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Em busca do tempo perdido

Montagem fruto do Aprendiz Em Cena finalmente será exibida ao público

“Quase todo mundo vive de lembranças…Quando não vive disso, vive de esperanças”
(Terra queimada, Aristóteles Soares)

Depois de muito quiprocó, o grupo que deveria ter apresentado Terra queimada, do dramaturgo Aristóteles Soares (1910-1989), no último Janeiro de Grandes Espetáculos (na realidade, na matéria de lançamento do edital, o que saiu é que o espetáculo iria estrear em dezembro de 2011), finalmente sobe ao palco neste fim de semana. A montagem é fruto do projeto Aprendiz Em Cena, promovido pelo Centro Apolo-Hermilo.

Serão três sessões: sexta, sábado e domingo, às 20h, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Bairro do Recife. A direção é de Ivan Ferreira e no elenco estão Ana Dulce Pacheco, Aryella Lira, Daniel Barros, Durval Cristóvão, Marinho Falcão e Rodrigo Félix. A direção musical é de Diogo Lopes.

Só depois desta curtíssima temporada – um projeto que era de formação, que também deveria servir ao público, inclusive no resgate da obra de Aristóteles, que foi publicada pela própria Prefeitura do Recife no Festival Recife do Teatro Nacional de 2010 – é que o grupo teoricamente vai receber o restante do pagamento do projeto.

Note:
Ah…a apresentação servirá de despedida para Ana Dulce Pacheco, que decidiu estudar em São Paulo. As Yolandas te desejam sorte, Ana!

Entenda aqui toda a confusão que rolou com o projeto Aprendiz Em Cena.

Serviço:
Terra queimada, resultado do projeto Aprendiz Em Cena 2011
Quando: sexta (9), sábado (10) e domingo (11), às 20h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Quanto: R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada)

Segue um vídeo feito na época em que o grupo fez um ensaio aberto, em fevereiro, ainda sem figurino e cenário:

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Aprendizes frustrados

Elenco do projeto Terra Queimada, proposto pelo Aprendiz Em Cena

No último mês de fevereiro, escrevi uma matéria sobre o projeto Aprendiz Em Cena, promovido pelo Centro Apolo-Hermilo. É um projeto bastante importante, de experimentação e fomento às artes cênicas, que já teve vários formatos. Ano passado, a ideia foi que um diretor estreante pudesse formar um elenco e, sob a coordenação e orientação artística/pedagógica de Vavá Schön-Paulino (que dirige o Centro), montar o texto Terra queimada, o mais premiado do dramaturgo pernambucano Aristóteles Soares (1910-1989). Era condizente, aliás, com outro projeto da Prefeitura do Recife, o relançamento da obra de Aristóteles, que aconteceu durante o Festival Recife do Teatro Nacional de 2010.

Em fevereiro, a matéria era sobre o ensaio aberto da montagem – que tinha previsão de estrear, na realidade, no Janeiro de Grandes Espetáculos, o que não aconteceu. Depois do ensaio, o que foi anunciado é que o espetáculo iria cumprir temporada em abril no Teatro Hermilo Borba Filho, mas isso também nunca saiu do campo das promessas.

Além do diretor Ivan Ferreira, que trabalha com teatro desde 2005 e mantém um espaço chamado Engenho de criação, o processo envolvia, como atores, Aryella Lira, Daniel Barros, Dulce Pacheco, Durval Cristóvão, Rodrigo Félix e Marinho Falcão. A direção, criação e execução musical eram de Diogo Lopes.

Diante da inexistência de uma temporada, do retorno de um projeto supostamente (será que ainda?) tão importante para a cidade, mandamos uma entrevista para os atores de Terra queimada, que foi respondida por Daniel Barros e Dulce Pacheco.

ENTREVISTA // Daniel Barros e Dulce Pacheco

Como foi o processo de montagem? Pessoalmente, houve crescimento? Foi o que vocês esperavam nesse sentido?
A melhor coisa desse projeto foi poder encontrar novas pessoas. Ivan, Ary, Dulce, Durval, Rodrigo, Marinho e Diogo foram como um copo de água gelada no meio do deserto. Especialmente Ivan que, com muita gentileza e amor incondicional pelo teatro, teve a capacidade de semear coisas boas no meio desse caos todo, que foi a produção do Aprendiz. Passamos muitos meses mergulhados no universo de Terra queimada, estudando e descobrindo a nossa forma, juntos, de fazer teatro. Isso foi mais importante dentro do processo: a possibilidade do encontro, a possibilidade das ampliações de consciência propostas por Ivan. Saímos muito modificados e, consequentemente, machucados disso tudo. Esperávamos cuidado e respeito do Centro Apolo-Hermilo. Foi como um filho abortado. Quase um estupro pro artista. Mas pelo menos uma coisa boa aconteceu: crescemos muito e ainda hoje estamos juntos e vivendo essa nossa experiência de se encontrar, independente do Centro.

Qual foi a participação de Vavá Schön-Paulino?
Vavá é o coordenador do centro Apolo/Hermilo. O primeiro dia de reunião do elenco foi com ele, todas as informações do projeto inteiro foram dadas por ele; quanto e quando iríamos receber, quanto tempo de ensaio, espaço cedido pra ensaio, data de estreia, data de temporada. Tudo foi dito no primeiro dia. E também ele seria o orientador pedagógico do Aprendiz. Nada do que foi dito aconteceu. Vava só viu um ensaio nosso, não encontrava Ivan pra falar da parte artística do projeto, não atendia os telefonemas ou respondia e-mails. Nem os cachês foram pagos, nem estreamos no Janeiro de Grandes espetáculos e só fomos informados disso que a programação do festival saiu no Facebook. Não houve uma preocupação em avisar por telefone ou e-mail. A grande participação de Vavá nisso tudo foi na falta de informação, que era grande e total. Não sabíamos de mais nada quanto à produção do projeto, quando iríamos receber ou quando iríamos estrear. Nada!! E não adiantava procurar. Orientador? Produção? Com a gente nunca existiu. Ele tinha uma assistente – Daniela Mastroianni – que teoricamente era pra facilitar a ponte entre Vavá e o grupo, mas que, na prática, sumiu tanto quanto ele. O que mais revolta é a falta de consideração com o profissional da arte. No Recife, nós lutamos tanto pra sairmos do patamar de “amadores” (no sentido não profissional), mas não somos tratados como profissionais. Nem um pouco. Nem por um Centro que deveria cuidar melhor dos profissionais que ali estão.

Porque o projeto nunca foi encenado?
Depois da frustração de não estrearmos no Janeiro de Grandes Espetáculos, procuramos o coordenador para uma reunião. Pressionamos e conseguimos uma data uma semana antes do carnaval para fazer um ensaio aberto, pois foi muito tempo de trabalho, muita dedicação, muito dinheiro gasto por todos pra estarmos ensaiando o projeto Aprendiz Em Cena. Não era um projeto nosso, era um projeto do Centro Apolo-Hermilo. Enfim, no meio disso, vai batendo uma indignação, pois foi muita falta de respeito. Dia 10 de fevereiro foi realizado o ensaio aberto, sem figurino, sem cenário…mas com muita vontade de mostrar para as pessoas nosso processo, mostrar o resultado de nossos quatro meses de trabalhos intensos. Foi engraçado que, ao final da apresentação, com casa cheia, o orientador enfim apareceu, com toda pompa de orientador, batendo no peito e falando: “nós criamos!”. Nós onde? Que a pessoa nunca viu nada, nunca orientou? É o efeito plateia. E então depois do ensaio aberto teríamos uma temporada marcada para os finais de semanas de abril. Vejam bem, isso foi dito ao final do ensaio para as pessoas que presenciaram nosso ensaio aberto e combinado com todo elenco. Nos programamos para essa temporada. Mesmo sem receber um centavo fizemos o ensaio aberto. E logo depois retomamos os ensaios para a temporada em abril. Como Recife é uma cidade muito pequena, todo mundo sabe e se conhece, ficamos sabendo que já teria outro grupo no mês de abril ocupando o mesmo horário que foi prometido à temporada de Terra queimada. Esperamos uma informação e nada aconteceu. Nada foi dito e passou o mês e a gente nunca soube de nada. Então resolvemos parar o projeto, até hoje, dia 9 de agosto de 2012 (dia em que a entrevista foi concedida, por e-mail). É importante ressaltar que o grupo tentava incessantemente entrar em contato com o “coordenador” e ele nunca atendia os celulares. Parecia que tudo estava jogado, não só o nosso grupo com o projeto do Centro, mas vários outros que, em conversas informais, nos informavam que estavam na mesma situação.

Vocês receberam pagamento? E cenário, figurino, foram pagos?
Depois de muito esquecimento, perguntas sem respostas, falta total de respeito aos artistas envolvidos estamos no processo de recebimento do cachê, mas somente os cachês do elenco e do diretor. O projeto, isso dito pelo coordenador, é de 20 mil. E juntando os cachês do elenco e do diretor só chega a 13 mil. Para onde vão os outros 7mil? Não sabemos. E iremos receber sem nunca fazer uma temporada. É dinheiro público. Esse dinheiro, talvez, nunca volte para o povo. Pois quase um ano depois ainda não sabemos se iremos fazer uma temporada.

Qual o sentimento que fica?
Frustração, todo mundo muito frustrado, decepção. Decepção com relação aos tipos de profissionais que estão no poder. Que tomam conta da verba pública e do espaço público como quem toma conta de uma coisa qualquer, sem importância.

O grupo não pensa em apresentar o projeto por iniciativa própria?
Sim, mas temos o entrave de ser um projeto que leva o nome do Aprendiz em cena. Não é nosso, teoricamente, ainda tem o vínculo com o Centro. E ficamos desestimulados.

Procuramos uma resposta da Prefeitura do Recife e publicamos na íntegra a nota que recebemos:

“A Secretaria de Cultura do Recife e o Centro Apolo-Hermilo estão empenhados em solucionar pendências do projeto Aprendiz Encena. A equipe da Secult entrou em contato com o responsável pelo grupo selecionado para a retomada do projeto e para efetuar o pagamento do valor previsto para o desenvolvimento das atividades. Atenta a importância do processo de formação, característica do projeto, a Secult convidará um coordenador artístico-pedagógico para dar continuidade a criação da montagem”.

Ah, também recebemos outro e-mail da assessoria da Prefeitura do Recife. E, qual a surpresa, convocando para uma “ouvidoria”. Qualquer semelhança não é mera coincidência, caro leitor. Segue, então, a convocatória:

“A Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cultura, convida a classe artística e Entidades Representativas do Teatro e da Dança, para a Ouvidoria que irá proceder no dia15 de agosto próximo, às 18:30h, na Sala Beto Diniz do Teatro Hermilo BorbaFilho, na Rua Martin Luther King s/n, Bairro do Recife, onde irá ouvir os anseios e necessidades acerca do Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo-Hermilo e, na oportunidade, apresentar as ações e providências já realizadas.
Atenciosamente,
Secretaria de Cultura do Recife”

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Cordel teatraliza amor desmedido

Foto: Aryella Lira

Carminha amava José, que amava Tereza que amava Antônio, que sumiu antes de entrar para a história. Alterando o nome das personagens, essa Quadrilha de Drummond continua a fazer suas tramas reais e ficcionais. Em Cordel do Amor sem Fim essa paixão explode, implode ou é sufocada às margens do Rio São Francisco, em Carinhanha, no Sertão baiano. Na cidade moram três irmãs – a velha Madalena, a enigmática Carminha e a jovem e idealista Tereza –, por quem José é apaixonado. No dia em que selaria o noivado, Tereza encontra o forasteiro Antônio no porto da cidade e tudo muda na sua cabeça, no seu coração, no seu corpo. A montagem assinada pelo diretor Samuel Santos recusa o naturalismo e explora outras teatralidades para reforçar o jogo. O texto é da escritora baiana Cláudia Barral.

Em cena estão os atores Agrinez Melo (Carminha), Eliz Galvão (Tereza), Naná Sodré (Madalena ) e Thomás Aquino (José ), além do músico Diogo Lopes. O gestual das personagens é forte, decidido. Os passos e gestuais do coco se fundem com Tai Chi Chuan, candomblé, capoeira, recorrendo até ao Expressionismo, no corpo e nas máscaras faciais. Essas máscaras também trazem a influência do mamulengo. Esse arcabouço dá sustentação a um espetáculo vigoroso, onde os passos do coco-de-roda nordestino se aproximam da arte oriental do Butoh. Essa partitura corporal, que perpassa também pelo cavalo-marinho, deixa bem longe o realismo-naturalismo, mas remete para algo mágico, para mitos.

A montagem está carregada de simbolismos. Da sensualidade feminina descoberta, manifestada no corpo de Tereza, que clama por um sujeito estrangeiro que não irá tocá-la. E esse corpo que anseia, com o passar do tempo vai ficando duro, seco. Na realidade isso ocorre quando ela perde as esperanças desse amor imaginado e não se contenta com as possiblidades que lhe são apresentadas, ou seja, o contato erótico com José.

Foto: Ivana Moura

As outras duas irmãs guardam aproximação com as mulheres reprimidas de Garcia Lorca. Madalena fechou-se em casa, em luto. Não sai para nada, ninguém sabe por que, mas há de se presumir que foi por desilusão amorosa – perda, medo, danação. Carminha guarda o segredo de amar o homem prometido da irmã, e quando pensa que tem uma chance o fogo contido reacende.

O amor desmedido de Tereza desafia o amor desmedido de José. José suporta o tempo pedido pela amada até que cansa e a cultura do macho aflora, o que tenta resolver a questão à força.

Foto: Ivana Moura

A cenografia (de Samuel Santos, executada por Nagilson) e a direção de arte de Fernando Kehler embalam essa trama de beleza e elementos reveladores. Como a concha do mar, as redes e mosquiteiro (cortinado para proteger dos mosquitos), bancos que viram cama ou tribuna nos momentos de narração. São também muito criativas as soluções para portas e janelas. A iluminação (plano de Iluminação é d’O Poste: Soluções Luminosas) entra em cumplicidade com os outros elementos da cena. Os figurinos de Agrinez Melo, executados por Sara Paixão, funcionam em harmonia com o conjunto da obra.

A atuação dos intérpretes segue a linha proposta pelo diretor e Agrinez Melo, Naná Sodré e Thomás Aquino reforçam na caricatura, em atuações convincentes. Eliz Galvão destoa dessa galeria, revelando-se um pouco mais imatura em relação ao grupo, mas também tem sua graça.

Foto: Ivana Moura

O verbo do espetáculo é esperar. O tempo é de espera. E a montagem atropela essa exigência. Explico: Cordel do amor sem fim fala muito. Fala com os diálogos e os monólogos das personagens. Fala com o pensamento dessas figuras atormentadas. Fala com a música tocada ao vivo (Letras das músicas: Carlos Barral e músicas Josias Albuquerque). Fala através da percussao executada pelos atores.
O tempo da espera reclama por silêncios.

Se há o que precisa ajustar nesse Cordel são alguns excessos. A maquiagem dos atores e os figurinos da peça já trazem sua carga. As interpretações também reforçam essa linha não ilusionista, com os corpos extracotidianos dos intérpretes. Para ressaltar a poesia do espetáculo é preciso contrapor o que já está bem marcado com um pouco de sutileza. Para equalizar a séria pesquisa com a recepção. Para que o espetáculo caiba em sua própria medida. E arrebate ainda mais o público.

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