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Um Espetáculo de Energia e Tradição
Crítica de “El Teatro es un Sueño”

El teatro es un sueno, do grupo peruano Yuyachkani. Foto: Adauto Perin / Divulgação

A jornalista Ivana Moura viaja a convite do Sesc São Paulo

 

El Teatro es un Sueño, do grupo peruano Yuyachkani, é uma celebração crítica do teatro, que utiliza elementos culturais e históricos para criar uma experiência de reflexão e comemoração coletiva. Na abertura do MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, em Santos, na quinta-feira (05/09), a peça eletrizou o público, que participou ativamente com os chamados das personagens mascaradas, dançando e cantando junto, ouvindo e aplaudindo as referências à liberdade e à democracia.

O impacto das figuras com máscaras maximiza-se na entrada com a execução de um frevo rasgado, aquele ritmo pernambucano que aciona mecanismos de alegria no corpo. Em seguida, outras sonoridades igualmente contagiantes da região andina, como a cumbia e outras danças e músicas, tomam conta do ambiente. O Yuyachkani explora os espaços limiares dos rituais e das festas populares, trazendo para o centro da cena elementos da genealogia da história recente do Peru. A peça é composta de fragmentos, de retalhos de outras encenações, o que pode tanto ampliar a experiência quanto causar uma sensação de desconexão para alguns espectadores.

A interação com a plateia em El Teatro es un Sueño é central para a proposta de Yuyachkani, que vê o teatro como um espaço de encontro e jogo coletivo. O público é ativamente convidado a participar, refletir e celebrar, criando uma experiência compartilhada.

As sessões no Mirada contaram, além dos peruanos, com artistas brasileiros que participaram da oficina-montagem no Brasil. A colaboração entre atrizes e atores peruanos e brasileiros valorizou a dimensão intercultural da proposta de encontro e confraternização coletiva do Yuyachkani.

Dois intérpretes, uma atriz e um ator brasileiros, fazem traduções pontuais do que está sendo dito em espanhol, facilitando a compreensão para o público local. Momentos especiais incluem as músicas cantadas pelas estrelas da companhia, com forte conotação política de que estamos sempre em luta.

Inicialmente planejado para ocorrer na praça em frente ao SESC Santos, a apresentação foi transferida para uma área de convivência da entidade devido à ameaça de chuva. Isso se repetiu no dia seguinte pelo mesmo motivo, com o tempo chuvoso. A mudança de espaço trouxe dificuldades como a acústica e o eco, as barreiras de concreto para a evolução dos movimentos e a acomodação das pessoas, que precisaram se deslocar algumas vezes para a passagem dos atores ou dos cenários, como carroças, etc.

A mudança de local afetou a qualidade da apresentação, e a acústica prejudicou a clareza das falas e músicas. Além disso, a estrutura fragmentada da peça pode ter causado uma sensação de desconexão para alguns espectadores, dificultando a compreensão da narrativa como um todo. Mas mesmo com tudo isso, o tom festivo prevaleceu. 

A terceira sessão do espetáculo, no sábado, ocorreu no Emissário Submarino, um parque na divisa de Santos com São Vicente. Nesse local, o espetáculo pôde realizar de forma mais plena suas evoluções das personagens aristocráticas decadentes e anacrônicas, a intervenção dos diabos e dos anjos, o coro de papagaios e as escolhas estéticas do confronto entre os mundos mítico e onírico com as ações cotidianas e corriqueiras. Esse ambiente permitiu uma fruição mais completa da peça, destacando a homenagem ao teatro.

O Yuyachkani é um dos grupos teatrais mais longevos da América Latina.

Ao longo de seus 53 anos de trajetória, o grupo cultural Yuyachkani tem recriado uma genealogia da história recente do Peru, utilizando o teatro como uma ferramenta poderosa para a crítica social e a exaltação cultural. Influenciado por figuras como Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido, pelo teatro de Bertolt Brecht e pela própria investigação estética do seu território, o grupo desenvolveu uma experiência artística marcada por uma vocação popular e um compromisso ccom os avanços  sociais e políticos do campo democrático. 

Dentre suas montagens mais significativas estão: La madre (1974), de Brecht; Allpa Rayku, Por la tierra (1978), uma criação coletiva que reflete sobre as lutas pela terra em um contexto de democracia e reforma agrária, enriquecida por uma profunda conexão com elementos culturais andinos; Los músicos ambulantes (1983), um sucesso duradouro que apresenta uma versão livre de Os músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm, e de Os saltimbancos, de Chico Buarque; Pishtaco (1988), que marcou a inauguração de sua sala em Magdalena del Mar; Hasta cuándo corazón (1994), uma revisão das estratégias políticas e culturais diante do discurso neoliberal e do terror; Antígona (2000), um monólogo com texto de José Watanabe. As obras Hecho en el Peru: Vitrinas para un museo de la memoria (2001) e Sin título, técnica mixta (2004), exploram a instalação como uma forma de compreender a presença e interagir com a complexa realidade peruana.

A trajetória do Yuyachkani é um testemunho da determinação artística e da capacidade de adaptação do grupo frente às adversidades. Suas produções inspiram uma reflexão crítica sobre a sociedade contemporânea do país, com suas contradições. El Teatro es un Sueño,  faz uma celebração da arte teatral como um espaço de resistência, encontro e apostas na utopia de mudanças sociais. 

Ficha Técnica

Roteiro e Direção: Miguel Rubio Zapata
Assistente de Direção:  Milagros F. Obando
Produção:  Milagros Quintana, Socorro Naveda
Coordenação Técnica: Alejandro Siles
Assistência Técnica: Jorge Rodríguez Chipana, Teófilo Sánchez, Abraham Silva
Direção Plástica: Segundo Rojas
Apoio Musical:  La Bendita
Direção Musical: Coro Martín Choy
Direção:  Marco Iriarte
Elenco: Rebeca Ralli, Teresa Ralli, Débora Correa, Ana Correa, Julián Vargas, Augusto Casafranca, Miguel Rubio, Milagros F. Obando, Daniel Cano, Ricardo Delgado, Gabriella Paredes, Silvia Tomotaki, Raúl Durand, Miriam Sernaqué, Igor Moreno, Augusto Montero, Segundo Rojas, Vinatea Reynoso Comparsa, Coro Marco Iriarte, La Bendita (Alejandro Siles Vallejos, Daniel Cano, Eduardo Navarro, Julián Vargas, Martín Choy, Milagros F. Obando, Rafael Ávalos Saco)
Artistas Brasileiros: Ana Célia Martins, Alê Fernandes, Allegra Ceccarelli, Arielle Barbosa, Bruno Fracchia, Carlos Becker, Carolina Angrisani, Carolina Rainho, Carolina Braga, Caroline Pessoa, Douglas Souza, Eleonora Artysenk, Elly Gomes, Fellipe Tavares, Gabriel Carrasco, Gustavo Curado, Henrique Nascimento, Julia Prudêncio, Júlia Ohana, Ketty Tassa, Lucas Sellera, Maikon Marinho, Patricia Garibaldi, Pauli Karlovic, Pérola Henríquez, Rafael Petito, Raquel Nascimento, Renata Pa, Rodrigo Alves, Rodrigo Konda, Sabrina Andrade, Sandra Bonomini, Thais Miranda
Banda Convidada: Quizumba Latina
Direção Musical no Brasil: Ugo Castro Alves
Produção Executiva no Brasil: Gustavo Valezi (Cult_B)
Produção no Brasil: Alice Mogadouro, Giovanna Zottis
Assistência Cênica e Produção Local: Criis Almeida, Mariana Procopio
Adaptação de Figurino e Adereços no Brasil: Zizi Lúcio, Norma Lúcio da Rocha
Coordenação Técnica no Brasil: Eduardo Albergaria
Técnicos no Brasil: Pedro Romão, Henrique Manchuria
Administrativo e Financeiro no Brasil: Giselle Bastos
Representação e Direção de Produção no Brasil: AFLORAR CULTURA – Cynthia Margareth

 

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

 

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Mia Couto na Zona da Mata

São só quatro atores-brincantes-bailarinos em cena. Mas parece que eles conseguem extrapolar os limites do palco. Cheguei esbaforida no Teatro Capiba depois de pegar um trânsito gigante; quando entrei, o Grupo Peleja já estava apresentando Gaiola de moscas (#coisafeiachegandoatrasada). E aquela presença no palco, o trabalho de corpo, a forma de contar a história simplesmente me encantaram de cara. Não foi aos pouquinhos não! É de uma lapada só que você diz: “que negócio bom é esse?!”.

Não há quebras – música, dança e interpretação andam juntos. O conto homônimo de Mia Couto casa perfeitamente com a musicalidade do grupo que nasceu em Campinas, mas funciona em Pernambuco e, mais do que isso, bebe nas raízes da Zona da Mata, nas brincadeiras populares, nas nossas tradições, no cavalo-marinho, no frevo para compor um trabalho sólido. Como eles mesmos dizem: não levam ao palco o cavalo-marinho; o que vemos é a recriação, um trabalho que do terreiro do interior chega ao mais contemporâneo dos universos.

Ano passado, também na Mostra Capiba, eu tinha visto Guarda-sonhos, solo da bailarina Tainá Barreto, do Grupo Peleja. Mas naquele era muito mais dança do que exatamente teatro. Em Gaiola de moscas não. As coisas são equilibradas e a ideia é contar uma história, que passa pelo comerciante que vende moscas na vila, por outro que chega de fora e encanta as moças comercializando batom. Interessante que mesmo que o grupo tenha optado por não “traduzir” algumas expressões utilizadas pelo moçambicano Mia Couto, o linguajar não soa estranho. É como poesia.

As cenas se constróem permeadas por muita música e dança. A trilha sonora pensada por Alexandre Lemos e João Arruda é executada ao vivo por esse último e por Pedro Romão. Uma das cenas mais lindas é o embate final entre os dois comerciantes.

A poesia e o humor do conto de Mia Couto são muito naturais ao universo de cores saturadas criado pelo Grupo Peleja. A direção e concepção desse espetáculo, que é de 2007, é de Ana Cristina Colla, do Lume Teatro, de Campinas, local onde o grupo se reuniu. No elenco atual estão Carolina Laranjeira, Eduardo Albergaria, Lineu Gabriel e Tainá Barreto. Não é preciso formalizações, definições rígidas para este grupo. Mas se é na dança que está a raiz, no teatro e, especificamente, na palavra o grupo encontrou um pouso seguro e ao mesmo tempo encantador aos olhos do público.

Confira a crítica de Guarda sonhos, solo de Tainá Barreto, outro espetáculo do repertório do grupo.

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