram desvalorizados. Com a dificuldade de circular pelo estado, é também uma oportunidade perdida de ver produções ganharem outros públicos.

Convocatória – A seleção de propostas para o 25º Festival de Inverno de Garanhuns – FIG 2015 foi feita através de uma Convocatória Nacional. Esse edital previa a composição da programação cultural com “oficinas, shows, cortejos, performances, intervenções, recitais, vivências criativas, espetáculos, palestras, debates, exposições, mostras, encontros, ações de patrimônio cultural e outras atividades artístico-culturais”.

As propostas inscritas foram avaliadas em duas etapas: a primeira – Análise Preliminar (eliminatória), realizada por equipes técnicas da Secult-PE/Fundarpe; a segunda etapa – Análise de Mérito Artístico-Cultural (classificatória e eliminatória), consiste na avaliação do conteúdo das propostas habilitadas. A Comissão de Análise de Mérito de atividades artístico-culturais de fruição de teatro foi formada por Jorge Clésio e Wellington Júnior, indicados pela Secult-Pe; e Carlos Lira e Ronaldo Lopes Brissant, representantes da sociedade civil.

As 87 propostas aprovadas na Análise de Mérito Artístico-Cultural estão listadas por ordem alfabética. O arquivo está disponível no site Cultura.pe. A tabela inclui tanto espetáculos adultos quanto infantis.

Haru é uma das três peças da grade infantil. Foto: Costa Neto Secult-PE

Haru é uma das três peças da grade infantil. Foto: Costa Neto Secult-PE

Das propostas para teatro adulto do Recife ou de outras cidades de Pernambuco, nenhuma entrou na programação. Identificamos como pernambucanos ao menos 13 espetáculos (a lista não diz a procedência de cada obra): Abraço – Nunca Estaremos Sós, de Lívia Rodrigues Lins; Auto da Compadecida, do Teatro Experimental de Arte – Tea; A Mandrágora, de Galharufas Produções (Taveira Belo LTDA); A Visita, de José Severino Florêncio de Souza; A Receita, d’O Poste Soluções Limitadas; Borderline, de José Barbosa Neto; Em Nome do Pai, da Rec Produtores Associados; Madleia + Ou – Doida, de Henrique Celibi; Matheus e Catirina – 25 Anos de Munganga, de José Brito do Nascimento; O Pranto De Maria Parda, de José Gilberto Bezerra De Brito; Obscena, Um Encontro Com Hilda Hilst, de Fabiana Pirro; Senhora de Engenho Entre a Cruz a Torá, de Patrícia Assunção de Souza e Tapioca, de Bóris Trindade Júnior.

Debate – O questionamento dos produtores é, justamente, se nenhuma dessas encenações mereceria estar no FIG. O produtor Taveira Júnior, de A Mandrágora (Galharufas Produções) considerou a programação do Festival muito ruim, porque contemplou tão somente espetáculos de fora de Pernambuco. “Achei sem identidade com o povo pernambucano que é quem, na verdade, paga o Festival. Minha surpresa maior não foi não constar na lista, e sim saber que uns cem números de espetáculos locais e de qualidade não estavam presentes na mesma, sob a alegação de que não houve pontuação mínima”, argumentou Taveira.

“Acho que não fica claro qual o critério para essas ‘contratações’”, pontua o ator José Barbosa Neto, de Borderline. Também com um sentimento de frustração, Barbosa Neto diz que um dos motivos de ter se mudado para o Recife, além da pesquisa de um novo espetáculo, foi constatar o quanto o pernambucano consome cultura.

Duda Martins e Lívia  Lins, que atuam e dirigem Abraço, produziram musical com dinheiro do próprio bolso. Foto: Fernanda Acioly/ Divulgação

Duda Martins e Lívia Lins produziram musical com dinheiro do próprio bolso. Foto: Fernanda Acioly

As duas atrizes, diretoras e produtoras de Abraço – nunca estaremos sós, Lívia Rodrigues Lins e Duda Martins, são mais moderadas – consideram a programação boa: “diversificada em suas linguagens, traz grandes e ótimos espetáculos, como é o caso de Gonzagão – A lenda, mas deu pouco espaço para as produções locais”, ponderam.

Gilberto Brito, ator de O Pranto de Maria Parda, é mais enfático e se diz não convencido com as escolhas: “parece arrumadinho”. Outro que também discorda do resultado é o ator, dramaturgo e produtor Henrique Celibi, de Madleia + ou – doida. “O tempo passa e a política cultural dos festivais que acontecem aqui é de exclusão do teatro local”, avalia.

Fabiana Pirro, atriz de Obscena

Fabiana Pirro, atriz de Obscena, Um Encontro com Hilda Hilst

Sem desmerecer outros trabalhos, a atriz Fabiana Pirro insiste que é preciso que haja espaço para a produção do estado no FIG. “Estou com uma peça novinha – Obscena, Um Encontro Com Hilda Hilst-, pronta para ser mostrada. E que foi montada sem nenhum apoio do governo ou da prefeitura”. Fabiana lembra que a grade de música contempla os locais e acredita que a de teatro deveria fazer o mesmo. “Sem bairrismo de ser tudo de Pernambuco. Já vi coisas lindas de fora no FIG como o Galpão, Denise Stoklos, mas poxa, vamos botar para trabalhar os da casa também, a gente precisa pagar conta, a gente precisa continuar nossa atividade, porque a gente faz toda a produção para ir pro palco”.

A produção de Em nome do pai (Rec Produtores Associados) atendeu aos critérios exigidos pelo edital, passou por todas as etapas, mas não houve acordo quanto à questão financeira. “Era necessário que o valor colocado (exigência do edital), fosse comprovado em vendas anteriores e como nosso espetáculo ainda não possui este currículo, pois estreou no final de abril e fez apenas uma temporada, não conseguimos uma comprovação de valor que correspondesse à apresentação mais as despesas”, explica a diretora Cira Ramos.

A proposta inicial do grupo foi de R$ 12 mil, porque a produção calculou duas diárias para toda a equipe e todas as despesas (impostos, cachês, translado, transporte de cenário, hospedagem, alimentação e outros. “Foi negociado para baixarmos para R$ 9 mil. Mas as comprovações que conseguimos, não chegaria a este valor”, expõe Cira. Em nome do pai então declinou do convite, já que, segundo os cálculos, o grupo teria prejuízo.

Pela lei de responsabilidade fiscal, todos os espetáculos precisam cumprir as mesmas regras. Mas aí entra a lógica do mercado. Espetáculos, shows, com gente mais famosa e com produtores mais articulados, conseguem maiores cachês. Ao exigir essas comprovações de apresentações feitas, as montagens mais antigas e as que tem mais poder de persuasão ganham espaço.

Cira Ramos, diretora do espetáculo Em nome do pai

Cira Ramos, diretora do espetáculo Em nome do pai. Foto: José Barbosa

Cira Ramos entende que a exigência de comprovação de cachê é excludente para as montagens locais. “Os grandes espetáculos de fora conseguem vender para o FIG com valores reais aos praticados em outras realidades”, deduz. A diretora faz questão de deixar registrado que os funcionários da Fundarpe foram cuidadosos e fizeram esforço para tentar manter o espetáculo na programação. “Enquanto não houver uma mudança neste formato, a nossa produção local continuará excluída deste Festival. Ou então a Fundarpe arque com as despesas das produções pernambucanas, para que o cachê de apresentação fique direcionado para pagamentos dos profissionais. Não é possível embutirmos todas as despesas dentro de um cachê absurdamente baixo! Principalmente sabendo que só recebemos com três ou mais meses depois de finalizado o FIG”, complementa.

O produtor Taveira Júnior sugere um percentual mínimo para espetáculos pernambucanos no FIG. Já José Barbosa Neto propõe a possibilidade de criar mostras, como ocorre em alguns festivais. “Isso poderia equilibrar e promover mais o acesso e a fruição de nossas produções”, acredita.

Lívia Rodrigues e Duda Martins atestam que não são contra a participação de grupos de fora. “Isso faz parte de um festival do porte do FIG e é bom para o intercâmbio cultural. No entanto, a prioridade deve ser das produções locais, pelos motivos óbvios de valorização da cultura local”. Para a dupla de Abraço a questão não é “incluir os espetáculos pernambucanos”. É sim “incluir alguns de fora”. “A sugestão é implantar uma cota para os nacionais e “incentivar” a comissão julgadora a conhecer mais a fundo o que está sendo produzido no estado, o que acreditamos que aconteça muito bem em outros campos artísticos, como a música”.

As atrizes  Agrinez Melo, Naná Sodré e o diretor Samuel Santos, do Grupo O Poste Soluções Luminosas

As atrizes Agrinez Melo, Naná Sodré e o diretor Samuel Santos, do Grupo O Poste Soluções Luminosas

Para o Grupo O Poste Soluções Luminosas, cujo núcleo permanente é formado pelo diretor Samuel Santos e pelas atrizes Agrinez Melo e Naná Sodré, “Se a Fundarpe, toda vez e a cada ano, vem diminuindo os espaços de escoamentos da cena local, ela está trabalhando contra o que ela mesma se destina. É dar um tiro no próprio pé. É preciso, de fato, ter esse objetivo como meta. Já ouvimos dizer que o FIG não é um festival local e sim nacional e, como nacional, a prioridade são os grupos e as atrações de fora. Mas aqui não estamos falando em termos de conceito de festival, mas sim de diretrizes da Secretaria e da Fundação. Estamos falando da Portaria Fundarpe nº 05, de 24/08/2009. Estamos falando de arte e artistas locais e seus principais campos de escoamentos”, atestam. O grupo explicita o Artigo 2º da referida Portaria: “É dever da Fundarpe preservar seu patrimônio histórico, cadastrar os seus bens culturais materiais e imateriais, apoiar e incentivar a valorização, a difusão e a fruição das suas manifestações, pluralidade da produção cultural e impulsionar a sua sustentabilidade econômica”.

“Nós, enquanto grupo de teatro, abrimos um espaço (que fica ao lado da Fundarpe, inclusive) sem nenhum apoio institucional. Como não há apoio, como sobreviver? Como manter esses novos espaços que vem fomentando Pernambuco? Como? Levando as produções locais para os festivais, mostras, municípios de Pernambuco. Criando ações fora edital do Funcultura. Aí é que entra o governamental, o pensamento do estado antenado com a arte e os artistas locais e suas prioridades”, complementam os artistas do O Poste. Eles também questionam o espaço físico disponibilizado para as apresentações. “Nem todas as peças se adequam naquele palco (Teatro Luiz Souto Dourado). Primeiro por que ele não oferece uma estrutura, está obsoleto, tem uma péssima acústica e torna qualquer peça distante do público. Mas por que não procurar outros espaços para a prática do teatro além do teatro da estação? Casarões, mercados, galpões etc. Inclusive mandamos proposta de fazer A Receita num espaço alternativo. Caso não fosse possível faríamos no palco da estação. Por que não pensar noutros espaços que não só o teatro?”

De acordo com o edital, as produções são responsáveis por todos os custos de transporte, hospedagem e alimentação; além disso, os produtores denunciam ainda a demora nos pagamentos dos cachês.

Entrevista // Jorge Clésio – Coordenador de Artes Cênicas da Fundarpe

Jorge Clésio é coordenador de Artes Cênicas da Fundarpe

Jorge Clésio é coordenador de Artes Cênicas da Fundarpe

Quantos espetáculos se inscreveram?
Das 140 propostas inscritas, 124 foram selecionadas para a análise de Mérito Artístico-Cultural, dentre elas, 87 foram habilitadas e 53 desabilitadas.

Essa convocatória foi divulgada no Brasil inteiro. De que forma? Jornais? Sindicatos de artistas?
A convocatória teve divulgação nacional, por meio do Portal da Secretaria de Cultura do Estado|Fundarpe: cultura.pe.gov.br, além do mailling de artes cênicas, inclusive para os inscritos nas convocatórias das edições anteriores do FIG.

Os pareceristas também se inscreveram, não é mesmo?
Sim, por meio de convocatória estadual para seleção de profissionais do 25º Festival de Inverno de Garanhuns – 2015. Enfatizar que essa convocatória foi aberta também para todos os segmentos artístico-culturais.

Qual a comissão que julgou o mérito artístico dos projetos, além de você como representante da Fundarpe?
A Comissão foi formada por profissionais de notório saber em suas áreas de atuação, José Carlos de Oliveira Lira e Ronaldo Lopes Brissant, selecionados pela convocatória estadual para seleção de profissionais do 25º festival de Inverno de Garanhuns – 2015, e José Wellington Fernandes Júnior, indicado pela Secult/Fundarpe, conforme previsto na convocatória nacional.

Para chegar a esse resultado, a comissão avaliou os projetos mediante o quê? Projetos em papel? Vídeos? Ou espetáculos presenciais?
As propostas foram analisadas em meio físico, mediante as informações contidas no Anexo XIII – do Formulário de Teatro FIG 2015, e do DVD contendo a gravação do espetáculo na íntegra, segundo critérios constantes na Convocatória:
a) Qualidade artística/cultural da atividade;
b) Currículo do artista, grupo, profissional ou da equipe principal;
c) Relevância da proposta/originalidade/singularidade;
d) Histórico da atividade.

Imagino que o espetáculo Gonzagão, A Lenda, da Companhia A Barca dos Corações Partidos (RJ), tenha sido convidado para abertura. Gosto muito do espetáculo. Mas gostaria que você expusesse as razões dessa escolha, por quem foi feita.
Trata-se de um espetáculo muito bem recebido pela crítica e pelo público nacional. Achamos muito pertinente que Gonzagão – A lenda, se apresentasse nessa edição do FIG 2015, no Palco Pop/Forró, o que possibilitou o acesso a um público bem maior, considerando a capacidade do Teatro Luiz Souto Dourado, de 600 lugares! Além da temática, emblemática para a cultura brasileira, e direção do consagrado pernambucano João Falcão, a disponibilidade de agenda do grupo para abertura das Artes Cênicas no FIG 2015. Além disso, o espetáculo dialoga com a cultura da região, fortalece a identidade a partir de uma narrativa de um personagem mítico. Esse foi o único espetáculo de Artes Cênicas, convidado para o FIG 2015.

Podemos citar uma dúzia de espetáculos pernambucanos que se inscreveram, passaram pela análise técnica e não entraram na lista final do festival. Você não acha estranho um festival do porte do de Garanhuns não acolher essa produção?
Seguimos criteriosamente a convocatória pública e de abrangência nacional. Nesse caso, todas as 140 propostas inscritas foram submetidas aos mesmos critérios de análise. As propostas habilitadas na Análise de Mérito Artístico-Cultural, mesmo as bem pontuadas, não têm necessariamente sua participação assegurada na programação do 25º FIG, conforme o item 7 da Convocatória. Nesse sentido, vale observar que a programação do Teatro Para Infância e Juventude está 100% pernambucana e isso se deu pelos mesmos critérios, já citados e utilizados pela Comissão de Análise de Mérito. Diante do cardápio das 87 propostas habilitadas pela Comissão, foi possível incluir na Programação de Teatro Adulto 7 espetáculos; 2 de Teatro de Rua; e 3 espetáculos Para Infância e Juventude. Esse trabalho foi feito a partir das seguintes variáveis: respeito à hierarquização da pontuação; disponibilidade de agenda do grupo para o período do FIG 2015; adequação ao espaço e, ainda, a oportunidade do espetáculo em se apresentar com recursos próprios, oriundos de prêmios/fomentos nacionais, como o Myriam Muniz e/ou Lei Rouanet. O processo de composição da programação se deu à luz da transparência, de maneira democrática, o que representa uma conquista da sociedade civil.

Essa produção citada pernambucana é realmente inferior ao que foi escolhido?
Essa afirmativa não reflete, em absoluto, nosso pensamento sobre a produção teatral no estado de Pernambuco, nem de nenhum outro estado brasileiro.

Insisto nisso porque os artistas da área ficaram bem indignados e talvez fosse legal dar uma explicação.
Concordamos com você e sabemos da importância do retorno que precisamos dar aos proponentes sobre o processo e resultado da convocatória. Estamos estudando uma forma mais ágil, por meio da internet, ou carta a ser endereçada aos artistas, além do atendimento usual que damos pelo e-mail cenicas.fundarpe@gmail.com, pelo telefone 81 3184.3077 e, de forma presencial, na Coordenadoria de Artes Cênicas.

Na sua opinião, como está a programação de artes cênicas deste ano?
Consideramos todos os espetáculos que compõem a Programação de Artes Cênicas – Circo, Dança e Teatro – do FIG 2015, com excelente qualidade artística e técnica. Convidamos o público a conferir a diversidade de temas, estilos, conceitos e visões presentes nesse recorte de 41 espetáculos da cena contemporânea brasileira, oriundos de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraíba, Minas Gerais e São Paulo.

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Outros desafios para Pedro Vilela

Pedro Vilela planeja desenvolver seus processos criativos fora do Magiluth. Foto: Arquivo pessoal

É tempo de mudança para o encenador, ator e iluminador Pedro Vilela. Nos últimos oito anos, ele abraçou o Grupo Magiluth, quando adotou um modelo de gestão que possibilita aos seus integrantes viver exclusivamente do teatro. Esse diferencial teve implicações no palco, nas articulações com outros grupos brasileiros e estrangeiros e nas estratégias de reconhecimento da trupe pelo país afora.

O Magiluth é uma junção dos atores Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Pedro Vilela, Pedro Wagner e Thiago Liberdade. O grupo conta 11 anos de trajetória e tem em seu currículo os espetáculos Luiz Lua Gonzaga (2012), Viúva, porém honesta (2012), Aquilo que meu olhar guardou para você (2012), O Canto de Gregório (2011), Um Torto (2010), Ato (2008)e Corra (2007). O mais recente é O ano em que sonhamos perigosamente (2015) – com dramaturgia de Pedro Wagner e Giordano Castro e encenação de Pedro Wagner – que fez uma curta temporada no Teatro Apolo. Pedro Vilela assina a iluminação.

O bando amadureceu nos enfrentamentos da criação artística e da luta por sobrevivência. Mas Pedro Vilela anunciou sua saída do Magiluth. A partir de agora, ele investe suas energias na TREMA! Plataforma, voltada para vários tipos de ação. Uma delas é o TREMA! Festival, cuja terceira edição ocorreu no mês de abril. A segunda atuação é a TREMA! Revista, coordenada por ele e Mariana Rusu, em parceria com Thiago Liberdade, e que vai ser lançada nesta segunda-feira (29), no espaço da Cênicas Cia de Repertório, no Bairro do Recife.

Para 2016, o diretor planeja ativar o núcleo TREMA! Teatro para desenvolver seus processos criativos. Leia a seguir a entrevista com Vilela, sobre sua saída do Magiluth, sua visão da política cultural no estado e no Recife, e sobre o lançamento do periódico.

ENTREVISTA: Pedro Vilela

ENTREVISTA: Pedro Vilela

ENTREVISTA // PEDRO VILELA

Segunda-feira será lançada Trema! Revista de Teatro de Grupo. Como e por quê surgiu esse projeto?
A construção de ferramentas que auxiliem o “pensar” o mundo e seu diálogo com a arte sempre me interessou enquanto gestor. Às vezes, acabamos por focarmos demasiadamente no nosso desejo pelo “fazer” e pecamos um pouco por abandonar o “refletir”. Durante muito tempo esse refletir esteve focado apenas nos críticos e acredito que atualmente existem diferentes vozes e agentes construindo reflexões bastante pertinentes. Sentia também a necessidade de construir ferramentas de diálogo com a nossa sociedade que não fosse apenas o produto artístico, daí pensamos numa publicação.

Qual o conteúdo contemplado para este primeiro número?
A TREMA! Revista é uma publicação bimestral que visa articular arte e política. A cada edição encontramos um tema norteador de pensamento, sendo este um agente propulsor para desdobramentos. Nesta primeira edição tomamos como base a ideia de #facção, refletindo os coletivos teatrais como facções políticas, estéticas, poéticas e que visam operar contrariamente a uma “ordem” dominante.

Quais os critérios de articulação para convidar as pessoas para escrever?
Não queríamos pensar uma revista engessada por regras de sua composição. A revista se configura como agente fomentador de pensamento principalmente para nosso Estado, entretanto não nos interessa a obrigatoriedade de termos colaboradores apenas locais. Buscamos encontrar, em diferentes regiões, pensadores que possam articular nossos desejos. Outro ponto importante é que não só profissionais ligados ao teatro contribuirão com à TREMA! Nos interessa o ponto de vista de diferentes atores sociais, construindo assim uma publicação dinâmica e que não segmente o público leitor.

Você acha que a revista pode preencher a lacuna de pensamento sobre a criação artística teatral na cidade, no estado? Ela sozinha é suficiente? O que falta mais?
Acredito que esta lacuna ainda é grande, não só em nível estadual. Como leitor assíduo da minha área, encontro grande dificuldade de acessar diversos pontos de interesse por falta de publicações. Ao passo que, cada vez mais também percebo a busca por diminuir estas lacunas, seja por novas editoras que estão abraçando o teatro, seja pelos os próprios artistas que estão construindo alternativas para compartilhar o pensamento.  Estamos dando um primeiro passo neste formato de revista e esperamos que ele possa ter vida longa, assim como que outras publicações se unam a nossa no sentido de verticalizarmos o “pensar” a arte em nossa região.

A revista foi contemplada com o Funcultura. Gostaria de saber sua opinião sobre a política cultural no estado de Pernambuco e a distribuição dos recursos do Fundo.
Encontramos no Funcultura atualmente um importante aliado no desenvolvimento da economia da cultura de nosso estado. Acredito imensamente neste modelo, na manutenção de um Fundo onde o estado seja o agente regulador. Ou seja, nós produtores culturais não estamos à mercê da boa vontade de empresas privadas, mas dialogando diretamente com o estado, pois se trata da administração de recursos públicos. Entretanto, uma política cultural madura não pode ser construída exclusivamente com o Fundo e com alguns eventos culturais. Pernambuco é um estado bastante plural e de larga extensão. Louvamos a ampliação do número de produtores interessados pelo Fundo, entretanto não encontramos proporcionalidade na ampliação dos recursos do mesmo. Precisamos também compreender que uma Lei como a do Funcultura precisa constantemente ser revisada, pois cada vez mais vivemos num mercado dinâmico, onde os agentes culturais se deparam constantemente com novos desafios e o fundo precisa acompanhar o seu tempo.

Você, Pedro Vilela, fez críticas severas à política cultural (ou falta dela) da Prefeitura do Recife, um pouco antes da realização do Trema – Festival de Teatro de Grupo. Qual a sua análise dos órgãos e mecanismos municipais de cultura? Você teria sugestões para melhorar o desempenho?
Não me arrependo das críticas realizadas. Elas apontavam um descaso gerencial com a cultura da nossa cidade e esse descaso em nada mudou. Nos deparamos com uma gestão fragmentada, onde os profissionais que a compõem parecem não conseguir se articular em torno do desenvolvimento da área. Vemos interesse e disponibilidade de alguns, mas isto é muito pouco. Vemos uma secretária que possui grande caráter simbólico para nós artistas, mas que não consegue compreender os desafios que é gerir os encaminhamentos culturais de uma cidade como Recife. Parece-me que o problema vem de cima, da falta de interesse e de compreensão que somos um dos principais agentes modificadores deste “Novo Recife” que tanto se fala. E este paradigma só poderá mudar quando nós artistas tivermos força política suficiente para dizermos o “como” queremos.

Produtora Mariana Holanda Rasu e Vilela: cumplicidade

Produtora Mariana Holanda RUsu e Vilela: cumplicidade

Mudando um pouco de assunto. Como é a cumplicidade de pensamento com sua mulher, a produtora Mariana Rusu?
Gosto imensamente desta palavra que você usa: cumplicidade. Somos cúmplices do mesmo delito: a dedicação ao teatro. Mariana é uma profissional extremamente sagaz, com um elaborado grau de exigência nas atividades que se propõe a realizar, isso faz com que nossa parceria renda tantos frutos. Não por ser minha esposa, mas vejo nela uma dedicação a este ofício difícil de encontrar em outras pessoas e ainda uma disponibilidade por defender os projetos que loucamente visualizo. Decidimos dedicar toda esta força a nossa TREMA! Plataforma e desejamos dialogar ainda mais com o teatro de nossa cidade.

Sabemos que a convivência desgasta os relacionamentos e é muito difícil a permanência de grupos estáveis no país e mais ainda em Pernambuco. O Magiluth se tornou uma referência nos últimos anos na cena brasileira pela dedicação e ousadia. O anúncio de sua saída do grupo causou estranhamento e preocupação. O que aconteceu? Disputa por poder? Por liderança?
Não temos como neste momento definir fatores que levaram a esta decisão. Tenho certeza que haverá uma série de suposições sobre a saída (risos). A convivência em um grupo de teatro é algo bastante intensa, como uma família, e sempre haverá concordâncias e discordâncias nos diferentes desafios que o grupo encara. Mas, acima de tudo, é importante preservamos o desejo e amor pelo projeto coletivo que defendemos e isto já não era possível.

Você já afirmou que refletiu muito antes de tomar uma decisão. Mas também disse que a montagem do último trabalho O Ano em que Sonhamos Perigosamente foi o estopim. Então conta como foi o processo.
Cada vez mais percebo o quanto é delicado para os grupos estarem envolvidos em procedimentos de criação, pois eles escancaram questões que sempre permaneceram guardadas. É o momento de debatermos sobre ideias, vontades e principalmente a hora onde a força dos indivíduos, todos os seus conteúdos e disponibilidade para o teatro precisam ser colocados na mesa. O projeto do Ano em que sonhamos perigosamente foi escrito, elaborado e captado por mim. Há muito tempo nutria o desejo de ver o Magiluth experimentando uma “outra forma” de fazer teatro e solicitava esta ruptura. Fatores externos impossibilitaram a execução completa do trabalho, mas fico feliz pela execução do mesmo.

Vilela abraça Giordano, com Erivaldo ao fundo, em Aquilo que meu olhar guardou para você

Vilela abraça Giordano, com Erivaldo ao fundo, em Aquilo que meu olhar guardou para você

E como vai ser o cumprimento dos projetos já em andamento, como a própria revista, as novas edições do Trema e as viagens do Magiluth?
Estarei disponível para executar os projetos acordados anteriormente, sou um profissional e tenho compromissos éticos com a empresa Magiluth. Quanto aos projetos como a revista e festival, é preciso esclarecer que eles não são do grupo. Foram projetos idealizados, geridos e executados por outros profissionais e que em dado momento tiveram o Magiluth como fomentador/financiador (duas primeiras edições do Festival). Estas ações acabaram se confundindo com o Grupo devido a posição que ocupava, mas percebo que a compreensão de projetos individuais dentro da coletividade sempre será bastante complexa. Tanto o Festival, como a revista são ações desenvolvidas pela TREMA! Plataforma de Teatro, empresa que cuido atualmente com Mariana.

O que você tem a dizer sobre a experiência desses anos no grupo, a direção dos espetáculos, o aprendizado?
Sem dúvida foram os anos de maior aprendizado no teatro. Me formei enquanto gestor e criador no grupo. Nos últimos oito anos tive a oportunidade de gerir o grupo, onde idealizei, captei e administrei todos os projetos. Consegui chegar a um modelo de gestão onde os integrantes puderam viver exclusivamente do teatro, com salário, todos os benefícios (13º e férias) incluindo plano de saúde, odontológico… o que me trouxe uma compreensão de gerenciamento de um coletivo sem precedentes. No campo da criação me descobri enquanto encenador e aprofundei meu trabalho com iluminação. Terei um eterno agradecimento aos integrantes pela cumplicidade, parceria e confiança no trabalho.

E daqui para frente quais são os planos? Mestrado aqui, em SP, no exterior?
Meu trabalho continua a ser desenvolvido em duas frentes. A primeira está ligada a retomada dos meus estudos acadêmicos, focando no mestrado. A segundo está ligada ao desenvolvimento da TREMA! Plataforma de Teatro.

E como é concebida a TREMA! Plataforma?
A Plataforma é um núcleo gerencial e criativo em torno do teatro de grupo que trabalha em diferentes linhas de ações. Atualmente desenvolvemos o TREMA! Festival e a TREMA! Revista. Ela é coordenada por mim e Mariana em parceria com Thiago Liberdade. Não a defino como grupo, mas sim como uma plataforma que trabalha com diferentes colaboradores de acordo com as especificidades dos projetos que nos interessa desenvolver. Em janeiro de 2016 pretendo ativar o TREMA! Teatro que será o núcleo onde desenvolverei meus processos criativos. O primeiro trabalho será sobre a fé e as igrejas neopentecostais brasileiras, que me atravessa profundamente e que desde o ano passado estou desenvolvendo a pesquisa.

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SERVIÇO:
Lançamento da TREMA! Revista de Teatro de Grupo, da TREMA! Plataforma de Teatro de grupo (distribuição gratuita da revista), no projeto Segunda com Teatro de Primeira
Quando: Nesta segunda-feira (29), às 20h
Onde: Cênicas Cia de Repertório (Rua Vigário Tenório, 199 – 2º andar – Bairro do Recife),
Atração: Leitura do texto Maumau miau, do dramaturgo Luís Felipe Botelho, pela Cia Incantare de Teatro

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