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Cena segue aquecida no Recife
Rolês teatrais

Festival de Circo encerra programação com atrações de espetáculos como Fragmentos

 Pernambucano Armando Babaioff  retorna ao Recife com seu sucesso Tom na Fazenda.

O Festival de Circo do Brasil chega ao fim de semana com suas últimas apresentações, mas ainda dá para ver cinco espetáculos até domingo. O ator pernambucano Armando Babaioff retorna para apresentar Tom na Fazenda, espetáculo que o consagrou mundialmente .

Duas iniciativas revelam a força da representatividade negra nas artes: o lançamento do livro Maria Preta, de Samuel Santos, que estreia como escritor com leituras dramatizadas, dialoga diretamente com a circulação do espetáculo Ubuntu ou o título mais longoEu conto, tu contas, nós contamos: Ubuntu, uma linda aventura na floresta afrobrasilândia pelas escolas públicas de Pernambuco. 

Os jovens inquietos do grupo ATO continuam sua função de despertar interesse pelo teatro clássico, propondo mais uma leitura dramatizada que combina vinho com literatura. A iniciativa, que vem arregimentando uma nova geração de espectadores, traz desta vez O Tartufo, de Molière.

Do Agreste chega Tempo de Vagalume, um monólogo sensível sobre memórias e identidade LGBTQIAP+.

Copyleft encerra a programação no Parque Apipucos 

Sarayvara apresenta no Teatro Hermilo Borba Filho o universo único de Poema Mühlenberg,

O último fim de semana do Festival de Circo do Brasil oferece um caleidoscópio de propostas que revelam a diversidade das artes circenses contemporâneas. Sarayvara leva para o Teatro Hermilo Borba Filho o universo único de Poema Mühlenberg, artista que cultiva seu próprio bambuzal e transforma cada colheita em instrumento cênico. Durante 21 anos de pesquisa, ela desenvolveu uma linguagem onde balaios carregados de encantos revelam bambus que serpenteiam pelo espaço, tornando-se manto que instaura momentos mágicos entre brincadeiras e ritual ancestral.

No Teatro Apolo, Fragmentos conduz o público a um território perturbador onde o grupo La Víspera explora a fragmentação como resposta à dor insuportável. Quando o sofrimento se torna intolerável, a mente se divide – e os artistas espanhóis e franceses transformam essa premissa em thriller circense que une marionetes, próteses e máscaras numa investigação mordaz sobre deformação física e mental.

Le Bruit des Pierres transforma o Teatro de Santa Isabel em laboratório de ganância, onde duas mulheres encarnam a obsessão ocidental pelo ouro de formas distintas. Uma cobre compulsivamente pedras com folhas douradas em gestos rituais, enquanto a outra descobre que algumas são comestíveis e as devora freneticamente até a overdose, empanturrando-se de pedras preciosas enquanto o ouro escorre de sua boca.

Juventud estreia no Teatro do Parque como manifesto em movimento perpétuo, onde cinco intérpretes criam dinâmica coletiva sem anular individualidades. O espetáculo da Cie NDE francesa funciona como espiral de energia crescente, combinando malabarismo, movimento, som, luz e vídeo numa celebração da vida que tem a juventude como ponto de partida e o futuro como horizonte.

Copyleft encerra a programação no Parque Apipucos através de 45 minutos de pura energia, mesclando precisão técnica com humor e referências esportivas. O dream team formado por artistas do Uruguai, Brasil, Argentina, Espanha e França demonstra como o malabarismo pode ocupar qualquer espaço, adaptando-se a terrenos diversos sem perder potência artística.

Babaioff enfrenta a Fazenda do preconceito. Foto: Jorge Etecheber / Divulgação

Tom na Fazenda retorna ao Recife com o prestígio do sucesso em festivais internacionais. Armando Babaioff defende o papel do publicitário que chega a uma fazenda para o funeral do companheiro, descobrindo que sua sogra jamais soube de sua existência ou da sexualidade do filho falecido.

A trama de Michel Marc Bouchard se desenrola através de mentiras orquestradas pelo irmão truculento do morto, criando relações de dependência complexa num ambiente onde quanto mais os personagens se aproximam, maior se torna a sombra de suas contradições. O elenco formado por Babaioff, Denise Del Vecchio, Iano Salomão e Camila Nhary, sob direção de Rodrigo Portella, constrói essa atmosfera claustrofóbica onde cada revelação aprofunda os conflitos familiares.

Para Babaioff, a obra funciona como ato de resistência duplo: pela longevidade excepcional no teatro brasileiro e pela urgência de sua discussão sobre homofobia familiar.

Samuel Santos e Grupo O Postinho

A literatura periférica ganha voz através de Samuel Santos, que transforma sua primeira obra em manifesto de representatividade negra. Maria Preta narra a jornada de uma menina de sete anos que, durante uma parada cardíaca causada por sopro no coração, realiza seu maior desejo: entrar no próprio corpo para conhecer como funciona por dentro.

No interior, Maria descobre um circo completo onde cada órgão ganha personalidade única: os rins vivem chateados por serem chamados de “ruinzinhos”, os intestinos se transformam nos Zindunga inspirados na cultura angolana, o estômago vira cozinheiro bufão que sofre mas não perde o humor, as amígdalas se tornam cantoras equilibristas histriônicas, e o fígado assume o papel de mágico apresentador carismático.

A obra será apresentada através de leituras dramatizadas pelo Núcleo O Postinho, com direção do próprio Samuel Santos e elenco formado por Cecília Chá, Larissa Lira, Sthe Vieira e Thallis Ítalo, que dão vida aos personagens através de encenação que mescla voz, corpo, música e ancestralidade.

Já o Grupo São Gens de Teatro leva Ubuntu às escolas do interior, resultado de sete anos de pesquisa inspirada no antropólogo Raul Lody. A narrativa acompanha duas flores pretas que questionam sua ausência no arco-íris, partindo em jornada pela floresta AfroBrasilândia guiadas pela filosofia Ubuntu – “eu sou porque nós somos” – e pela força dos Orixás.

Ambas as iniciativas compartilham compromisso de confrontar as heranças coloniais através da arte, oferecendo às crianças negras espelhos positivos onde possam se reconhecer e se orgulhar de suas origens e identidades.

Molière Entre Taças e Reflexões

O ATO reinventa a experiência teatral combinando “O Tartufo” com degustação de vinhos, criando ambiente que tem conquistado nova geração de espectadores. A comédia de 1664 permanece assustadoramente atual em sua crítica à hipocrisia moral e religiosa, apresentando o falso devoto que manipula uma família através de aparente religiosidade.

Molière criou em Tartufo um arquétipo que encontra ecos em diferentes épocas: o impostor que usa máscaras sociais para sustentar poder e satisfazer desejos. A leitura dirigida por Raíza Rameh conta com elenco formado por ela própria, Nilo Pedrosa, Vitória Vasconcelos, Lara Mano, Guta Menelau, David Péricles, Kennyo Severa, Lucas Carvalho, Inês Maia e Cardo Ferraz, privilegiando a intimidade e o diálogo que permite ao público vivenciar a obra de forma participativa.

A iniciativa funciona como ponte geracional, aproximando jovens de textos clássicos através de formato descontraído que valoriza tanto o patrimônio dramatúrgico quanto a criação coletiva, mantendo viva a tradição dos encontros culturais que alimentam o debate e a reflexão.

Joesile Cordeiro, de Garanhuns, em Tempo de Vagalume. Foto: Ivana Moura

Tempo de Vagalume apresenta uma “armadilha” criada por Joesile Cordeiro para se aproximar de sua criança interior. O monólogo autobiográfico utiliza o brilho dos vagalumes como fio condutor para reconectar o personagem com memórias de infância, explorando questões LGBTQIAP+ sem se limitar a elas.

O espetáculo, que estreou em Garanhuns em junho de 2024, funciona como experiência teatral sensível onde memórias, movimentos e mutações se entrelaçam em discursos dançantes. O palco se torna território transitado por imagens das vivências do ator, construindo tom performático e poético que convida à reflexão sobre a necessidade de revisitar a criança que fomos.

A peça usa a especificidade da experiência queer para tocar aspectos da formação humana, criando pontes entre passado e presente através da arte.

SERVIÇO 

Maria Preta” – Lançamentos com Leitura Dramatizada
08/11 (sábado), às 16h
Espaço O Poste – Rua do Riachuelo, nº 641, Boa Vista, Recife
Entrada gratuita | Interpretação em Libras

15/11 (sábado), às 18h
Quilombo do Catucá – Rua Ana Alves, nº 443, Viana, Camaragibe
Entrada gratuita | Interpretação em Libras

18/11 (terça-feira), às 15h
Escola Pernambucana de Circo – Av. José Américo de Almeida, nº 05, Macaxeira, Recife
Entrada gratuita | Interpretação em Libras

Ubuntu – Circulação em Escolas Públicas
17/11/2025 – Escola Frei João Pereira de Souza, Itaíba (PE)
18/11/2025 – Escola Cel Manoel De Souza Neto, Manari (PE)
19/11/2025 – Escola José Emílio De Melo, Tupanatinga (PE)
21/11/2025 – Grupo Escolar Dom Carlos Coelho, Jurema (PE)
22/11/2025 – Colégio Municipal Monsenhor José de Anchieta Callou, Caetés (PE)
Entrada gratuita

Tempo de Vagalume
Até 15/11 (sextas e sábados), às 19h
Teatro Arraial Ariano Suassuna, Garanhuns
Entrada gratuita

Tom na Fazenda
Local: Teatro Luiz Mendonça
07/11 (sexta-feira) – 20h
08/11 (sábado) – 20h
09/11 (domingo) – 19h
Ingressos: R$ 70 a R$ 140

ATO – Leitura de “O Tartufo”
08/11 (sábado), às 17h
Galeria Joana D’Arc – Av. Herculano Bandeira, 513, Pina, Recife
Entrada gratuita | Contribuição espontânea

Festival Circo do Brasil – Últimas Apresentações
Sexta-feira, 07/11:
19h – SARAYVARA – Teatro Hermilo Borba Filho – Gratuito (Sympla)
19h30 – FRAGMENTOS – Teatro Apolo – Ingressos: Sympla

Sábado, 08/11:
15h – COPYLEFT – Parque Apipucos – Gratuito
19h30 – FRAGMENTOS – Teatro Apolo – Ingressos: Sympla
20h – LE BRUIT DES PIERRES – Teatro de Santa Isabel – Ingressos: Sympla

Domingo, 09/11:
17h – JUVENTUD – Teatro do Parque – Ingressos: Sympla
18h – LE BRUIT DES PIERRES – Teatro de Santa Isabel – Ingressos: Sympla

Classificações: Livre, 10 anos e 14 anos (conforme espetáculo)

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Catástrofe maravilhosa

riso que vem do caos

Há nove edições o festival de circo do Brasil nos atualiza sobre o que feito de bom no mundo no terreno do circo contemporâneo. L’Immédiat, espetáculo da companhia francesa de mesmo nome, liderada pelo artista Camille Boitel, reafirma essa tradição.

O grupo trabalha na fronteira do circo, teatro físico e performance, retira de escombros conceitos filosóficos para a vida nos tempos atuais. Como excesso de consumo e produção de lixo.

No espetáculo L’Immédiat no lugar do controle, da limpeza, instaura-se o descontrole contínuo. As coisas despencam, as pessoas caem, estão tortas, em constante desequilíbrio.

É uma maratona alucinante, em que seres entram e saem de armários e gavetas, desafiam o poder da gravidade, impressionam com truques como cabelos subindo, braços e pernas no ar a revelia dos seus donos.

Acrobatas, eles provocam um verdadeiro frenesi tirando o fôlego do espectador. Mais uma produção que subverte as lógicas a que estamos acostumados.
Serviço
SESSÃO EXTRA
Quando: hoje, 21h
Onde: Teatro Luiz Mendonça
Ingressos: R$ 20 / R$ 10
À venda na bilheteria do teatro, das 14h às 20h

 

companhia francesa

companhia francesa faz sessão extra de L’immédiat,

 

técnica

Técnica de tirar o fôlego

 

 

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Os desafios do circo e a sinceridade das crianças

A carta. Fotos: Pollyanna Diniz

Já são oito anos de Festival de Circo do Brasil. É uma iniciativa que tem muito a nos ensinar. É lindo ver os teatros lotados, o povo circulando pelo Parque Dona Lindu (e também acompanhando as intervenções em vários lugares da cidade), as pessoas abraçando o festival, tomando parte de uma ideia que democratiza a arte e amplia horizontes.

Mas são também muitos os desafios. Principalmente para continuar conseguindo suprir o desejo pelo novo dos espectadores. E aí concordo com Ivana Moura quando diz no post anterior que sentiu falta de uma grande atração. Eu também. Afinal, o festival de circo já nos trouxe coisas estranhíssimas (e instigantes) como o espetáculo P.P.P, da companhia francesa Non Nova, em 2009. O artista Philippe Ménard misturava performance, dança contemporânea e circo atuando em meio a montes de gelo no palco do Santa Isabel. Lembro que muita gente detestou. Mas era algo que nos tirava da zona de conforto.

E como não lembrar de Aurélia Thierrée? Ano passado, por exemplo, ela trouxe Murmures des murs. Fantástico, surpreendente, com aquele cenário enorme de prédios abandonados; os truques que podem até ser aparentemente simples, mas que tomam uma proporção e simplesmente nos arrebatam.

Este ano parece que faltou algo assim. O destaque foi mesmo Paolo Nani com A carta, que lotou o Santa Isabel nos três dias de apresentação. É uma ideia bastante simples – e como me contaram as meninas da Cia Animé, muito usada em exercícios – a repetição de uma ação de várias maneiras. Primeiro ele entra no palco, bebe algo, cospe, tenta escrever uma carta, a caneta não funciona, ele surta. Só que essas mesmas ações podem ser feitas de várias maneiras – sem as mãos, bang bang, preguiçoso, sonho, bêbado. Há muita cumplicidade entre o performer e a plateia; é pra rir. E rir muito. As expressões faciais, o timing perfeito para a comédia, o inusitado de cada situação preenchem o palco. O espetáculo é da Dinamarca e a direção é de Nullo Facchini. Enquanto via o espetáculo fiquei imaginando como seria se houvesse uma trilha ao vivo.

Na sexta-feira, no Apolo, vi a apresentação do Giullari Del Diavolo, que já participou algumas vezes do festival. A direção do espetáculo é do diretor e palhaço brasileiro Flávio Souza. No palco, a mineira
Rose Zambezzi e o italiano Stefano Catarinelli. Lembro que a companhia italiana tem um belo trabalho humanitário. O Giullari Senza Fronteire que, desde 2006, reuniu circenses para realizar apresentações em lugares carentes ou de risco social. Houve até uma exposição ano passado sobre o projeto na Torre Malakoff.

Tuttotorna

Agora o Giullari apresentou Tuttotorna. Os dois artistas brincam com bolas e esferas. Fazem malabarismo, manipulações, cantam, se divertem. Dizem, acho que é assim, que a felicidade é uma esfera. É um espetáculo bastante plástico, bonito. Mas não vai muito além. Até se torna cansativo.

Assim como um espetáculo que vi no Dona Lindu no domingo. Que descobri agora que é o grupo Morosof, da Espanha. E que se chama 2 & 1/2 Street Vue. Bom, são dois “palhaços-acrobatas” que fazem caras e bocas e acrobacias – meio óbvio, né? Bonitinho, engraçadinho. O garoto que estava ao meu lado…lá pelas tantas: “vamos embora, pai? Isso tá muito chato!!!”. A gente caiu na risada. Sinceridade de criança é fogo.

2 & 1/2 Street Vue

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O circo divertiu o Recife

Espetáculo Maravillas mostrou diversidade da produção circense com muito humor. Foto: Divulgação

O Festival de Circo do Brasil cumpriu sua função deste ano: quebrar a rotina com diversão. Realizado durante o feriadão de finados (de 1 a 4 de novembro), o evento trouxe atrações interessantes, tendo como palco principal o Parque Dona Lindu, no bairro de Boa Viagem, Zona Sul da capital pernambucana. Mas também com apresentações no Teatro de Santa Isabel, Teatro Apolo e intervenções em vários pontos da cidade.

Coincidiu com a fome de consumo depois da inauguração do novo shopping no Recife, no Pina, o que provocou grandes engarrafamentos para a Zona Sul. Qualquer evento que venha a ser realizado em Boa Viagem terá que conviver com esse pequeno detalhe e as consequências da mobilidade urbana naquela área.

Mas quem conseguiu chegar lá teve o prazer de verificar que o Parque Dona Lindu ficou em festa. Com muita gente se movimentando e assistindo aos espetáculos oferecidos, de gente que brinca na água, que desafia a morte, e que provoca o riso, além dos filmes.

A abertura do festival, na quinta-feira (1º), foi com o espetáculo Maravillas, do grupo espanhol Ateneu Popular de 9 Barris, que é um tradução muito boa do momento que essa arte encantadora enfrenta em todo o mundo. Equacionar a tradição do circo com as novas conquistas, sem perder a pulsação do presente.

Maravillas é um espetáculo vigoroso, com números de circo tradicional e com artistas que dominam a técnica e apostam no humor. No segundo dia de apresentação, por exemplo, nossa querida atriz Márcia Cruz amplificava suas gargalhadas, principalmente com os números do carequinha dos malabares. Um rico espetáculo. Só achei um pouco longo.

Este ano, como a própria produtora executiva Danielle Hoover comentou, não houve coisas muito densas, conceituais. “O clima da edição não é com números técnicos mirabolantes, está tudo focado no lúdico. É uma edição simples, mas harmônica”, disse.
 Isso agradou a maioria. Mas eu senti falta de um grande espetáculo.

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Tem cangaceiro no picadeiro

Domingos Montagner no espetáculo Reprise. Fotos: Lana Pinho

Das revistas femininas, ganhou a alcunha de “um homem de verdade”. Com 1,86 metro, 88 quilos e rosto másculo, passou a ser fotografado sem camisa malhando na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Essa foi só uma das heranças, a mais frívola, que o Capitão Herculano, chefe do bando de cangaceiros da novela global Cordel encantado, deixou para o ator Domingos Montagner. “Era um excelente projeto, com grandes atores e aprendi muito. A televisão tem um alcance infinitamente maior que o teatro, portanto é natural que você acabe sendo reconhecido com mais velocidade, mas eu sou também bastante feliz com a minha trajetória e reconhecimento no circo e no teatro”, contou o ator por e-mail.

É essa vertente do seu trabalho que o paulista apresentou em Olinda e no Recife, no Festival de Circo do Brasil. Desde 1997, Montagner e Fernando Sampaio (que se conheceram no Circo Escola Picadeiro, em São Paulo) criaram o grupo La Mínima, dedicado à arte do circo. “O La Mínima nasceu dentro do circo e é a partir dele que elaboramos nossos espetáculos. O circo tradicional é muito rico, pois traz não somente a variedade acrobática, mas o teatro, a dança, a música e as artes plásticas. A estética do circo influenciou e continua influenciando muitos segmentos”, comenta.

O novo espetáculo do La Mínima, Mistério bufo, de Dario Fo, com direção de Neyde Veneziano, deve estrear em março do ano que vem, em São Paulo. “Acho que todo palhaço, como todo artista, precisa antes de mais nada, se comunicar com seu público. Mas o humor do palhaço em geral é arquetípico, ele fala de coisas comuns dos seres humanos”, analisa o ator quando perguntado sobre o palhaço brasileiro. Antes do espetáculo novo, Montagner já estará na telinha novamente: está gravando a minissérie Brado retumbante, de Euclydes Marinho, que irá ao ar em janeiro.

La Mínima foi criada em 1997 por Domingos e Fernando Sampaio

Entrevista / Domingos Montagner

Como se dá o processo de criação dos espetáculos do La Mínima? Hoje, em muitos casos, é difícil conseguir destrinchar a que linguagem está atrelada um espetáculo. Aurélia Thiérré, apresentou aqui no Recife, no mesmo festival que vocês estão participando, Murmures de Murs – é teatro, circo (malabarismo, contorcionismo, mágica), dança. Essa influência de outras linguagens também acontece com vocês? Como conciliar todas essas “interferências” com a linguagem do circo tradicional?
O processo de criação está sempre atrelado à experiência pessoal dos criadores. O La Mínima nasceu dentro do circo e é a partir dele que elaboramos nossos espetáculos. O circo tradicional é muito rico, pois traz não somente a variedade acrobática, mas o teatro (com o circo teatro ou os palhaços), a dança, a música e as artes plásticas. A estética do circo influenciou e continua influenciando muitos segmentos. Portanto conciliar hoje em dia, significa traduzir o que você quer comunicar através de sua experiência, agregando um novo caminho a ela.

Queria perguntar especificamente sobre o espetáculo Rádio Variété e sobre a participação de Antônio Nóbrega. Foi a primeira vez que vocês trabalharam juntos?
Sim, foi a primeira vez. Nós nos conhecemos há muito tempo, pois tanto Antônio como sua esposa Rosane, são próximos do universo do circo daqui de São Paulo, também passaram pelo Circo Escola Picadeiro em algum momento. O Rádio Variété foi a conclusão de uma pesquisa sobre o vocabulário do palhaço popular brasileiro. Foi um trabalho de quase um ano, onde tivemos contato com um pouco da história do rádio brasileiro e com outros grandes artistas. Fizeram parte também, através de oficinas o palhaço Biribinha, Augusto Bonequeiro e Rosane Almeida.

No La Mínima, você participa de todo o processo – cria, atua, produz. Os artistas de teatro e circo reclamam bastante das dificuldades de produção. O que você acha disso? Apesar das dificuldades, não é muito mais fácil fazer circo e teatro hoje do que há 20 anos?
Acho que cada um conhece sua próprias dificuldades, o importante é não deixar de fazer. Há diferenças importantes hoje em dia do que há 20 anos. É inegável que temos uma política cultural que favoreceu o trabalho de pesquisa nestas áreas, com os editais públicos. No entanto os circos itinerantes encontram maiores dificuldades de circulação, quer seja por falta de terrenos, quer seja ainda por uma atenção maior as reais dificuldades destes artistas, que são bem distinas do restante das artes cênicas.

Com a política cultural que tomou força principalmente nos últimos oito anos, tivemos avanços, mas parece que também surgiram alguns problemas. Os artistas não estão muito dependentes do poder público? Como vocês lidam com isso no La Mínima?
Como já disse, cada um conhece suas próprias dificuldades e lida com elas da melhor maneira. O La Mínima é um grupo de repertório. Procuramos criar espetáculos que ao mesmo tempo atendam nossa necessidades estéticas mas que também sejam adequados a nossa realidade de produção e circulação.

A companhia foi criada por você e por Fernando Sampaio. Porque a opção pelo trabalho em dupla? Não faz falta para a criação um grupo maior de pessoas envolvidas?
O La Mínima é basicamente uma dupla de palhaços que convida outros artistas, conforme a exigência da obra, para as criações. Portanto quando sentimos necessidade, nos aproximamos de outros profissionais, que sem dúvida acabam sendo fundamentais no processo.

O Circo Zanni veio da vontade de reunir vários artistas e poder, aí sim, ter essa troca maior? Vocês estão em temporada? Existe alguma previsão de vir ao recife?
O fato de sermos uma dupla nunca nos impediu de nos aproximarmos de artistas que admiramos, para trocar conhecimento. O Circo Zanni nasceu da vontade de ter um circo. Um espetáculo de circo como gostamos de fazer, possui variedade de artistas e de atrações, por isso o Circo zanni é desse jeito. Sem dúvida criamos um grupo que hoje tem seu próprio caminho de criar e apresentar um espetáculo de circo.

O que te encanta no teatro popular? Quem são os seus mestres? Ariano, por exemplo, está nessa lista?
A temática e a comunicação. Nossos mestres são os que conhecemos e tivemos a oportunidade de trabalhar ou aprender juntos: José Wilson, Roger Avanzi, Leris Colombaioni, Fernando Neves, Biribinha, Antônio Nóbrega, etc. Ariano é uma expressão fundamental do teatro popular. Sua obra é uma referência, gostaria muito de ter tido contato com ele e aprendido mais.

Qual a sua primeira memória do circo?
Gosto de lembrar a primeira vez que entrei no Circo Escola Picadeiro e da primeira vez que lotamos o Circo Zanni.

A tradição do circo no Brasil foi construída principalmente a partir do núcleo “circo-família”. Na La Mínima, pelo que sei, vocês não têm famílias de circenses. Você acha que isso traz alguma diferença para o espetáculo, estéticas mesmo?
Como disse lá em cima, a experiência do artista é fundamental na sua criação. Nosso trabalho é o que somos, portanto faz diferença sim no produto final. Não é melhor nem pior, é diferente.

Qual a diferença do palhaço brasileiro para o palhaço de outros lugares do mundo? Esse palhaço corre o risco de morrer?
Acho que todo palhaço como todo artista precisa antes de mais nada, se comunicar com seu público. Portanto o palhaço brasileiro aprende a se comunicar com o povo brasileiro, que é diferente do inglês ou do alemão, etc. Consequentemente este palhaço vai ser diferente sim. Mas o humor do palhaço em geral é arquetípico, ele fala de coisas comuns dos seres humanos e vai acabar sendo reconhecido por outros público também. A boa arte não morre.

Não posso deixar de perguntar sobre a televisão…apesar dos anos de carreira no teatro, a fama mesmo veio com a novela. Você está se divertindo com essa comoção? Com a reação das pessoas? Com o fato de, do papel de palhaço, ter passado para o de galã “machão”?
Gostei muito da experiência da novela, pois era um excelente projeto com grande atores do meu lado e aprendi muito. a televisão tem um alcance infinitamente maior que o teatro, portanto é natural que voce acabe sendo reconhecido com mais velocidade depois de um trabalho como este. Não acho que o Herculano era um machão, ele representava um tipo de homem de uma época e de um momento específico. Mas no entanto ele era familiar, com ética rígida e podia se apaixonar profundamente. Adorei o personagem e acho que o público também. Mas eu sou também bastante feliz, com minha trajetória e reconhecimento no circo e no teatro.

Cordel foi um trabalho esteticamente diferenciado na teledramaturgia brasileira, era mais próximo do teatro, da fábula, mas ainda assim foi difícil se adaptar, passar dos gestos largos e expansivos do teatro e circo, para a televisão? Encontrou muitas diferenças entre o teatro e a televisão?
Na nossa profissão uma das coisas mais importantes é observar e escutar, dizia minha grande mestra Myram Muniz. Quando comecei a fazer meus primeiros trabalhos procurava observar bastante a forma de relação dos atores com a câmera. É realmente um processo de adaptação muito grande para nós, formados no teatro no circo e nas ruas. Principalmente no rosto e no olhar. Mas é um conhecimento muito legal de se adquirir, estou aprendendo e adorando.

Você é paulista e Cordel foi uma novela que tinha a questão regional, o sotaque nordestino. Tanto é que, antes da novela começar, o público daqui tinha medo de, mais uma vez, a Globo fazer um estereotipo do nordestino, o que se dá principalmente com o sotaque. Como você se preparou para esse papel? Teve alguma preocupação nesse sentido?
Sim, não só eu como toda a equipe a começar pela direção. Tivemos uma preparação com uma professora de oratória, que buscou equilibrar o sotaque. A direção queria que ele se integrasse a imagem e não ficasse em primeiro plano. Acho que conseguimos um bom resultado.

Porque demorou tanto para que a televisão entrasse no seu currículo? Era falta de interesse, preconceito (que você sabe o quanto é comum no teatro) ou a vida simplesmente te levou para outro lado?
Falta de convite. Nunca tive preconceito, porém nosso cotidiano de produtores e realizadores não nos deixava virar o foco. E nosso trabalho, nossa forma de atuação naturalmente não chamava a atenção do que normalmente se necessita na televisão, isso diminuia nossas possibilidades…

Falei mais cedo com a sua esposa (que é a produtora do La Mínima) e você já estava gravando no Projac. Quais são os seus novos projetos? Na televisão e além dela?
Estou gravando uma minissérie que irá ao ar em janeiro, chama-se Brado retumbante de Euclydes Marinho. O novo epetáculo do La Mínima estreía em março de 2012 em São Paulo, Mistério bufo de Dario Fo, com direção de Neyde Veneziano.

Novo espetáculo da companhia estreia em março, em São Paulo

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