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Ah! que dia mais feliz… com Clowns de Shakespeare

Foto: divulgação .

Marco França interpreta Benedicto e Renata Kaiser, Beatriz. Foto:divulgação.

A IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo (da Cooperativa Paulista de Teatro), começou festiva, com doses de fina ironia sobre as fraquezas humanas (que são muitas e risíveis) e a busca constante pela experiência do amor. Com duas sessões no Teatro Jardel Filho (Centro Cultural São Paulo) o grupo Clowns de Shakespeare apresentou o espetáculo Muito Barulho Por Quase Nada, adaptação da obra do bardo inglês, com temperos potiguar e mineiro, dos diretores Fernando Yamamoto (integrante dos Clowns), e Eduardo Moreira, um dos fundadores do Grupo Galpão, de Belo Horizonte.

Muito barulho por quase nada é uma encenação do repertório do grupo, erguida em 2003, quando o coletivo completou 10 anos de atividades. Os Clowns tiraram a encenação da cartola, na passagem dos 20 anos. E o que é melhor, com toda a vivência de anos de palco, resultado do confronto e cumplicidade com públicos diversos; com a lapidação do trabalho de corpo e voz do conjunto rumo a uma comédia popular. Isso dá mais graça e leveza ao jogo.

O elenco se entrega a essa brincadeira com alegria e domínio cênico. O time de atores lança mão de muitas sutilezas dos personagens para arrancar o riso dorminhoco de dentro de cada um. Como nos espetáculos populares do Nordeste do Brasil, a montagem está repleta de riqueza nas minúcias, mas com simplicidade. Essa aproximação de Shakespeare clássico da cultura popular se estabelece e o grupo já dá a dica no próprio título, com a inclusão da palavra “quase”. Das três versões da obra de William Shakespeare que assisti dos Clowns – Sua Incelença Ricardo III, HamletMuito barulho por quase nada parece a melhor resolvida na graça popular, nas subversões, na incorporação de um material (gestual e sonoro) urbano e contemporâneo

É um espetáculo luminoso, em que o elenco dança, faz pantomima, canta, toca vários instrumentos. E alguns atores interpretam mais de um personagem.

Música executada ao vivo  pelos atores é um dos trunfos da montagem. Foto Ivana Moura

Música executada ao vivo pelos atores é um dos trunfos da montagem. Foto Ivana Moura

Na peça, o patriarca viúvo Leonato anseia por casar sua sobrinha Beatriz e sua filha Hero. A paixão romântica e idealizada se instala na relação de Hero e Claudio. Mas os caminhos do amor são mais tortuosos entre Benedicto e Beatriz, que preparam o terreno amoroso a partir de um duelo de palavras nada lisonjeiras. O anfitrião Sr. Leonato, o Príncipe Dom Pedro e outros personagens buscam unir essas duas criaturas ágeis no pensamento e que desdenham dos sentimentos nessas comemorações de retorno vitorioso da guerra.

Mas não faltam os golpes baixos. Por inveja das conquistas de Claudio, Don John (o irmão bastardo do Príncipe) forja uma situação para incriminar de deslealdade a doce Hero.

O grupo Clowns de Shakespeare desenvolve há anos uma pesquisa sobre a presença cênica do ator, a música na cena, e teatro popular de comédias. Além disso, a equipe investiga as técnicas do clown em amplo diálogo estético com o imaginário nordestino e seus heróis que subvertem as lógicas.

Com um elenco afinado, os atores mostram domínio de suas funções. Marco França interpreta Benedicto e Corniso, e explora o jogo com maestria das técnicas do clown e as variações da comédia (do melodrama ao musical).

Joel Monteiro como Dom John e Paula Queiroz Borracho. Foto: Ivana Moura

Joel Monteiro como Dom John e Paula Queiroz como Borracho. Foto: Ivana Moura

A personagem Beatriz, da atriz Renata Kaiser, é cheia de atitudes nessa peleja amorosa. Há uma graça selvagem na aparente dureza da donzela. Paula Queiroz explora facetas opostas como a suave Hero e como o cafajeste interesseiro, Borracho, quando usa máscara e tem um gestual mais caricatural. Joel Monteiro faz um Mensageiro nas dobras do clichê e de grande apelo popular e trabalha os detalhes para diferenciar a personalidade dos irmãos Dom Pedro, e Dom John. João Ricardo Aguiar faz o divertido Leonato e o bocó Vinagrão. Camille Carvalho explora as idiossincrasias de Margarete.

Por alguns momentos os atores deixam transparecer a própria arte interpretativa, embaralhando personagens, como um delicioso flash de metateatro.

Foto: divulgação

João Ricardo Aguiar no papel de Leonato. Foto: divulgação

Os cenários, os figurinos e os adereços de João Marcelino são coloridos e levam para a cena a beleza do Nordeste em alusão à riqueza cultural da região, como nas sandálias dos cangaceiros de Lampião, nas casacas dos vaqueiros e nos bordados e rendas nordestinas e mineiras.

A música ocupa um lugar especial na montagem e tem direção de Marco França. São músicas singelas. Uma delas, com Marco França ao violão, é um acróstico com o nome Beatriz. “Ah, mais que dia feliz! Ah, como estou tão feliz! Quem me ama? Quem me ama? Be-a-triz!”. A iluminação de Rogério Ferraz simples e eficiente.

A graça está no corpo dos atores, se espalha pelo palco e contagia o público, que aplaudiu fervorosamente às sessões do espetáculo da sexta-feira, dedicadas ao crítico Sebastião Milaré, homenageado da Mostra.

Beatriz (Renata Kaiser), à direita, escuta sobre a paixão de Benedicto por ela. Foto: Ivana Moura

Beatriz (Renata Kaiser), à direita, escuta sobre a paixão de Benedicto por ela. Foto: Ivana Moura

* Esse texto faz parte da ação do DocumentaCena – Plataforma de Crítica formada por Daniele Avila Small (Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais), Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?), Luciana Eastwood Romagnolli (Horizonte da Cena), Maria Eugênia de Menezes (Teatrojornal – Leituras de Cena), Pollyanna Diniz (Satisfeita, Yolanda?), Soaraya Belusi (Horizonte da Cena) e Valmir Santos (Teatrojornal – Leituras de Cena), que vai acompanhar a mostra.

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Sua Incelença Ricardo III em três momentos

Sua Incelença Ricardo III, apresentação no Museu Oscar Niemeyer. Foto: Daniel Sorrentino/Divulgação

PRIMEIRA APRESENTAÇÃO

O cenário foi erguido no Museu Oscar Niemayer (conhecido como o museu do olho). Os últimos ventos de março sopravam amenos. Abertura da vigésima edição do Festival de Curitiba para autoridades e convidados. Isto é, patrocinadores, políticos, empresários, artistas, jornalistas e os organizadores do evento, dirigido por Leandro Knolpfolz. A arquibancada lotada. Expectativa lá no alto para conferir a versão de Ricardo III, sobre o vilão mais sanguinolento de Shakespeare pela trupe potiguar Clowns de Shakespeare e o encenador Gabriel Vilella.

Vilella transportou a história para o universo lúdico do circo, dos palhaços mambembes e das carroças ciganas. E com isso criou um diálogo entre as tramas da Inglaterra Elisabetana e a realidade do Sertão Nordestino.

Cheguei ao local nas palmas entusiasmadas da plateia. Foram quase oito horas de voo. Conexão. E com espera infindável no Rio de Janeiro.

E só vi o show de pirotecnia. Durante alguns minutos iluminando o céu de Curitiba.

Depois, os comentários de algumas pessoas sobre o espetáculo oscilavam entre maravilhoso a genial.

Encontrei o Fernando Yamamoto na festa nas dependências do museu. Parecia impactado com a experiência. E eram muitas congratulações.

Soube que o diretor Gabriel assistiu ao espetáculo pendurado numa árvore. Dias depois, em conversas com os atores, eles falaram que o entorno dessa apresentação criou um clima especial.

Humor para falar das falcatruas dos poderosos. Foto: Daniel Isolani

Titina Medeiros no papel da rainha. Foto: daniel sorrentino

Diretor Gabriel Vilella assiste ao espetáculo. Foto: Daniel Isolani/Divulgação

SEGUNDA APRESENTAÇÃO – Um espetáculo arretado

Mal estreou, a montagem do Grupo Clowns de Shakespeare foi convidada para participar de dois festivais internacionais. A edição de 2013 do Festival Tchekhov, na Rússia, um dos principais do mundo e o Festival de Santiago do Chile, no próximo janeiro. Méritos não faltam à encenação Sua Incelença Ricardo III, do grupo potiguar, que abriu o para o público o Festival de Curitiba, na terça-feira (29/03), dia do aniversário da cidade, no Largo da Ordem lotado.

O drama histórico Ricardo III, escrito pelo dramaturgo inglês William Shakespeare, já ganhou muitas versões nos palcos do mundo e no cinema. A do Clowns de Shakespeare, dirigida pelo mineiro Gabriel Villela é permeada por uma ironia fina e cruel e denuncia o cinismo dos poderosos. Eles usam qualquer artimanha para se agarrar ao poder e desqualificar os desejos alheios.

Largo da Ordem lotado. Fotos: Ivana Moura

A tragicidade do original é diluída. Sabemos que não há do que rir nesse texto de Shakespeare. Mas a encenação, com suas técnicas de teatro de rua, está mais próxima das brincadeiras de mamulengo do que das companhias inglesas tradicionais. E se afasta do puro naturalismo. E o público ri em alguns momentos.

A realidade se tornou muito mais sangrenta, cruel e violenta do que qualquer ficção que narre as atrocidades cometidas por um tirano. Para isso, basta ligar a televisão ou abrir qualquer jornal, não mais aqueles sensacionalistas. Todos trazem, suas doses de carnificina.

Pois bem, o último rei da Inglaterra da casa de York utilizou os mais variados ardis para chegar ao poder. Para subir ao trono ele precisava varrer do mapa outros herdeiros e ele mandou matar sobrinhos, parentes, amigos e inimigos. O troncho Ricardo fez tudo para conseguir a coroa.

Lindo espetáculo nordestino

Esse episódio inglês é transferido para o Sertão nordestino, inserido num reino de fantasia, onde a sangrenta trajetória de Ricardo, Duque de Gloucester, e sua trajetória de assassinatos e traições rumo à coroa da Inglaterra, ganha pequenas sutilezas, colorido do material cênico. De figurinos e cenários, que mesclam cipó, couro e outros materiais típicos da região Nordeste a sedas e tecidos nobres. O figurino assinado por Gabriel Villela, recebeu a colaboração do artesão Shicó do Mamulengo, do município de Acari.

Para mostrar a crueldade desse personagem em sua subida e queda, a peça junta elementos diferentes, que alguns podem achar díspares, do Nordeste e lembranças da Inglaterra. Faz a sua mestiçagem em grande estilo. Transforma personagens do bardo inglês em cangaceiros, em ciganas, em bonecos gigantes.

O grupo explora o universo lúdico do picadeiro do circo, dos palhaços mambembes e carroças ciganas, da estética do cangaço e da memória ibérica. Isso é feito quase como uma festa, que borbulha nos detalhes. Cocos secos ou verdes, por exemplo, mimetizam decapitações ou estrangulamentos. São soluções ricas e simples.

É louvável a atuação do elenco, preparo vocal e corporal. Marco França interpreta de Ricardo III, carregando no charme do vilão. Titina Medeiros canta de forma encantadora e interpreta a rainha Elizabeth como uma perua desbocada que tropeça na língua portuguesa. No elenco estão, além dos já citados, Camille Carvalho, Cesár Ferrario, Dudu Galvão, Joel Monteiro, Paula Queiroz e Renata Kaiser.

Elenco tem boa atuação

A música é executada ao vivo e consegue fazer uma ponte entre a Inglaterra e o Nordeste, com suas incelenças tão cantadas nos rituais fúnebres pelas carpideiras. O grupo mistura Bohemian Rhapsody, da banda inglesa Queen, no álbum A Night at the Opera com Assum Preto de Luiz Gonzaga, além de músicas de Supertramp e outros forrós e xotes.

O dramaturgista e produtor Fernando Yamamoto, lembra que esa ponte não é só da ordem da estética, mas também da política. “Ricardo III é tão cruel quanto fascinante e sedutor. E sua conduta fica muito próximo dos nossos ‘reis’ nordestinos. A forma como ele, ardilosamente, elimina seus concorrentes à coroa para chegar ao poder, abraçando em um dia e matando no outro, é muito familiar às nossas referências políticas”, argumentou ele em conversa após a apresentação.

Essa peça que usa de várias formas de hibridismo, carnavaliza a ascensão e queda desse poderoso, ganha o púbico com seu humor popular e sua crítica disfarçada de escracho

TERCEIRA APRESENTAÇÃO – A chuva foi a vilã

Público lotou Largo do Ordem, no centro de Curitiba. FOTO: Rubens Nemitz Jr/Cortesia

Sua Incelença, Ricardo III teve que enfrentar um inimigo a mais para levar até o fim a sua proposta, na sessão de quarta-feira (30/03). Única peça de rua da Mostra Oficial, o espetáculo da Cia. Clowns de Shakespeare encarou a forte chuva e saiu ovacionada do Bebedouro do Largo da Ordem, onde foi armado o palco.

As arquibancadas e o chão do espaço estavam lotados de pessoas. A chuva criou um problema no sistema elétrico. Os atores voltaram para o começo. O aguaceiro caindo, os técnicos tentando resolver a questão, as pessoas ansiosas. Aparece o diretor Gabriel Villela, que garante que se o sistema de iluminação for solucionado vai ter peça. Aí não tinha mais jeito. Quem estava na chuva era para se molhar.

Nem o cangaceiro escapou. Foto Rubens Nemitz Jr/ Cortesia

Com as roupas encharcadas os atores apresentaram o espetáculo. As luzes pifaram novamente e o elenco, por um tempo, levou sua versão de Ricardo III no escuro e no gogó (sem microfones). O sistema voltou.

Foi uma noite de superação. Com riscos que a combinação água x parafernália elétrica pode gerar. Graças aos deuses do teatro, nada de grave aconteceu. No final, dez minutos de aplausos entusiasmados da plateia e a emoção do elenco. Valeu Clows de Shakespeare.

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