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Música, audiovisual e ideias
Dossiê Aldeia do Velho Chico
#9

Gabi da Pele Preta e Alexandre Revoredo em show no Teatro Dona Amélia. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Efraim Rocha (contrabaixo), Betinho Lima (bateria),  Jose Carlos Pereira (piano, sanfona), Gabi da Pele Preta e Aexandre Revoredo. Foto Fernando Pereira / Divulgação

José Carlos Pereira, o Zezinho da sanfona. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Conheci a Aldeia do Velho Chico e a cidade de Petrolina, no Sertão de Pernambuco neste ano. E me surpreendo rindo sozinha quando faço uma associação da programação com os versos da música de Caetano Veloso: “Eu sempre quis muito / Mesmo que parecesse ser modesto”. Uiii. A programação é larga e profunda e logicamente que é permitido se perder nos seus labirintos.
Então, vou lembrar um pouquinho do que mirei, senti, vivenciei, soube. Isso, logicamente, com toda argamassa da minha subjetividade.

Gabriella Freitas, ou melhor Gabi da Pele Preta, mulher agrestina de Caruaru, desperta a festa no corpo com as músicas que canta. O show dela com o músico garanhuense Alexandre Revoredo (que mostrou canções de Revoredo, disco lançado em 2020), chegou repleto de poesia e transita pela trajetória e repertórios dos dois artistas, banhados de afetos. O canto militante de Gabi é lugar de reflexão e confronto.

Vestida de vermelho carmim, ela defendeu no seu canto-dança o que ostenta na sua vida. A cantora engaja arte e manifesto das pautas de gênero, classe e raça em canções femininas e feministas. Gabi faz seus próprios levantes como mulher.

Entre as peças interpretadas incluem Revolução, uma composição de Juliano Holanda, carregada de uma musicalidade rebelde contra os padrões caretas e patriarcais. Ela enche seu repertório de luta, com músicas que pregam por uma vida transformadora.

Com a dançante Gente, com letra de Uma Luiza Pessoa, artista trans de São Paulo, Gabi avisa que é preciso cuidado com o que se fala, se posiciona contra normatividade e salienta que “nós não somos iguais”; lembrando que o que existe em comum é que “somos todos mortais”.

Uma artista destemida que reivindica um amanhã mais justo e brada música para curar o ódio, o medo, todos os maus-tratos. 

Documentário Baque Opará na Mostra de Curtas. Foto Sandriele Gomes / Divulgação

Filme Medida Provisória foi exibido na programação seguido de debate. Foto André Amorim / Divulgação

A Mostra de Curtas Regionais com a exibição de produções audiovisuais de Petrolina é um dos orgulhos recentes da cidade, instigada pela pesquisa e realização no Vale do São Francisco. Entre as exibições estavam A Menina da Ilha, que foca nas belezas do Rio São Francisco, fazendo cruzamentos com a lenda da Mãe d’água e os desejos de uma garota que almeja ser cantora.

Já o documentário A Nossa Ancestralidade Pulsa, Produz Alegria, Resiste: Baque Opará, com direção de Chico Egídio, faz um passeio poético pelo percurso do grupo percussivo Baque Opará, que se nutre na produção coletiva e dos batuques de saberes de ancestrais.

O filme Medida Provisória, longa de estreia de Lázaro Ramos na direção foi exibido na Aldeia, seguido de debate. A obra sofreu ataques conservadores e preconceituosos de toda ordem quando do seu lançamento. A peça cinematográfica suscita controvérsia inclusive entre os povos pretos e a militância. A conversa foi acalorada.

Baseado na peça Namíbia, não! (2011), de Aldri Anunciação, também dirigida por Lázaro, o filme expõe um Brasil distópico, cujo governo não especificado determina o “retorno” dos cidadãos negros de melanina acentuada à África como forma de reparação, vejam a lógica, dos danos provocados pela escravatura.

André Vitor Brandão (de costas), Tiago Ferraz, Raphael Vianna, Galiana Brasil e Luiz Antônio Sena Jr. Foto Tássio Tavares / Divulgação

Flávia Santos, Raphael Vianna, Liana Gesteira e Júlia Vasconcelos no Tecendo Ideias. Foto André Amorim

Entre a programação de reflexão e formação, o projeto Tecendo Ideias busca provocar, instigar um diálogo, um debata sobre temas relacionados à programação. Com duração de cerca 45 minutos, essas reuniões abriram espaços para falas institucionais, iniciativas críticas e aula de empreendorismo.

A conversa Encontros no pós-mundo: Retomadas e Deslocamentos nas Artes Cênicas reuniu os gestores Raphael Vianna, da direção nacional do Sesc; Luiz Antônio Sena Jr, do FIAC/BA; Tiago Ferraz, do Itaú Cultural e mediação de Galiana Brasil, também do Itaú Cultural. Discorreram sobre providências, iniciativas tomadas durante a época mais dura da pandeia e as perspectivas de sobrevivências culturais para os próximos tempos.

O Coletivo 4 Parede, do Recife e o Podcast Deixe de Pantim, de Petrolina, sob mediação de Raphael Vianna, do Rio de Janeiro, versaram sobre as Possibilidades de produção crítica em Artes da Cena no jornalismo cultural por meio das tecnologias digitais. Esse bate-papo foi parte do Pensamento Giratório. A atriz, jornalista e pesquisadora Liana Gesteira falou das atividades desenvolvidas pelo 4Parede, as oficinas técnicas que vem desenvolvendo junto a vários festivais, a ampliação do lugar do podcast na vida dos brasileiros e como eles executam a critica dentro de suas plataformas. O 4 parede realizou na programação da Aldeia a Oficina: Possibilidades de produção crítica em Artes da Cena no jornalismo cultural por meio das tecnologias digitais.

O coletivo Deixe de Pantim, que tem esse nome ótimo, por sinal, é tocado por quatro jovens comunicadoras: Victória Resende, Júlia Vasconcelos, Flávia Santos e Maiara Borges. Flávia e Júlia participaram da conversa. O projeto delas não foca somente na crítica das artes da cena, mas trabalha com análises de assuntos cotidianos, dos mais graves aos pontos de humor, numa linguagem coloquial. Então o foco dos podcasts do Deixe de Pantim são as questões sociais, sob a mirada feminina, jovem, de quem mora no Serão de Pernambuco e que olha para as questões de gênero, raça, território e cultura pop desse lugar.

Willian Fernando Soares, Rodrigo Frazzão, Antonise Coelho, Ariane Samila Rosa, Socorro Lacerda e Victor Flores no Tecendo Ideias de Literatura. Foto: André Amorim / Divulgação

Antonise Coelho de Aquino e Socorro Lacerda. Foto André Amorim / Divulgação

A conversa sobre literatura reuniu as escritoras e os escritores Socorro Lacerda, Antonise Coelho, Rodrigo Frazzão, Victor Flores, Willian Fernando Soares. Trocas de ideias  sobre letras, livros, criação são sempre prazerosas e instigantes.

Escritora, professora e militante feminista de Petrolina, Socorro Lacerda se posiciona questionando o patriarcado na ficção e na vida, na defesa da cultura e das mulheres.  Autora dos livros O mistério do sumiço do velho Chico, em que faz um percurso fluvial pelas riquezas do rio São Francisco e Vira-vira, Violeta, infanto-juvenil que discute sobre as representações de gênero, a partir da protagonização da luta das mulheres, entre outros.

Antonise Coelho de Aquino é professora de Língua Portuguesa, revisora literária e acadêmica, e consultora em Literaturas Infanto-juvenis. É autora do livro Ilha do Massangano: uma terceira margem no Velho Chico, uma pesquisa documental e a investigativa acerca da vida da população do Massangano e sua cultura. Publicado em 2021, o livro é oriundo de sua tese de mestrado em Sociologia, defendida em 2004.

O Jovem escritor Rodrigo Frazzão contou sua história de superação para se tornar artista. Ele começou a ensaiar rimas ainda menino, no rastro de sua paixão por vaquejada e aboios. Como morava na zona rural de Petrolina e precisou trabalhar na roça desde cedo, ele andava vários quilômetros para ir a escola. Seguiu insistindo nos estudos. Em 2020,no auge da pandemia, Frazzão postou um vídeo para mostrar seu talento no cordel. Depois com uma vaquinha virtual publicou seu livro O Poeta e o Isolamento.

Victor Flores considera a educação ambiental um dos grandes desafios desses tempos. Seu trabalho foca no respeito à natureza e no desenvolvimento sustentável. O ambientalista é autor de Tita e o Mistério do Velho Chico, um livro infanto-juvenil que busca acender nesse público o desejo pela defesa do Planeta. 

Educador e contador de histórias, Willian Fernando Soares, recebeu em setembro o  troféu Baobá, considerado o “Oscar” dos Contadores de Histórias. Ele é entusiasta dessa arte narrativa, que valoriza a tradição oral. Tanto é assim que escreveu o livro A turma do contador de histórias e a passagem do Juazeiro, em formato gibi em quadrinhos.

Essas histórias de vida e informações profissionais confirmam a riqueza da da produção literária do Vale do São Francisco. A mediação foi tocada pela professora do Sesc Petrolina  Ariane Samila Rosa

Paulo de Melo, Cleilson Queiroz e Antonio Veronaldo conversam sobre produção das artes cênicas no interior. Foto Tassio Tavares / Divulgação

Antonio Veronaldo, da Cia Biruta de Petrolina no Tecendo Ideias. Foto Tassio Tavares / Divulgação

A Produção em Artes Cênicas no Interior do Estado e a Descentralização da Cadeia Produtiva da Cultura foi o Tecendo Ideias mais acalorado desta edição da Aldeia. O tempo ficou curto para tantas constatações, reivindicações, desejos de valorização da cena que é feita longe da capital. Antonio Veronaldo, da Cia Biruta de Petrolina, é um combativo companheiro que atua como diretor, dramaturgo, produtor e militante cultural no Vale do São Francisco. Ele falou sobre o trabalho desenvolvido, não devidamente valorizado, dos estereótipos sofridos pelos grupos do interior, o desigual investimento (quando há) das políticas públicas. Com um trabalho de forte cunho político, ele reivindica a descentralização dos recursos e do pensamento. Também destacou o crescimento na produção cênica em Petrolina e região.

Cleilson Queiroz é um artista pesquisador da Cia Ortaet, de Iguatu, no Ceará. Ele trilha os caminhos acadêmicos e artísticos. Cleilson pesquisa autobiografia, teatro documentário e questões de gênero e atualmente cursa doutorado na UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina e é ator da peça Chorume, apresentada na Aldeia. Os problemas, as demandas para as artes na cidade Iguatu são idênticas aos de Petrolina.

A mediação dessa conversa foi feita pelo ator, professor e diretor Paulo de Melo, do Núcleo de Teatro do Sesc de Petrolina. Ele cresceu e se tornou artista em Petrolina. Com uma experiência de estudos e atuação cênica no Rio de Janeiro – Paulo participou de espetáculos como Gonzagão, a Lenda e Chacrinha o musical – que permite que tenha  visão de vários pontos geográficos da situação das artes cênicas no país. O que ficou dessa discussão é que há necessidade, espaço e interesse de grupos, artistas e público para um seminário específico sobre a produção cênica no interior. São demandas urgentes.

O Tecendo Ideias fechou com a aula Café com o Empreendedor: inovação e empreendedorismo no Vale do São Francisco, com SEBRAE/PE, quando foram mostradas as possibilidade de atuação para o setor e os caminhos a serem trilhados.

 

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