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Pesquisador lança livro digital gratuito
sobre crítica teatral no Recife dos séculos 19 e 20

Leidson Ferraz apresenta Ponto de Vista: crítica e cena pernambucana no Teatro de Santa Isabel nesta quinta-feira. Foto: Léo Mota / Divulgação

O Teatro de Santa Isabel, palco histórico que testemunhou 175 anos de arte pernambucana, recebe nesta quinta-feira (10 de julho) o lançamento de uma obra que resgata justamente essa memória teatral. A partir das 19h, o jornalista, crítico e historiador Leidson Ferraz apresenta o livro-pesquisa Ponto de Vista: crítica e cena pernambucana, um mergulho inédito nos primórdios da crítica teatral recifense.

A publicação digital gratuita, com 236 páginas, é fruto de uma extensa pesquisa em periódicos e foi viabilizada pela Lei Aldir Blanc (LAB/PE), com apoio do Governo Federal e do Estado de Pernambuco. O evento, que deveria ter ocorrido em maio durante as comemorações dos 175 anos do teatro, foi adiado devido às fortes chuvas da época.

Um mergulho nos bastidores da crítica teatral

O trabalho de Ferraz, Doutor em Artes Cênicas pela UNIRIO, desvenda as primeiras publicações de resenhas críticas nos jornais, inicialmente assinadas por pseudônimos intrigantes como O Kapla, O Espectador, Os R. R., O Sentinela e O Apreciador do Mérito. A pesquisa avança até revelar colaboradores identificados do século 19, como João Ferreira Villela, Antônio Pedro de Figueiredo (Abdalah-el-Kratif) e Luiz Caetano Pereira Guimarães Júnior (Luciano d’Athayde).

“A intenção é revelar detalhes dos gêneros teatrais daqueles tempos, o formato dos espetáculos, os artistas de maior destaque, a relação que o público mantinha com o palco e como a imprensa reagia a tudo isso. Os embates de opiniões, claro, foram inevitáveis e a gente vai ver que o passado, às vezes, se assemelha bastante ao presente, claro que cada qual com seu contexto específico”, explica Ferraz.

Polêmicas e embates do século 19

O livro concentra-se especialmente na segunda metade do século 19, período posterior à inauguração do Teatro de Santa Isabel em 18 de maio de 1850. A obra documenta a chegada de grandes companhias visitantes, incluindo astros como João Caetano dos Santos, considerado o maior nome do teatro brasileiro da época, e Germano Francisco de Oliveira.

Uma das curiosidades mais marcantes relatadas por Ferraz ocorreu em 1869, ano em que o teatro sofreria um devastador incêndio. Meses antes da tragédia, a exibição das primeiras óperas-buffa causou tumultos memoráveis:

“Para se ter uma ideia, em 1869, no mesmo ano em que o Teatro de Santa Isabel sofreria um terrível incêndio, pouco antes disso a exibição das primeiras óperas-buffa já havia causado alvoroço naquela casa de espetáculos, com agressões a artistas, quebra pau e presença de polícia para conter os espectadores mais indignados”, relembra o historiador.

Do romantismo aos gêneros ligeiros

A pesquisa também aborda a transição do teatro romântico e realista para os gêneros ligeiros, como opereta, mágica e teatro de revista, mudança que causou estranhamento tanto na crítica quanto no público recifense. O trabalho inclui ainda a atuação de empresários como o português Antônio José Duarte Coimbra, que mais tempo administrou o Teatro de Santa Isabel.

Nos primeiros anos do século 20, a obra documenta o trabalho de jornalistas contratados como Manoel Arão, Mário Melo, Samuel Campello e Valdemar de Oliveira, mostrando a evolução e profissionalização da crítica teatral local.

Ferraz preparou uma palestra com projeção de imagens raras e promete contar curiosidades sobre a tríade formada pelas peças apresentadas, os espectadores e a imprensa teatral – um sistema repleto de embates e polêmicas que moldou a cena cultural pernambucana.

 

Serviço

Lançamento do livro-pesquisa Ponto de Vista: crítica e cena pernambucana
Quando: Quinta-feira, 10 de julho de 2025, às 19h
Onde: Teatro de Santa Isabel – Praça da República, s/n, Santo Antônio, Recife
Entrada Franca
Apoio: Lei Aldir Blanc (LAB/PE), Governo Federal e Governo do Estado de Pernambuco

Para baixar o livro gratuitamente: Livro BAIXE AQUI

 

Sobre o autor
Leidson Ferraz é jornalista, Mestre em História pela UFPE e Doutor em Artes Cênicas pela UNIRIO. É organizador e autor de diversas publicações sobre teatro pernambucano, incluindo a coleção Memórias da Cena Pernambucana e os livros Teatro Para Crianças no Recife – 60 Anos de História no Século XX (Volume 01) e O Teatro no Recife da Década de 1930: outros significados à sua história.

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Teatro de Santa Isabel:
175 Anos de Palco,
Resistência e Memória

Tombado pelo IPHAN em 1949, o TSI é um 14 teatros-monumentos do país. Foto: Andréa Rêgo Barros / PCR

É impactante sua arquitetura neoclássica. Foto: Andréa Rêgo Barros / PCR

Lançamento de livro e apresentação do Grupo Magiluth na celebração de aniversário. Foto: Andréa Rêgo Barros

Em 2025, o Teatro de Santa Isabel completa 175 giros em sua espiral temporal, entrelaçando passado e presente no coração do Recife. Esse corpo arquitetônico respira memórias e performa histórias que se acumulam em camadas, como uma máquina do tempo em movimento, onde cada apresentação deixa seus rastros invisíveis. Inaugurado em 18 de maio de 1850, o edifício neoclássico é um organismo cultural que pulsa, absorve e reflete as vibrações sociais de quase dois séculos.

Concebido pelo Barão da Boa Vista e materializado pelo engenheiro francês Louis Léger Vauthier, suas paredes testemunharam momentos da história, desde os debates da Revolução Praieira até os discursos que culminaram na declaração de Joaquim Nabuco: “Aqui vencemos a causa da abolição”. O incêndio de 19 de setembro de 1869, que destruiu quase toda a estrutura do teatro, deixando apenas paredes laterais, alpendre e pórtico, não silenciou sua importância. Em 16 de dezembro de 1876, o teatro ressurgiu para continuar sua missão como palco da efervescência cultural pernambucana.

Desse palco, revoluções saltaram para as ruas. Suas colunas sustentam ideais de liberdade que permeiam gerações. Ao visitá-lo hoje, conectamo-nos diretamente com um capítulo fundamental da história cultural do Brasil, apreciando tanto sua relevância arquitetônica quanto sua contribuição para a formação da identidade pernambucana. Em um país que luta para não esquecer sua memória, esperamos que o Santa Isabel permaneça – resistente, vivo e necessário – como artéria pulsante da cultura que segue reinventando o futuro a partir das lições do passado.

Para a celebração de aniversário, o Santa Isabel recebe no domingo, dia 18 de maio, às 19h, o Grupo Magiluth com o espetáculo Estudo Nº 1: Morte e Vida, uma releitura do poema de João Cabral de Melo Neto. E nesta sexta-feira (16 de maio), às 19h, ocorre o lançamento do livro digital Ponto de Vista: crítica e cena pernambucana, pesquisa minuciosa do jornalista e historiador Leidson Ferraz, que faz uma palestra sobre os primórdios da crítica no Recife.

 

Estudo Nº 1: Morte e Vida

Uma reconfiguração contemporânea do clássico severino

Cena faz alusão à precarização do trabalho, e a Thiago Dias, trabalhador de aplicativo que morreu de exaustão Foto_Vitor Pessoa/ Divulgação

Essa cena do canavial, cruza Michael Jacson com maracatu rural, com Bruno Parmera. Foto_Vitor Pessoa

 

Crises climáticas e migrações são discutidas no espetáculo. Foto_Vitor Pessoa/ Divulgação

Como parte das celebrações de 175 anos, o Teatro de Santa Isabel recebe no domingo, 18 de maio, uma das mais instigantes produções do teatro pernambucano contemporâneo. Estudo Nº 1: Morte e Vida, do Magiluth, sob direção de Luiz Fernando Marques (Lubi) e assistência de Rodrigo Mercadante, propõe uma releitura radical do clássico Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Os ingressos  para o espetáculo são distribuídos na bilheteria do teatro, a partir das 18h.

A dramaturgia expandida torna-se um “manifesto-palestra” que entretece o texto original com narrativas urgentes do presente, preservando a força poética cabralina, amplificando-a nas discussões atuais, evidenciando como as questões de migração, precarização do trabalho e crise climática permanecem dolorosamente atuais.

Podemos pensar sobre episódios trágicos do mundo real, que, embora não estejam diretamente em cena, chegam por associação, como a brutalidade sofrida por Moïse Mugenyi Kabagambe – refugiado congolês no Brasil, assassinado em 2022 no Rio de Janeiro após cobrar salários atrasados. Ou em um dos  episódios centrais da encenação, que reflete a precarização do trabalho e o desprezo pela vida, a história de Thiago Dias – trabalhador nordestino que sucumbiu em 2020 por exaustão após jornadas extenuantes como entregador de aplicativo em São Paulo.

Essas tragédias estabelecem pontes temporais que apontam a persistência das desigualdades sociais, que vem muito antes da publicação de Morte e Vida Severina (1955).

A força do texto cabralino não fica aprisionada em uma redoma de contemplação, mas, ao contrário, é potencializada ao ecoar em narrativas urgentes do presente. Quando os atores alternam entre os versos e intervenções performativas que incorporam narrativas atuais, criam um campo dialógico onde passado e presente se interpenetram, expondo as estruturas de poder e as continuidades históricas da exploração no contexto das novas configurações das ordens mundiais.

A encenação rompe radicalmente com a ilusão teatral ao expor deliberadamente seus mecanismos de produção. Microfones, mesas técnicas à vista, projeções em painéis desnudos – todos estes elementos compõem um dispositivo metateatral que transforma o espetáculo em uma “oficina” visível de criação.

A estrutura espiral da montagem sobrepõe camadas temporais através de projeções que justapõem imagens de arquivo, recortes digitais e colagens visuais. Esta fragmentação sensorial reflete a própria natureza caótica da experiência contemporânea, criando uma malha de significados que desafia interpretações lineares. O título “Estudo” não é casual: carrega a natureza investigativa de um teatro que se propõe como pesquisa contínua e menos como produto acabado.

Um dos aspectos mais provocativos da montagem é seu questionamento da própria figura do “Severino”. Ao utilizar ferramentas de busca digital para expor representações estereotipadas do nordestino, o espetáculo desnaturaliza imagens cristalizadas no imaginário nacional. O personagem insiste em dizer que não é uma entidade fixa para mostrar-se como um conceito em constante movimento, atravessado por muitas vozes e experiências.

 

Primórdios da crítica teatral no Recife

Leidson Ferraz lança livro digital e faz palestra. Foto: Léo Mota. Capas do livro. Design: Claudio Lira.

Uma investigação sem precedentes sobre os primórdios da crítica teatral pernambucana será apresentada ao público nesta sexta-feira (16 de maio), às 19h, no Teatro de Santa Isabel. Fruto de meticuloso trabalho em vários periódicos dos séculos 19 e 20, o livro Ponto de Vista: crítica e cena pernambucana, de Leidson Ferraz, doutor em Artes Cênicas pela UNIRIO, inaugura as celebrações pelos 175 anos da casa de espetáculos. A obra desvenda o universo das primeiras publicações críticas sobre teatro na imprensa recifense, reconstruindo o panorama cultural da época através de documentos raros e análises. O acesso ao evento é gratuito.

Durante a palestra, o pesquisador compartilha curiosidades sobre os embates e polêmicas que marcaram a cena teatral pernambucana, desde os críticos anônimos que usavam pseudônimos como “O Kapla” e “O Sentinela” até a profissionalização da crítica no início do século 20. Entre os destaques da pesquisa está o momento de transição dos gêneros teatrais, quando as operetas e o teatro de revista substituíram o teatro romântico e realista, causando reações intensas como a ocorrida em 1869, quando apresentações de óperas-buffa provocaram tumultos no mesmo ano em que o teatro sofreria um devastador incêndio. A publicação, que contou com incentivo da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB/PE), já está disponível gratuitamente em formato digital no link Livro

 

Entrevista – Romildo Moreira – diretor do Teatro de Santa Isabel

Romildo Moreira. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Aproveitando o momento significativo das comemorações dos 175 anos do Teatro de Santa Isabel, realizamos uma entrevista com Romildo Moreira, atual diretor dessa casa histórica das artes pernambucanas. Com experiência na gestão cultural e conhecimento sobre o legado deste patrimônio, Moreira compartilha reflexões sobre os desafios de preservar e administrar um espaço que testemunhou importantes capítulos da história brasileira desde 1850.

– O Teatro de Santa Isabel é um verdadeiro patrimônio cultural e arquitetônico. Quais aspectos da história e da vocação do teatro o senhor destacaria como fundamentais para sua identidade?

Romildo Moreira – O Teatro Santa Isabel é um patrimônio cultural e arquitetônico, sim. Foi tombado pelo IPHAN em 1949, já ressaltando exatamente esse patrimônio com uma ênfase da cultura local, na cidade do Recife, e patrimônio nacional da arte e da cultura, como depois ele foi eleito a esta condição.

Ele participa dos 14 teatros-monumentos do país e hoje ele é considerado pelo próprio IPHAN como um dos teatros antigos do Brasil, um dos mais bem equipados e com programação permanente.

O tanto que a gente aqui fica recebendo solicitações de pauta o tempo inteiro e já está com a pauta para 2025, por exemplo, lotada até o dia 21 de dezembro. Ou seja, tanto a produção local quanto a produção nacional e até produções internacionais, quando vem para o Nordeste, pensa no Recife e no Teatro de Santa Isabel.

De fato, ele é almejado não só pela produção local, mas, como falei, nacional e internacional.

 – Considerando a importância histórica e a relevância na cena cultural do Recife, como o teatro se posiciona para cumprir seu papel frente aos desafios contemporâneos?

Romildo Moreira – Com relação aos desafios contemporâneos, mesmo o teatro sendo muito antigo, com 175 anos de existência, a gente não faz discriminação de espetáculos contemporâneos, de teatro, dança, circo, ópera etc., desde que não haja nenhum prejuízo físico ou moral para casa, a gente tem todo o prazer em receber essas produções aqui no palco do Teatro Santo Isabel. Isso tem ocorrido frequentemente. Inclusive, a nossa comemoração dos 175 anos do Teatro Santo Isabel é com o Grupo Magiluth, que tem um espetáculo muito contemporâneo, um espetáculo que não tem uma pegada cênica de antigamente, muito pelo contrário, é um espetáculo jovem, atemporal, contemporâneo etc.

Gostaria de entender melhor o que significa “prejuízo físico ou moral para casa”.

Romildo Moreira – Prejuízo físico é que danifique alguma coisa de palco, da plateia, das cadeiras, do gradil que é tombado etc. Então, prejuízo físico seria exatamente danificar algo que caracteriza o patrimônio. E prejuízo moral seria espetáculos de cenas explícitas, de pornografias, de sexo etc.

Só lembrando também que prejuízo moral também seria espetáculos pornográficos. A gente não teria esta condição de recebê-lo pela própria história e relevância do Teatro Santo Isabel.

 O mês de maio reserva uma programação especial para o aniversário do teatro.

Romildo Moreira – Para a celebração dos 175 anos, na programação oficial nossa aqui do Teatro de Santa Isabel, temos o lançamento do livro Ponto de Vista: Crítica e Cena Pernambucana, de Leidson Ferraz,  na sexta-feira, 16/05, (às 19h) e no domingo, 18/05, a apresentação gratuita de Estudo nº1: Morte e Vida, do grupo Magiluth, em comemoração ao aniversário

Quanto à Orquestra Sinfônica do Recife, os concertos (27/05 e 28/05, às 20h) fazem parte da programação mensal. Não está diretamente vinculado ao aniversário do teatro, mas também não deixa de ser uma oportunidade das pessoas estarem aqui nesta semana de comemoração desta data tão importante para um teatro que está permanentemente ativo. Não é verdade?

– O que motivou a escolha dessa programação especial?”

Romildo Moreira – Com relação ao que motivou essa programação que você chama de especial para o aniversário do teatro, é uma coisa muito simples. Primeiro, o lançamento do livro de Leidson Ferraz trata-se de teatro, e nada melhor do que lançar num teatro, como o Teatro de Santa Isabel, porque muita pesquisa ele fez aqui também, no nosso material. E na própria descrição do livro se fala muito no Teatro de Santa Isabel. E quanto ao Grupo Magiluth, a escolha do Grupo Magiluth é porque é um grupo local importantíssimo que faz apresentações aqui esporadicamente por outras questões, por falta de pauta etc., e pela qualidade do grupo, a qualidade dos espetáculos do grupo, inclusive trazendo uma peça baseada em João Cabral, do Melo Neto. Então a pernambucanidade do espetáculo tem tudo a ver também com a pernambucanidade do Teatro de Santa Isabel. Enfim, mas independente dessa coisa bairrista mesmo, é a qualidade artística que o grupo Magiluth tem nos seus espetáculos.

E esta é a razão mais forte que a gente encontra para dizer que este grupo vai entrar nesse aniversário do teatro tranquilamente.

– O teatro possui algum projeto de curadoria específico para contornar questões contemporâneas e potencializar o uso do espaço cultural? Como esse projeto tem influenciado a escolha e a execução dos eventos?”

Romildo Moreira – Bem, não existe uma curadoria para escolhas dos espetáculos a acontecer no Teatro de Santa Isabel. Existe um decreto de número 21-924, de 10 de maio de 2006, que normaliza as pautas que a gente pode oferecer, pode receber aqui. Então, não pode ter excesso de som, som até 95 decibéis, não pode ter abundância de água em cena, não pode ter fogo, não pode ter drone etc., coisas que possam pôr em risco o patrimônio cultural do Teatro de Santa Isabel. Então isso a gente leva em conta quando recebe as propostas de pauta se esse espetáculo pode ser apresentado aqui ou não. Quando não pode ser apresentado aqui, a gente explica o motivo e sugere uma outra casa de espetáculos. Normalmente, a produção local já sabe disso e não traz esse problema para a gente resolver, mas as produções de fora, quando ocorre, a gente explica e eles entendem completamente bem.

Quais são os critérios adotados para escolher as pautas e os eventos executados no teatro ao longo do ano? Há uma linha diretriz definida para a programação?

Gostaria de compreender com mais profundidade como funciona o processo de distribuição de pautas ao longo do ano no Teatro. Poderia descrever, de forma detalhada, o passo a passo desse procedimento? Por exemplo, se uma produtora local tem interesse em reservar uma pauta para maio de 2026, qual seria o período ideal para entrar em contato, e quais os documentos e informações necessários para formalizar a solicitação?

Romildo Moreira – Não há linha definida para a ocupação da pauta, o que há é a não aceitação de eventos artísticos e culturais que não tem perfil para o Teatro de Santa Isabel. Por exemplo: concurso de miss, eventos evangélicos, espetáculo pornográficos…

Se eu, como produtora cultural, precisar de uma pauta, como consigo? Quais os critérios? Não tem critérios?

Romildo Moreira – Se você precisar de uma pauta, é só encaminhar para o nosso e-mail a solicitação de pauta dizendo o que vai ser utilizado nessa pauta, qual é o espetáculo, se é teatro, dança, circo, ópera, como é que ele se porta, mandar fotos, mandar material em geral sobre a peça, para a gente saber o que é etc.

É isso. Se houver alguma impossibilidade de recebê-lo pela data, já é uma coisa óbvia, porque já está ocupado. Ou então porque o espetáculo não se porta dentro do que a gente já falou antes, se é pornográfico, se tem danos físicos ou morais para o teatro.

É isso, não tem outro critério, que a gente não vai fazer censura estética, entendeu?

Há variação também nos valores dos aluguéis e nas condições de contratação nesses casos, ou são uniformes para todos?

Romildo Moreira – O pagamento da pauta do Teatro de Santa Isabel tem uma diferença da produção local para a produção visitante. A produção local paga 10% da bilheteria bruta com o valor mínimo de R$ 2 mil por apresentação. A produção visitante paga 10% da bilheteria bruta com valor mínimo de R$4.000 por cada apresentação. Só isso que difere, é só o valor mesmo, porque a produção local tem esse abatimento de 50% do valor da pauta.

Por fim na questão das pautas, gostaria de saber se existem restrições específicas para espetáculos destinados ao público infantil ou juvenil e como essas particularidades influenciam a distribuição de pautas.

Romildo Moreira – Inclusive, no mês de julho, existe o Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco, da Metro Produções, e o Teatro de Santa Isabel também recebe esse festival. Então, nós temos o maior prazer também de apresentar espetáculo para criança, que é o público do futuro.

– O Teatro de Santa Isabel, com sua longa trajetória, sempre enfrentou desafios de manutenção e sustentabilidade. Quais estratégias e parcerias têm sido implementadas para garantir sua sobrevivência e modernização sem perder sua essência histórica?

Romildo Moreira – Quanto à manutenção e sustentabilidade, existe uma questão bem presente, como o teatro é da Prefeitura do Recife, a Prefeitura, através da Fundação de Cultura e da Secretaria de Cultura, faz a manutenção permanente através de empresas que são licitadas para tal. Então, a gente tem uma empresa que cuida da manutenção do ar-condicionado, outra que cuida da manutenção estrutural, enfim, e por aí vai. São empresas que permanentemente, como por exemplo os elevadores, têm um problema no elevador, então tem a empresa de manutenção do elevador  que vem e conserta na hora e por aí vai. Isso facilita, porque é um órgão público. Se fosse pela bilheteria do teatro, jamais isso ocorreria, porque a gente não teria disponibilidade financeira para tal. Mas, ao contrário, a gente mantém sempre essas questões em dia por conta dessas parcerias que são com a Fundação de Cultura e Secretaria de Cultura para a manutenção de empresas com esta obrigatoriedade.

– Quantos funcionários compõem a equipe que trabalha no teatro e quais têm sido os principais desafios enfrentados na gestão do espaço atualmente?

Romildo Moreira – 49 funcionários

– Qual tem sido o papel do investimento público no fortalecimento e na manutenção do teatro? De que forma esses recursos têm contribuído para a preservação e renovação do espaço?

Romildo Moreira – Reforçando. Acho importante também falar sobre a manutenção do teatro. Todo mês de fevereiro, anualmente, a gente não abre pautas, não abre para atividades artísticas, a gente faz uma manutenção de equipamento, de som, de luz, de toda parte estrutural do teatro, fazendo também alguns reparos de pintura, etc., para manter o teatro sempre bem quisto e bem visto pela sociedade.

– Como o cidadão, de todas as classes sociais, pode ter acesso ao teatro? Existem projetos ou estratégias que promovem a participação popular e a democratização do espaço?

Romildo Moreira – Quando se trata de sociedade, o teatro tem esse cuidado de não ser uma casa distante da população. Por isso que temos muitos espetáculos gratuitos.

A Orquestra Sinfônica do Recife faz quatro concertos aqui no teatro mensalmente, com sessões gratuitas. Além disso, o teatro tem um projeto chamado Santa Isabel em Cena, que tem duas vertentes. A primeira vertente é que, às terças-feiras, a gente recebe uma média de 300 jovens, entre alunos de escolas públicas, escolas privadas e de ONGs que trabalham com essa faixa etária. Essas pessoas vêm aqui para conhecer o teatro e assistem um espetáculo gratuitamente, um espetáculo local.

E a segunda versão desse Santa Isabel em Cena é que acontece aos domingos, uma vez por mês, um espetáculo direcionado mais à terceira idade, que é uma forma também de a gente trazer e manter este público. Na primeira versão é para os novos frequentadores do teatro, com essa juventude, e nessa segunda versão é para a manutenção desse povo que já acostumou vir ao teatro e assistir a um espetáculo, principalmente de música camerística. Enfim, de forma que a gente tem essa preocupação de um público sempre ampliado e renovado nas apresentações do Teatro de Santa Isabel.

Também temos tido o cuidado de negociar com as produções que vêm para cá, para o Teatro de Santa Isabel, de não fazerem preços muito altos, até mesmo porque o pagamento da pauta é muito pequeno, é 10% da bilheteria bruta, de forma que os ingressos aqui não são de preço tão volumosos exatamente para facilitar uma camada mais ampla de pessoas poderem assistir, já que os ingressos não são tão caros.

– Considerando a situação do entorno do teatro, com calçadas em péssimo estado, a presença de moradores de rua e mendicância, há alguma estratégia integrada ou parceria com órgãos públicos para revitalizar a área?

Romildo Moreira – Com relação a essa questão de moradores de rua, quando o teatro fecha, fica invadido, pessoas dormindo aí, a gente não tem como resolver isso aqui. A prefeitura passa toda quarta-feira aqui, oferece abrigo para essas pessoas, umas já foram, outras já tiveram a família inteira abrigada, mas tem gente que não quer. Então, rua é rua, a gente não tem como fazer. Isso não seria com a Secretaria de Cultura nem com a Fundação de Cultura, muito menos com o teatro. Mas a prefeitura, de um modo geral, tem tido uma ação permanente de fazer com que essas pessoas não agridam o espaço etc. Mas é bem complexo em função disso. Tem gente que não quer sair da rua, enfim. Quando chove, principalmente, eles vão para os lugares onde tem abrigo, como tem aqui no Teatro de Santa Isabel, nessa Dantas Barreto, na Guararapes, é o que mais se vê, como se vê também em outras capitais, Rio de Janeiro, São Paulo etc.

– Que mensagem o senhor deixaria para o público e a comunidade?

Romildo Moreira – A mensagem que deixo para o público e o mundo geral é que não temos aqui a preocupação de fazer censura estética com a utilização do teatro de Santa Isabel. Tanto espetáculo, teatro, dança, circo, ópera, música, enfim, temos só a preocupação prevista no decreto, como já falei anteriormente, porque é para a pluralidade de público mesmo.

Enquanto a gente recebe um espetáculo que requer mais um público jovem, o público jovem vem. Quando requer mais um público mais maduro, terceira idade, etc., esse público vem. E é importante saber que, quando eles vêm, eles veem um bom espetáculo aqui quer mais um público mais maduro, terceira idade etc., esse público vem.

E é importante saber que, quando eles vêm, eles veem um bom espetáculo aqui e ficam sempre aguardando novas oportunidades para retornar, porque o Teatro Santa Isabel é a casa do povo do Recife, e o povo do Recife é plural. E essa pluralidade também a gente mantém na programação exatamente para atender todos os desejos e necessidades de uma sociedade tão ampla como é a nossa.

 

 

 

 

 

 

 

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Lançamento de livros
Mais dois títulos do teatro pernambucano

grupo gente nossa 1938 foto Acervo Projeto Memórias da Cena Pernambucana

A Pena e a Lei, de Ariano Suassuna – 1984 – Acervo Grupo de Teatro do SESC Caruaru

O teatro pernambucano já se vangloriou de ser o terceiro em produção no país, lá pela segunda metade do século 20. A historiografia teatral brasileira nunca prestou muito atenção em mais esse orgulho nordestino e sempre concentrou no Sudeste –Rio e São Paulo, principalmente – o mérito da trajetória do teatro brasileiro, suas conquistas, modernização, desconstrução. São campos de disputa constantes e os mais fortes (economicamente, politicamente, de articulação) deixaram suas marcas e seus livros. Esse cenário vem mudando nos últimos anos, graças a muitas mãos e muitas vontades.

Um lançamento duplo, que contempla o teatro na capital e no interior de Pernambuco coloca mais duas obras na prateleira dessa biblioteca, que ainda tem muito para contar. O Teatro no Recife da Década de 1930: outros significados à sua história, do jornalista, crítico e pesquisador teatral Leidson Ferraz e Grupo de Teatro do SESC Caruaru – Fazendo e Aprendendo, organizado pelos artistas Severino Florêncio, Moisés Gonçalves, Josinaldo Venâncio e Maylson Ricardo são dois livros que o Selo editorial do SESC Pernambuco, com apoio da CEPE, lança nesta segunda-feira (20 de dezembro de 2021), a partir das 19h, no hall do SESC Santo Amaro, no Recife, com show da cantora Andréia Luiza.

Leidson Ferraz, autor de vários títulos sobre a memória dessa arte em Pernambuco, é uma figura de destaque na recuperação desse caminho. Pesquisador incansável, organizou os quatro volumes da coleção Memórias da Cena Pernambucana. Atualmente é Doutorando em Artes Cênicas na UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).

A década de 1930, tão repleta de reviravoltas políticas e deslocamentos regionais de poder, sofreu no que se refere as artes cênicas uma desvalorização. O estudo do período foi sua dissertação de mestrado em história na UFPE. Ele mergulhou em arquivos esquecidos para resgatar alguns desses episódios. No livro, Leidson mapeia peças, e atuações de grupos e artistas independentes nos teatros do centro Recife e dos bairros de subúrbio, chamados “arrabaldes”. Explora as características da cena da época, ocupada principalmente por comédias, burletas e operetas.

Trajetórias do Grupo Gente Nossa e do Grêmio Familiar Madalenense (liderado pelos Irmãos Valença), ou de artistas como Samuel Campello, Elpídio Câmara, Barreto Júnior, Lenita Lopes e Valdemar de Oliveira, entre outros, estão no foco da pesquisa. Mas a obra “busca ir além do discurso que ocupa posição dominante no campo historiográfico nacional, sempre a abordar o ‘modo antigo’ de se fazer teatro em suas tão depreciadas contradições”.

Para isso, Ferraz trabalhou com as ideias de campo e capital simbólico do sociólogo Pierre Bourdieu, que iluminam os espaços ocupados, suas hierarquias e lutas internas.

O design do livro é assinado por Claudio Lira e traz imagens raras, de críticos, artistas nacionais e internacionais que estiveram no Recife, como Clara Weiss, Procópio Ferreira, Jayme Costa, Alda Garrido e Dulcina de Moraes, e técnicos daquele período, além de uma descrição pormenorizada do repertório e ficha apresentados por companhias locais e visitantes na década de 1930.

O teatro no interior

Severino Florêncio, Moisés Gonçalves, Josinaldo Venâncio e Maylson Ricardo, atuam na equipe de Cultura do SESC Caruaru e conhecem muito bem os meandros desse grupo, fundado em 1980, pelo ator, diretor e professor teatral Severino Florêncio, com o espetáculo de criação coletiva Fuga de Lampião.

O coletivo se tornou uma escola de formação de artistas e técnicos importante cena teatral em Caruaru e na região. O livro traça um paralelo entre o grupo e o Teatro caruaruense; aponta as montagens exibidas nos dois teatros da cidade (o Rui Limeira Rosal, do SESC, e o João Lyra Filho, da municipalidade); traz as participações em festivais pelo Brasil e reconhecimentos de premiação.

O livro Grupo de Teatro do SESC Caruaru – Fazendo e Aprendendo tem prefácio de José Manoel Sobrinho, diretor teatral e gestor cultural com experiências no SESC e em órgãos públicos da Cultura, que atesta que os autores “amplificam as experiências e vivências da trupe, disseminam parte relevante dos saberes construídos e dão amplitude para as novas gerações entenderem a força e o papel significativo que o teatro teve e tem para uma cidade da dimensão de Caruaru”. O design também é de Claudio Lira,

Cada livro custa R$ 40 (quarenta reais). A coordenação editorial do SESC Pernambuco é do Gerente de Cultural da instituição, Rudimar Constâncio. O selo á publicou 34 livros.
O SESC Santo Amaro fica na Rua Treze de Maio, 455, Santo Amaro.

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Funcultura ignora pandemia soterrado em burocracias*

Inscrição para edital foi feita presencialmente na capital ou por Sedex. Foto: PH Reinaux Secult PE

Artista fez protesto com cartazes. Nas redes sociais, muitos se manifestaram

Visualize o cenário: Pernambuco, 2020, pandemia da Covid-19, crise em muitos âmbitos, inclusive na cultura. A continuidade de um edital público para o setor – mesmo que o resultado seja prometido apenas para o mês de dezembro -, além de obrigação do poder público, é bem-vinda. Mas, para concorrer ao Funcultura Geral 2019-2020, Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura, produtores culturais precisaram imprimir uma via de seus projetos, encaderná-la, rubricar todas as páginas, salvar duas vias em pen drive ou DVD e enviar por Sedex para a Fundarpe (ou, no caso de produtores da Região Metropolitana do Recife, se deslocar até a Rua da Aurora, no bairro da Boa Vista).

“Percebemos a dificuldade dos produtores no estado inteiro, mas no interior isso se agrava pelas distâncias. Por aqui, fizemos a conta: um produtor gasta, em média, R$ 100 para conseguir enviar um só projeto. Para algumas pessoas, isso é muito dispendioso. O que ouvimos na reunião da Ripa (Rede Interiorana de Produtores, Técnicos e Artistas de Pernambuco) é que falta empatia por parte da Fundarpe, principalmente neste momento de pandemia”, entende Caroline Arcoverde, atriz e produtora do grupo Teatro de Retalhos, de Arcoverde, cidade do Sertão pernambucano.

“Falta empatia por parte da Fundarpe, principalmente neste momento de pandemia”
Caroline Arcoverde, atriz e produtora do Teatro de Retalhos e integrante da Ripa (Rede Interiorana de Produtores, Técnicos e Artistas de Pernambuco)

“Este ano, em especial, o Funcultura foi extremamente burocrático. Gastamos algo em torno de R$ 100, R$ 120 para cada projeto, sendo que estamos numa pandemia. Os artistas não têm esse dinheiro para investir. Já vi isso aqui na realidade da cidade – muitos dos produtores não enviaram projeto este ano porque não tiveram condições, não tinham dinheiro para fazer um projeto”, reforça André Vitor Brandão, produtor e bailarino de Petrolina, também no Sertão.

No estado que se orgulha de ter um dos maiores parques tecnológicos do país, os artistas e produtores de cultura precisam lidar com um formulário burocrático e as implicações financeiras da inscrição no edital, quando tudo poderia ser feito pela internet, como um cadastro. “Este é um momento em que todo mundo está sem perspectivas e a gente está precisando do que é direito nosso; esse edital é uma conquista, dinheiro público que precisa ser empregado na cultura, especialmente agora, com tanta gente desempregada, tantos espaços em vias de fechar”, pontua Daniela Travassos, atriz e produtora da Companhia Fiandeiros de Teatro, do Recife.

“Esse edital é uma conquista, dinheiro público que precisa ser empregado na cultura, especialmente agora, com tanta gente desempregada, tantos espaços em vias de fechar”
Daniela Travassos, atriz e produtora da Companhia Fiandeiros de Teatro

O edital publicado no fim de 2019, antes da pandemia, não foi alterado. Mas, diante da situação de crise e de isolamento social, as imposições burocráticas se tornaram insustentáveis e geraram muitos posts de protestos nas redes sociais, de artistas de várias linguagens.

“Há uns dois anos, tínhamos decidido dar um tempo na concorrência ao Funcultura, porque tem sido muito sofrido lidar com tamanhas exigências e limitar as ideias a tantas questões que não tem nada a ver com mérito artístico. E isso se agrava agora. Então, por exemplo, tentaram diminuir o papel, mas aumentaram outras exigências, como o pen drive ou DVD e o tamanho do arquivo. Mesmo que eu entregue um pen drive com um tamanho enorme, meu projeto cada currículo do meu projeto é limitado a ter 2MB e, se ultrapassar isso, simplesmente o projeto é eliminado”, explica a produtora da Fiandeiros.

Para quem nunca precisou preencher um formulário do Funcultura, as reclamações dos artistas podem parecer até prosaicas. Mas a burocracia do edital é uma questão real, que se arrasta há anos, sem avanços, ignorando a realidade para além dos muros da Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco). “A gente perde um tempo absurdo formatando formulário, tipo de letra, parágrafo, alinhamento, inserção de linhas, tamanho de arquivo. Mas, para mim, o mais grave neste quesito é querer que a gente faça uma planilha de orçamento em Word. Deveria ser, no mínimo, em Excel. Isso facilitaria os cálculos, a incidência dos impostos. Se a gente modifica o valor de uma pequena rubrica, isso interfere no valor total. Então, você tem que ficar o tempo inteiro monitorando esses valores, porque o Word não é uma ferramenta de cálculo”, explica André Filho, diretor e produtor da Fiandeiros.

Leidson Ferraz, jornalista, ator e pesquisador de teatro, fez um protesto presencial, no momento da entrega do formulário na Fundarpe, com cartazes que carregavam dizeres como “Evolua, Funcultura! Cadê a prometida informatização?” ou “BuRRocracia excessiva! Exclusão de muitos”. “Um edital cultural tem que ser o mais simples, o mais fácil possível, para abarcar democraticamente todo mundo. Como imaginar artistas populares, do circo, de tantas manifestações, sendo obrigados a lidar com essa burocracia toda? Isso impõe que as pessoas tenham que contratar produtores que vão ganhar uma parcela do valor, já tão defasado. São imposições injustificáveis, que só fazem excluir uma grande maioria. O que deveria estar sendo julgado era o valor artístico de cada proposta”, avalia Ferraz.

“Um edital cultural tem que ser o mais simples, o mais fácil possível, para abarcar democraticamente todo mundo”
Leidson Ferraz, jornalista, ator e pesquisador de teatro

Os valores do Funcultura também são questionados pelo artista. “O primeiro projeto que eu aprovei, em 2004, na área de publicações em teatro, tinha uma rubrica de R$ 50 mil. Hoje, o valor disponibilizado é R$ 40 mil. Desisti de colocar um projeto em livro, porque com esse valor é impossível fazer uma publicação com a qualidade que eu sempre fiz. O orçamento mais barato que encontrei, com uma gráfica boa, foi R$ 31 mil. Como vou pagar os outros profissionais envolvidos na produção de um livro?”, questiona.

Novo mundo caótico, velho formulário de papel

Como ignorar a realidade de pandemia que se instalou no país a partir de março? Em meio a tudo que tem acontecido no Brasil, os produtores que propuseram projetos de criação, circulação, festivais, mostras, precisaram pedir carta de anuência aos teatros e espaços culturais – ainda que eles estivessem (estejam) fechados. Como pensar a circulação internacional de um espetáculo quando muitos teatros no mundo não estão funcionando e fronteiras de vários países estão fechadas para os brasileiros?

As inscrições para o Funcultura Geral estavam previstas para acontecer de 14 a 30 de abril. Por conta da Covid-19, o prazo foi prorrogado – ficou valendo o período de 20 de julho a 3 de agosto. O edital, no entanto, não abarcou mudanças, mesmo que artistas de linguagens diversas, através das suas comissões setoriais (que formam o Conselho Estadual de Política Cultural) tenham proposto sugestões.

Paula de Renor diz que era preciso vontade política para mudar edital

No dia 8 de junho, a Comissão Setorial de Teatro reuniu cerca de 70 artistas para uma reunião virtual que durou quase quatro horas. A proposta é que o edital focasse em projetos menores. As verbas destinadas à itinerância nacional e internacional de espetáculos seriam remanejadas para outras ações. A rubrica de manutenção de espetáculos, por exemplo, subiria de R$ 60 para R$ 100 mil e a de programação de espaços de R$ 90 para R$ 180 mil, sendo que, nessa última, seriam contemplados até quatro projetos no valor máximo de R$ 45 mil.

O edital não teria exigências como carta de intenção ou anuência para atividades em equipamentos públicos e atividades formativas poderiam ser propostas em formato virtual. “A pandemia aconteceu, não podemos ter um olhar de normalidade para as coisas. Não dá para prever ações como se nada tivesse acontecido”, opina Paula de Renor, atriz, produtora e representante de Teatro e Ópera na Conselho Estadual de Política Cultural.

“A pandemia aconteceu, não podemos ter um olhar de normalidade para as coisas. Não dá para prever ações como se nada tivesse acontecido”,
Paula de Renor, atriz, produtora e representante de Teatro e Ópera na Conselho Estadual de Cultura

A burocracia, no entanto, impediu que o edital fosse alterado. “Para que isso acontecesse, era preciso vontade política, agilidade jurídica, para que encontrássemos uma adequação. Porque o problema é que o governador precisaria cancelar esse editar e fazer um decreto normatizando o outro. E não tínhamos certeza dessa agilidade, não houve empenho para encontrar uma solução jurídica”, explica Paula de Renor.

Na prática, o que pode acontecer é que as execuções dos projetos tenham que ser postergadas, como uma itinerância de espetáculo, por exemplo. O edital já prevê esse adiamento. “O que a gente queria era que esse dinheiro entrasse logo na cadeia da economia criativa, que ajudasse o maior número de artistas e impulsionasse a produção no estado”, finaliza a conselheira.

Promessa de informatização

De acordo com Aline Oliveira, superintendente do Funcultura, o próximo edital, que deve ser lançado em dezembro, deve contar com inscrições pela internet. “Conforme já foi anunciado no Conselho Estadual de Política Cultural, a gestão assumiu um compromisso de implementar as inscrições virtuais até o exercício de 2021 e fará todo o esforço possível para antecipar as inscrições virtuais já para os novos editais do Funcultura”, explica.

A superintendente admite que “estamos atrasados nesse processo”. “Mesmo com um sistema pronto, seria necessária uma estrutura de equipe e de tecnologias que infelizmente o Funcultura não teria condições de manter no momento. Desde 2019, a atual gestão da Fundarpe e do Funcultura têm estudado as ferramentas disponíveis no mercado para resolução do problema. Antes de decretar-se o estado de emergência em Pernambuco, em função da Pandemia da Covid-19, estavam sendo realizadas tratativas para contratação de serviços com o objetivo de modernizar o Funcultura. Entretanto, os decretos de contingenciamento e a próprio isolamento social dificultaram o avanço dos debates”, complementa.

ERRATA*
Matéria atualizada no dia 31 de agosto, às 11h24. Na fala de Daniela Travassos, onde constava “Mesmo que eu entregue um pen drive com um tamanho enorme, meu projeto é limitado a ter 2MB (…)”, a sentença correta é “Mesmo que eu entregue um pen drive com um tamanho enorme, cada currículo do meu projeto é limitado a ter 2MB (…)”. Pelo erro, o Satisfeita, Yolanda? pede desculpas aos leitores.

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Memorialista do teatro pernambucano

Leidson estuda teatro infantil em Pernambuco desde 1998. Foto: Ivana Moura

O marco zero na história do teatro para crianças no Recife foi a estreia da peça Branca de Neve e os 7 anões, a primeira que levou crianças para a cena, em 1939, no Teatro de Santa Isabel. Era um projeto do teatrólogo Valdemar de Oliveira, que superou todas as expectativas. Essa é uma das conclusões do pesquisador e jornalista Leidson Ferraz, depois de anos de investigação que rendeu o livro Teatro para crianças no Recife – 60 anos de história no século XX (vol. 1). A pesquisa já havia sido lançada em formato DVD, em 2013.

Nesse volume, ele passeia pela historiografia do teatro pernambucano de 1939 até a década de 1970 e junta raros registros fotográficos de peças, programas, anúncios publicitários, críticas publicadas em jornais e relatos sobre a produção infanto-juvenil do período.

O livro estará à venda no Sindicato dos Artistas de Pernambuco e na Federação de Teatro de Pernambuco, ambos sediados na Casa da Cultura.

Nessa segunda-feira, durante o lançamento do livro o autor fez uma breve explanação sobre o objeto do seu estudo e exibiu imagens históricas guardadas na publicação.

Nesta entrevista ele fala sobre o processo de trabalho, da paixão pela pesquisa em teatro,  do  projeto Teatro Tem Programa!, que vai compartilhar pelo site da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco), de polêmicas e da vida que segue.

Entrevista: Leidson Ferraz

Leidson Ferraz, pesquisador e jornalista. Foto: Ivana Moura

Leidson Ferraz, pesquisador e jornalista. Foto: Ivana Moura

Você é uma das poucas pessoas nesta cidade do Recife que talvez vá mais ao teatro do que eu. Talvez. Tenho a vantagem de viajar com frequência para festivais e isso aumenta minha performance. Então, quantos espetáculos você assiste por semana, mês, por ano? E de onde vem esse amor pelo teatro?
(Risadas). Ivana, eu não contabilizo quantos espetáculos vejo. Mas procuro assistir tudo o que está em cartaz. Acho que é a forma de me manter atualizado sobre nossa produção teatral brasileira. Gostaria de poder viajar mais para assistir espetáculos em outros lugares (faço isso minimamente, infelizmente, muito mais ao interior de Pernambuco), mas não tenho nem tempo nem dinheiro para tanto. Quanto ao amor ao teatro, é parte do que me faz viver. Já pensei em me afastar deste universo por algumas decepções, mas não consigo. Está dentro de mim. É como o ar que respiro. O teatro está nos meus poros.

Sua carreira como ator começou na infância, em Petrolina, Sertão de Pernambuco. Como foi essa trajetória?
No Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em Petrolina, eu já interpretava esquetes a cada final de ano, numa Feira de Ciências que programavam. Mas o primeiro espetáculo teatral que vi de verdade foi a Paixão de Cristo da Nova Jerusalém, aos oito anos de idade. Aos nove, já me arvorei a escrever e dirigir A Paixão de Cristo com 50 amigos da rua que eu morava. E eu ainda interpretava Judas, Pilatos e o Demônio. Ou seja, fui sempre ousado! Depois, fui dançar Menudo – num grupo cover – e passei a ser um “artista profissional” (kkkk), pois ganhávamos bem fazendo festinhas de aniversário e outros eventos. Só me aproximei do teatro, de verdade, quando vim morar no Recife em 1988. Comecei indo ver tudo o que eu podia e a fazer cursos com Ida Korossy, no Colégio Decisão; Valdi Coutinho, no Arteviva, e Elmar Castelo Branco, no TUCAP. Daí, fui me profissionalizando aos poucos, em cursos, oficinas, palestras, seminários, vendo muitos espetáculos e atuando e dirigindo num grupo que criamos na Unicap (o Grupo Pedaços, com o qual fiz uma versão do musical Hair, entre outros trabalhos)… Tirei meu DRT como ator profissional em 1993.

Quais as montagens que você participou como ator, diretor ou outra função?
Estreei profissionalmente com Memórias da Emília, em 1995, com adaptação e direção de Luiz Felipe Botelho e produção de Pedro Portugal. Fiz teste para entrar no elenco. Em seguida, fui convidado para Auto da Compadecida, da Dramart Produções, com direção de Marco Camarotti, onde atuei durante 17 anos. Na sequência, trabalhei com José Manoel Sobrinho, Érico José, Vital Santos, Max Almeida, Claudio Lira, José Pimentel, Samuel Santos, participando também de várias leituras dramatizadas com outros diretores e ainda dirigindo alguns espetáculos, especialmente no SESC. No ano 2000, escrevi e dirigi, junto a Claudio Lira, o musical Alheio, um sonho que acalentei durante sete anos (após a experiência de estudar canto no Conservatório Pernambucano de Música durante um tempo) e que me deu enorme trabalho, pois era uma produção grandiosa. Inaugurei um teatro próprio no Cais José Mariano e fomos até para São Paulo, mas só pude manter a peça por três meses de vida. Era caríssima com elenco enorme de atores e cantores, além de toda a infraestrutura de som, luz, arquibancadas, microfonação, etc… Meu último trabalho como ator (e não pretendo voltar a atuar, pelo menos neste momento) foi Olivier e Lili: Uma História de Amor em 900 Frases, com direção de Rodrigo Dourado, pelo Teatro de Fronteira, que sobreviveu nos anos 2012 e 2013. Ou seja, há mais de três anos não volto aos palcos. Já enquanto assessor de comunicação de muitos espetáculos, perdi as contas de quantos fiz. Atualmente ando afastado por conta do Mestrado em História na UFPE.

Você vem sendo considerado um memorialista do teatro Pernambucano com registro, análise e disseminação do passado do teatro feito no estado. Você é realmente um empreendedor, um homem de muita força e fôlego. Como e quando surgiu essa preocupação com o registro, com a documentação sobre o teatro pernambucano?
Quando fui convidado a assumir a assessoria de comunicação do Projeto Memórias da Cena Pernambucana – O Teatro de Grupo, em 1998, por José Manoel Sobrinho, meu maior incentivador em tudo. Era uma ação da Feteape e me envolvi totalmente com ela. Foi ali, entrevistando artistas que estavam afastados da cena, mas com longa trajetória no teatro, que me atentei para a história do teatro pernambucano e a necessidade de mais registros sobre este tema.

Mas vamos destrinchar isso.
Você é um assessor de imprensa muito peculiar, que exerce muito bem essa função em diversos festivais, peças e ações voltadas às artes cênicas. Você veste a camisa mesmo, como integrante da produção. Essa é a melhor postura na sua opinião?
Não sei fazer de outra forma. Talvez por amar tanto o teatro e a dança, acabo me envolvendo mais do que devia. Às vezes tenho raiva desta minha postura, pois muitas vezes me deixo confundir nas funções. No entanto, acho que todo assessor de comunicação precisa abraçar sua causa. Ficar em casa só mandando e-mails, não dá! Acho terrível quem faz assim. É preciso conhecer a sua fonte de informação por completo.

Montagem de 1976 de Maria Minhoca. Foto: Divulgação

Montagem de 1976 de Maria Minhoca. Foto: Divulgação

Gostaria que você falasse sobre trabalho desenvolvido com as pesquisas sobre a produção teatral pernambucana.
A série de livros Memórias da cena pernambucana resgatou em quatro volumes a trajetória de quase 40 grupos de teatro de Pernambuco, desde a década de 1940. Gostaria de levantar três questões sobre isso.
A primeira: Com encontros/palestras/debates gravados a partir da memória de integrantes de grupos (e a memória é falha) você multiplicou em vários livros. Você se considera um estrategista ou um ótimo marqueteiro? Ou ambos?
É preciso lembrar que, quando eu, Rodrigo Dourado e Wellington Júnior lançamos o Volume 01 do Memórias da Cena Pernambucana, pouco se falava sobre a história do teatro pernambucano naquele momento. O projeto, inclusive, nasceu por conta disso. Ainda tínhamos reduzidas publicações nesta área e acho que, modéstia à parte, o Memórias abriu o caminho para isso. Tanto que ninguém lembrava do Grupo de Teatro Vivencial! A nossa capa, com Ivonete Melo maravilhosa em Repúblicas Independentes, Darling!, foi estratégica para isso. E o livro circulou pelo Brasil inteiro, pois fiz vários lançamentos e o distribui, gratuitamente, a universidades, centros de pesquisas, sedes de grupos teatros e centros de memória, além das unidades do SESC, pelo Brasil inteiro. Esse era o nosso objetivo. Quanto ao lance da memória, ela é falha, mas, especialmente a partir do Volume 02 (quando fiquei sozinho na empreitada), me arvorei a pesquisar minuciosamente cada depoimento e, confrontando com os dados que consegui na imprensa e em acervos particulares, procurar cada depoente para retrabalhar o depoimento dado (algo que já foi feito no Volume 01, mas timidamente). Para qualquer historiador isso é um crime, mas não tinha formação em história e tentei, ao máximo, chegar próximo do que havia de fato acontecido. Hoje sei que nada se dá bem assim. Mas foi uma tentativa, e acho que o material se aproxima bastante dos fatos e acontecimentos, para além dos aspectos metodológicos empregados para isso.

A segunda: A narrativa construída sobre esses grupos não recebeu confrontamentos de dados, mas reproduz relatos dos atores daquelas companhias. Atualmente, com o mestrando em História, que caminhos diferentes você adotaria para publicar esses trabalhos.
O confrontamento existiu com o material impresso que eu encontrava – e muitas pesquisas em acervos foram feitas, infelizmente sem espaço no livro para registrá-las como fontes pesquisadas – e também no diálogo com outras pessoas que não estavam nos debates. Muito depoimento foi mudado, Ivana. E felizmente as pessoas concordavam com seus esquecimentos ou equívocos a partir do que eu lhes apresentava. Isso foi legal, pois todos autorizaram as mudanças. No entanto, hoje, percebendo quais os interesses e procedimentos da historiografia, será que eu registraria os depoimentos na íntegra e colocaria milhares de notas de rodapé para corrigir ou esclarecer cada trecho? Alguém aguentaria ler isso? Não! Portanto, excesso de academicismo não é a minha praia. Sou um questionador de tudo isso e precisaria pensar melhor como eu faria. O importante é perceber que o depoimento oral é sempre melindroso para se lidar, ainda mais no calor de um encontro público. No entanto, é uma alternativa como registro da(s) história(s).

Terceira: Você acha que falta interesse, coragem, disposição, de outras pessoas para mergulhar nesse universo da pesquisa sobre o tetro pernambucano, já que temos poucas referencias ainda?
Sim. Há pouca gente interessada nisso. No entanto, acredito que a UFPE e o SESC têm cumprido um papel de disseminar este desejo de lidar com nossa história teatral. Atualmente tenho dois alunos do Curso de Interpretação para Teatro do SESC Piedade (onde dou aulas de história do teatro pernambucano), Amanda Spacca e Anderson Cleber, que estão trabalhando como estagiários comigo. Penso que podem se tornar ótimos pesquisadores. E de vez em quando recebo pedidos de material de alunos da UFPE. Acredito que devem surgir mais pesquisadores vindo destes lugares, em breve.

Qual a contribuição do jornalismo para as artes cênicas hoje?
Fundamental. Não só em termos de divulgação para o que está em cartaz (e ainda contamos com isso para que saibam que nós existimos!), mas como fonte primordial para a historiografia teatral. Ainda que encontremos equívocos tremendos na escrita de vários jornalistas, continua a ser um guia imprescindível para este trabalho.

Você ainda se considera um ator, diretor atuante e como funciona isso com a sua função de crítico?
Não sou crítico, Ivana. Gosto de escrever quando um espetáculo me instiga a isso. Sou jornalista e pesquisador do teatro, apaixonado pela arte que acompanho fervorosamente. Quanto a atuar e dirigir, quero mais não! Tô bem no meu lugar.

E atualmente como encara a faceta de pesquisador?
É o que me dá mais prazer. Se pagasse todas as minhas contas, só faria isso na vida. Adoro mergulhar no passado e confrontá-lo com o momento que vivo. Acho que me sinto pleno nesta função.

Branca de Neve e os Sete Anoes. Foto: acervo projeto Memórias da Cena Pernambucana

Branca de Neve e os Sete Anões. Foto: acervo projeto Memórias da Cena Pernambucana


Uma aulinha para os leitores: Quando você identifica o nascimento do teatro em Pernambuco?
Desde quando os jesuítas chegaram no Brasil. É uma longa trajetória que remonta àqueles tempos, tanto que a primeira peça de autor verdadeiramente brasileiro foi encenada no Recife, Amor Mal Correspondido, de Luiz Álvares Pinto, em 1780, no primeiro teatro do Recife, a Casa da Ópera (segundo informação dos pesquisadores Padre Jaime C. Diniz e Valdemar de Oliveira). E o teatro, com o passar dos séculos, sempre resistiu entre momentos de maior ou menor qualidade.

É possível fazer um rápido trajeto, até hoje? Apogeu e declínio. O Recife por exemplo já foi considerado o terceiro polo produtor das artes cênicas do país.
Essa questão de terceiro pólo foi também uma grande estratégia de marketing dos divulgadores dos espetáculos (já nos anos 1930 encontro tal referência e o produtor Bóris Trindade, por exemplo, usou isso com muita maestria nos anos 1980, disseminando esta frase entre colunistas que reproduziram tal ideia sem nem saber do que se tratava na realidade). Entretanto, é notório que até os anos 1930, Recife ainda era um pólo importante para o “Norte” do país (aqui compreendendo o Norte-Nordeste, segundo terminologia da época). Mas não podemos esquecer Manaus e Belém, que também eram palcos significativos, estratégicos pelos portos e a chegada de companhias internacionais ou vindas do Rio de Janeiro, a então capital da República. Bom, como qualquer lugar do mundo, Pernambuco continua a produzir bom e mau teatro e isso tem a ver com muitos aspectos, diálogos de maior ou menor criatividade por parte dos fazedores de arte e a relação conflituosa ou não com a política, a economia da época, a sociedade que consome cultura, os intercâmbios travados com produções de outros lugares, a cultura como um todo. Ninguém hoje vai dizer que Recife é a terceira cidade mais importante do nosso fazer teatral no Brasil, mas, sem dúvida, continua a ser uma das mais significativas, tanto que todos querem vir para cá.

O teatro pernambucano vai bem, obrigado?
Vai como sempre, com altos e baixos. Quando a gente lida com o passado, passa a compreender melhor que a vida é cíclica.
Sua pesquisa voltada para seis décadas de teatro para criança em Pernambuco cataloga essa produção. Como é isso enquanto método? E como você conceituaria essa pesquisa?
A minha pesquisa é um mapeamento historiográfico. Para além da dramaturgia, como normalmente é feito, tento abarcar as realizações como um todo. Me interessa o universo teatral em sua maior amplitude, por isso tantos assuntos permeiam toda esta trajetória, inclusive na relação da criança com o cinema, o rádio e a TV, as outras diversões, a produção de espetáculos, festivais, polêmicas da classe artística junto ao poder público, personalidades mais influentes, as realizações à margem dos palcos oficiais, etc. É um passeio pelo tempo, encarando-o como fragmentário, incompleto, plural. Cito David Lowenthal no começo, mas não parti de nenhum outro historiador conceitualmente. Este trabalho antecede minha ida ao Mestrado na UFPE e traz ainda um caráter bem cronológico e factual, o que não o desmerece. Apenas não traz a problematização conceitual tão perseguida pelo meio acadêmico.

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Leidson, você é uma das figuras no teatro que mais teve projetos aprovados e realizados no Funcultura. Seria possível desenvolver esses projetos sem o Funcultura? O que você pensa da concentração de projetos aprovados para algumas pessoas/empresas em todas as áreas? Que mudanças você proporia ao Funcultura?
Impossível fazer o que faço sem o FUNCULTURA. E agradeço demais a todas as comissões deliberativas que entenderem isso. Se sou um dos mais contemplados no edital, acredito que não. A questão é que meus projetos sempre ganharam visibilidade, talvez pelo cuidado com que eu os faço, talvez pela relação próxima que mantenho com a impressa. Mas já tive muitos nãos no FUNCULTURA também. Nem sempre ganho, e é preciso ressaltar isso. Quanto à concentração de pessoas/empresas, claro que sou contra. Ganhei, certa vez, três projetos de uma vez e quase enlouqueci. Não recomendo isso a ninguém. E acho que os que fazem o FUNCULTURA precisam conhecer muito bem o mercado cultural para saber se vai haver concentração ou não. É injusto quando temos tão pouca verba para tamanha produção no estado. Sobre as mudanças, tenho muitas propostas, mas a principal é alterar a lei original para que possamos ter não só apenas um aprovado por linha. Isso tem emperrado bastante.

Quais os próximos passos?
Estou finalizando o projeto Teatro Tem Programa!, com mais de 700 programas de espetáculos teatrais do Recife e Olinda no século XX catalogados. A ideia é compartilhar tudo pelo site da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco), minha parceria nesta iniciativa. No mais, continuo no Mestrado em História na UFPE estudando O Teatro no Recife da Década de 1930 – Outros Significados à Sua História, outro tema que adoro.

Você é um homem muito bem relacionado, querido entre a classe. Gosta inclusive de dizer que consegue transitar pelos mais diversos núcleos do teatro em Pernambuco. Você já disse, com esse humor que lhe é peculiar que você é bem alto, seu abraço é grande. “Cabem todos junto a mim”. Mas também tem seus desafetos. Como você lida com isso?
Não que eu tenha muitos desafetos, mas não gosto de cultivar inimizades. Sofro com isso. Procuro, então, deixá-los distantes de mim. São poucos, felizmente. Prefiro pensar nos tantos amigos e colegas que fiz em toda a minha trajetória.

Em pelo menos dois episódios nós dois nos desconhecemos. O primeiro foi a publicação de uma carta à redação no Diario de Pernambuco em que dois gestores eram criticados.
A segunda foi uma crítica que escrevi para o Yolanda sobre o espetáculo Olivier e Lili: Uma história de amor em 900 frases [com o grupo Teatro de Fronteira, direção de Rodrigo Dourado], que causou polêmica e rupturas, mas nunca se botou os pratos na mesa para se falar disso.
Gostaria de falar sobre isso. O que ficou no seu coração desses dois episódios?

Sou leonino, Ivana, portanto, nunca esqueço por completo, confesso. Mas procuro seguir a vida. O alto-astral, para mim, é fundamental. E tento disseminar isso nas minhas convivências. Raramente vais me ver de cara feia. Não sou desse tipo.

Você já disse que encerrou minha vivência como intérprete em 2013, com a peça Olivier e Lili. Por quê?
Não tenho mais tempo para ensaiar, nem paciência nem tesão. E acredito que quando alguém quer ser ator, é preciso muita dedicação, entrega, sofrimento… Não estou mais disposto a tanto.

Bem, para encerrar, você soltou uma informação que está no seu livro: “Eu falo de um escândalo da gestão petista, quando João Paulo liberou R$ 150 mil para um espetáculo infantil, enquanto as artes cênicas locais minguavam patrocínio”. Você acha que é realmente um escândalo? Onde está o escândalo? Criticar e polemizar sobre essa questão agora, em plena campanha, não borra a imagem de um candidato? Que me parece que teve um tratamento mais cuidadoso com a cultura? Por exemplo, o que é essa gestão atual da prefeitura para a cultura? O consenso na área de teatro é que é desastrosa.
Escândalo foi na época, tanto que saíram matérias enormes nos jornais e era o que mais se falava nos teatros e, minimamente, na política. Afetou a todos que fazem teatro, dança e circo, porque, naquele momento, reclamávamos uma verba minguada pelo Prêmio de Fomento às Artes Cênicas da Prefeitura do Recife. No entanto, nada mudou. Só ganhei mais desafetos e alguns créditos, por parte de alguns, por ter tido a coragem de denunciar algo que todos queriam falar, mas não o faziam. No entanto, essa minha fase de “Dom Quixote” passou. Já reclamei tanto do poder público, que cansei. Mas essa questão não veio agora, Ivana, está como um dos fatos do ano 2008 no meu livro Panorama do Teatro Para Crianças em Pernambuco (2000-2010)”. Não estou fazendo denúncia alguma neste momento de campanha, porque ela nem me interessa. Não sou partidário de nenhum candidato, e acho que todos são desastrosos ao segmento cultural, uns mais outros menos. Como desacredito cada vez mais dessa política que aí está, nenhum tem o meu voto. E minha vida segue sem eles.

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