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Vamos cuidar dos jardins!
Resultado da residência artística do Reside-LAB

Cena de Raimundo Branco. Foto: Captação de tela

Memórias da família de Alberto Braynner. Foto: Captação de tela

Conceição Santos e Fátima Aguiar. Foto: Captação de tela

Sônia como a funcionária da Madame Bierbard. Foto: Captação de tela

Andrezza Alves lembra que é preciso voar. Foto: Captação de tela

* A ação Satisfeita, Yolanda? no Reside Lab – Plataforma PE tem apoio do Sesc Pernambuco

Formação e colaboração, compartilhamento de experiências e saberes, intercâmbio e permuta são algumas guias mestras do RESIDE.FIT/PE, festival internacional de teatro, criado em 2018 no Recife como CAMBIO. Neste 2021 a edição ocorreu de forma totalmente virtual, Reside-Lab patrocinado pela Lei Aldir Blanc, com seminários, oficina e uma residência artística. Dez espetáculos da produção pernambucana (experimentos online, gravações ou aberturas de processos) participaram do programa e nós escrevemos sobre todos eles: Transbordando Marias, com Clara e Conceição Camarotti; Brabeza Nata, com Alexandre Sampaio, texto de Luiz Felipe Botelho e direção de Cláudio Lira; Inflamável, com Paulo de Pontes, a partir de poemas de Alexsandro Souto Maior, sob a direção de Quiercles Santana; Vulvas de quem?, com texto de Ezter Liu, direção de Cira Ramos e atuação de Márcia Cruz; Da laje-palco: respeitável público, o Alto e DENTRA com direção e atuação de Bruna Florie; 72 dias, com dramaturgia de Paulo de Pontes e Quiercles Santana, direção de Quiercles Santana e atuação Paulo de Pontes; Sala de Espera, com roteiro adaptado e atuação de Cira Ramos, direção de Fernando Lobo; No meu terreiro tem arte, com Odília Nunes, Violeta Nunes e Helena Nunes; Yorick e os Coveiros do Campo Santo de Elsinor, com criação cênica e dramaturgia de Andrezza Alves, Enne Marx, Daniel Machado, Geraldo Monteiro, Marcondes Lima e Quiercles Santana; e Práticas Desejantes, com idealização e performance de Andrezza Alves e Daniele Avila Small.

Paula de Renor, idealizadora do festival. Foto Captação de tela

O festival idealizado por Paula de Renor, com curadoria dela e relações internacionais e Coordenação dos Encontros de Celso Curi, traz sopros de esperanças. Seu investimento nas possibilidades de intercâmbio busca alargar horizontes. Para um mundo que pode ser grande, acolhedor, com empatia real. Isso não quer dizer que as negociações, os conflitos, as crises, os embates sejam eliminados, mas tudo pode ser mais respeitoso, humano, com possibilidade de revezamento de protagonismos.

Uma das alavancas de fomento da cena no Reside-Lab foi a residência artística com Paul Davies, diretor do Volcano Theatre, do País de Gales, Reino Unido, que durou duas semanas. Muitos aprendizados na peleja com o digital. “Vivendo e aprendendo a jogar, Nem sempre ganhando, Nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”, como já cantava Elis Regina.

Qual o Caminho para a Cachoeira: Aventuras em Criatividade Digital é o título do trabalho, fruto dos encontros que ocorreram entre 15 e 27 de março de 2021, por vídeo conferência, com  Davies.

No início eram 20 participantes. 14 deles produziram materiais e toparam os desafios e as dinâmicas propostas pelo artista inglês. Ele trabalhou a ideia de jardins imaginários e reais, pintados e perdidos. Paul Davies lançou cápsulas criativas de temáticas políticas, do enfrentamento da pandemia, afetos, alguma coisa pós-moderna com o objetivo de estimular a criatividade.

Dos mais de 100 vídeos produzidos e enviados a Davies, muitos foram agrupados numa busca de compor uma narrativa, ou não. São eles: prólogo Antes da Água; No início: Juventude Colossal / Água Colossal; É neste momento que uma mulher velha diz; No final: secando novamente.

São cenas, flashes, extratos e recriação de peças de Nelson Rodrigues, exercícios de teatro psicofísico, entregas desses artistas que acendem seus corpos de urgências ditas em frases e silêncios. Percorremos com eles algumas veredas, fizemos travessias, torcemos, pensamos na realidade e até nos divertimos.

João Augusto Lira em conversa com Madame Clessi. Foto: Captação de tela

Cira Ramos investe em Nelson Rodrigues Foto: Captação de tela

Ser ou não ser youtube, pergunta Raimundo Branco. Foto: Captação de tela

Augusta Ferraz e suas máscaras faciais. Foto captação de tela

Qual o Caminho para a Cachoeira: Aventuras em Criatividade Digital  junta imagens bonitas, fortes, engraçadas, frágeis, precárias, imagens que estimulam outras imagens. Somos voyeurs do banho de costas de Andrezza Alves; observamos um dia bom de Cira Ramos ser estragado aos poucos pelo som da companhia da bicicleta, latido do cachorro, buzina do carro, a chuva inesperada. Seguimos com Charles Firmino em sua busca por ângulos diferentes. Encontramos Sônia Bierbard na rede da sua casa a pensar poeticamente sobre encontros e o mar como um grande espetáculo.

Cira Ramos assume humor no papel de “achadora” oficial da casa; noutra cena enfrenta uma guerra imaginária e nos convoca a usar as armas que temos, mesmo que sejam só unhas e dentes; passeia por um trecho de Sonhos de uma noite de Verão; dá um tempo embaixo da cama; revisita Nelson Rodrigues.

Alguns tensionam o lugar da negação da pandemia, do desprezo pela máscara e do descuido pela aglomeração em quadros curtos e críticos, como o de Alberto Braynner, que dá um baile no vizinho; o de José Lírio Costa, que toma banho de roupa e o de Anna Batista que diz achar um absurdo não ter tido carnaval.

Conceição Santos observa a rua da varanda de casa, com muita força nesse olhar Fátima Aguiar também espreita o mundo pela janela. A combinação da cena de Conceição e Fátima, cada uma de sua casa, no processo de maquiagem ao espelho, instiga várias interpretações.

De forma mais irônica, Raimundo Branco questiona “ser ou não ser youtube?”; em outra ação psicofísica ele dobra roupas. Andrezza repete um movimento de empilhar frutas.

Anna Batista usa tecidos como extensões da pele. Augusta Ferraz produz máscaras com ações faciais e em outro momento – com o foco na tela de proteção do apartamento – comenta que o que a oprime nesta pandemia é a espera por um milagre no que diz respeito ao amor.

O gelo derrete na mão de José Neto Barbosa, que depois sugere relações afetivas usando imagens de duas toalhas, duas sandálias, duas escovas e a ideia convergente entre amor e morte. Andrezza quer asas para voar, pois voar não dói.

Aproximações com os felinos, calor e ventilador com Tiago Leal. A descoberta do prazer nas intenções de João Augusto Lira, memórias de Braynner. Sônia faz um tipo de funcionária que critica a Madame Bierbard por obrigá-la a usar máscara, numa chave de humor.

E há uma série de encontro com personagens de Nelson Rodrigues, dos textos do dramaturgo pernambucano ou a partir deles, construções inspiradas em peças como Vestido de Noiva, A Mulher sem Pecado, A Falecida, Álbum de Família, Senhora dos Afogados e outros. Diálogos com Madame Cleci, Olegário, Moema. Quase uma conversa atrás da porta

O Reside aposta na perspectiva da audácia teatral incentivando o público a ser participante ativo. Sigamos nos reinventado. Que o teatro seja um vibrante ataque aos sentidos. Que seja lírico, apocalíptico, extremo, perigoso, desestabilizador, ambicioso, inventivo. As sementes estão sendo lançadas na virtualidade. Aqui e ali.

Ficha Técnica

Qual o Caminho para a Cachoeira: Aventuras em Criatividade Digital / Wich Way to the Waterfall: Adventures in Digital Creativity.
Resultado do processo da residência com o britânico Paul Davies, da Cia Volcano de Teatro, do Reino Unido, que ocorreuu entre 15 e 27 de março de 2021.
Participantes da residência / Autores dos vídeos
Alberto Braynner
Andrezza Alves
Anna Batista
Augusta Ferraz
Charles Firmino
Cira Ramos
Conceição Santos
Fátima Aguiar
João Augusto Lira
José Lírio Costa
José Neto Barbosa
Raimundo Branco
Sônia Bierbard
Thiago Leal

Reside Lab – Plataforma PE – Festival Internacional de Teatro
Patrocinadores: Lei Aldir Blanc PE, FUNDARPE, Secretaria de Cultura, Governo de Pernambuco, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal.
*Programa Pontes, parceria entre Oi Futuro e British Council.
*Apoio: Sesc Pernambuco
*Parceria: Satisfeita, Yolanda?

Direção e Curadoria: Paula de Renor
Realização: Remo Produções.
Produção Executiva: Fervo Projetos Culturais
Designer/Programação Visual: Clara Negreiros
Assessoria de Imprensa: Manoela Siqueira
Programador Site: Sandro Araújo
Redes Sociais e vídeos Youtube: Alexandre Barbosa
Monitoramento: Renata Teles
Acessibilidade Comunicacional: VouSer Acessibilidade – Andreza Nóbrega
Relações Internacionais e Coordenação dos Encontros: Celso Curi
Coordenação Pedagógica Residência e Assistência: Maria Clara Camarotti
Tradução Residência: Cyro Morais

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Paulo de Pontes flameja em experimento cênico
Crítica de Inflamável

O ator Paulo de Pontes, no camarim improvisado na sua casa. Foto: captação de tela

* A ação Satisfeita, Yolanda? no Reside Lab – Plataforma PE tem apoio do Sesc Pernambuco

“Como se faz com o nervosismo?”, pergunta o ator Paulo de Pontes, de cara lavada, enquanto aguarda o público para a sessão virtual no Festival Reside Lab – Plataforma PE, de Inflamável, um experimento cênico, com poemas de Alexsandro Souto Maior e direção de Quiercles Santana. “Estou sentindo o mesmo friozinho na barriga que sinto no teatro, a mesma ansiedade, é incrível”.

Dá o primeiro sinal!

“Uma loucura que está o mundo!”, exclama. “Mas continuamos resistindo, experimentando, provando que a gente está vivo”.

No camarim improvisado em sua casa, Paulinho ressalta suas crenças. “O que é mais importante é a vida. E o amor. A gente perdeu muita gente, família, amigos, colegas, conhecidos”.

Começa a se trocar.

“Tem muita gente resistindo, experimentando, continuando a fazer arte. Precisamos valorizar essas iniciativas. Eu parabenizo (nós também) Paula de Renor (diretora geral e curadora do Reside Festival BR – edição especial Reside LAB Plataforma PE)”.

Coloca a lente de contato. Anuncia os patrocinadores. E oferenda a experiência às pessoas que partiram por complicações da Covid-19. Fala que precisamos aprender com essa pandemia a compreender a voz do outro, “Viva a vida! E viva o teatro!”

inflamável junta três poemas de Alexsandro Souto Maior. Foto: Captação de tela

Estamos enclausurados. Estamos enclausurados. Estamos enclausurados reverbera esse experimento cênico, onde a luz é pouca, o espaço é ínfimo e o efeito de claustrofobia nos atinge. Convivemos com o insuportável testemunho de perdas de milhões de vida e no Brasil essa sensação é agravada pela mão genocida que ocupa o  mais alto cargo do Executivo.

A Sonata para Piano nº14 em Dó sustenido menor, Op. 27, nº 2, de Ludwig van Beethoven, – mais conhecida como Moonlight Sonata (Mondscheinsonate em alemão), a Sonata ao Luar, que ostenta características introspectivas, quase de uma marcha fúnebre, – dá o tom grave na peça logo no início.

Os três poemas escolhidos, do livro Inflamável, de Alexandre Souto Maior, lançado em 2019, elaboram profundas conexões com o mundo contemporâneo, como também conectam nossas feridas, do patriarcado, da exploração, da colonização.

O Homem do Pau Brasil, A Margem e Descolonizado trançam a dramaturgia que acessa o passado e tensiona o presente. “Esses homens que não são de folhas / que não são do pau-brasil / Gritam palavras de ordem / Ao som de coturnos e fuzis na mão / Querem mesmo me plantar enterrar”. Plantar no original do poema, enterrar na peça.

A Margem propõe um diálogo com um ausente que reivindica ser “… a palafita enlameada / De dejetos / Da casa grande” e “o porão de um navio / Cheio de gritos e gemidos”. Essas lamentações são entrecortadas por frases do Nero brasileiro, que alardeou: “Não sou coveiro”; “É muito mimimi”; “Eu prefiro filho morto…”; “Vocês reclamam demais”.

A presença incendiada de Paulo Pontes oscila entre a suavidade e a revolta com Descolonizado. Cochicha com doçura “Canto o que me sussurra um guanumbi / O que me conta uma cabocla / O que me confessa um rouxinol”, para insurgir feroz “Quando pisar nesta terra / Peça licença…”

Imagens projetam um Recife, cidade tão bela cortada por rios, mas que sangra. Seus artistas inquietos fazem o melhor para honrar a tradição aguerrida dessas terras. Encaram ainda a incompreensão política do papel da arte e da cultura no contexto de uma cidade, de um estado, de um país.

E, neste março, em que fez três anos do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, a pergunta ecoa na peça. Quem mandou matar Marielle e por quê? Só poderemos pensar que a justiça está atuando como justiça quando essas respostas forem respondidas. O Brasil insurgente das periferias, que desafia o “apartheid racial não oficial” e que enfrenta de peito aberto o patriarcado, exige respostas.

Por que matar uma vereadora eleita em exercício do mandato foi um anúncio de que esse país  ficou mais covarde ao se tornar mais conivente com genocídios de negros, de indígenas, de mulheres. Por que um pouco do Brasil morreu em 17 de abril de 2016 com a abertura do impeachment de Dilma Rousseff, mais um pouco em 14 de março de 2018 com o assassinato de Marielle e Anderson, e mais um pouco com a administração do ódio de Bolsonero, que vem provocando uma tragédia sem precedentes. É muito eloquente o silêncio sobre quem ordenou o crime e por quais razões.

A direção da peça é assinada por Quiercles Santana

Inflamável

Paulo de Pontes é um ator militante. Desde que voltou ao Recife para fazer um trabalho pontual – isso já faz três anos – foi ficando e atuou em uma dezena de espetáculos – com grandes elencos, em dupla, em solo. Se envolveu com a política cultural da cidade do Recife e de Pernambuco, nas lutas com outros artistas e agentes culturais, desde a campanha pelo Teatro do Parque a articulações por editais e outras frentes. Um trabalho nem sempre visível.

Como ator, ele é intenso e totalmente entregue, daqueles artistas apaixonados e apaixonantes. Quando ocorre uma sinergia entre atuação, encenação e dramaturgia é um prazer vê-lo em cena; quando não, reconhecemos o seu esforço.

O experimento cênico junta muitos talentos, com a direção do sempre criativo Quiercles Santana, um dos encenadores mais febris de Pernambuco. O resultado causa uma suspensão reflexiva desse lugar em que pulsam vida e morte. Pelos discursos nômades, somos convocados a percorrer as entranhas do país com suas dores enraizadas nas injustiças sociais.

Feito com uma única câmera de celular, um projetor de imagens, uma janela antiga como cenário, um técnico para modular luz e som, e um ator altamente inspirado, que movendo-se em um exíguo espaço flameja em arte.

Inflamável é um breve poema de resistência. Ao expor os aspectos sombrios desses tempos em situação-limite, de abandono, do mundo paralisado por uma pandemia, atingido pela crise financeira e do Brasil em alta-tensão provocada pelos desmandos da política, a peça aponta para a carga de resistência, para a potência de combate. Não à toa a palavra adiconeg fecha a transmissão. Temos consciência, temos força e temos esperança de que esse jogo vai mudar.

Ficha Técnica:
Autor: Alexsandro Souto Maior
Diretor: Quiercles Santana
Atuação e produção geral: Paulo de Pontes
Direção de arte: Célio Pontes
Técnico de som, luz e vídeo: Fernando Calábria
Produção executiva: Márcia Cruz
Realização: Pontes Culturais

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