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O presidente que o Brasil nunca teve

Marcio Fecher no espetáculo Meu Nome é Enéias. Foto:

Marcio Fecher no espetáculo Meu Nome é Enéias. Foto:

As campanhas políticas no Brasil têm como principal canal de convencimento o horário eleitoral. Boas propostas podem até ficar submersas em meio a um mar de bizarrices, que apelam para nomes estranhos, paródias e muitas invenções. Os candidatos ao Executivo têm mais tempo que os do Legislativo. Mas a distribuição do espaço é bem desigual. E aqui não vamos discutir se isso é justo ou não, porque o capitalismo não é justo. Mas um candidato a presidência por três vezes criou uma estratégia para se sobressair da monotonia.

Com 15 segundos para falar, Enéas Ferreira Carneiro chegou ao 12º lugar entre 21 candidatos, nas eleições de 1989. Em 1994, galgou o terceiro lugar, na base do discurso de um minutos e dezessete segundos na propaganda eleitoral gratuita. E garantiu o quarto lugar em 1998, com o tempo de 35 segundos. Se fosse no esporte, seria recorde.

Meu Nome É Enéas – O Último Pronunciamento, um solo do ator Marcio Fecher, estreia no Trema! Festival de Teatro, nesta sexta-feira, no Espaço Cênicas, às 21h.

A montagem vende a imagem de um homem humilde e de poucos recurso que se tornou médico cardiologista, físico, matemático, professor e nos últimos 18 anos de sua vida se dedicou a um plano de se tornar presidente do Brasil. Por seu projeto de uma nova política nacional perdeu quase tudo, casamento, bens conquistados e morreu no esquecimento.

Entrevista Márcio Fecher

Marcio Fecher é ator, dramaturgo, diretor e videasta. Foto: Tiburtino Caio

Márcio Fecher é ator, dramaturgo, diretor e videasta. Foto: Tiburtino Caio

Qual a motivação para esta montagem?
Depois que iniciei meus estudos com a Trilogia Vermelha, com o afastamento temporário quando criei Andarte Andarilho, meu primeiro solo, depois a volta para o projeto de Junior Aguiar que eu voltei a produzir, comecei a ver vários vídeos do Dr. Enéas viralizados na Internet e eu gostei do discurso. De cara percebi a aparência física, e depois disso procurei onde tinha informações sobre ele, sua vida, sua trajetória e encontrei três livros, que na verdade são voltados para a sua defesa política, seu livro sobre cardiologia O Eletrocardiograma, e não tinha nada sobre sua vida particular, filhas, mulher e subsídios que como ator eu acreditava importantes.
De fato, todas as informações que consegui sobre ele foram recolhidas das entrevistas concedidas por ele e também os vídeos produzidos por ele mesmo para o PRONA, e todos estes vídeos estão disponíveis para qualquer pessoa no canal do Youtube do Espaço Dr. Enéas. Senti segurança em ouvir o Dr. Enéas falando, porque não tinha como a fonte ser mentirosa, era ele ali, dizendo aquelas palavras.
Entendi que seu discurso, por vezes difícil e talvez contraditório – digo talvez porque depende do referencial- era atual e necessário para este momento que estamos vivendo.
Seu nome está na memória da política nacional como sinônimo de verdade, transparência e também contradições, mas não podemos negar que, acende várias discussões acerca de questões importantes para o entendimento político que estamos vivendo. Por isso escolhi viver este personagem.

O que o Dr. Enéas teria a dizer sobre os acontecimentos do Brasil atual, a partir do que se tornou público do pensamento dele?
Durante sua vida pública, que durou 18 anos, seu discurso por várias vezes se repetia. Afirmava ele que nossa classe de políticos é composta de indivíduos semianalfabetos, e a diferença é que alguns são completamente analfabetos. Afirma que o Brasil tem tudo o que um país precisa para se colocar de pé – riquezas minerais de alta categoria, que são vendidas a preço de banana para o exterior; fontes de energia sustentável, por exemplo a luz solar que em um dia de sol no Brasil pode-se gerar energia comparável a 120 mil usinas de Itaipu funcionado a todo o vapor. Afirma que nada do que for feito dará certo, porque o cidadão comum não acredita no governo. Isso é a pior coisa eu se pode acontecer. Que estamos vivendo uma total desordem. Que precisamos checar tudo o que noticia a imprensa, porque ética está praticamente extinta entre os jornalistas da grande mídia. Sua conduta é retilínea, o que revela sua formação no exército e sua conduta transparente o fez ganhar a simpatia do povo.

Na sua opinião, o que faz um homem que para o senso comum venceu na vida – de origem humilde se tornou médico e professor – a se envolver com política?
Como diz o próprio Dr. Enéas, após entender o processo político em que estamos inseridos, ficou indignado com a realidade nacional. E com o conteúdo que absorveu em anos de estudos, por acreditar em sua postura enérgica e na criação em um novo modelo político, decidiu entrar no processo para modifica-lo, não por que ele precisava de cargo público, ele era médico e professor, não precisou de troca de favores para ocupar cargo público porque tinha de onde ganhar seu dinheiro.

Esse homem, esse político foi injustiçado?
Com certeza! Pense você, ele falava para o povo brasileiro através dos meios de comunicação! Teve nas eleições de 1989, 15 segundos para falar e ficou em 12º lugar em um total de 21 candidatos. Nas eleições de 1994, teve um minutos e dezessete segundos na propaganda eleitoral gratuita, e ficou em 3º lugar. Em 1998 com 35 segundos ficou em 4º, imagina se o Dr. Enéas tivesse tempo de se colocar devidamente para o povo brasileiro o que podia ter acontecido?! Ele foi vítima de um processo de histrionismo na imprensa, foi ridicularizado, foi chamado de fascista. Fazer este espetáculo, também é dar voz a um homem que tinha ideias claras e que não tinha medo de se exprimir. Que estava aberto para o diálogo, que apesar de exaltar o exército, sabe muito bem criticá-lo a apontar erros e equívocos históricos praticados por esta instituição.

Quais os procedimentos da encenação Meu Nome É Enéas – O Último Pronunciamento?
Como ele foi um homem muito reservado em sua vida particular, eu também o deixei reservado neste campo. Com o material recolhido nos vídeos, entendi sua vida desde seu nascimento até sua morte. Como o grande conflito em sua vida pública era o tempo, e sua proximidade com o relógio era tamanha, pensei em como seria se ele tivesse a oportunidade de ter um último pronunciamento feito por ele. E que mesmo assim ele não tivesse o tempo necessário para falar tudo o que pode para contribuir para uma sociedade melhor.

Serviço:
MEU NOME É ENÉAS – O último pronunciamento
Quando:
Sexta-feira (5), às 21h
Onde:
Espaço Cênicas
Ingressos:
R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)

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Vem refletir sobre arte e Brasil

Márcio Fecher e Júnior Aguiar celebram Glauber Rocha

Márcio Fecher e Júnior Aguiar celebram Glauber Rocha

H(eu)stória – o tempo em transe, é um trabalho de fôlego dos atores Márcio Fecher e Júnior Aguiar. Pulsação de dois intérpretes em carne viva para corporificar o gênio Glauber Rocha. E falar do Brasil do passado, que nos parece tão presente e das incertezas do futuro. Nesse espetáculo-manifesto a dupla leva ao palco as angústias e desejos do cineasta baiano que amou tanto o Brasil, o teatro e os humanos.

Os dois começam a peça vestidos de branco e fazem as oferendas no altar dos santos protetores para contar o percurso incendiário do menino nascido em 14 de março de 1939, às 3:40, em Vitória da Conquista. E que morreu em 22 de agosto de 1981.

As cartas escritas por Glauber Rocha a Jomard Muniz de Britto e Miguel Arraes inspiraram a h(EU)stória – o tempo em transe, montagem do Coletivo Grão Comum e da produtora Gota Serena. A peça faz parte da Trilogia Vermelha, que terá encenações para celebrar Paulo Freire e Dom Helder Câmara.

Como passar da “alienação” e passividade à resistência e atividade? Essa é uma questão crucial para Glauber Rocha. E o espetáculo começa assim: “Eu sou todos os nomes da história. Dyonizyo, Kryzto, Napoleão, Corisco, Che, Fidel, Godard, Jango, Eisenstein, Orson Welles, Lampião, Antônio das Mortes…”

O espetáculo é carinhoso, como seus atores, queima na emoção da dupla e magnetiza a plateia a pensar e repensar em ideologia, arte, cinema, teatro, política, fome, povo, generosidade e de novo arte e vida. É caudaloso, às vezes exagerado no grito. Mas de uma potência singular de alcance plural.

Criar é revolucionar… Arte tem que ter ambição. Repetem.

Assisti ao espetáculo no segundo dia da primeira temporada (que os atores disseram que não foi uma boa sessão) e no penúltimo dia, ontem, desta quarta temporada. Hoje o espetáculo faz a última apresentação desse bloco e o que eu tenho para dizer agora é que não percam. Mas voltarei a H(eu)stória – o tempo em transe, que tanto me inquietou.

SERVIÇO
h(EU)stória – o tempo em transe, do Coletivo Grão Comum e Gota Serena
QUANDO:  Hoje, às 20h,
ONDE: Teatro Arraial Ariano Suassuna (Rua da Aurora, 457, Boa Vista. Fone: 3184-3057)
QUANTO: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Informações: 8588.1388 (Aguiar) ou 8493.1650 (Fecher)

FICHA TÉCNICA
ATORES: Márcio Fecher e Júnior Aguiar
PESQUISA, ENCENAÇÃO, ROTEIRO e ILUMINAÇÃO: Júnior Aguiar
PREPARAÇÃO DE ATOR: Quiercles Santana
MÚSICA ORIGINAL: Geraldo Maia (Palavra), Juliano Muta (Brisa) e Leonardo Villa Nova (DiAngola)
ÁUDIOS: Glauber Rocha (programa Abertura), Marisa Santanafessa (italiano) e Manuela Ripane (espanhol) e Darcy Ribeiro (enterro de Glauber – filme Glauber o filme – Labirinto do Brasil). Trecho dos filmes Deus e o diabo na terra do Sol e Terra em transe
AUDIOVISUAL – Gê Carvalho
DESENHO DOS FIGURINOS – Asaías Lira
FOTOGRAFIAS – Arthur Canavarro
PROGRAMAÇÃO VISUAL – Arthur Canavarro
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO – Rebeka Barros
PESQUISA – Tempo Glauber, Cinemateca Brasileira, Revolução do Cinema Novo (Glauber Rocha), Glauber Rocha – Cartas ao Mundo ( organização Ivana Bentes), Atentados Poéticos (Jomard Muniz de Brito).
PESQUISA SONORA – Lambarena (mamoudou), Heitor Villa Lobos (Bachiana brasileiras nº1), Nativi Americana Eagle Dance, Leo Artese (caboclo curador – Santo Daime)
PRODUÇÃO e REALIZAÇÃO – Gota Serena e Coletivo Grão Comum

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Glauber fala para Jomard e Arraes

Atores Júnior Aguiar e Márcio Fecher incendiados pela obra, e vida, de Glauber Rocha. Foto: Divulgação

Atores Júnior Aguiar e Márcio Fecher incendiados pela obra, e vida, de Glauber Rocha. Foto: Divulgação

O espetáculo h(EU)stória – o tempo em transe chega à quarta temporada. São dez apresentações no Teatro Arraial Ariano Suassuna, às sextas e sábados, começando amanhã. A partir das cartas escritas pelo cineasta baiano Glauber Rocha para o poeta e educador Jomard Muniz de Britto e o ex-governador Miguel Arraes, a montagem junta vozes e “eus” que como um caleidoscópio projeta tantos “Glauberes” possíveis. E com esse discurso incendiário traça o retrato de um Brasil, ainda em busca da democracia verdadeira e libertária.

No palco, os atores Júnior Aguiar e Márcio Fecher discorrem sobre utopias e desilusões; incorporam o antigo desejo de transformar o mundo num lugar melhor para viver e falam daquilo que nos oprime ou confisca a liberdade.

A encenação recebeu seis indicações ao prêmio APACEPE (espetáculo, diretor, ator (Júnior Aguiar e Márcio Fecher), trilha sonora e iluminação) 20º Festival Internacional das Artes Cênicas de Pernambuco – Janeiro de Grandes Espetáculos. Levou dois troféus, de melhor espetáculo e trilha sonora.

h(EU)stória – o tempo em transe faz parte do projeto da Trilogia Vermelha em que participam os atores Júnior Aguiar, Márcio Fecher e Daniel Barros. Os outros dois espetáculos pa(IDEIA) – pedagogia da libertação (sobre Paulo Freire) tem estreia agendada para setembro e pro(FÉ)ta – o bispo do povo (sobre D. Helder Câmara), tem previsão para 2016.

SERVIÇO
h(EU)stória – o tempo em transe – 4º temporada.
Onde: Teatro Arraial Ariano Suassuna (Rua da Aurora – Boa Vista)
Quando: Sexta e Sábado, 20h, de 22 de maio a 20 de junho
Ingressos: R$ -30,00 (inteira) e R$ – 15,00 (meia)
Informações: 8588.1388 (Aguiar) ou 8493.1650 (Fecher)

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Sotaque português não empolgou

O desejado – Rei D. Sebastião abriu o Janeiro de Grandes Espetáculos 2013. Foto: Pollyanna Diniz

Numa conversa com o ator Júnior Sampaio há alguns anos, lembro que ele me falava como são raros os momentos mágicos no teatro, aqueles realmente sublimes. E vivemos em busca deles. É o que faz a trupe teatral da montagem O desejado – Rei D. Sebastião: espera que algo incrível aconteça e o touro adormecido no palco, representando o rei, desperte. A peça, que tem texto, encenação, figurinos, cenografia e iluminação de Moncho Rodriguez, abriu ontem o 19º Janeiro de Grandes Espetáculos.

O espetáculo foi um projeto do produtor Paulo de Castro: cinco atores pernambucanos foram para Portugal ensaiar por três meses e lá estrearam a peça, antes de vir fazer a circulação por aqui. “É uma forma de ampliar mercado para os nossos atores”, sempre defendeu Paulo. É no mínimo um projeto ousado, por todos os custos envolvidos nisso.

As cenas são construídas de forma muito plástica em O desejado. Parecem quadros, fotografias, compostos perfeitamente por cenário, figurino, iluminação. Em alguns momentos lembrei de trabalhos de Gabriel Villela como Macbeth, que me parecem trilhar esse mesmo caminho.

Em cena estão Júnior Sampaio (que é pernambucano, mas vive em Portugal há muitos anos), Gilberto Brito, Rafael Amâncio, Júnior Aguiar, Mário Miranda e Márcio Fecher. De Portugal sobem ao palco, Pedro Giestas, Marta Carvalho, Eunice Correia e Catarina Rodriguez. É muito de Júnior Sampaio, que faz Nóe, a responsabilidade de ‘carregar’ a montagem; ele e Gilberto Brito, aliás, capturam realmente a atenção do público quando estão com o destaque.

Montagem tem a assinatura do encenador Moncho Rodriguez

Mas são o texto, o didatismo, a forte carga histórica e a falta de síntese que atrapalham a montagem. Até determinado momento aquela trama ainda consegue prender a nossa atenção – e o jogo de cena é interessante, a presença da música, artifícios como a utilização de bonecos, a descoberta de referências da nossa cultura no texto – mas isso definitivamente não se sustenta até o fim da montagem. Tanto é que muita gente saiu antes do fim na sessão no Santa Isabel. Porque a peça se torna chata mesmo…

É verdade que foi uma aposta ousada de Paulo de Castro, anunciada com um ano de antecedência, mas não foi acertada a escolha da montagem para abrir o festival. As pessoas não saíram do teatro surpresas, empolgadas, felizes…para uma maratona que, afinal, está só começando.

Cerimônia – Se a peça não ajudou, a cerimônia de abertura do Janeiro também não. As pessoas até entendem que é importante o blábláblá, mas ninguém merece ouvir tanta gente! Depois que os três produtores do Janeiro já tinham falado – Paulo de Castro, Paula de Renor e Carla Valença – Paulo ainda inventou de chamar ao palco Leda Alves (secretária de Cultura do Recife), Roberto Lessa (presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife) e Severino Pessoa (presidente da Fundarpe). E depois ainda teve Josias Albuquerque, do Sesc. Politicamente é importante, mas que é um saco…ah, isso é. Pelo contrário, emocionante e rápida foi a homenagem a Vital Santos, de Caruaru, que recebeu flores (da frisa em que estava mesmo) e foi aplaudido de pé pelo público que lotou o Santa Isabel.

Antes de ser apresentada aqui, peça estreou em Portugal

Programação desta quarta-feira (9):

O desejado – Rei D. Sebastião
Onde: Teatro de Santa Isabel, às 20h30
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)

O filho eterno (Cia Atores de Laura/RJ)
Quando: hoje e amanhã (10), às 19h, no Teatro Apolo
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)

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Magia luso-brasileira em castelo europeu

O elenco de O desejado - Rei D. Sebastião. Fotos: Rui Pitães/Divulgação

Estreou ontem, com direito a cenário de filme: um castelo e forte nevoeiro em Lanhoso, Portugal, a peça O desejado – Rei D. Sebastião. Com direção de Moncho Rodriguez, a montagem feita a partir de um intercâmbio entre Pernambuco e Portugal deve abrir o próximo Janeiro de Grandes Espetáculos. Agora, os atores cumprem uma temporada de mais 12 apresentações em terras lusas; aqui, a ideia é que o espetáculo seja encenado na capital pernambucana e também em Olinda, Caruaru, Arcoverde, Salgueiro e Petrolina.

Entrevistamos dois atores da montagem: Júnior Aguiar, que estava um pouco afastado dos palcos – a última montagem da qual ele participou foi Quase sólidos; e Júnior Sampaio, pernambucano que mora em Portugal há muitos anos e parceiro do blog.

ENTREVISTA // Júnior Aguiar

Qual o enredo do espetáculo?
O espetáculo conta a história de um grupo de comediantes-atores que procuram pelo Rei D. Sebastião – O Desejado, que desapareceu numa batalha na África. Eles procuram pelo invisível, pelo sonho de viver a liberdade e a poesia, querem o encantamento das coisas, querem a verdade que se manifesta pelo teatro! O espetáculo é uma celebração. É a história da História. Portugal precisava de um herdeiro porque estava prestes a perder o seu poder para a Espanha, por causa da proximidade da morte de D. João III, casado com Dona Catarina (da Espanha). Era necessária e urgente a vinda de um herdeiro! Do amor de seu filho João e Joana nasce D. Sebastião.

Como esse mito é transposto para o espetáculo?
O espetáculo faz um paralelo entre os tempos. A crise que agora desespera os portugueses e as velhas crises que sempre ameaçam a soberania, a disputa pelo poder, o sofrimento do povo, as ironias, os tempos que não mudam! Para nós, pernambucanos, existem alguns elementos importantes, como, por exemplo, saber das influências portuguesas na nossa origem. A questão do Mito sebastianista que se configura até hoje no Nordeste Brasileiro (Belmonte, Lençóis Maranhenses..). A história da Pedra do Reino. De uma certa forma, todo o pensamento de Ariano Suassuna. O contexto da criação em que o espetáculo se configura é muito interessante. É o ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal. Então se estabeleceu um intercâmbio cultural entre atores dos dois paises, uma parceria entre o Centro de Criatividade de Polvoa de Lanhoso (coordenado por Moncho Rodriguez) e a Apacepe. Estamos aqui por dois meses com passagens, hospedagem e alimentação pagos e recebemos uma ajuda de custo.

Como está sendo o trabalho com Moncho Rodriguez?
Moncho Rodrigues é o autor e o diretor da encenação. É o coordenador do centro de criatividade de Polvoa de Lanhoso. É fantástico viver essa experiência e desfrutar com dignidade de todo a estrutura oferecida. Temos salas de dramatuturgia, de figurinos, de adereços, de ensaios, teatros…. Trabalhamos das 14h até meia-noite, com intervalos para as refeições. Durante a manhã, descansamos ou estudamos os textos. Moncho é um homem de teatro que não se esquece. Sua voz atinge nosso coração e pode nos encantar ou pode provocar sentimentos os mais contraditórios. De repente um grito de alerta, uma indicação preciosa, uma pergunta esclarecedora, um abraço. Moncho é claro no que deseja: quer a verdade dos atores. Somente a verdade. Mas a verdade não é fácil, faz doer o corpo inteiro, faz a gente se arriscar até perdermos o controle. É preciso ir além do que se sabe, do que se pode, do que se imagina pretender. Moncho tem o olhar que parece fora do mundo, não quer perder tempo, nem energia em vão. Exige profunda dedicação e disponibilidade. Nenhum ator permanece o mesmo se aceitar as regras do jogo.

Júnior Aguiar e Rafael Amancio

Qual a importância desse intercâmbio?
É preciso viajar pelo mundo. Se o olhar não alcançar longe, se não for surpreendido pelas diferenças culturais, pelas maneiras distintas de ser, pelas possibilidades das histórias, ficamos limitados e corremos o risco de não transcender como seres humanos sensíveis, como atores profissionais com visão ampla e cosmopolita. Trocar é crescer. O grupo de atores portugueses é fantástico. Observamos sua disponibilidade, sua maneira de nos receber, de nos apresentar suas formas de trabalho e de procurar pelas personagens. Eles tambem irão ao Brasil sentir como somos no nosso ambiente, de como incorporamos nossas manifestações culturais. No fim, toda essa experiência se configura em amplo e sólido aprendizado.

Pode nos adiantar algo da montagem?
Abel e Caim abrem o espetáculo. São como João Grilo e Chicó. Espertos, oportunistas, sobreviventes. Abel é feito pelo reconhecido ator português Pedro Portugal. Caim pelo inspirado Márcio Fecher tocando pandeiro, gaita, zabumba. Depois é a vez do casal Cordeiro e Frívola, interpretados perfeitamente por Mário Miranda e Marta. É um casal de espectadores que representam a realidade e que interferem na apresentação do espetáculo. E o grupo de comediantes-atores comandados por Noé (Júnior Sampaio) e Aldonça. Eu interpreto Josué – O ministro Castanheira e Dom Henrique, o cardeal. Rafael Amâncio interpreta Jesus e Gilberto Brito os persoangens Rutílio e Tibia.

ENTREVISTA // JÚNIOR SAMPAIO

Júnior Sampaio e a portuguesa Eunice Correia em cena

Do que trata o espetáculo e qual a importância desse texto para o contexto pernambucano
Trata-se de uma releitura poética do Mito de D. SebastiãO. Uma companhia de cômicos/atores acredita que um dia, para salvar o seu povo, representaria com verdade o sonho do desejado, e com tanta verdade brincaria, que El – Rei, na cena, em pessoa, apareceria para ser a própria personagem. Eles sonham… por ser grande o desejo de num novo tempo de viver. Sendo o que são (atores), porém mais respeitados. A importância do texto para o contexto pernambucano se encontra na constante pesquisa que Moncho Rodriguez atua com o seu teatro: a fusão da cultura do nordeste brasileiro e a cultura ibérica. Os pontos em comum entre as duas culturas estão presentes no texto de forma clara e inequívoca. Uma viagem poética pelas influências ibéricas na cultura nordestina. O texto está recheado de referências culturais nordestinas: o bumba-meu-boi, a pedra do reino, o repente, o martelo… Cidades e regiões são citadas ao longo da peça.

Como tem sido a experiência com Moncho?
A minha experiência com Moncho, mais uma vez, é enriquecedora. Há 20 anos que não trabalhava com ele e é como se tivesse sido ontem. Moncho sabe o que quer para o seu teatro e isto provoca uma segurança compensadora para o ator. O seu rigor e a sua poética comprovam-me que o teatro é uma celebração, que o teatro é magia sagrada.

Qual a marca da direção dele nesse trabalho?
A marca e assinatura de Moncho estão presentes em todo o espetáculo. É um espetáculo de Moncho Rodriguez. Moncho dirigiu-me duas vezes em 1990 em Romance do Conquistador, de Lurdes Ramalho, e em 1992 em A Grande Serpente, de Racine Santos. O Desejado tem toda a poética teatral do Moncho. Costumo dizer, se é que isto interessa, que esta é a sua tese de doutoramento!Dois povos, nordestinos do Brasil e portugueses, em um único universo, e sem distinções. Um trabalho onde a magia de unir é o que importa.

Como é a sua personagem?
A minha personagem é Noé, um ator/comediante, dono da companhia, que acredita no teatro como uma arte de transformação. Apaixonado pela sua função, alucinado pelo palco. Noé é um sonhador… e o seu maior sonho é ver o Desejado através da sua arte. Pode-se dizer que é um D. Quixote, um Merlim. Acredita na arte, na palavra, na fé cênica, no teatro. Sonha com o teatro. Noé pode ser qualquer pessoa que sonha que através da arte podemos chegar ao Desejado…desejo de um mundo melhor. Será que Noé sou eu ou eu é que sou Noé? Já não sei! É esperar e viver o sonho do Desejado.

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