Arquivo da tag: Paula de Renor

Vamos cuidar dos jardins!
Resultado da residência artística do Reside-LAB

Cena de Raimundo Branco. Foto: Captação de tela

Memórias da família de Alberto Braynner. Foto: Captação de tela

Conceição Santos e Fátima Aguiar. Foto: Captação de tela

Sônia como a funcionária da Madame Bierbard. Foto: Captação de tela

Andrezza Alves lembra que é preciso voar. Foto: Captação de tela

* A ação Satisfeita, Yolanda? no Reside Lab – Plataforma PE tem apoio do Sesc Pernambuco

Formação e colaboração, compartilhamento de experiências e saberes, intercâmbio e permuta são algumas guias mestras do RESIDE.FIT/PE, festival internacional de teatro, criado em 2018 no Recife como CAMBIO. Neste 2021 a edição ocorreu de forma totalmente virtual, Reside-Lab patrocinado pela Lei Aldir Blanc, com seminários, oficina e uma residência artística. Dez espetáculos da produção pernambucana (experimentos online, gravações ou aberturas de processos) participaram do programa e nós escrevemos sobre todos eles: Transbordando Marias, com Clara e Conceição Camarotti; Brabeza Nata, com Alexandre Sampaio, texto de Luiz Felipe Botelho e direção de Cláudio Lira; Inflamável, com Paulo de Pontes, a partir de poemas de Alexsandro Souto Maior, sob a direção de Quiercles Santana; Vulvas de quem?, com texto de Ezter Liu, direção de Cira Ramos e atuação de Márcia Cruz; Da laje-palco: respeitável público, o Alto e DENTRA com direção e atuação de Bruna Florie; 72 dias, com dramaturgia de Paulo de Pontes e Quiercles Santana, direção de Quiercles Santana e atuação Paulo de Pontes; Sala de Espera, com roteiro adaptado e atuação de Cira Ramos, direção de Fernando Lobo; No meu terreiro tem arte, com Odília Nunes, Violeta Nunes e Helena Nunes; Yorick e os Coveiros do Campo Santo de Elsinor, com criação cênica e dramaturgia de Andrezza Alves, Enne Marx, Daniel Machado, Geraldo Monteiro, Marcondes Lima e Quiercles Santana; e Práticas Desejantes, com idealização e performance de Andrezza Alves e Daniele Avila Small.

Paula de Renor, idealizadora do festival. Foto Captação de tela

O festival idealizado por Paula de Renor, com curadoria dela e relações internacionais e Coordenação dos Encontros de Celso Curi, traz sopros de esperanças. Seu investimento nas possibilidades de intercâmbio busca alargar horizontes. Para um mundo que pode ser grande, acolhedor, com empatia real. Isso não quer dizer que as negociações, os conflitos, as crises, os embates sejam eliminados, mas tudo pode ser mais respeitoso, humano, com possibilidade de revezamento de protagonismos.

Uma das alavancas de fomento da cena no Reside-Lab foi a residência artística com Paul Davies, diretor do Volcano Theatre, do País de Gales, Reino Unido, que durou duas semanas. Muitos aprendizados na peleja com o digital. “Vivendo e aprendendo a jogar, Nem sempre ganhando, Nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”, como já cantava Elis Regina.

Qual o Caminho para a Cachoeira: Aventuras em Criatividade Digital é o título do trabalho, fruto dos encontros que ocorreram entre 15 e 27 de março de 2021, por vídeo conferência, com  Davies.

No início eram 20 participantes. 14 deles produziram materiais e toparam os desafios e as dinâmicas propostas pelo artista inglês. Ele trabalhou a ideia de jardins imaginários e reais, pintados e perdidos. Paul Davies lançou cápsulas criativas de temáticas políticas, do enfrentamento da pandemia, afetos, alguma coisa pós-moderna com o objetivo de estimular a criatividade.

Dos mais de 100 vídeos produzidos e enviados a Davies, muitos foram agrupados numa busca de compor uma narrativa, ou não. São eles: prólogo Antes da Água; No início: Juventude Colossal / Água Colossal; É neste momento que uma mulher velha diz; No final: secando novamente.

São cenas, flashes, extratos e recriação de peças de Nelson Rodrigues, exercícios de teatro psicofísico, entregas desses artistas que acendem seus corpos de urgências ditas em frases e silêncios. Percorremos com eles algumas veredas, fizemos travessias, torcemos, pensamos na realidade e até nos divertimos.

João Augusto Lira em conversa com Madame Clessi. Foto: Captação de tela

Cira Ramos investe em Nelson Rodrigues Foto: Captação de tela

Ser ou não ser youtube, pergunta Raimundo Branco. Foto: Captação de tela

Augusta Ferraz e suas máscaras faciais. Foto captação de tela

Qual o Caminho para a Cachoeira: Aventuras em Criatividade Digital  junta imagens bonitas, fortes, engraçadas, frágeis, precárias, imagens que estimulam outras imagens. Somos voyeurs do banho de costas de Andrezza Alves; observamos um dia bom de Cira Ramos ser estragado aos poucos pelo som da companhia da bicicleta, latido do cachorro, buzina do carro, a chuva inesperada. Seguimos com Charles Firmino em sua busca por ângulos diferentes. Encontramos Sônia Bierbard na rede da sua casa a pensar poeticamente sobre encontros e o mar como um grande espetáculo.

Cira Ramos assume humor no papel de “achadora” oficial da casa; noutra cena enfrenta uma guerra imaginária e nos convoca a usar as armas que temos, mesmo que sejam só unhas e dentes; passeia por um trecho de Sonhos de uma noite de Verão; dá um tempo embaixo da cama; revisita Nelson Rodrigues.

Alguns tensionam o lugar da negação da pandemia, do desprezo pela máscara e do descuido pela aglomeração em quadros curtos e críticos, como o de Alberto Braynner, que dá um baile no vizinho; o de José Lírio Costa, que toma banho de roupa e o de Anna Batista que diz achar um absurdo não ter tido carnaval.

Conceição Santos observa a rua da varanda de casa, com muita força nesse olhar Fátima Aguiar também espreita o mundo pela janela. A combinação da cena de Conceição e Fátima, cada uma de sua casa, no processo de maquiagem ao espelho, instiga várias interpretações.

De forma mais irônica, Raimundo Branco questiona “ser ou não ser youtube?”; em outra ação psicofísica ele dobra roupas. Andrezza repete um movimento de empilhar frutas.

Anna Batista usa tecidos como extensões da pele. Augusta Ferraz produz máscaras com ações faciais e em outro momento – com o foco na tela de proteção do apartamento – comenta que o que a oprime nesta pandemia é a espera por um milagre no que diz respeito ao amor.

O gelo derrete na mão de José Neto Barbosa, que depois sugere relações afetivas usando imagens de duas toalhas, duas sandálias, duas escovas e a ideia convergente entre amor e morte. Andrezza quer asas para voar, pois voar não dói.

Aproximações com os felinos, calor e ventilador com Tiago Leal. A descoberta do prazer nas intenções de João Augusto Lira, memórias de Braynner. Sônia faz um tipo de funcionária que critica a Madame Bierbard por obrigá-la a usar máscara, numa chave de humor.

E há uma série de encontro com personagens de Nelson Rodrigues, dos textos do dramaturgo pernambucano ou a partir deles, construções inspiradas em peças como Vestido de Noiva, A Mulher sem Pecado, A Falecida, Álbum de Família, Senhora dos Afogados e outros. Diálogos com Madame Cleci, Olegário, Moema. Quase uma conversa atrás da porta

O Reside aposta na perspectiva da audácia teatral incentivando o público a ser participante ativo. Sigamos nos reinventado. Que o teatro seja um vibrante ataque aos sentidos. Que seja lírico, apocalíptico, extremo, perigoso, desestabilizador, ambicioso, inventivo. As sementes estão sendo lançadas na virtualidade. Aqui e ali.

Ficha Técnica

Qual o Caminho para a Cachoeira: Aventuras em Criatividade Digital / Wich Way to the Waterfall: Adventures in Digital Creativity.
Resultado do processo da residência com o britânico Paul Davies, da Cia Volcano de Teatro, do Reino Unido, que ocorreuu entre 15 e 27 de março de 2021.
Participantes da residência / Autores dos vídeos
Alberto Braynner
Andrezza Alves
Anna Batista
Augusta Ferraz
Charles Firmino
Cira Ramos
Conceição Santos
Fátima Aguiar
João Augusto Lira
José Lírio Costa
José Neto Barbosa
Raimundo Branco
Sônia Bierbard
Thiago Leal

Reside Lab – Plataforma PE – Festival Internacional de Teatro
Patrocinadores: Lei Aldir Blanc PE, FUNDARPE, Secretaria de Cultura, Governo de Pernambuco, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal.
*Programa Pontes, parceria entre Oi Futuro e British Council.
*Apoio: Sesc Pernambuco
*Parceria: Satisfeita, Yolanda?

Direção e Curadoria: Paula de Renor
Realização: Remo Produções.
Produção Executiva: Fervo Projetos Culturais
Designer/Programação Visual: Clara Negreiros
Assessoria de Imprensa: Manoela Siqueira
Programador Site: Sandro Araújo
Redes Sociais e vídeos Youtube: Alexandre Barbosa
Monitoramento: Renata Teles
Acessibilidade Comunicacional: VouSer Acessibilidade – Andreza Nóbrega
Relações Internacionais e Coordenação dos Encontros: Celso Curi
Coordenação Pedagógica Residência e Assistência: Maria Clara Camarotti
Tradução Residência: Cyro Morais

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Exercício de tecnossobrevivência
Crítica de Sala de Espera

Trechos de peças clássicas são dramatizados pela atriz. Foto: Reprodução de tela

Respira, respira, pontua várias vezes Cira Ramos.  Foto: Reprodução de tela

O mundo anda muito estranho. Foto: Reprodução de tela

* A ação Satisfeita, Yolanda? no Reside Lab – Plataforma PE tem apoio do Sesc Pernambuco

Sala de Espera é uma experiência virtual, com roteiro adaptado e atuação de Cira Ramos, direção de fotografia e direção geral de Fernando Lobo, supervisão artística à distância de Sandra Possani. O trabalho é inspirado na estrutura dramatúrgica da peça Próxima e utiliza fortemente os recursos audiovisuais.

A figura de Cira Ramos, multiplicada em muitos papéis dela mesma e fragmentada no tempo que escapa, encara uma espécie de looping seguidamente. Acontecimentos de um mesmo dia se misturam com pequenos acréscimos.

Lentilha, Ano Novo, Carnaval, a peça Próxima, as incertezas dos editais, Cira se desembrulha para investigar como viemos parar nessa situação. Que tempos são esses???

Arrisco dizer que o golpe de 2016 piorou tudo que veio em seguida.

Sala de Espera aguenta um estado de suspensão, traça uma reflexão alucinada, bem-humorada, vertiginosa sobre calendários, agendas, passagens dos dias e o que caiu sobre nossas cabeças e nos paralisou.

O trabalho nos conduz por um túnel do tempo, como se tudo acontecesse de novo e de novo. Será que a mulher da tela está ficando louca; presa no tempo, condenada a reviver esta data repetidamente? Ou somos nós?

O cinema é prodigioso em explorar esses recursos. Feitiço do Tempo, de 1993, dirigido por Harold Ramis é um deles, no qual o personagem leva um choque elétrico e os acontecimentos dos seus dias se repetem sem parar.

Peça Próxima, com Cira Ramos e direção de Sandra Possani, já flertava com o audiovisual. Foto: Reprodução de tela

Próxima, a peça inspiradora dirigida por Sandra Possani, estreou em 2018 como ato comemorativo dos 40 anos de carreira da atriz Cira Ramos. Investiga a dura luta da artista mulher, que enfrenta mais obstáculos e uma carga de trabalho reforçada pelas atividades domésticas, não usufrui de equidade salarial entre gêneros e outros desafios para conseguir o  papel seguinte, o trabalho posterior.

O tempo implacável que deixa suas marcas, as glórias do passado e as incertezas quanto ao amanhã quando se vive de arte ocupam a centralidade das discussões de Próxima, espetáculo que traz esse flerte entre teatro e cinema e aproveita poeticamente as possibilidades dos recursos tecnológicos.

Mas uma pergunta desabou sobre minha cabeça, sobre se a natureza de Sala de espera é ou não é teatro e contaminou os bastidores do Satisfeita.

Elucubrações de Yolanda

Dei uma gira nos labirintos da minha cabeça. E os vultos, meus fantasmas a me atormentar: “Isso é teatro?”
– Pare o mundo que eu quero…
– O mundo parou há um ano, de uma certa forma… Não percebeu?–Eita…
– Por isso o teatro presencial foi interditado, entre outras atividades como consequência das medidas de isolamento social para tentar barrar a disseminação do vírus.
– Cadê minha bolsa, meus documentos?

O teatro é tanto que não pode ser unívoco. Dos muitos teatros possíveis, resistência e combate contra autoritarismo, contra arbitrariedade e qualquer forma de opressão se faz presença.

Como centenas de obras virtuais, Sala de Espera é resultado da necessidade de prosseguir criando durante a pandemia de Covid -19. Urgências de experimentar, em casa, no espaço privado, que se torna público durante a exibição do trabalho gravado. A artista seguiu os protocolos e operou com as pessoas da família, o marido e as filhas, que também entraram na equipe.

Sala de Espera é um desafio. O clima é de adiamento, para quando a vida voltar ao normal. Será que volta? É melhor diminuir a expectativa e se maravilhar com o poema de João Cabral de Melo Neto, “Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos”.

Ano Novo, Carnaval, o tempo é misturado no experimento artístico. Foto: Captação de tela

O que é o teatro? Desde o século passado me pergunto isso, pergunto a um e a outra. Não encontrei resposta decisiva. Satisfatoriamente definitiva. Continuo procurando. “O que é que há, pois, num nome? Aquilo a que chamamos rosa, mesmo com outro nome, cheiraria igualmente bem”. Shakespeare, Romeu, Julieta. Que doideira! Isso é romântico?

Arte da presença. Mas a presença-ausência espacial, sincrônica temporalmente? Uns e outros levando choques vindos da tela? Hum hum. Pode ser. Teatro virtual… teatro gravado… teatro cinematográfico… teatro com mídias… teatro intermídia… teatrofilme… teatro da dramaturgia visual… teatro.. teatro…
Ai que saudade do teatro presencial.

No experimento gravado Sala de Espera, Cira Ramos transborda dessas indagações, faltas, desejo de aglomerar. Ai, ai, saudade Saudade tão grande Saudade que eu sinto Do Clube dos Pás, dos Vassouras Passistas traçando tesouras Nas ruas repletos de lá Batidas de bumbo São maracatus retardados Que voltam pra casa cansados Com seus estandartes pro ar Quando eu me lembro O Recife tá longe A saudade é tão grande Eu até me embaraço… Antônio Maria, sua música embala corações.

Tem gente que não gosta de jeito nenhum desse teatro virtual. Eu preferiria o presencial, bien sûr. Mas por que essa mania excludente? Ou é isso ou é aquilo? Por que não ser isso e aquilo?

Elucubrações de Yolanda

Os fantasmas não me largam, fazem um sambada na minha cabeça:
– E o risco cênico?
– Parem, assombrações, de me atormentar! Que é que tem o risco cênico?
– Não tem! Tá tudo gravado, editado.
– Ai meu São Longuinho, Santa Edwiges, Iemanjá!!! O risco ocorreu na hora da gravação, caramba.
– Mas a gente não viu!
– Use a imaginação!!!
– A presença tem que ser ao vivo…
– É preciso levar em conta as experiências que incorporam a tecnologia. Outros tempos, outros regimes de presença. E principalmente agora, com a pandemia que não é uma gripizinha.

Cira Ramos é mignon, uma atriz versátil que atua com desenvoltura em muitas possibilidades teatrais e tem um timing especial para o humor. Assisti algumas de suas atuações. Dos infanto-juvenis Avoar, de Vladmir Capella, com direção de José Manoel (1987/1990); Maria Borralheira, de Vladmir Capella, com direção de Manoel Constantino (1988), A Ver Estrelas com texto e direção de João Falcão (1990); e para o público adulto, O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchecov, dirigido por Antonio Cadengue (1990/92), Senhora dos Afogados de Nelson Rodrigues, também sob a batuta de Cadengue (1993/1994); Fernando e Isaura, de Ariano Suassuna encenado por Carlos Carvalho (2005/2006/2007), Carícias, de Sergi Belbel com direção de Leo Falcão (2009/2010/2012), e tem muito mais. Uma trajetória rica de experiências cênicas.

Fernando Lobo, que assina a direção, é publicitário, músico, diretor e produtor musical com mais de 40 anos de profissão. Um cara experiente, premiado, criativo. Ele imprime um ritmo frenético aos questionamentos da atriz, com cortes, repetição, edição.

Sala de espera utiliza animações. Foto: Captação de tela

Elucubrações de Yolanda

Os fantasmas voltam mais ferozmente indagativos:

– As telas não substituem o encontro real entre seres humanos…
– Não mesmo? As pessoas namoram, fazem sexo por telinhas, negociam ganham dinheiro.
– Você está mudando de assunto…
– Será?!
– Vamos falar sério?
– Mais ainda
– Que as telas não substituam o encontro real entre seres humanos!!!
– Então vamos cruzar os braços e esperar a morte chegar? Porque teatro presencial está proibido, contato físico com outros humanos desaconselhável durante essa pandemia.
– Não, claro que não, mas não podemos chamar uma coisa pelo nome que não lhe pertence.
– Vamos lá… então… teatro virtual, teatro MAIS que expandido durante a peste do século 21.
– Sabe Jorge Dubatti?!!!
– Sim, claro, o teórico, filósofo e crítico argentino, que criou a Escola de Espectadores.
– Então, para mim, a teoria dele é a mais adequada. Dubatti defende que existem dois feitios de elaboração poética: a convivial e a tecnovivial.
– São paradigmas diferentes
– O tecnovívio, para Dubatti é essa cultura vivente desterritorializada por intermediação tecnológica.
– Mas o teatro respira em movimentado diálogo com os tempos e ganha muitos contornos no percurso…
– Mas sem perder sua essência… Dubatti pensa a arte do teatro como acontecimento convivial, de duração efêmera, localizada e territorializada. Então precisa estar de corpo presente, corpo físico vivo, na materialidade do espaço físico.
– Sei, sei, uma cultura de convívio, feito as partidas de futebol em campo, encontros com amigos, os rituais religiosos, as aulas presenciais nas salas de aula…
– O filósofo argentino coloca em oposição a cultura tecnovivial da cultura convivial. Nessa cultura tecnovivial as relações humanas ocorrem por desterritorialização, à distância, por meio de máquinas ou sistemas tecnológicos.
– Certo, mas ambas são experiências artísticas, performáticas, com poiesis e espectadores
– Mas falta o fator convivial… território convivial, o calor humano. não vivenciamos a experiência teatral.
– Com cenas pré-gravadas, não é teatro!
– Que coisa mais purista. O teatro é um fenômeno multifacetado. E podemos criar outros conceitos. Lembra da obra Stifters Dinge, de Heiner Goebbels? Um peça sem atores, uma performance sem performers?
– Sim, sim, exibida II Mostra Internacional de Teatro de São Paulo – MITsp, em 2015. Não considero como teatro, mas uma instalação…
– Pois penso que a reverberação, os aplausos, a reflexão, os ensaios, a repercussão, a crítica, também são teatro. Como no poema Resíduo, de Carlos Drummond de Andrade, fica um pouco. E se fica é porque tem.
– É interessante, mas não me convence.
– Está bem, então ficamos assim, pois preciso terminar essa crítica, que já demorou muito…
– Mas, fazer crítica não é fazer bolo de rolo?
– Como assim?
– Bolo de rolo é patrimônio cultural e imaterial de Pernambuco, desde 2007!
– Eu sei!!!! E adoro. Mas existe uma receita, né?!

Ela troca de fantasias. As imagens de arquivo de Carnaval foram cedidas por HIGH TECH Vídeos Profissionais

Sala de Espera pulsa mais teatro quando expõe sua artesania, os objetos e arranjos que eles usaram para fabricação da imagem. São utilizados desenhos animados em algumas cenas e o trabalho palpita de ânsia pelo encontro e pela presença física.  A atriz utiliza frases curtas, questionamentos cotidianos feitos nessa pandemia e narra as experiências enquanto são mostradas: lavar as mãos, fechar a porta, chamar o elevador, descer as escadas. 

Os momentos mais teatrais jorram das falas das peças Macbeth, – o mais tenebroso dos dramas shakespearianos de acordo com o crítico literário Harold Bloom; Maria Stuart, do escritor Stefan Zweig, – sobre a rainha da Escócia (1542-1587), pretendente ao trono inglês, por ser descendente de Henrique VII, que foi condenada por traição e presa durante 22 anos por determinação de sua prima Elizabeth I, rainha da Inglaterra; Medeia, a tragédia grega de Eurípides, datada de 431 a.C., sobre a impressionante mulher que mata os filhos como vingança e proteção, depois de ser abandonada pelo marido que ela ergueu; Gota d’água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, escrita em 1975 inspirada na peça de Eurípedes sobre o mito de Medeia, transposta para o Rio de Janeiro.

O experimento artístico foi exibido pela primeira vez durante o Festival Reside Lab – Plataforma PE, a partir do Recife, na plataforma do Youtube, com chat aberto antes da apresentação e uma breve interação entre artistas e público. A atriz falou, ou pensou, no seu nervosismo, naquelas pessoas que ela conhece. Alguns, amigos ou fãs ou pessoas que assistiram Próxima no teatro, fizeram suas conexões, deixaram frases, comentários.

Mas afinal, depois dessa elucubração toda, é ou não é teatro? Minha resposta por enquanto, depois de tudo, é que estou na Sala de Espera, aguardando para assistir ao espetáculo Próxima. E vamos em frente, criando e refletindo sobre esse momento histórico utilizando as ferramentas tecnológicas disponíveis.

Ficha Técnica:
Sala de Espera
Roteiro adaptado: Cira Ramos
Direção: Fernando Lobo
Supervisão artística: Sandra Possani (Contatos remotos)
Assistência de direção: Cira Ramos
Atuação: Cira Ramos
Direção de fotografia: Fernando Lobo
Trilha sonora original: Fernando Lobo e Fábio Valois
Iluminação: Fernando Lobo
Sonoplastia: Fernando Lobo
Captação de áudio: Fernando Lobo
Assistente de captação de áudio: Alice Lobo
Assistência de fotografia e iluminação: Julia Lobo e Alice Lobo
Animação: Julia Lobo e Alice Lobo
Edição e montagem: Fernando Lobo
Imagens de carnaval, cedidas do arquivo HIGH TECH Vídeos Profissionais.

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Alto da Boa Vista inspira cultura em Triunfo
Crítica dos experimentos cênicos
Da Laje-palco respeitável público e Dentra

Peça de Triunfo (PE) integra programação do Reside-LAB. Foto: Guilherme Andrade

Alto da Boa Vista, numa perspectiva de cima. Foto: captação de tela

Com a máscara da veinha em Da Laje-palco respeitável público o Alto. Foto: captação de tela

Com a máscara do careta. Foto: captação de tela

Depois de benzer o gato. Foto: captação de tela

* A ação Satisfeita, Yolanda? no Reside Lab – Plataforma PE tem apoio do Sesc Pernambuco

Triunfo fica em pleno Sertão pernambucano, distante 400km do Recife (quase sete horas de viagem de carro), na divisa dos estados de Pernambuco e Paraíba. Mas a cidade surpreende por algumas características incomuns da região do semiárido. Situada a 1.000 m acima do nível do mar, ostenta um clima ameno, com temperaturas que baixam a 6°C durante o inverno. Esse cenário peculiar guarda paisagens verdes, montanhas do vale do Pajeú e cachoeiras que contribuem para o município ser apelidado de oásis do Sertão. O ponto mais alto de todo estado de Pernambuco fica encravado lá, na zona rural: o Pico do Papagaio, com 1.260 metros de altitude. No centro ganham relevo o prédio do Cine Teatro Guarany, erguido em 1922, e as charmosas e coloridas edificações do século 19, fincadas nas ladeiras da cidade. As histórias e lendas do cangaço dizem que Lampião usou como esconderijo uma construção, de posição estratégica, conhecida hoje como Casa Grande das Almas. A cidade também abriga um Museu do Cangaço. Já a gruta denominada Furna dos Holandeses serviu de refúgio para remanescentes da tropa estrangeira depois da expulsão dos holandeses do Brasil, em 1654.

Pensar em Triunfo é vislumbrar o folguedo dos caretas e sua variação, as veinhas. Os mascarados, que ganham protagonismo no carnaval, representam a cidade sertaneja. Essa brincadeira conta mais de um século e banca uma tradição transmitida de pais para filhos. As máscaras, com as bocas voltadas para baixo (da tragédia do teatro), adotam desenhos multiformes. Além das roupas coloridas, eles usam luvas e outros apetrechos – como chapéus enfeitados por fitas, tabuletas com mensagens irônicas ou picantes e chocalhos – para garantir o anonimato do brincante. E o mais importante: carregam os relhos, que são os chicotes que provocam um estalido fascinante e assustador ao mesmo tempo.

A atriz, diretora e produtora Bruna Florie fala desse lugar em Da laje-palco, respeitável público: o Alto, com a autoridade do pertencimento, de quem fez movimentos de saídas e retornos. Na real, ela elege um bairro para exaltar, um celeiro de artistas: o Alto da Boa Vista. “Eu cresci aqui”, começa narrando. Para reforçar “O Alto inspira cultura em Triunfo”. E mais na frente nos fazer cúmplices: “Conheço cada detalhe”.

Uma panorâmica, feita de cima com um drone, percorre os telhados das casas e Bruna passeia por ruas e memórias e cita pessoas marcantes do pedaço: família de músicos e artesãos de Seu Dão (que entrelaçava os cipós tão ligeiro quanto o olhar da menina); seus amigos Mazé e João Edson; Seu Zuza, “o careta mais exímio de Triunfo”; Seu João de Pastora, um dos criadores das cambindas; Maria de Zuza, que costura as peças dos artistas; seu primo Lúcio Fabio, que integrou o primeiro ateliê de arte do Alto; Neta, brincante e rezadeira, que deixa os meninos sambarem no terreiro; Nino Abraão e a Treca de Caretas Alto Astral.

O mundo visto do Alto é bordado, alimentado por poesia extraída do cotidiano, que celebra a vida e inventa outras razões para festejar. Da sua laje-palco, espaço que aloja caixas d’água, a atriz dança com o estandarte da Cambinda de Triunfo, de 2012. Ao portar a máscara do careta/veinha ela assume o silêncio enigmático desses brincantes e sai pelas ruas em sua performance com uma bengala e seu vestido vermelho: senta para descansar, para em um santuário, benze um gato.

Bruna Florie assume várias funções no trabalho Da laje-palco, respeitável público: o Alto, salientando sua inquietação. Ela colabora com vários coletivos de Triunfo: Pantim, Casa Espiral da Terra, Mangaio, RIPA (Rede Interiorana de Produtores, Técnicos e Artistas de Pernambuco) e o grupo de samba de coco e poesia “A Cristaleira”. Ela reúne no currículo outras dramaturgias, como Um conto de Lôre, Giro Espiral, Andeja, Dentra.

A trilha sonora traz uma camada a mais da riqueza cultural de Triunfo. O eletrococo muderno de Jéssica Caitano manda muito bem na cena ao misturar repente, coco, rap e beats e sintéticos. São ideias sonoras muito potentes, com músicas autorais de Jéssica e Chico Correa, responsável pelo componente instrumental, com beats, samplers e programações. 

Nesse período pandêmico tive oportunidade de conhecer alguns grupos que geralmente estariam fora do meu raio. Fiquei satisfeita com o trabalho de Bruna Florie. Aliás, admiro muito os realizadores, os que enfrentam e superam as dificuldades e/ou, apesar delas, concretizam sonhos com orgulhosa alegria.

Mesmo sozinha na gravação, a artista carrega consigo meio mundo de gente que atravessou  seu caminho, e muitos outros da sua ancestralidade, que sempre souberam do prazer da brincadeira compartilhada entre parentes e amigos. Os artistas do Alto da Boa Vista, como ela diz, vem sendo visita, passagem, memória, resistência, engrenagem. Salve, salve a cultura brasileira.

Dentra

Dentra, com Bruna Florie. Foto Divulgação

O corpo está repassado de um ruidoso mundo externo. O corpo ocupa um espaço no universo. Nessa proposta, o corpo físico é distinguido, fragmentado e desconstruído para desligar-se do mundo, silenciar e ouvir a voz interior. Em Dentra ouvimos o sussurro não pronunciado de Bruna Florie “O corpo é a nossa casa, a mais pessoal, a mais primordial. Precisamos cuidar bem dele”.

O experimento cênico Dentra convoca outras texturas poéticas além das memórias coletivas de Da laje-palco, respeitável público: o Alto. Clama por intimidades, aconchegos, outros afetos. Temporada de escuta; respiração como renovação.

As máscaras nas paredes, as peças das roupas de baixo no varal, um tom melancólico de recolhimento com o quase cheiro de terra úmida.

Dia desses a Tristeza bateu. “Escutei-a. escutei-me”. Ela escutou, abriu as janelas.

O tempo pulsa em cada pequeno objeto.

Vivemos tempos voltados para dentro.

Com uma boneca de pano, ela mostra que é possível suturar as dores, embelezar-se com um vestido. Tudo é delicado.

A feitura do chá é a criação de uma pintura. Pés mergulhados.

Na casa de bonecas ela enfia a cabeça. Closes bonitos nos olhos. Eles falam muitas coisas. Você entendeu?

Aproveitar o tempo hoje. Abraçar as experiências. Encarar suas sombras interiores. Acolher-se, solidarizar-se, valorizar-se. A realidade já está cruel demais. Vibre de emoção. Cada amanhecer é uma nova possibilidade.

Da laje-palco: respeitável público, o Alto
Ficha técnica:

Direção, roteiro, atuação e produção: Bruna Florie
Assistente de produção e videomaker: Guilherme Andrade
Filmagens com drone: Maycon Jonathan
Maquiagem: Karol Virgulino
Participações especiais de artistas do Alto da Boa Vista: Joaneide Alencar, Carlinhos Artesão e Jéssica Caitano
Edição, fotografia e direção de arte: Bruna Florie
Trilha Sonora:  Beat the Burglar – Scott Holmes, Repente – Jéssica Caitano & Chico Correa, Música Lab II– Jéssica Caitano & Paulo Beto, Canarin – Jéssica Caitano & Chico Correa

DENTRA
Ficha técnica:

Direção geral e produção: Bruna Florie
Roteiro: Bruna Florie e Guilherme Andrade
Assistente de produção I e videomaker: Guilherme Andrade
Assistente de produção II: Geibson Nanes
Trilha sonora: Sad walk with sad piano – komiku, Amaryllis Flower – Ivy Meadows, Dreaming of You – Komiku
Edição, montagem, fotografia: Bruna Florie e Guilherme Andrade
Direção de arte, atuação e poema Dentra: Bruna Florie

 

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Festival Reside abraça programação pernambucana

Paul Davies conduz Residência Artística, com apresentação de resultado do processo e workshop

Da Laje-palco respeitável público o Alto, espetáculo de Triunfo, no Sertão pernambucano
Foto Guilherme Andrade

O mundo é grande e há tantas possibilidades de sintonias afetivas e cênicas, deve ter pensado a atriz e produtora Paula de Renor quando idealizou Reside Lab – Plataforma PE – Festival Internacional de Teatro, chamado de Câmbio, festival de teatro lá em 2018. Nestes tempos marcados pelo distanciamento físico e pela interdição de aglomerações, o programa ocorre na digital de 15 a 31 de março de 2021. A programação contempla 11 apresentações de 10 espetáculos, dois Encontros Reside, uma Residência Artística e um workshop com o britânico Paul Davies.

A residência artística reforça que o cérebro e o coração deste festival pernambucaníssimo são as trocas, os compartilhamentos, a cooperação, a coautoria com criadores do planeta Terra. O escritor, intérprete, desenhista e diretor britânico, com doutorado em Política, Paul Davies conduz a Residência (de 15 a 27 de março, com os inscritos selecionados) e envia aos participantes a provocação: “Em tempos de morte e de negação, ainda é possível termos apetite para a realização de sonhos ou a nossa imaginação sofreu um golpe mortal?

Depois de 13 dias de estímulos criativos e do convite que Davies fez aos integrantes da residência de darem um “salto no escuro”, no dia 31 de março será exibido o resultado do processo de investigação, que trabalha com o tema “Qual o Caminho para os Jardins?”, Diretor do Volcano Theatre (País de Gales/UK), Paul Davies apresenta seus métodos de criação e trabalhos realizados no Reino Unido, no workshop com estudantes, professores, artistas e público, no dia 29 de março, das 15h às 17h. É preciso fazer inscrição no site do Reside (www.residefestival.com.br)

CONFLUÊNCIAS

O 1º Encontro: Dramaturgia Ibero-americana na pós-pandemia vai discutir, no dia 20 de março, sobre o reflexo das novas concepções de teatro no campo da dramaturgia teatral. Os pesquisadores vão refletir sobre transformações, expansões e giros da escrita dessa cena para o período. Dessa saraivada de ideias participam o dramaturgo e encenador Diego Aramburo (Bolívia); o ator, encenador e dramaturgo Damián Cervanates (México) e a atriz, diretora e dramaturga Lorena Veja (Argentina), como palestrantes, e o professor, encenador e dramaturgo Rodrigo Dourado (PE/Brasil) na mediação. Inscrições no site do Reside (www.residefestival.com.br)

Há aproximadamente um ano, os terráqueos foram surpreendidos com um vírus desconhecido e de enorme poder letal. As atividades produtivas foram obrigadas a parar. A cultura foi um setor afetado pela pandemia. Apresentações artísticas e festivais foram cancelados em 2020. O 2º Encontro: Adaptações e Modelos de Festivais de Artes Cênicas trata das respostas e adaptações para o setor, no dia 27 de março, das 17h às 19h. Algumas perguntas são perscrutadas a exemplo de: Como um setor pode se reinventar em meio a uma pandemia? Qual é o futuro da programação inovadora para festivais internacionais em 2021? O formato híbrido seguirá existindo? Participam dessas visadas para o futuro o diretor artístico do Festival Cielos del Infinito Antonio Altamirano (Chile); o diretor Artístico do FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica Gonçalo Amorim (Portugal); a curadora, produtora e performer Elizabeth Doud (Estados Unidos). E como mediador o diretor artístico do FIAC-Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia, Felipe Assis. Inscrições: site do Reside (www.residefestival.com.br)

ESPETÁCULOS

A programação de espetáculos abre no dia 16 de março com Transbordando Marias, uma homenagem do Reside à família Camarotti. Inspirado na personagem Maria Josefa da peça A Casa de Bernarda Alba, de Federico García Lorca, as atrizes Maria Conceição e Maria Clara, mãe e filha, enveredam por suas liberdades em estado de isolamento.

Os afetos, suas belezas e feridas, pulsam nas lembranças do protagonista de Brabeza Nata, um rapaz criado pela avó materna. O experimento virtual é baseado no conto homônimo de Luiz Felipe Botelho, tem direção de Cláudio Lira e interpretação do ator Alexandre Sampaio.

A construção do feminino, as lutas, as contradições, as estratégias de sobrevivências, apaziguamento de si e as contendas com o outro são potencializados pela atriz Márcia Cruz no espetáculo Vulvas de Quem? Direção de Cira Ramos e textos de Ezter Liu.

Um Brasil incendiado com sua história é uma reflexão que propõe o espetáculo Inflamável, a partir da atuação de um homem-espectro que tenta expurgar os males causados aos seus ancestrais brasileiros. É inspirado em três poemas do livro homônimo, de Alexsandro Souto Maior (O homem do Pau-Brasil; A margem; Descolonizado). Direção de Quiercles Santana e atuação de Paulo de Pontes.

Bruna Florie faz um convite para que enxerguem como olhar poético a comunidade Alto da Boa Vista, que é berço da cultura popular de Triunfo, no interior de Pernambuco, no trabalho Da laje-palco: respeitável público: o Alto. Já Dentra é para escutar o silêncio e atentar para os cuidados.

No meu terreiro tem Arte – Nós Sem Nossa Mãe, com Helena Nunes e Violeta Nunes. Foto: Rayra Martins

No seu teatro de memória, a brincante sertaneja, atriz, palhaça, cordelista e mãe Odília Nunes mistura de teatro, poesia, circo e tradição popular, em cenas construídas no seu território, o quintal de casa, na comunidade rural em Ingazeira, no sertão do Pajeú. Suas filhas, Violeta Nunes e Helena Nunes atuam com desenvoltura em No Meu Terreiro tem Arte.

O sentido de existir, resistir, persistir e a realidade de mortos por Covid-19, pela polícia, por feminicídio, pela fome são disparadores para Yorick e Os Coveiros Do Campo Santo De Elsinor (Parte 1). É inspirado a Cena I, Ato V, do Hamlet, de Shakespeare. Nessa primeira parte, a peça trata das possibilidades de contato em isolamento. A segunda se volta sobre a solidão desses tempos. Depois da apresentação está marcada uma conversa com a mediação de Elias Mouret.

Práticas Desejantes. Foto Guto Muniz / Divulgação

A abertura de Processo Práticas Desejantes – 1º Movimento mergulha na possibilidade de descolonização do fazer teatral. Quatro artistas pesquisador_s buscam, cada qual no seu quadrado, discutir estéticas e poéticas teatrais que contemplam questões de gênero, memória, narrativas de si, identidades étnicas, visibilidades. Participam Ana Paula Sá, Andrezza Alves, Daniele Ávila Small e Geraldo Monteiro.

Se em Próxima, monólogo de Cira Ramos apresentado em tempos pré-pandêmicos, a atriz, diretora e dramaturga investia no tema da expectativa para a cena, para o próximo filme, o próximo trabalho e os desafios que o tempo apresenta, em Sala de Espera, o mundo se ergue em suspeição e suspensão. Quando a vida volta à vida normal? Será que volta? O que é normal? Essa pandemia está fazendo a gente ficar mais pensativa.

ENTREVISTA // Paula de Renor

Atriz, diretora e produtora Paula de Renor, idealizadora do Reside. Foto Divulgação

Qual suas ideias para o Reside LAB para esse período pandêmico?
O edital de premiação da Lei Aldir Blanc possibilitou a realização desta edição especial, com realização totalmente virtual e em março. O Reside desloca seu olhar para cena teatral local, exibindo 10 espetáculos (11 apresentações) criados para plataforma digital. A primeira apresentação será o Transbordando Marias, de Clara Camarotti, com participação de Conceição Camarotti, e fiz questão de que este trabalho fosse o primeiro a ser exibido na programação, como uma homenagem do Reside à família Camarotti, todos tão importantes para o teatro pernambucano e particularmente para mim! Este trabalho revela também o que podemos esperar de todos os outros: a busca da reciprocidade de um outro olhar, uma nova dinâmica, uma conexão. Os olhares que se movem e encontram essa cumplicidade nas intimidades expostas, percorrendo frustações, medos, forças, dores, desejos, territórios. Uma nova forma de olhar… e através desta busca de uma aproximação via a intimidade escancarada do ator, eu defino meu olhar curatorial. O meu olhar, o seu olhar, no outro.

“Acho que só consigo ter coragem
e força para lutar tanto porque
sou mulher e as mulheres
têm esse poder de superação
quase sobrenatural, né?”

Além das medidas de distanciamento adotadas para evitar a propagação do vírus Covid-19, quais as outras dificuldades encontradas para realizar o festival neste ano?
A maior dificuldade é a falta de verbas para a cultura. Não contamos durante o ano de 2020 com nenhum edital federal, municipal ou estadual, exceto o Funcultura. Já no final do ano emplacamos a Lei Aldir Blanc, uma mobilização da classe artística e dos políticos a contragosto do Governo Federal. As empresas se retraíram nos patrocínios sem entender o alcance da divulgação de suas marcas nos eventos agora totalmente virtuais e os produtores também começaram aos poucos a entender todo esse processo. Eu não pensei em nenhum momento em fazer parte da programação presencial. Acho que até o final desta pandemia, quero que as pessoas fiquem em suas casas e esperem um pouco mais para irem aos teatros. Temos uma responsabilidade não só com o público, mas também com os artistas e por mais cuidado que se tenha, há sempre uma grande tensão e risco, assim eu prefiro restabelecer esse contato do público com o teatro através da tela.

Mas tudo tem um ponto positivo, quais você aponta.
A aproximação das pessoas, dos países, dos idiomas. O mundo ficou mais próximo e parece que menor. Claro que já existiam encontros e ações virtuais, mas nunca se pensou em se realizar por exemplo, mercados de artes cênicas totalmente virtuais. A pandemia apontou para esta possibilidade. Este ano participei da semana dos programadores do Santiago A Mil, no Chile, e do mercado do Festival Internacional de Buenos Aires e foi muito bom! Triplicou a quantidade de programadores do mundo inteiro assistindo aos trabalhos produzidos nestes países. As possibilidades de visibilidade se ampliaram! No Reside, realizaremos 2 Encontros com profissionais do Chile, Bolívia, Argentina, Portugal, Estados Unidos e México. Se fossem presenciais, os custos talvez não permitissem a realização. Esses encontros, trocas, diálogos estão fazendo parte de nosso dia a dia e este formato veio pra ficar! Conseguimos nos encontrar num mesmo momento, num planeta comum chamado “virtual”. Acho formidável!

“Estou cansada de só recebermos
produções e artistas de fora sem
nada que nos garanta nossa
participação lá fora. Não ter
perspectiva de retorno,
não me interessa”.

Adotar uma programação que não estratifica os espetáculos locais dos internacionais, por exemplo, me parece uma posição política de exercício de descolonização do olhar. Fale das suas ideias da programação que amalgama as micropolíticas de democratização.
Quando deixei o Janeiro de Grandes Espetáculos e lancei o CAMBIO em 2017, que em 2018 se transformou no Reside, o meu pensamento era complementar o que já existia na cidade e não repetir formatos. Senti que existia a necessidade do investimento maior nos intercâmbios e programações internacionais e optei em não programar espetáculos locais ou nacionais, para que os recursos, sempre muito poucos, se concentrassem nos intercâmbios e abertura de mercado internacional. A contribuição do Reside passa a ser então, a de preparação da produção local para o mercado internacional ( com perspectiva de 5 anos) e da possibilidade de compartilhar experiências e saberes, dos dois lados, uma via de mão dupla, um aprendizado mútuo! Todos os instrutores e artistas de fora do país que participaram das Residências e espetáculos em 2018 e 2019, deixaram ideias e várias perspectivas de parcerias futuras e isso é muito bom! Também já estou cansada de só recebermos produções e artistas de fora sem nada que nos garanta nossa participação lá fora. Isso acontece no Brasil inteiro! Estou atenta a isso, e essa postura de não se ter perspectiva de retorno, não me interessa. Essa edição do Reside é bem especial e totalmente diferente desse formato idealizado. Todas as apresentações são de trabalhos de Pernambuco e não poderia ser diferente. Temos que seguir a essência e ser fiel aos objetivos da Lei Aldir Blanc ( LAB), de apoio aos nossos artistas, de parcerias para circulação e visibilidade de nossa produção teatral nesse momento tão difícil para a cultura neste país. Respeitamos políticas sociais, de regionalização e de democratização e estamos satisfeitos com os resultados. Acho que todos os festivais tiveram esta postura e isso me orgulha muito!

Como você está se virando para dar conta do festival, da direção do Dona Linda, cuidar da família e da beleza?
Esta é lera né? Beleza já era há muito tempo!!! Já cortei até o cabelo pra nem ele me dar mais trabalho!!!Todo dia um desafio e uma gincana nas tarefas de casa e do trabalho num turno de quase 18 horas por dia! Todo dia uma corrida para execução das tarefas determinadas no cronograma de pendências que nunca se consegue por em dia! Acho que só consigo ter coragem e força para lutar tanto porque sou mulher e as mulheres têm esse poder de superação quase sobrenatural, né?

Paulo de Pontes em 72 DIAS_Foto Keity Carvalho / Divulgação

Cira Ramos em Sala de Espera. Foto: Divulgação

Bruna Florie em Dentra. Foto Divulgação

PROGRAMAÇÃO

16/03/21 – 20h – Transbordando Marias (YouTube do Reside)
Ficha Técnica
Concepção e Direção Geral: Maria Clara Camarotti
Elenco: Conceição Camarotti e Maria Clara Camarotti
Texto livremente inspirado na personagem Maria Josefa, da peça A Casa de Bernarda Alba, de Federico García Lorca
Equipe de criação: Maria Clara Camarotti, Nana Sodré, Maria Agrelli, Silvinha Góes, Conrado Falbo
Duração: 40 minutos
Classificação indicativa: Livre
Trabalho contemplando pelo edital emergencial Cultura em Rede do Sesc Pernambuco.

17/03/21 – 20h – Brabeza Nata (Instagram)
Ficha Técnica:
Texto: Luiz Felipe Botelho
Direção: Cláudio Lira
Elenco: Alexandre Sampaio
Realização: Cia Maravilhas de Teatro
Duração: 20 minutos
Classificação indicativa: 16 Anos

18/03/21 – 20h – Vulvas de quem? (Instagram)
Ficha Técnica:
Texto: Ezter Liu
Direção: Cira Ramos
Elenco e produção: Márcia Cruz
Sonoplastia: Fernando Lobo
Música: Flaira Ferro
Iluminação: Luciana Raposo
Fotos: Keity Carvalho
Realização: Cia Maravilhas de Teatro
Duração: 20 minutos
Classificação indicativa: 16 Anos

19/03/21 – 20h – Inflamável (Instagram)
Ficha Técnica:
Autor: Alexsandro Souto Maior
Diretor: Quiercles Santana
Atuação e Produção geral: Paulo de Pontes
Direção de Arte: Célio Pontes
Técnico de som, luz e vídeo: Fernando Calábria
Produção executiva: Márcia Cruz
Realização: Pontes Culturais
Duração: 25 minutos
Classificação indicativa: 16 Anos

20/03/21ENCONTRO Dramaturgia Ibero-americana na Pós-pandemia – Das 17h às 19h – YouTube do Reside
Participantes:
Diego Aramburo – Dramaturgo e encenador (Bolívia)
Damián Cervantes – Ator, encenador e dramaturgo (México)
Lorena Vega – Atriz, encenadora e dramaturga (Argentina)
Mediação: Rodrigo Dourado – Professor, encenador e dramaturgo (PE/Brasil)

21/03/21 – 20h – 72 dias (YouTube do Reside)
Ficha Técnica:
Dramaturgia: Paulo de Pontes e Quiercles Santana
Diretor: Quiercles Santana
Atuação e Produção geral: Paulo de Pontes
Direção de Arte: Célio Pontes
Músicas: Sonic Júnior
Técnico de som, luz e vídeo: Fernando Calábria
Streamer: Márcio Fecher
Produção executiva: Márcia Cruz
Fotos: Keity Carvalho
Realização: Pontes Culturais & Cia Maravilhas de Teatro
Duração: 45 minutos
Classificação indicativa: 18 Anos

22/03/21 – 20h – Bruna Florie: da laje-palco: respeitável público, o Alto e DENTRA (YouTube do Reside)
Ficha Técnica:
Direção, roteiro, atuação e produção: Bruna Florie
Assistente de produção e videomaker: Guilherme Andrade
Filmagens com drone: Maycon Jonathan
Maquiagem: Karol Virgulino
Participações especiais de artistas do Alto da Boa Vista: Joaneide Alencar, Carlinhos Artesão e Jéssica Caitano
Edição, fotografia e direção de arte: Bruna Florie
Trilha Sonora: “Beat the Burglar” – Scott Holmes, “Repente” – Jéssica Caitano & Chico Correa, “Música Lab II”- Jéssica Caitano & Paulo Beto, “Canarin” – Jéssica Caitano & Chico Correa
Duração: 15 minutos e 35 segundos.
ESPETÁCULO: Dentra
Ficha Técnica:
Direção geral e produção: Bruna Florie
Roteiro: Bruna Florie e Guilherme Andrade
Assistente de produção Ie videomaker: Guilherme Andrade
Assistente de produção II: Geibson Nanes
Trilha Sonora: “Sad walk with sad piano” – komiku, “Amaryllis Flower” – Ivy Meadows, “Dreaming of You” – Komiku
Edição, montagem, fotografia: Bruna Florie e Guilherme Andrade
Direção de arte, atuação e poema Dentra: Bruna Florie
Duração: 5 minutos e 31 segundos.
Classificação: Livre

23/03/21 – 20h – Meu Terreiro tem Arte (YouTube do Reside)
Ficha Técnica:
Brincantes/palhaças/atrizes : Odília Nunes, Violeta Nunes e Helena Nunes
Criação Geral: Odília Nunes
Duração: 33 minutos
Classificação indicativa: Livre

24/03/21 – 19h – Yorick e os Coveiros do Campo Santo de Elsinor (Parte 1) – (YouTube do Reside)
Ficha Técnica:
Criação Cênica e Dramaturgismo: Andrezza Alves, Enne Marx, Daniel Machado, Geraldo Monteiro, Marcondes Lima e Quiercles Santana
Dramaturgia: Quiercles Santana e William Shakespeare
Performance: Andrezza Alves, Enne Marx e Marcondes Lima
Direção de Arte: Marcondes Lima
Assistência de Direção, Foto, Vídeo e Edição: Daniel Machado e Geraldo Monteiro
Designer e Direção Musical: Daniel Machado
Criação em Arte-Tecnologia, Streaming e Plataformas Digitais: Geraldo Monteiro
Produção: Andrezza Alves
Direção Geral: Quiercles Santana
Duração: 45 minutos
Classificação Indicativa: 15 Anos

25/03/21 – 19h – Yorick e os Coveiros do Campo Santo de Elsinor (Parte 1) – (YouTube do Reside)

26/03/21 – 20h – Práticas Desejantes – Primeiro Movimento (YouTube do Reside)
Ficha Técnica:
Idealização e performance: Andrezza Alves e Daniele Ávila Small
Pesquisa, levantamento do material, criação do repositório, dramaturgia e curadoria: Ana Paula Sá, Andrezza Alves, Daniele Ávila Small e Geraldo Monteiro
Mediação dos encontros e produção: Ana Paula Sá, Andrezza Alves e Daniele Ávila Small
Edição, plataforma digital, gerenciamento e compartilhamento de conteúdos: Geraldo Monteiro
Identidade Visual: Analice Croccia
Fotografia: Guto Muniz – Foco in Cena
Duração: 30 minutos
Classificação Indicativa: 14 anos

27/03/21 – ENCONTRO: Adaptações e Modelos de Festivais de Artes Cênicas – das 17h às 19h – canal RESIDE no YouTube
Participantes:
Antonio Altamirano – Diretor artístico do Festival Cielos del Infinito (Chile);
Gonçalo Amorim – Diretor Artístico do FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (Portugal)
Elizabeth Doud – Curadora, produtora e performer ( Estados Unidos)
Mediação: Felipe Assis – Diretor Artístico do FIAC-Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia

28/03/21 – 20h – Sala de Espera – (YouTube do Reside)
FICHA TÉCNICA:
Roteiro adaptado: Cira Ramos
Direção: Fernando Lobo
Supervisão Artística: Sandra Possani (Contatos remotos)
Assistência de direção: Cira Ramos
Atuação: Cira Ramos
Direção de fotografia: Fernando Lobo
Trilha sonora original: Fernando Lobo e Fábio Valois
Iluminação: Fernando Lobo
Sonoplastia: Fernando Lobo
Captação de áudio: Fernando Lobo
Assistente de captação de áudio: Alice Lobo
Assistência de Fotografia e iluminação: Julia Lobo e Alice Lobo
Animação: Julia Lobo e Alice Lobo
Edição e Montagem: Fernando Lobo
Imagens de Carnaval, cedidas do arquivo HIGH TECH Vídeos Profissionais.
Duração: 22 Minutos
Classificação Indicativa: 14 Anos

29/03/21WORKSHOP/Conversa – das 15 às 17h – Plataforma Zoom ( por meio de inscrição )
Com Paul Davies/Volcano Theatre (País de Gales/UK)

Dia 31/03/21Resultado da Residência Artística – às 19h YouTube do RESIDE
Qual o caminho para os Jardins?

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Para pensar a política cultural do Recife

É necessário muito trabalho nos bastidores para que a cultura  do Recife volte a respirar. Na imagem de Andrea Rego Barros, o urdimento do Teatro do Parque.

Teatro do Parque com vista a partir dos camarotes. Foto: Andrea Rego Barros / Divulgação

* Atualizada em 29/01/2021 às 11h51

A política cultural é feita de escolhas. De prioridades e investimentos. Como na regra máxima da economia: recursos escassos para atender a desejos infinitos. Nessa difícil equação, os gestores decidem o que fazer com o orçamento. Alguns apostam na oitiva da população, especialmente daquela porção diretamente envolvida, para tomar decisões. Uns acreditam no seu poder clarividente de entender o que o setor cultural e os cidadãos querem sem escutá-los.

Mas nenhuma escolha é ingênua. Ou aleatória. Ela está atrelada às ideologias. Verbas materializam aspirações, sonhos, projetos. Do que se pensa que é melhor para o universo individual ou coletivo. E quem detém nas mãos a construção desse mundo; ou seja, quem está no poder, tem a chance de escolher onde e como e porque aplicar os investimentos; fornecer as condições básicas, médias e suficientes para que os habitantes sobrevivam, vivam, existam. Então, alguns atores sociais podem ser inviabilizados, não priorizados por investimentos públicos, lançados tão ao fim da fila que nunca chegam sua vez.

David Harvey chama de mercadificação a transformação em mercadoria de formas culturais, históricas e da criatividade intelectual.

A política cultural neoliberal do governo de Pernambuco e do Recife equaliza a dimensão de entrega das decisões para o mercado. Isso ficou notabilizado nos últimos oito anos de gestão do PSB na Prefeitura do Recife e no estado mais do que isso. Foi uma trilha de perdas das conquistas da classe artística, que precisou se juntar em movimentos vários para frear estragos ou garantir pontos fundamentais.

O Teatro do Parque, equipamento administrado pela prefeitura, fechado durante 10 anos e reaberto no fim do ano passado, é um exemplo – que nem sempre aparece nas notas oficiais – da articulação de muitos artistas. Foram diversas Viradas Culturais, protestos, mobilizações, comissões para o teatro ser devolvido lindinho à população.

Com João Campos, do PSB, ocupando a cadeira de prefeito depois de oito anos de Geraldo Júlio (PSB), entraram em cena no início do mês o professor, escritor, documentarista e produtor cultural Ricardo Mello, no cargo de secretário de cultura da cidade do Recife, e o diretor de teatro, professor, José Manoel Sobrinho, como presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife. Ambos foram recebidos de braços abertos pela maior parte da classe teatral. José Manoel, de forma efusiva.

Ricardo Mello, secretário de Cultura do Recife na gestão do prefeito João Campos. Foto: Reprodução do Facebook

José Manoel Sobrinho, presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife, na gestão de João Campos. Foto: Thiago Faria / Divulgação

Registramos aqui as inquietações a partir das perguntas que fizemos a algumas pessoas das artes cênicas sobre os gestores atuais. Foram dois questionamentos: 1) a opinião sobre a escolha dos nomes 2) as prioridades para a gestão. As respostas foram dadas entre 5 e 15 de janeiro. 

Basicamente são três marcos de recepção. Os que acreditam plenamente em mudanças com a participação desses gestores; os que sabem do valor dos nomes, mas desconfiam do método PSB de administrar; e os que, apesar de torcer para que a cultura recifense dê certo, não confiam na política desse partido, tendo por base os danos ocorridos nos últimos oito anos. 

Mônica Lira, coreógrafa e bailarina do Grupo Experimental pensa que foi imprescindível chamar pessoas realmente da área de cultura. “Tivemos durante essas duas gestões de Geraldo Júlio, infelizmente, pessoas técnicas, homens machistas, principalmente o ex-presidente da FCCR. Eu tive a experiência, inclusive, lá dentro, interna, que foi muito ruim. Então, acredito que vai ser muito importante se eles (Ricardo Mello e José Manoel) tiverem realmente recursos e abertura para construir uma política que já deixou de existir há muitos e muitos anos”.

Diálogo, esse ato básico de comunicação, é um dos quesitos mais reclamados pelos artistas durante as duas últimas gestões do PSB. “É uma expectativa de que seja um novo momento, um fio de esperança, uma luz no fim do túnel. Porque não está fácil ser artista, permanecer artista morando num país como o Brasil e com esse desgoverno. E principalmente numa cidade em que a cultura não tinha nenhuma prioridade. A cultura nunca foi prioridade para essa gestão de Geraldo Júlio, em nenhum momento”, reforça Mônica Lira.

Atriz, produtora e curadora Paula de Renor assume a administração do Parque Dona Lindu / Teatro Luiz Mendonça. Foto: Reprodução do Facebook

Paula de Renor, atriz, produtora e conselheira do Conselho Estadual de Cultura foi convidada e aceitou a administração do Parque Dona Lindu / Teatro Luiz Mendonça, os dois equipamentos juntos. Essa informação foi divulgada neste 25 de janeiro. Além de produtora, com longa temporada no festival Janeiro de Grandes Espetáculos, do qual se desvinculou há cerca de três anos, ela administrou um dos espaços mais queridos do Recife das últimas décadas: o Teatro Armazém. Atualmente ela produz o Reside – Festival Internacional de Teatro FIT-PE.

“Eu aceitei porque eu quero apoiar Zé Manoel e Ricardo, pois eu acredito neles, nos dois. Eu acho que que a gente tem que ocupar os espaços – a gente quer dizer a classe artística – tem que ocupar os espaços que pertencem à classe. Os teatros pertencem à cidade, à classe e eu acho que ninguém melhor do que os artistas, e artistas que são gestores também e produtores, para cuidarem desses espaços. Os artistas, como ninguém, sabem cuidar, porque eles precisam e vivem desses espaços. Então foi por isso que eu aceitei esse desafio”, contou ao blog Satisfeita, Yolanda? 

Ator, diretor e dramaturgo Giordano Castro. Foto: Reprodução do Instagram

Mesmo reconhecendo a importância dos dois gestores, o ator, diretor e dramaturgo, integrante do Grupo de Teatro Magiluth, Giordano Castro, confessa que “não acredito muito em grandes mudanças”, lembrando que é mais uma gestão do PSB no Recife. E que, em linhas gerais, levando em conta o histórico dos últimos oito anos de administração desse partido na capital pernambucana, o resultado foi o desmantelamento de algumas conquistas.

Entre elas,  o enfraquecimento de festivais importantes como o de teatro, o de dança e o de literatura. “São festivais muito fortes na cidade que, de alguma forma faziam com que a vida cultural da cidade do Recife acontecesse de forma fervorosa. E esses festivais, eles acabaram”. E, por isso mesmo, Giordano ressalta a importante da alternância de poder. “Mas sendo João (Campos) o novo prefeito, nós vamos democraticamente viver com ele nesses quatro anos e torcer para que eu esteja de alguma forma errado em relação a isso”.

Artistas e produtores Mísia Coutinho, Paulo de Pontes e Gheuza Sena. Fotos: Reprodução do Facebook

A torcida pelos novos gestores é grande. Muitos atores, diretores, produtores, botam muita fé, principalmente no nome de José Manoel Sobrinho. “Conheço de perto a dedicação dele, o empenho e a competência”, frisa a produtora e atriz Mísia Coutinho. O ator e produtor Paulo de Pontes corrobora que as escolhas não poderiam ser melhores. “Já nos dá certa esperança”. A atriz Gheuza Sena também aposta suas fichas em José Manoel “que é uma pessoa que eu conheço a fundo, acompanho bastante o trabalho dele, já muitos anos foi meu professor na Fundaj”.

“Para mim, Recife nunca esteve tão bem representado na parte da cultura”, aposta a atriz, modelo e palhaça Fabiana Pirro. “Ricardo Mello é super engajado em várias áreas da cultura, e não é só um administrativo. Ele é uma pessoa realmente das artes, sensível, muito acessível. Acho que ele vai fazer um grande trabalho à frente dessa pasta”. “E Zé Manoel, minha Nossa Senhora, já participamos de vários projetos, foi ele foi quem fez a gente circular o Brasil todo no Palco Giratório com Caetana e Divinas; sempre nos defendeu. Colocou o Sesc Pernambuco no patamar que você sabe bem. Viva as deusas das artes porque a gente precisava de uma pessoa como o Zé, muito trabalhador, muito disposto a realmente mudar o panorama para os artistas e valorizar os artistas”, diz.

Mais do que apoio da classe, eles vão precisar de recursos e de apoio político. “Para que possam atuar concretamente, se fará necessário recursos que possam apoiar e fomentar as ações culturais necessárias para um efetivo fortalecimento das cadeias produtivas dos segmentos culturais, bem como instrumentalizar todos os equipamentos culturais do município, no que tange à manutenção e programação num formato democrático e valorizando as produções locais sem esquecer as produções visitantes” aponta o jornalista, ator e diretor Manuel Constantino.

Ator, diretor e gestor Quiercles Santana. Foto Reprodução do Facebook

O diretor teatral, produtor e gestor Quiercles Santana lembra que José Manoel assumiu, anos atrás, um cargo similar na cidade de Camaragibe e as coisas mudaram muito de feição por lá durante a sua gestão. “Mudaram para melhor, quero dizer. Incrível o que ele sabe do ofício e como a cabeça dele funciona a mil por hora”. Quiercles comemorou a entrada dos dois no que ele chama de campo de batalha. “Porque se trata de fato de um campo de batalha. E é provável que mesmo sendo almirantes de brigada, muito bem habilitados, nem sempre consigam escolher os soldados certos para lutar ao lado deles nas trincheiras. Espero estar errado, do fundo do coração. Mas é que a prefeitura (e não somente ela) está cheia de mortos-vivos, defuntos que esqueceram de deitar faz tempo, mas que continuam ocupando cargos lá, esses fósseis, empurrando com a barriga, cristalizados em formas de gerir e pensar a cultura datadas de meados do século XIX. E nós precisamos de mais Ricardos e José Manoéis que tragam escutas, sensibilidade e traquejo nas realizações que precisam ser concretizadas na área”.

A capacidade de José Manoel de enxergar a periferia é lembrada pelo diretor e professor Rodrigo Dourado. “Eu acho que é uma marca, quer dizer, ele é um homem que olha para as regiões periféricas. Que esse movimento de interiorização que ele realizou no Sesc possa ocorrer nas periferias culturais do Recife. Que saia um pouquinho desse modelo neoliberal dos centros e dos centros culturais regidos por instituições financeiras”.

Diretor do Grupo João Teimoso e da Guerrilha Cultural, Oséas Borba espera que a prefeitura deixe de lado a política de eventos, priorize cada segmento, dê uma atenção especial aos equipamentos culturais e aos editais. “Então quem sabe a gente não volta ao Conselho Municipal de Política Cultural funcionando como ocorreu no início?”.

Os integrantes d’O Poste – Agrinez Melo, Naná Sodré e Samuel Santos – assinalam que durante toda gestão passada, as artes cênicas tiveram perdas que dificultaram a fruição, a criação e a produção em geral. “Perdemos o departamento de artes cênicas, o prêmio de fomento ao teatro , o SIC ( depois de 06/ 07 anos voltou ). Então José Manoel como presidente da Fundação e que tem uma ligação íntima, direta com a classe artística, é ciente dessas perdas e ele tem um histórico de luta cultural e social junto à Feteape (Federação de Teatro de Pernambuco), ao Sesc e outros e que vai pensar e agir para que retornemos a fruir, produzir o teatro e a dança como expressões de respeito e respeitadas no Recife”.

Diretor do Trema! Festival, o ator Pedro Vilela engrossa o coro dos que vibraram com os nomes dos escolhidos, mas levanta outras questões sobre a conjuntura e se realmente a nova gestão está interessada na constituição de uma nova política cultural para a cidade. “Anteriormente assistimos a tática de utilizar nomes referendados pelos próprios artistas para servirem de escudos a uma gestão que pouco procurou investir no setor”. Então, no seu entender, é necessário, para além de nomes, um terreno favorável para que as mudanças sejam postas em prática. 

Ator e produtor Diógenes D Lima

Há também desconfianças e constatações de que a Prefeitura  do Recife é um sistema e que o PSB está ocupando o cargo há oito anos – e que gerou a situação atual. 

“Primeiramente, não acredito nesse grupo que está na gestão. Eles já mostraram em outros mandatos que não estão interessados em fortalecer a cultura e os artistas da cidade. Equipamentos, incentivos… Tudo abandonado, sucateado… Enfim. Não dá para acreditar que ‘esse rapazinho’ tem autonomia de mudar a prática desgraçada de anos do partido que ele faz parte”, comenta o ator e produtor Diógenes D LIma.

Diógenes pensa que, diante disso, os nomes escolhidos pouco ou nada farão, embora sejam pessoas capacitadas. “Noutros mandatos desse mesmo grupo político, já vimos essa jogada: botam gente nossa na gestão e logo depois substituem por pessoas estranhas que nunca foram e nada sabem de gestão em cultura. Mesmo assim desejo toda sorte do mundo aos colegas. Conto com o caráter e a honestidade deles”.

A conjuntura sociopolítica econômica da cidade do Recife forçou a jornalista, poeta e atriz Daniela Câmara a encontrar uma fonte alternativa para garantir a sobrevivência. Desde que começou a pandemia ela produz e vende bolos. Essa mudança provisória de função trouxe ainda mais autonomia para criticar o que ela acha errado. “Sem querer desqualificar os gestores e secretários, mas a decepção é muito grande. Sabe, eu acho que quem levanta certas bandeiras de esquerda não deveria estar levantando as bandeiras do PSB. É minha linha de pensamento”.

 

Mônica Lira, coreógrafa e bailarina

As políticas públicas culturais atingem diretamente a vida dos artistas.  E tanto podem alavancar carreiras, grupos, projetar talentos, como atravancar, atrasar, prejudicar em muitas camadas.

O desabafo de Mônica Lira é emblemático. Ela que sempre expressou o Recife nas suas obras sentiu o sentimento de orfandade bater forte. “Me senti abandonada pela minha cidade, porque eu sempre quis permanecer no Recife, amo esse lugar, mas parece que ele não ama a gente. Mas isso é consequência da política”, relata a coreógrafa e bailarina do Grupo Experimental de Dança. “Tenho total consciência de que a cidade foi completamente abandonada em todos os aspectos ligados a nossa área. E vai ser difícil essa reconstrução porque a gente vive um momento de várias crises. Essa crise que a gente está exposta por conta do Coronavírus ela desencadeia outras crises anteriores.  A gente passa por momentos com muita dificuldade financeira há muitos anos. Então agora só ampliou, né? Aumentaram as dificuldades e o desespero é ver artistas passando fome e ver gente morrendo dessa doença horrível”. 

Há três anos a gente perdeu o Espaço (Experimental, na Rua Tomazina, 199, Recife Antigo ) por conta que a Igreja pediu para fazer uma reforma e até hoje não devolveu. A gente está sem teto. A gente está sem trabalho. A gente tá assim sem nada. Então eu penso que os artistas daqui são quase indigentes. Se os artistas do Recife não tiverem suas famílias, não tiverem os seus apoios eles realmente vão para a rua, ficam à míngua. É como todas as pessoas de bem dessa cidade que vivem hoje num estado de calamidade, de muita vulnerabilidade, nas ruas, sem teto, sem comida, sem nada.

Num festival de dança que assisti online, Ailton Krenak (líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro) falou “como é que a gente vai continuar dançando com fome?”. E é bem isso! Acha que é uma extrema responsabilidade assumir, nesse momento que o país atravessa, uma cidade como o Recife para administrar a sua cultura e para tentar fazê-la de novo viver. Porque a gente está atolado nesse mangue, nessa lama, que parece agora pesar de fato uma tonelada em cima de nós.

 

 

Atriz, bailarina e professora trans Sophia William / Foto: Reprodução do Facebook

“Falta representatividade na Secretaria de Cultura do Recife”, entende a atriz e dançarina e professora trans Sophia William . “Mais uma vez se vê um homem branco hetero cis normativo, sendo escolhido para ocupar tal cargo. Não representando piamente a diversidade cultural em que vivemos, não acolhendo essa representatividade em sua figura. O que não me surpreende, enquanto artista negra e trans da cidade do Recife, perceber que essa escolha vem de um prefeito que também detêm tais privilégios”.

Sophia reconhece que o secretário está apto a ocupar tal cargo por ser formado em publicidade, por ter ocupado já algumas gestões culturais, mesmo assim fica temerosa diante das questões sócio-políticas e artísticas da cidade. Ela lembra que os grupos carnavalescos têm visibilidade apenas no carnaval, assim como as quadrilhas têm  apoio apenas durante os festejos juninos. “Parece que há uma compreensão de que os artistas, eles não ocupam outros espaços e não vivenciam outras épocas do ano. Nós estamos fazendo arte o tempo todo porque nós vivemos dessa arte”, reforça.

“O que seria a sanidade de muitas pessoas durante essa pandemia se não fossem os artistas?”, pergunta Sophia William. “Porque, sem nós, os artistas, eu acredito que muita gente não conseguiria estar passando por essa pandemia. Porque nós artistas por muitas vezes seguramos a sanidade de muitas pessoas, com os nossos trabalhos artísticos na internet, travando diálogo, tentando com nossa arte … então, que a partir de agora a arte seja vista por outra perspectiva, entendendo que, sim, nós precisamos de arte entendendo que sim, nós precisamos da cultura”.

PRIORIDADES

Uma questão fundamental, do pagamento dos artistas, que muitas vezes esperam seis meses para receber o cachê, também é lembrado por Sophia Williams como um problema a ser resolvido. Rodrigo Dourado reforça que é preciso ter muito cuidado com essa questão financeira. “A gente sabe que tem muito descaso em relação à gestão dos pagamentos dos artistas”. Eles lembram que quem vive de arte é profissional da arte e necessita receber o recurso com brevidade após a realização do serviço. É urgente acabar com essa lógica perversa, que virou uma marca da máquina pública.

Atriz, modelo e palhaça Fabiana Pirro. Foto: Reprodução do Instagram

A atriz, produtora e palhaça Fabiana Pirro chama a atenção para os trabalhadores, os artistas carnavalescos, que precisam de um cuidado especial do setor público, mais ainda, nestes meses. “Eu acho que essa pandemia nos mostrou bem isso: a gente tem que viver realmente um dia de cada vez, colocando a saúde em primeiro lugar. E eu acho que os gestores têm que realmente organizar o Carnaval para aquelas pessoas todas que vivem do Carnaval não só como uma data específica e sim a vida delas. Há oito anos participo do palco do Marco Zero, por exemplo, mas eu graças a Deus, hoje tenho os meus outros projetos”.

Com a suspensão do carnaval,  milhares de artistas populares que garantem o sustento na festa enfrentam uma situação delicada. Para ajudar alguns desses artistas, e principalmente chamar atenção do poder público de que os mestres e artistas estão passando necessidade, a vereadora Liana Cirne (PT) fez a doação da verba do Auxílio-Paletó para quatro grupos de cultura popular do Recife. Foram compradas 200 cestas básicas e distribuídas entre as agremiações Cruzeiro do Forte, do Cordeiro; Caboclinho Sete Flechas, de Água Fria; Daruê Malungo, da Campina do Barreto, e Maracatu Nação Estrela Brilhante do Recife, do Alto José do Pinho.

O que o poder público vai fazer para garantir recursos aos grupos, artistas, mestres, mestras e profissionais da cultura envolvidos com Carnaval, isso também faz parte da política cultural.

Ator, diretor e jornalista Manoel Constantino. Foto: Reprodução do Facebook

“Diante de um quadro degenerativo e de desmonte que à cultura vem sofrendo no Recife é de extrema importância a escuta, saber, de fato, as nossas demandas, desencadeando um processo de abertura vital, no que tange a ocupação do centro e da periferia, com a produção cultural realizada por seus agentes”, aponta o jornalista, poeta e ator Manoel Constantino.

Diógenes D Lima insiste no assunto. “Dialogar é o início da solução do problema, mas dialogar não é uma prática dos políticos. Sabemos muito bem disso. Eles pensam que Recife e Pernambuco dormem o ano inteiro, só acordando no Carnaval, São João e Natal e isso é uma tremenda ignorância”, critica. E aponta a responsabilidade: “Penso que a prioridade atual é assistir a todos os fazedores de cultura da região (falo região e não apenas o município, porque a cultura do Recife é feita por gente de outras cidades também e essas pessoas viviam no Recife e do Recife antes da pandemia) bem como os que mantém espaços culturais.. A prefeitura tem que viabilizar meios de manter a cultura viva, mesmo com tudo fechado para eventos”.

A atriz Gheuza Sena enxerga como preocupante a manutenção da cultura, dos equipamentos de cultura durante todo o ano. “É preciso criar realmente um movimento que ajude os artistas ao longo do ano. Independente de ciclos já estabelecidos, focar nessa questão de como desenvolver atividades que ao longo do ano fomentem essa vivência dessas pessoas”.

“Tem tanta coisa para Ricardo Mello e José Manoel tentarem consertar que chega ser difícil apontar por onde começar!”, comentou Paula de Renor, no início do mês. “Sabe casa totalmente desorganizada? Bem, acho que não existe gestor bom sem dinheiro, e essa gestão tem que conseguir aumentar o orçamento municipal anual para a cultura, que é vergonhoso. A luta de todos deve ser esta! Além disso, é preciso reestruturar o Conselho Municipal de Cultura, O Sistema de Incentivo a Cultura, o Plano Municipal de Cultura. Fazer uma ponte entre a cultura e o turismo, buscar soluções para a manutenção dos equipamentos culturais do município. E, o mais importante, promover uma gestão compartilhada entre a Secretaria e a Fundação de Cultura, na elaboração e execução de uma política cultural com ações permanentes e continuadas, democráticas, transparentes e acessíveis”. 

Além do diálogo com a classe artística para ouvir as demandas e necessidades reprimidas, o coreógrafo e bailarino Raimundo Branco aponta que é preciso repensar o edital do SIC. “A forma como ele está não atende às artes cênicas. Ele precisa ser revisto para atender a produção como um todo: pesquisa, montagem, formação, fruição, documentação, manutenção”, acredita Branco. O coreógrafo também cobra um posicionamento sobre o papel da representação de dança dentro da FCCR e da Secretaria de Cultura, a valorização do artista e da cultura pernambucana nos grandes eventos e o fim da política de balcão.

Agrinez Melo, Naná Sodré e Samuel Santos, integrantes d’O Poste.

O Grupo O Poste também reivindica a mudança do edital do SIC, “pois ele é excludente e direcionado. E precisa incentivar a linha de fruição, montagem, pesquisa, circulação, formação para os artistas pretos e pretas e artistas em geral. O atual edital é falho”, pensam os integrantes de O Poste.

Agrinez Melo, Samuel Santos e Naná Sodré, do grupo O Poste clamam por ações de visibilidade para negritude. “Faz 16 anos que o grupo existe e tudo que conseguimos foi mérito nosso, com muito sacrifício. Desde o Espaço O Poste ao Festival Luz Negra. Nunca fomos aprovados em editais da prefeitura”. Entre seus pleitos estão “representantes da negritude dentro do quadro de profissionais culturais da prefeitura; incentivo a espetáculos, formação, festivais negros; atividades formativas e de pesquisa na poética negra em todas as esferas artísticas e fomento aos nossos espaços culturais, nossos quilombos artísticos que servem não só de local para apresentar os nossos trabalhos, mas também de acolhimento e escuta para tantos artistas”.

O jornalista Manoel Constantino argumenta que que “se faz urgente que esta nova gestão entenda que a nossa produção cultural possui uma cadeia extremamente competente, geradora de emprego, renda e de entretenimento, tão fundamental quanto os ciclos tradicionais. A gestão deve priorizar o fomento do dia a dia da cultura. E não apenas sazonalmente”. 

E dá como exemplo os imóveis da PCR no Centro e na periferia, que poderiam ser ativados como centros culturais de vivências. “O Pátio de São Pedro, está lá, com casas pertencentes à PCR que poderiam ser espaços vivos da cultura”. Constantino também sugere a reativação do concurso literário do Recife, que é Lei e a reabertura da Livraria da FCCR, voltada para as obras de autores de Pernambuco. “Há tantas possibilidades. E aí depende da vontade política. Vontade política que entenda que a produção cultural é também mola propulsora do PIB”.

Já Quiercles Santana sugere que documentos sejam revisitados, como a última Conferência Municipal de Cultura, para examinar esses arquivos com urgência, porque quase nada foi implementado. O diretor considera que o campo teatral passa por “uma enorme a indigência”. “Os edifícios teatrais estão ferrados, caindo aos pedaços, pedindo socorro. É problema com falta de equipamentos de som e luz (ou com instrumentos obsoletos), com central de refrigeração deficiente, com equipes técnicas e administrativas defasadas. Os diversos festivais que a cidade abriga devem ser ressignificados”. 

Inspirado, Quiercles Santana aponta muitas propostas, entre elas a retomada de projetos como o PAC (Programa de Animação Cultural) e o FALE (Fórum de Acesso Livre ao Estudante), que tinham Fátima Pontes e o padre Reginaldo Veloso à frente, alguns anos atrás. “Na época, escolas recebiam nos finais de semana pessoas ligadas ao teatro, à dança, ao circo, à grafitagem, ao canto-coral, à capoeira, à percussão, às artes visuais, à música e faziam produções muito potentes. Discutia-se sobre sexo, família, futuro, trabalho, drogas, tudo. Era emocionante ver o espírito crítico florescendo nas comunidades de base. Super importante para sairmos da Idade Média em que estamos metidos. Foi deixando as comunidades ao deus dará, que os filhos de Deus estão fazendo o papel que é do poder público. E a arte e a cultura podem ser armas potentes de educação estética e política. Temos artistas importantes que podem circular com oficinas e cursos mais duradouros”.

Oséas Borba toca em outro ponto que é a burocracia de licença de solo para quem trabalha com eventos de rua, como ele, que coordena o Sarau das Artes. “É muito desgastante para qualquer produtor ter que ir em vários lugares, vários órgãos diferentes, para conseguir uma licença para fazer um evento na rua. Então é preciso democratizar isso para os artistas que trabalham com eventos na rua. Além de dar uma atenção especial ao Recife Antigo, ao bairro Boa Vista, a todos esses casarões. Tem muito casarão abandonado que pode virar, como tem pé direito os altos, podem virar excelentes espaços culturais”, sinaliza.

Essas apostas ou mesmo declarações de desconfianças dos artistas da cena traduzem a vontade de que o cenário artístico-cultural do Recife volte a ser vigoroso e vibrante. Nós torcemos para que a capital pernambucana reverta essa condição de apatia e exerça um papel preponderante na cultura do país, que seus artistas tenham toda as condições necessárias para alçar altos voos, realizar seus projetos e exercer o talento. Com reconhecimento, respeito e incentivo do estado. Vamos desejar, que o desejo movimenta o mundo. 

 

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