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Mia Couto na Zona da Mata

São só quatro atores-brincantes-bailarinos em cena. Mas parece que eles conseguem extrapolar os limites do palco. Cheguei esbaforida no Teatro Capiba depois de pegar um trânsito gigante; quando entrei, o Grupo Peleja já estava apresentando Gaiola de moscas (#coisafeiachegandoatrasada). E aquela presença no palco, o trabalho de corpo, a forma de contar a história simplesmente me encantaram de cara. Não foi aos pouquinhos não! É de uma lapada só que você diz: “que negócio bom é esse?!”.

Não há quebras – música, dança e interpretação andam juntos. O conto homônimo de Mia Couto casa perfeitamente com a musicalidade do grupo que nasceu em Campinas, mas funciona em Pernambuco e, mais do que isso, bebe nas raízes da Zona da Mata, nas brincadeiras populares, nas nossas tradições, no cavalo-marinho, no frevo para compor um trabalho sólido. Como eles mesmos dizem: não levam ao palco o cavalo-marinho; o que vemos é a recriação, um trabalho que do terreiro do interior chega ao mais contemporâneo dos universos.

Ano passado, também na Mostra Capiba, eu tinha visto Guarda-sonhos, solo da bailarina Tainá Barreto, do Grupo Peleja. Mas naquele era muito mais dança do que exatamente teatro. Em Gaiola de moscas não. As coisas são equilibradas e a ideia é contar uma história, que passa pelo comerciante que vende moscas na vila, por outro que chega de fora e encanta as moças comercializando batom. Interessante que mesmo que o grupo tenha optado por não “traduzir” algumas expressões utilizadas pelo moçambicano Mia Couto, o linguajar não soa estranho. É como poesia.

As cenas se constróem permeadas por muita música e dança. A trilha sonora pensada por Alexandre Lemos e João Arruda é executada ao vivo por esse último e por Pedro Romão. Uma das cenas mais lindas é o embate final entre os dois comerciantes.

A poesia e o humor do conto de Mia Couto são muito naturais ao universo de cores saturadas criado pelo Grupo Peleja. A direção e concepção desse espetáculo, que é de 2007, é de Ana Cristina Colla, do Lume Teatro, de Campinas, local onde o grupo se reuniu. No elenco atual estão Carolina Laranjeira, Eduardo Albergaria, Lineu Gabriel e Tainá Barreto. Não é preciso formalizações, definições rígidas para este grupo. Mas se é na dança que está a raiz, no teatro e, especificamente, na palavra o grupo encontrou um pouso seguro e ao mesmo tempo encantador aos olhos do público.

Confira a crítica de Guarda sonhos, solo de Tainá Barreto, outro espetáculo do repertório do grupo.

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Centenário que rende

“O teatro foi muito importante para mim. E nós (Mia Couto e José Eduardo Agualusa) escrevemos duas ou três peças juntos. Lembro que quando assistimos, foi engraçado. Não sabíamos mais o que tinha sido feito por um ou outro”, disse Mia Couto na Fliporto na manhã de hoje. A mesa, na tenda principal, estava lotada.

Homenageando Nelson Rodrigues, nesses dois últimos dias, a Fliporto ainda tem uma programação que permeia muito as artes cênicas.

Hoje à tarde, às 16h30, Ruy Castro e Heloísa Seixas conversam com Geneton Moraes Neto. O tema é “Segredos e Inconfidências d’O Anjo pornográfico.

Às 20h, Edney Silvestre conversa com Claudiney Ferreira sobre o tema “Romance e drama” e depois haverá a leitura dramática da peça inédita Boa noite a todos, de Edney Silvestre, com Christiane Torloni.

Amanhã, às 10h, a primeira mesa é com Sonia Rodrigues e Maria Lucia Rodrigues (filhas de Nelson) e Adriana Armony, com mediação de Rogério Pereira sobre o tema As mulheres (d)e Nelson Rodrigues.

Ao meio-dia, José Castello e Antonio Cadengue, tratam do tema “Nelson Rodrigues em cena”, com mediação de Luis Augusto Reis.

Os ingressos para cada mesa custam R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada).

Christiane Torloni vai ler Boa noite a todos, de Edney Silvestre. Foto: Leandro Lima/Divulgação

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Mia Couto no teatro

Chuva pasmada. Fotos: Pollyanna Diniz

“Acontece que eu estou escritor. Ninguém é escritor, como se fosse uma condição de essência, uma coisa biológica, que nos marca. A escrita pra mim é uma maneira de eu olhar o mundo e, portanto, posso perdê-la e não me perder nisso”. Esse é um trechinho da entrevista que Mia Couto deu ao Roda Viva na última segunda-feira. A obra desse escritor moçambicano nos concede mesmo o prazer de encontrar muitas visões de mundo. E cada uma tão particular, mas todas geralmente plenas em poesia. Os textos nos absorvem aos pouquinhos, despretensiosamente. Quase como se não quisessem nada, entende? E de repente você se depara com uma frase daquelas que te tiram do prumo.

Essa sensibilidade está no espetáculo Chuva pasmada, adaptação do texto homônimo de Mia Couto, feita em parceria por Eduardo Okamoto e o Grupo Matula Teatro, de São Paulo. A peça foi encenada ontem no Marco Camarotti, dentro do projeto Travessias poéticas, que reúne três espetáculos criados a partir da obra do moçambicano. Além de Chuva pasmada, tem Gaiola de Moscas, do Grupo Peleja (PE) e Mar me quer, da A Outra Companhia de Teatro (BA).

Chuva pasmada é um espetáculo muito simples. Um encontro entre dois bons atores – Eduardo e Alice Possani – e um texto sensível. E isso basta. Eduardo e Alice se conheceram na época de faculdade e foi ideia de Eduardo criar o grupo; mas há alguns anos ele decidiu seguir carreira solo. O espetáculo é então um reencontro.

A história é narrada em terceira pessoa e os dois se revezam dando vida a vários personagens. Até numa mesma cena eles podem trocar de personagens. O pai, a mãe, a tia, o avô, o menino. E os atos se desenrolam a partir da história que cada um desses personagens nos traz. É uma história de memórias, encontros, sonhos e paralisias. De humanidade. Em algum momento, aquele texto te provoca, te surpreende, te traz pra perto, mesmo que tudo teoricamente se passe lá na África, na aldeia onde o rio secou e a fábrica insiste em fazer estragos.

Eduardo Okamoto e Alice Possani

Eduardo e Alice conduzem essas narrativas sem exageros. É emoção na medida, limpeza de movimentos e texto, texto e texto. Sem que nada fique pesado; até porque a poesia que fica como ‘chuva pasmada’ ali na sala de espetáculos não deixa que isso aconteça. O texto foi adaptado por Cássio Pires. A direção e iluminação são de Marcelo Lazzaratto, que não precisou de nada mirabolante não. A iluminação nos convida àquele ambiente de terra laranja, clara. Que compõe com a cenografia e figurinos de Warner Reis. A música está lá no momento certo; é de Michael Galasso.

Programação – Hoje é a vez do grupo Peleja apresentar Gaiola de Moscas; e amanhã o projeto segue com Mar me quer. As sessões são sempre às 16h30 e às 19h30 e a entrada é gratuita, já que o grupo foi contemplado pela Funarte no Procultura de Estímulo ao Circo, Dança e Teatro 2010. Aqui em Pernambuco, o projeto ainda vai pra Arcoverde.

Sinopses:

Gaiola de Moscas:
Zuzé é um curioso comerciante, vendedor de cuspes que, para salvar os negócios, se torna vendedor de moscas. Sua mulher, cansada das ideias do marido, se encanta por um forasteiro vendedor de “pintadas” de batons.

Mar me quer:
Cinco atores contam a saga de Zeca, um pescador cheio de histórias que tenta fugir de seu passado, num diálogo eterno com seu Avô, morto. Apaixonado por Luarmina, sua vizinha e outrora amante de seu pai, ele necessita recorrer as suas memórias para conquistar seu amor e continuar vivo, uma vez que ele é castigado por uma promessa que não cumpriu.

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