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Vida de inseto no teatro

O malefício da mariposa

O malefício da mariposa. Fotos: Pollyanna Diniz

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

No seu O mal estar na civilização, Freud diz: “Nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento, como quando amamos, nunca tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor. Isso, porém, não liquida com a técnica de viver baseada no valor do amor como um meio de obter felicidade”. O amor, as impossibilidades, a rejeição. Em O malefício da mariposa, o espanhol Federico Garcia Lorca, tratou disso tudo – mas através de personagens vindos diretamente do mundo dos insetos.

É um texto cheio de poesia, singelezas, metáforas e sonoridade. E a Ave Lola Espaço de Criação, de Curitiba, soube não só “respeitar” a dramaturgia de Lorca, mas aproveitar-se dela, no ótimo sentido da palavra, para alavancar uma montagem que tem no conjunto da sua teatralidade (e não apenas no texto) o seu trunfo – trabalho do ator (com um impressionante trabalho de corpo), figurino, maquiagem, cenário, iluminação e, com grande destaque, a música.

O malefício da mariposa

Peça é do grupo Ave Lola Espaço de Criação

O trabalho dos paranaenses, apresentado no Teatro Hermilo Borba Filho, durante o Palco Giratório (o grupo está participando da circulação nacional), é inspirado no do Théâtre du Soleil. Depois da sessão, durante o bate-papo com o público, eles contaram que fizeram oficinas com integrantes e ex-intregantes da companhia de Ariane Mnouchkine. A música, inclusive, foi um presente de JJ Lemêtre, que assina a composição musical; ela está lá não para reforçar ou mesmo recontar a dramaturgia, mas tem um pulsar muito particular.

Assim também é a composição dos personagens, um trabalho bem completo, incluindo muitos elementos que vão se amalgamando. A postura corporal se mostra bastante específica, já que os atores estão interpretando insetos e isso parece que se transforma num estado que define todo o resto. Há uma energia e uma sintonia grande entre o elenco, que se utiliza também do teatro de formas animadas, da manipulação de bonecos, para contar a história.

Apesar de ser uma história simples, a forma como é contada pode dificultar a sua compreensão. Mas geralmente é muito fértil a escolha pelo não óbvio, pode acrescentar bem mais ao olhar do público. O grupo decidiu, por exemplo, manter alguns textos em espanhol. Essa mistura causa estranhamentos. Já no início do espetáculo, há uma tradução “quase simultânea”. Fica difícil não se perder – não só na tradução: você quer entender o texto em espanhol sem a necessidade do português -, mas na sonoridade da língua. Bom, se algumas palavras escaparam, paciência! A música trazida pelo castelhano soma sobremaneira àquele conjunto.

A monocromia do cenário – algo como um tapete fofo trazendo a imagem de um jardim – nos remete à simplicidade. A olhar o mundo sem tantos filtros coloridos ou solarizações. E pode haver muita teorização na tela branca sob fundo branco. É a arte abstrata trazida ao palco.

Bonecos foram confeccionados pelos próprios atores

Bonecos foram confeccionados pelos próprios atores

Os três atores se revezam na interpretação dos personagens (alguns são interpretados por mais de um ator) e no interessante e difícil jogo da encenação de misturar atores reais e bonecos. Os bonecos, aliás, foram confeccionados pelo próprio grupo.

O malefício da mariposa é um espetáculo que aguça os sentidos e percepções. Que encanta por Lorca, pelos atores, pela música, mas sobretudo pela competência e trabalho árduo trazidos à cena. E é apenas o primero trabalho do grupo. Vida longa, pois!

*Texto extensivo ao projeto editorial do jornal Ponte Giratória, que circula impresso durante o 7º Festival Palco Giratório Recife, organizado pelo SESC PE. Outras informações no hotsite do festival.

Ficha técnica – O malefício da mariposa
Texto/concepção: Federico García Lorca
Adaptação: Ana Rosa Genari Tezza e grupo
Tradução e direção: Ana Rosa Genari Tezza
Elenco: Alessandra Flores, Janine de Campos, Val Salles
Atriz aprendiz: Tatiana Dias
Direção de arte: Cristine Conde
Composição musical: JJ Lemêtre
Cenário e figurino: Cristine Conde
Confecção de bonecos: Cristine Conde, Alessandra Flores, Janine de Campos, Val Salles
Consultoria de máscaras: Calu Monteriro
Sonoplastia: Ana Rosa Genari Tezza
Iluminação: Rodrigo Ziolkowski
Assistente de iluminação: Raul Freitas
Operadores de som: Tatiana Dias e Ana Rosa Genari Tezza
Operador de luz: Raul Freitas
Documentação e direção áudiovisual: José Tezza
Cenotécnica: Proscenium Cenografia

Montagem é a primeira do grupo paranaense, que mantém um espaço em Curitiba

Montagem é a primeira do grupo paranaense, que mantém um espaço em Curitiba

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As vidas do artista popular

O miolo da estória parte do bumba-meu-boi para discutir a sociedade brasileira. Fotos: Ivana Moura

O miolo da estória parte do bumba-meu-boi para discutir a sociedade brasileira. Fotos: Ivana Moura

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Conhecemos bem os versos “O Brazil não conhece o Brasil/ O Brasil nunca foi ao Brazil”, interpretados por Elis Regina no álbum Transversal do Tempo. Querelas do Brasil, composta por Maurício Tapajós e Aldir Blanc, acusa a elite econômica do país de sufocar a cultura popular. A canção é de 1978. E alguma coisa mudou. Mas não o suficiente para fazer de nossos bricantes cidadãos plenos.

Ainda assim, o Brasil é um país repleto de inteligências e sensibilidades desconhecidas. E esse ocultamento reflete uma democracia imperfeita. Um espetáculo da Santa Ignorância Cia. de Artes (São Luís – MA) expõe, por um lado, o talento da trupe e, descendo ao âmbito da ficção, esquadrinha os sentimentos de um desses excluídos pelo modo voraz de produção capitalista.

A peça O miolo da estória tira do anonimato um brincante de bumba-meu-boi do Maranhão. E faz questão de frisar que a representação da ingenuidade não lhe cai bem. O artista popular é um ser crítico e que percebe o que ocorre no mundo. Sabe da exploração e da mais-valia, do cinismo dos políticos, do sensacionalismo de uma imprensa descompromissada com questões da justiça social. E principalmente não quer ser mais massa de manobra.

Então, O miolo da estória– com texto, direção, atuação, música, figurino e cenografia de Lauande Aires – se desdobra num arco crítico desse mundão que Deus nos deu.

Lauande Aires assina texto, direção, atuação, música, figurino e cenografia

Lauande Aires assina texto, direção, atuação, música, figurino e cenografia

No solo, o intérprete mostra a história de João Miolo, um trabalhador da construção civil e brincante do bumba. Ele é aquela figura que fica embaixo do boi, mas na realidade ele quer ser cantador, para ser visto e reconhecido. Sua tentativa de mudar de papel é rejeitada pelo dono da brincadeira. E o operário se sente explorado no trabalho e no folguedo.

O teatro evidencia sua função política e toca em pontos cruciais para se ter uma vida digna. A visibilidade é uma condição humana de sobrevivência simbólica e psíquica, cultural, social e política. Esse homem rústico constrói com suas mãos calejadas os edifícios das cidades (prédios que ele não vai morar). Esse homem humilde faz bailar um boi colorido que é o motivo da festa, mas só os seus pés aparecem.

O operário e brincante João Miolo é invisível e não tem voz. Seu pleito é maior do que ser cantador da boiada. E querer ser visto é atitude sintonizada com a contemporaneidade, dominada pela indústria cultural.

Como pedreiro, ele tem consciência da temporalidade do seu “emprego”. Como brincante, chega à conclusão de que o dono do brinquedo negocia apresentações em troca de votos. O apoio que chega e uma verba maior só aparece quando eles são enxergados como eleitor, quando favorecem determinado político.

Se o Teatro Marco Camarotti tivesse um pé direito mais alto, a cena da bicicleta ficaria ainda mais bonita

Se o Teatro Marco Camarotti tivesse um pé direito mais alto, a cena da bicicleta ficaria ainda mais bonita

Nosso personagem fica revoltado e resolve não sair da boiada daquele ano. Mas isso lhe custa em ressentimento e ao tentar afogar suas mágoas na bebida, vai trabalhar embriado e termina ferindo o pé. Nesse ponto o espetáculo revela a origem religiosa dessas manifestações da cultura popular e que muitas vezes perdem seus elos para virar atração para turistas.

E Miolo fica doente. Com o pé infectado, não pode nem trabalhar e nem brincar. Se volta para o santo de sua devoção – São Pedro – e faz uma promessa para não perder a perna.

De uma só tacada o autor expõe uma sociedade desigual e excludente, o risco da brincadeira virar número para manipulação política e a ruptura com a religião e o ritual, que está na origem de muitos desses folguedos.

Peça ressignifica elementos da construção civil

Peça ressignifica elementos da construção civil

É uma realidade crua apresentada pela Santa Ignorância Cia. de Artes. O espaço de atuação é uma circunferência de 4 x 4 metros, arrodeada de maracás e seis caixotes de madeira. No chão, o couro de um pandeirão. Dentro do círculo estão uma escada de madeira, onde estão pendurados capacetes, enxada, pá, pandeiros. Mais à esquerda um conjunto de latas e um par de botas. Mais à direita um carro de mão pendurado com uma imagem de São Pedro.

Esses elementos são ressignificados ao longo da peça. A escada é a casa. Duas peneiras de areia e um pá formam uma bicicleta. O carro de mão pode ser o boizinho. Esse cenário é dinâmico e o ator parece fazer mágica desses elementos quando desloca suas funções. Do alto, na bicicleta, ele critica a mobilidade urbana, o egoísmo dos motoristas. E depois a imprensa sanguessuga.

A autoria da peça pulsa durante todo o espetáculo. A performance de Lauande Aires é para ser aplaudida. Ele canta, dança, utiliza um linguajar simples a partir de cinco personagens. O próprio João Miolo, Nêgo Chico, Cazumba, Amo do Boi e Curandeiro. Há uma coreografia perfeita do gestual do ator e o jogo que faz com todos os elementos.

O personagem deseja sair da invisibilidade e ter voz

O personagem deseja sair da invisibilidade e ter voz

Em resumo: é um espetáculo forte, com ideias e execução bem articuladas para criticar a sociedade, mostrar o fosso simbólico da exclusão social, o desespero e a precariedade das condições de vida de determinadas categoria de trabalhadores. A religião entra com suas sanções e salvações. A crueldade do capitalismo é ressaltada. E é cobrada da mídia uma atuação que condiga com sua dimensão de espera pública. E, principalmente, que todo ser humano deseja e merece ser reconhecido e iluminado.

Ficha técnica
Texto, direção, atuação, música, figurino e cenografia: Lauande Aires
Iluminação: Eliomar Cardoso e Júlio Cesar da Hora (Jarrão)
Operação de luz: Jarrão
Operação de sonoplastia: Rosa Ewerton
Treinamento de brincante e auxiliar de palco: Léo Alves
Consultoria artística: Antônio Freire, Léo Alves, Manoel Freitas e César Boaes

*Texto extensivo ao projeto editorial do jornal Ponte Giratória, que circula impresso durante o 7º Festival Palco Giratório Recife, organizado pelo SESC PE. Outras informações no hotsite do festival.

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Porque tradição e reinvenção não se opõem*

Tu sois de onde?, solo do grupo Peleja. Foto: Renata Pires

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

*Valmir Santos
jornalista, crítico, pesquisador, curador

O ator-dançarino Lineu Gabriel, do Grupo Peleja, reflete sobre as formas e conteúdos que o mobilizaram na criação de Tu sois de onde?. É seu primeiro trabalho solo, tendo convidado para a direção a atriz Ana Cristina Colla, do Grupo Lume (SP).

A obra estreou em novembro de 2012, passou pelo Janeiro de Grandes Espetáculos e participa do Festival Palco Giratório Recife em sessão única nesta quinta-feira (23), às 19h, no Teatro Hermilo Borba Filho, seguida de bate-papo mediado por Leandro Regueira.

Ao buscar conexões com sua subjetividade, Lineu, que estudou em Campinas (SP) – graduado em antropologia e mestre em artes pela mesma instituição, a Unicamp –, foi prospectar o campo fértil, complexo e sofisticado das manifestações tradicionais da Zona da Mata Norte de Pernambuco.

Tu sois de onde? é atravessado pela questão da identidade a partir das corporeidades e sonoridades do maracatu de baque solto, resultado de residência artística apoiada pelo Funcultura e realizada entre 2011 e 2012 no município de Condado, junto aos artistas populares do Leão de Ouro, sobretudo os cabeças de lança.

A seguir, a íntegra das questões enviadas pelo Jornal Ponte Giratória, publicação semanal que circula durante o Palco Giratório (a versão impressa foi editada no formato de reportagem).

Confiram aqui o Jornal Ponte Giratória.

ENTREVISTA // Lineu Gabriel

Jornal Ponte Giratória – O solo Tu sois de onde? sugere conteúdos em torno da identidade e do depoimento pessoal. É desafio para o intérprete-criador tocar raízes sem ensimesmar-se numa época, a nossa, em que a figura do eu é ostensiva?

Lineu Gabriel – Antes de responder objetivamente sua pergunta, creio que seja válido abordar brevemente o processo criativo do espetáculo. O solo surgiu de necessidades pessoais, todo o repertório do Grupo Peleja é autoral, ou seja, nossas criações sempre partem (ao menos até aqui) da necessidade de suprir anseios como artistas. No caso das criações solo eu acredito que elas precisam encontrar conexões com a subjetividade do criador, ao contrário, a obra fica sem estofo, sem força.

Outro ponto que tem de ser considerado é que este é meu primeiro trabalho solo, então, além do tema em si, existia uma necessidade de estar sozinho em cena para tratar de algumas deficiências que sinto em relação a minha formação. Assim, o solo também é um lugar para que eu possa me desenvolver enquanto artista em um nível muito diferenciado do que acontece em uma criação coletiva.

Bom, dito isto, eu acho que é, sim, um desafio o não ensimesmamento. Aliás, diante do que acredito que seja a função social do artista: sempre foi um desafio, uma doação. A contemporaneidade em que vivemos é sim marcada pelo o que você chamou de “figura ostensiva do eu”, porém, paradoxalmente minha formação como artista me leva a encarar a questão sob outro ângulo: a obra é muito maior do que a pessoa, ou seja, eu estou ali no palco apenas em função de algo maior, que pretende, através de mim, tocar as pessoas. Trato de questões que são minhas, mas ao mesmo tempo já existiam quando nasci, de modo que essas questões me atravessam, podendo reverberar (ou não) no público. Meu espetáculo parte do desejo de compartilhar questões universais por meio de uma costura de fragmentos (e reinvenções destes fragmentos, já que estamos falando de arte) de minha história pessoal, afetiva.

Entendo quando menciona a “ostensividade”, mas tenho certeza de que, apesar de ser um solo, o espetáculo parte de outras necessidades… Na realidade, é preciso confessar que, apesar da escolha profissional, sou tímido, não gosto de me expor.

Lineu Gabriel

Lineu Gabriel

JPG – Como você percebe o diálogo com a tradição popular sem abdicar do rigor da invenção artística ou sucumbir ao lugar-comum?

Lineu – A abordagem que realizo das expressões artísticas tradicionais não é superficial, assim, é impossível não relacionar tradição com reinvenção, atualização. Ou seja, essas expressões artísticas são extremamente dinâmicas, são reinventadas, atualizadas cada vez em que seus atores a realizam. Até ouso dizer que em muitos casos o “rigor da invenção” é muito mais latente neste “lugar” do que no teatro ou na dança contemporânea. Eu acredito muito no potencial artístico das expressões tradicionais, acho que ainda é possível encontrar nelas uma força que nem sempre vemos em criações que seguem caminhos mais formais. Acho uma pena que ainda hoje exista uma prerrogativa de que estas manifestações são “menores”, menos importantes que as demais… Aí entramos em outro ponto de sua pergunta: o “lugar-comum” em que se encontram as criações que abordam o “popular”.

Existe uma coisa que acho que é fundamental para que possamos compreender o “popular” de forma mais generosa: precisamos derrubar esta classificação que divide o “popular” e o “contemporâneo”. É uma questão complexa para a qual ainda sinto que tenho muito para desenvolver. Porém, na minha interpretação o que vejo nas manifestações que tive a oportunidade de conhecer de perto é que elas são extremamente contemporâneas. Se ousarmos questionar esta classificação parcial e hierarquizada onde o popular encontra-se em desvantagem, vamos encontrar muitos pontos de diálogo, ou seja, existem muitas contribuições que um lado tem para ofertar ao outro (isto insistindo neste equívoco de separar em dois lados, dois lugares).

Sobre a questão do “lugar-comum”, não acredito que exista risco do Tu sois de onde? somar a isto. Não digo isso por vaidade ou prepotência, mas apenas por que existe um caminho trilhado. Existe uma pesquisa de nove anos, que passou por momentos diferentes, uma pesquisa que envolve vivência, convivência, laços afetivos. No meu caso o “popular” não é um tema, ele entra como ferramenta. Como conteúdo que faz parte de minha formação.

Atualmente, quando brinco carnaval com caboclo de lança (no Maracatu de Baque Solto Estrela de Ouro de Condado), não me preocupo com o que vou fazer com aquilo tudo… Eu simplesmente sou mais um ali brincando, vivenciando esta contradição que é brincar carnaval. Assim, todas essas informações ficam gravadas em mim e podem, ou não, ser acessadas quando entro em um processo criativo. São vivências que fazem parte de mim, mesmo não sendo originalmente daquele contexto.

JPG – A assimilação das técnicas de treinamento de ator no Lume, dada sua convivência e estudos na Unicamp, foram reprocessadas aqui, no Recife ou na Zona da Marta Norte, como um terceiro caminho, de singularidade própria?

Lineu – O trabalho do Lume leva a esta singularidade por si só. Na minha interpretação o foco do que eles edificaram é justamente este empoderamento do artista em relação às suas possibilidades criativas. O que me encanta nesta metodologia (ou no que consegui acessar do que eles desenvolvem) é justamente esta conexão com a subjetividade. Como disse anteriormente, não como um processo egocêntrico (sim, existe certo risco de cair nisto também), mas como uma exploração sistematizada da subjetividade.

Acho que a vinda para Recife, dentro de minha história, inclui muitas coisas. A distância da família, do primeiro “lar” é carregada de processos.

Profissionalmente foi também o momento de aprender a me situar e me posicionar diante de outros profissionais. Acho que este deslocamento nos obriga a organizar nosso discurso, nossa prática. Eu vivenciei muitas crises (e com certeza outras virão) até começar a traçar um esboço de meu caminho profissional dentro das artes.

Voltando a sua pergunta, eu acho que tanto a convivência em Recife como na Zona da Mata Norte tem peso igual para este processo de formação profissional. São lugares diferentes de certo ponto de vista, pois o diálogo com os artistas acontecem de modo muito distinto em cada um desses lugares. Porém, busco respostas para minhas inquietações transitando nesses lugares. Acredito muito no fluxo, no deslocamento. Portanto, acho que o que realmente ressignifica meu fazer artístico é transitar entre lugares diferentes. Talvez seja esta uma das poucas heranças que permaneceram de minha formação em antropologia, a capacidade de enxergar a beleza na diferença.

Serviço:
Tu sois de onde?, grupo Peleja (PE)
Quando: Quinta-feira (23), às 19h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Quanto: R$ 12 e R$ 6 (meia-entrada)

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O grupo Peleja apresenta ainda, dentro do Palco Giratório, Gaiola de moscas. Já escrevemos sobre o espetáculo, que participou da Mostra Capiba ano passado. Leiam e confiram o trabalho. As Yolandas indicam!

Serviço:
Gaiola de moscas, grupo Peleja (PE)
Quando: Sexta-feira (24), às 19h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Quanto: R$ 12 e R$ 6 (meia-entrada)

Gaiola de moscas. Foto: Pollyanna Diniz

Gaiola de moscas. Foto: Pollyanna Diniz

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Conto de fadas. Será mesmo?

De Íris ao arco-íris. Foto: Angélica Gouveia

De Íris ao arco-íris. Foto: Angélica Gouveia

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Ah, se o mundo fosse um conto de fadas… Será que nem assim o final seria sempre feliz? Depende muito da lente que usamos para acompanhar o cotidiano, de como enxergamos o que nos acontece. De Íris ao arco-íris deve fazer com que, ao menos, possamos discutir com as crianças um tema que geralmente fazemos questão de banir das nossas vidas – em qualquer idade: a morte. A peça, encenação de Jorge de Paula, estreia hoje no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro, às 16h, e tem nova sessão amanhã (19), no mesmo horário, dentro da programação do Palco Giratório.

O professor, ator e encenador Marco Camarotti (1947-2004) é, novamente, referência para o trabalho de Jorge de Paula. “Ele dizia que não há problema nenhum em tratar da morte ou de qualquer outro tema com as crianças. A morte faz parte da vida. Temos só que encontrar a melhor maneira de fazer isso”. Foi a partir de uma pergunta de Camarotti, aliás, que surgiu o texto, escrito por Jorge em 2000. “Fazíamos parte de um projeto de Camarotti, o Pátio da Fantasia, na UFPE. Esse grupo tinha como objetivo aprofundar os estudos sobre teatro para infância e juventude principalmente para crianças cegas, surdas ou com deficiência cognitiva. E fazia algumas perguntas, algumas provocações, para que, a partir daí, a gente pudesse criar. Lembro que ele perguntou sobre a razão de o arco-íris aparecer quando chove”, relembra.

Peça terá duas sessões no Marco Camarotti, dentro do Palco Giratório

Peça terá duas sessões no Marco Camarotti, dentro do Palco Giratório

Em 2006, o autor e a atriz Andrea Veruska tentaram levar o texto aos palcos, mas o projeto não foi aprovado. Agora, com o apoio do Funcultura e do Myriam Muniz, o texto saiu da gaveta e está servindo a vários desafios: além de tratar de um tema difícil, houve a opção pelo teatro de sombras, técnica de formas animadas. “Foi uma loucura aprender a manipular. Muitas vezes perdíamos a noção, já que manipulamos no retroprojetor e a imagem está em tamanho completamente diferente na tela”, explica a atriz Iara Campos, que faz questão de dizer que os atores não são manipuladores – estão realmente experimentando uma linguagem.

A peça lembra o cinema de animação; não tem falas e os atores usam um retroprojetor para contar uma história não necessariamente linear. “Tem soluções no texto que são non-sense mesmo. Queremos os olhares particulares de cada criança”, conta o diretor, que também está em cena.

No elenco, além de Jorge de Paula e Iara Campos, Andréa Veruska e Lucélia Albuquerque. Embora só essa última não seja da Trupe Ensaia Aqui e Acolá, que daqui a pouco volta em cartaz com O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, no Teatro Arraial, a montagem é uma produção independente. “Simplesmente porque a ideia dessa peça nasceu muito antes da Trupe e não se encaixava na pesquisa do grupo, nas questões estéticas que discutimos, no que queremos tratar em conjunto”, esclarece Jorge de Paula.

Em De Íris ao arco-íris, os desenhos e silhuetas dos personagens, que guardam uma proximidade com as histórias em quadrinhos, foram idealizados pelo artista gráfico pernambucano Luciano Félix e colocados em prática pelo ator, diretor e cenógrafo Henrique Celibi. Cenário e figurinos são de Marcondes Lima; luz de Erom Villar; trilha sonora de Júlio Morais; e produção de Karla Martins.

Serviço:
De Íris ao arco-íris
Quando: hoje (18) e amanhã (19), às 16h
Onde: Teatro Marco Camarotti
Quanto: R$ 12 e R$ 6 (meia-entrada)

Montagem tem direção de Jorge de Paula

Montagem tem direção de Jorge de Paula

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A “culpa” é da modernidade

Dormir pode virar um desejo... Fotos: Ivana Moura

Dormir pode virar um desejo… Fotos: Ivana Moura

Montagem do Grupo Z de Teatro, do Espírito Santo

Insone, montagem do Grupo Z de Teatro, do Espírito Santo

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Acelera. Ordenou a modernidade aos passos lentos, tranquilos e orgânicos da humanidade. Ela obedeceu e quis vencer limites. Mas aumentar a velocidade tem consequências. A tecnologia criou um novo mundo que desafia as mentes mais criativas. Garantiu o conforto que todos conhecem. Mas ao mesmo tempo, as criaturas passaram a carregar uma carga cada vez mais pesada. Milhões de informações disputam os sentidos dessa gente que corre atrás de dinheiro, amor (que pode nem ser verdadeiro) e poder. São exigências desse mundo – de ser veloz, eficiente, feliz; e de preferência o MAIS competente, o MAIS sensual, o MAIS desejado, enfim, o fodão. Mas essas cobranças de ter mais e ser o que pode mais criou um nível de disputa sem precedentes.

O espetáculo Insone, do Grupo Z de Teatro do Espírito Santo, toca em muitos desses pontos que incomodam e literalmente tiram o sono do homem contemporâneo. Na peça, quatro intérpretes mostram o desespero de quem não consegue dormir ou dorme mal e, no dia seguinte, sem o devido descanso, precisa enfrentar mais uma jornada, ou poderíams dizer, quase uma guerra.

Com figurinos brancos (camiseta e short) os atores desenvolvem suas ações em um colchão branco que serve como único cenário. Em determinados momentos, alguns travesseiros entram em cena. Essa paisagem insuportavelmente clara, monocromática, incomoda os sentidos, principalmente a visão. Pela proposta do grupo é bom que a montagem provoque essas sensações desagradáveis.

Um bom jogo de claro escuro

Um bom jogo de claro escuro

Essa trupe de insones movimenta-se em atos de repetição, buscando conforto para o corpo numa enervante e frenética troca de posições. Nesse processo, os personagens irrompem em preocupações com o emprego, com a viagem, com o filhinho que chora ou outras pequenas coisas da vida prosaica. Repetem palavras, frases soltas. O quarteto se atormenta com o sono reduzido a pouco, insuficiente para o merecido descanso.

A sonoplastia e a iluminação se encarregam de reforçar a atmosfera tensa com sons de engarrafamento e a luz que se altera entre o profundo branco e a penumbra do quase escuro, que inclusive produz desenhos que parecem significativas grades.

A montagem de dança-teatro exibe um turma de autômatos. Às vezes sonâmbulos, às vezes perseguindo a multidão que faz do consumir, divertir, ficar ligado uma obrigação. Nesse ritmo frenético, o repouso é negligenciado ou forçado a ficar em um plano secundário, para o jogador permanecer no jogo.

Parece uma trupe de autômatos

Parece uma trupe de autômatos

Sem uma narrativa linear, Insone expõe o sono perturbado e a vigília comprometida pela falta de repouso adequado. Impedidos de ter sonhos, a vida se torna um pesadelo num mundo dominado pela velocidade.

Criado em 1996 no intuito de realizar um trabalho contínuo de pesquisa de linguagem, o Grupo Z investe em três linhas de propostas: o trabalho em espaços diversos; o corpo como ponto de partida para a criação e o desenvolvimento de dramaturgia própria.

A dramaturgia me pareceu o aspecto mais fragilizado da encenação. Entre “dormidas”, rolamentos, saltos, pequenas correrias, brigas e acolhimento entre eles a proposta  fica reduzida. A temática que possibilita interfaces com outras questões contemporâneas não borra fronteiras, não invade outros pontos.

A sensação que fica é a de que a duração do espetáculo poderia ser até menor, porque o repertório se mostra limitado e limitante e as repetições acrescentam pouco, não ampliam em significados. Ficam ali imersos no colchão coletivo e na impotência do sono. No desejo não realizado de dormir.

Grupo criado em 1996 realiza trabalho contínuo de pesquisa de linguagem

Grupo criado em 1996 realiza trabalho contínuo de pesquisa de linguagem

Ficha Técnica

Insone, do Grupo Z de Teatro (Espírito Santo)

Dramaturgia: Fernando Marques
Direção: Fernando Marques e Carla van den Bergen
Coreografia: Carla van den Bergen
Elenco: Alexsandra Bertoli, Daniel Boone, Ivna Messina, Luciano Rios (substituído aqui no Recife por Carla van den Bergen)
Direção de produção: Carla van den Bergen
Figurino e cenário: Francina Flores
Iluminação: Carla van den Bergen

*Texto extensivo ao projeto editorial do jornal Ponte Giratória, que circula impresso durante o 7º Festival Palco Giratório Recife, organizado pelo SESC PE. Outras informações no hotsite do festival.

 

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