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A força política e estética do Feteag 2025

A mon seul désir, de Gaëlle Bourges (França), abre programação. Foto: Danielle Voirin / Divulgação

Cocina Publica, do Teatro Container (Chile). Foto: Adelano

Germaine Acogny, que encerra o festival, é uma das grandes referências mundiais da dança contemporânea. Foto: Thomas Dorn

Abrir um festival com uma peça francesa que reflete sobre representações femininas medievais expressa um posicionamento curatorial questionador das desigualdades. Levar teatro contemporâneo que discute a alimentação no mundo para um assentamento de luta pela terra tem também algo de subversivo. Encerrar a programação com uma bailarina senegalesa de 81 anos que revolucionou a dança em seu país afirma uma visão de mundo que aposta na circulação de saberes. O Festival de Teatro do Agreste, em sua 34ª edição, estabelece diálogos diretos entre criação artística contemporânea e as urgências sociais do nosso tempo.

Dirigido por Fabio Pascoal, o Feteag 2025 reúne 21 espetáculos de 9 e 26 de outubro, entre nacionais e internacionais, todos com entrada gratuita. A seleção das peças aponta para inquietações contemporâneas sobre exclusão, resistência e identidade que perpassam as criações escolhidas.

A seleção desta edição opera segundo uma lógica que articula diversidade geográfica com urgências temáticas. A curadoria geral, conduzida por Fabio Pascoal, aproveitou estrategicamente a Temporada França-Brasil 2025 para trazer criações de Burkina Faso (África Ocidental), Camarões (África Central) e Guadalupe (Caribe francês), além da própria França.

Esta escolha curatorial carrega uma compreensão particular sobre como usar as relações bilaterais para amplificar vozes frequentemente marginalizadas nos circuitos internacionais.

A mostra principal leva o nome de Argemiro Pascoal, um dos fundadores do Teatro Experimental de Arte – TEA, realizador do Feteag

Les Sans adapta o pensamento de Frantz Fanon para o teatro. Foto: Julie Cherki / Divulgação

Les Sans (Os Sem), do coletivo Les Récréâtrales-ELAN, de Burkina Faso, investiga diretamente a questão dos sem-teto e excluídos sociais através de linguagem cênica que combina tradições orais africanas com teatro político contemporâneo. A peça adapta o pensamento de Frantz Fanon para o teatro através do reencontro de dois ex-companheiros de luta. Ali Kiswinsida Ouédraogo explora o conflito entre Franck e Tiibo, interpretados por Ali K. Ouédraogo e Noël Minougou, onde um mantém ideais revolucionários enquanto o outro foi cooptado pelo sistema que combatiam. Sob direção de Freddy Sabimbona, a obra interroga as limitações da independência burkinabê, investigando se a libertação formal constitui verdadeira descolonização ou apenas mudança de máscaras do poder colonial.

Quando esta criação dialoga com La Cocina Pública, do grupo chileno Teatro Container, estabelece-se uma reflexão transnacional sobre precariedade e solidariedade. A obra chilena propõe a preparação coletiva de uma refeição como ato político e comunitário, questionando quem tem direito à alimentação e ao espaço público através de performance participativa que dissolve fronteiras entre arte e vida cotidiana.

Gaëlle Bourges propõe a desconstrução de Imaginários conservadores sobre o Feminino. Foto: Thomas Greil  

À mon seul désir, de Gaëlle Bourges, que abre o festival, parte da tapeçaria medieval A Dama e o Unicórnio para reavaliar construções históricas sobre feminilidade. A coreógrafa francesa examina como a cultura europeia associou mulheres ao mundo vegetal e animal, perpetuando ideais de virgindade e pureza através de imagens aparentemente poéticas.

Bourges desenvolve uma investigação coreográfica que expõe as violências simbólicas embutidas nessas representações românticas, utilizando movimento e voz para evidenciar como tapeçarias medievais funcionavam como dispositivos de controle sobre corpos femininos. Sua pesquisa conecta-se com debates contemporâneos sobre representação e autonomia feminina, oferecendo ao público brasileiro uma análise sobre como imaginários europeus ainda influenciam percepções sobre feminilidade.

Un endroit du début com Germaine Acogny. Foto: Thomas Dorn

Por sua vez, Germaine Acogny, que encerra o festival no Teatro Santa Isabel, é uma das grandes referências mundiais da dança contemporânea. Nascida no Senegal em 1944, ela fundou a primeira escola de dança contemporânea da África Ocidental em 1977 e desenvolveu uma técnica própria que combina danças tradicionais africanas com metodologias contemporâneas ocidentais.

Em Un endroit du début, criado com Mikaël Serre, ela explora memórias corporais e ancestralidade através de movimentação que articula gestualidade ritual com linguagem cênica contemporânea. Aos 81 anos, permanece ativa como pesquisadora corporal e formadora, tendo influenciado gerações de bailarinos e coreógrafos em todo o mundo através de sua escola, onde formou centenas de artistas. Escrevi uma crítica a partir do trabalho gravado da artista em vídeo e que integrou a edição de 2021 do festival Janeiro de Grandes Espetáculos. Leia texto AQUI.

Assentamento Normandia: Arte em Território de Resistência

Espetáculo trabalha a ideia de patrimônio alimentar compartilhado

A apresentação de La Cocina Pública no Assentamento Normandia, em Caruaru, estabelece uma das escolhas mais incisivas desta edição. O Assentamento Normandia constitui um território conquistado através da luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), expressando décadas de organização popular pela reforma agrária na região.

Programar uma obra sobre alimentação e participação comunitária para este espaço cria camadas de significado que expandem o artístico e o político. O Teatro Container, grupo chileno responsável pela criação, desenvolve há anos pesquisas sobre arte e alimentação como atos políticos, investigando como o preparo e partilha de comida funcionam como tecnologias de organização social.

La Cocina Pública transforma o preparo coletivo de uma refeição em ritual de partilha e reflexão sobre direitos básicos, utilizando metodologia participativa que convoca o público para ações concretas. No contexto do assentamento, onde a conquista da terra relaciona-se diretamente com o direito à alimentação, a criação ganha ressonâncias particulares sobre soberania alimentar e autonomia popular.

Mostra PE: Diversidade da Cena Local

A Mostra PE, com curadoria de Vika Schabbach e Igor Lopes, selecionou cinco trabalhos entre 57 inscrições através de chamada pública. Schabbach, crítica e pesquisadora teatral, e Igor Lopes, diretor e dramaturgo, construíram uma seleção que busca evidenciar a potência criativa da produção pernambucana contemporânea.

Itaêotá, do Grupo Totem

Bolor. Foto: Morgana Narjara

Itaêotá, do Grupo Totem, apresenta o resultado de seis anos de investigação artística que conecta ancestralidade indígena e africana com urgências contemporâneas. Este espetáculo de teatro-dança utiliza rituais coletivos e elementos como urucum para propor caminhos de regeneração social diante do colapso civilizatório, materializando a pesquisa Metamorfismo de (R)existência através de performance que dissolve fronteiras entre linguagens artísticas.

Bolor (Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi) confronta diretamente a mitologia freyreana do açúcar, empregando fungos como protagonistas metafóricos de processos de decomposição e renascimento. A criação aponta a violência estrutural da plantation açucareira através de estética da decomposição que valoriza redes subterrâneas de resistência, dialogando criticamente com pensadores como Malcom Ferdinand e Anna Tsing para imaginar futuros decoloniais.

 Joesile Cordeiro navega pela memória afetiva de ser um jovem gay em busca de reconexão com sua infância perdida na encenação Tempo de vagalume. Esta performance autobiográfica criada em Garanhuns constrói pontes poéticas entre passado e presente através de teatro intimista que busca transformar experiência pessoal em pensamento coletiva sobre identidade e pertencimento LGBTQIA+.

Eron Villar e DJ Vibra protagonizam o encontro entre música contemporânea e teatro épico que ressignifica o legado político de Malcolm X para o contexto brasileiro em Se eu fosse Malcolm?  A performance articula crítica decolonial e questões de raça e gênero através de linguagem cênico-musical que dissolve fronteiras entre som e cena, construindo um perspectiva antirracista contemporânea.

Circo Godot (Cia. Circo Godot de Teatro) acompanha dois artistas de rua em suas peripécias cotidianas, explorando relações de poder e subsistência através de humor que transita entre o universal e o particular. A comédia convoca o espírito itinerante do teatro dos espaços não convencionais para questionar hierarquias sociais através da jornada de Gatropo e Tropino.

Corpo, Memória e Resistência

Aquelas – uma dieta para caber no mundo convida para um jantar para falar de uma santa popular assassinada. Foto Raissa Dourado

Monique Cardoso investiga invisibilização da beata Maria de Araújo, protagonista do Milagre da Hóstia em 1889, no espetáculo Cavucar. Foto: Henrique Cardozo / Divulgação

As criações nacionais e internacionais estabelecem diálogos temáticos que ultrapassam fronteiras geográficas, trazendo inquietações compartilhadas sobre corpo, memória e resistência. 

O Manada Teatro, do Ceará, desenvolve Cavucar, do projeto Pote e Navalha, através da performance solo de Monique Cardoso, que também assina direção em parceria com Murillo Ramos, sobre dramaturgia de Tércia Montenegro. A obra ficcionaliza possível descoberta dos restos mortais da beata Maria de Araújo, protagonista do Milagre da Hóstia em 1889, provocando e tensionando as violações eclesiásticas que resultaram no desaparecimento de seus vestígios e invisibilidade na história de Juazeiro do Norte. A encenação utiliza elemento fantástico para convocar o público a fabular os fatos e reconstruir a história através de suposições que questionam a construção de um dos maiores centros de fé católica do mundo.

Aquelas – uma dieta para caber no mundo reconstrói a trajetória de Maria de Bil, santa popular de Várzea Alegre assassinada em 1926 pelo companheiro, através de performance participativa dirigida por Murillo Ramos e interpretada por Juliana Veras e Monique Cardoso. O espetáculo convida o público a participar do preparo de jantar envolvendo facas, carne, sangue oferecidos à mesa com os corpos das próprias atrizes, construindo encenação delicada e cruel que apresenta caleidoscópio das violências machistas através de quadros performativos que misturam história da santa com pessoalidades das intérpretes.

Sonho de uma noite de verão, montagem da Trupe Ave Lola, no Paraná. Foto: Caique Cunha / Divulgação

A Trupe Ave Lola (PR) desenvolve duas experiências distintas da dramaturgia clássica e contemporânea sob direção de Ana Rosa Genari Tezza. Sonho de uma noite de verão revisita Shakespeare através de encenação popular com tradução de Bárbara Heliodora, reunindo nove artistas em cena – Cesar Matheus, Helena de Jorge Portela, Helena Tezza, Kauê Persona, Larissa de Lima, Marcelo Rodrigues, Pedro Ramires, Wenry Bueno e Willa Thomas – e música original composta por Arthur Jaime, Breno Monte Serrat e Julia Klüber, executada ao vivo pelos músicos Arthur Jaime e Breno Monte Serrat, criando atmosfera festiva que convida o público a testemunhar momentos de paixão, magia e loucura através de linguagem teatral popular.

Já com O Vira-lata, a Trupe Ave Lola explora amizade improvável entre uma jovem romântica que sonha com grande amor e um homem-cachorro maltratado pela fome e desamparo, questionando convenções sociais quando surge um pretendente desconhecido que desperta ciúmes do fiel amigo, construindo fábula contemporânea sobre solidariedade, abandono e os conflitos entre sonhos românticos e lealdade verdadeira.

 Lucas Torres e Bruno Parmera em Édipo REC. Foto: Estúdio Orra: Zé Rebelatto e Grabriela Passos 

O Grupo Magiluth, de Pernambuco, em seu 16º trabalho que celebra duas décadas de pesquisa continuada, comparece ao Feteag com  Édipo REC, um trabalho com direção de Luiz Fernando Marques e dramaturgia de Giordano Castro. O elenco composto por Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Nash Laila e Pedro Wagner constrói releitura não-linear da tragédia sofocliana que joga com a cronologia para questionar a noção de tempo no teatro.

Tebas transforma-se no Recife fantasmagórico onde o Corifeu é representado pela câmera, espelhando a produção excessiva de imagens contemporâneas das redes sociais e câmeras de segurança. A linguagem audiovisual busca inspiração no cinema experimental, desde Édipo Rex (1967) de Pasolini até Funeral das Rosas (969) de Matsumoto, questionando se teatro e cinema conseguem dar conta das múltiplas tragédias contemporâneas e por que o público sairia de casa para assistir história tão antiga.

Mas mesmo a vida sendo decepcionante, como proclama o personagem de Erivaldo Oliveira, tem festa nesta Tebas-Recife-Caruaru no primeiro ato desta peça-peste, que convoca seu povo a dançar até o pé inchar.

Cartografias Francófonas: Trabalho, Identidade e Memória Colonial

Le Quai de Ouistreham fala da situação de mulheres que trabalham em empregos precários e invisíveis

Zora Snake em L’Opéra du villageois. Foto: Agir pour le Vivant

Corpos, da Cie Mangrove, (Guadalupe/Brasil). Foto: Divulgação

As criações francófonas constroem considerações convergentes sobre precariedade, identidade e legados coloniais através de perspectivas estéticas diversificadas.

Le Quai de Ouistreham, da Compagnie la Résolue, da França, adapta investigação jornalística de Florence Aubenas sobre mulheres que trabalham em empregos precários e invisíveis, especialmente na limpeza e na manutenção, e que vivem à sombra da crise econômica. Dirigido por Louise Vignaud, com atuação de Magali Bonat.

L’Opéra du villageois, da Compagnie Zora Snake, de Camarões, manifesta resistência através de performance-ritual que ressuscita potência das máscaras africanas roubadas pelos museus europeus. Zora Snake atravessa dimensão sagrada para questionar pilhagem cultural colonial, utilizando bandeira da União Europeia, rituais com ouro e sal para despertar força ancestral das comunidades aldeãs consideradas “incivilizadas”.

Corpos (Cie Mangrove, Guadalupe/Brasil) explora estigmatização do corpo negro através de laboratório coreográfico desenvolvido por Hubert Petit-Phar e Augusto Soledade, questionando representações corporais e sexuais no cruzamento entre culturas caribenhas e brasileiras, investigando singularidades corporais diante de fronteiras estéticas e políticas contemporâneas.

palestra-performance La Vérité vaincra / A Verdade Vencerá recria entrevista de Lula a Ivana Jinkings 

La Vérité vaincra / A Verdade Vencerá, da Cie KastôrAgile, (França) desenvolve palestra-performance que adapta o livro homônimo de Luiz Inácio Lula da Silva, baseando-se nas entrevistas concedidas à editora Ivana Jinkings em janeiro de 2018, momento crucial anterior à prisão do ex-presidente. Gilles Pastor transforma documento político em teatro de resistência através das interpretações de Alizée Bingöllü e Jean-Philippe Salério, que recriam cenicamente os diálogos sobre julgamento, vida pessoal e trajetória política de Lula.

A obra materializa voz de resistência do homem afastado injustamente da arena política, expondo raiva sagrada contra injustiças através de linguagem cênica que articula testemunho pessoal com denúncia estrutural. No contexto do Feteag, esta criação francófona estabelece pontes diretas entre público brasileiro e reflexão internacional sobre democracia e autoritarismo, questionando como arte pode amplificar vozes silenciadas pelo poder judiciário e construir solidariedade transnacional diante de perseguições políticas contemporâneas.

Experiências Imersivas e Linguagens Expandidas

Dancemos… que o mundo se acaba!, da BiNeural-MonoKultur, da Argentina. Foto: Reprodução

Fábulas de nossas fúrias explora o universo gay. Foto: Rogério Alves / Divulgação

peça Neva, de Guillermo Calderón, em montagem de Marianne Consentino (PE)

Três criações exploram possibilidades de imersão e participação através de dispositivos que expandem linguagens teatrais tradicionais. Dancemos… que o mundo se acaba!, da BiNeural-MonoKultur, da Argentina, propõe áudio-obra interativa que transforma público em dançarinos, questionando coreomanias, epidemias de dança e comportamentos coletivos através de jogo que reflete sobre sedução, pandemia e medo de dançar sozinho.

Fábulas de nossas fúrias (Coletivo Atores à Deriva, RN) articula contação de histórias com afirmação política da raiva como elemento transformador, inspirando-se em Paulo Freire para questionar hierarquias conservadoras através de viados que justificam suas fúrias expondo modos de amar, invertendo lógicas que classificam “bichos” em estruturas de poder.

Neva, montagem de Marianne Consentino (PE), ambienta-se no Domingo Sangrento de 1905 em São Petersburgo, friccionando arte e política através de três atores refugiados em teatro durante massacre nas ruas. A peça de Guillermo Calderón questiona a serventia do teatro através de Olga Knipper, viúva de Tchekhov, que encena repetidamente a morte do marido enquanto cidade desaba, oscilando entre necessidade absoluta e total irrelevância da arte.

Formação de público como letramento cênico

No que se refere à formação de público, a Mostra Erenice Lisboa, voltada para estudantes da rede pública, desenvolve uma compreensão específica sobre letramento teatral. Através das apresentações de O Vira-lata, da Trupe Ave Lola, seguidas de conversas entre artistas e estudantes, o festival promove o desenvolvimento de repertórios simbólicos e críticos.

Este letramento teatral envolve a construção de ferramentas interpretativas que permitam aos jovens ter apreciar as criações teatrais em suas potencialidades expressivas. As conversas pós-apresentação funcionam como espaços de processamento coletivo da experiência estética, fundamentais para a formação de público crítico e engajado com as artes cênicas.

Atividades Formativas: Aprendizado e Troca de Saberes

Paralelamente, as oficinas propostas pelo festival desenvolvem lógicas distintas mas complementares de formação artística. A oficina com Gaëlle Bourges permite aprofundamento na pesquisa específica da artista francesa sobre feminilidade e construção de imagens corporais. Já a oficina do Teatro Container integra os participantes no processo de montagem de La Cocina Pública, criando vínculos entre formação teórica e prática artística concreta.

Vendas e Mordaças, oficina exclusiva para mulheres conduzida por Faeina Jorge, Juliana Veras e Monique Cardoso, propõe vivência sensorial e afetiva em torno de identidades femininas através de exercícios que articulam corpo, voz e memória pessoal. Por outro lado, o workshop Corpos e Territórios, ministrado por Hubert Peti-Phar, articula fundamentos culturais brasileiros e guadalupenses através de práticas corporais que dialogam com tradições ancestrais e princípios contemporâneos da dança.

Larissa Lisboa apreenta espetácuo Inquieta, com participação de Gabi da Pele Preta

A programação musical está garantida com o espetáculo Inquieta, performance de Larissa Lisboa com participação de Gabi da Pele Preta, evidenciando nova cena musical pernambucana focada em compositoras negras e LGBTQIA+. Larissa Lisboa, cantora e multi-instrumentista recifense, constrói repertório que mistura criações autorais com obras de compositoras contemporâneas locais, enquanto Gabi da Pele Preta, de Caruaru, desenvolve sonoridade inovadora que mescla maracatu, coco, afoxé com jazz, soul e reggae, celebrando identidade negra através de conscientização social musicada.

Sustentabilidade e Articulação Institucional

Quanto à sustentabilidade, a rede de apoios do FETEAG 2025 demonstra capacidade articulatória entre diferentes esferas: federal (Ministério da Cultura), estadual (Funcultura, Fundarpe), municipal (Fundação de Cultura de Caruaru) e privada (Banco do Nordeste, Rede Itaú, Vale). A parceria com o Consulado Geral da França viabiliza a programação francófona dentro da Temporada França-Brasil 2025, demonstrando como acordos bilaterais podem amplificar recursos para programação cultural.

Com 34 edições no currículo, o Feteag confirma a qualidade artística com relevância social, diversidade internacional com fortalecimento da produção local, formação de público com experimentação estética. Esta programação evidencia como festivais podem funcionar como plataformas de articulação entre diferentes mundos – artísticos, sociais, educacionais, políticos. Neste contexto, o festival afirma o teatro como necessidade social e política em tempos de urgência democrática, construindo experiências coletivas de pensamento e sensibilidade.

Programação Completa do FETEAG 2025

RECIFE
09 e 10/10

À mon seul désir (Ao meu único desejo),
de Gaëlle Bourges (França)
Local: Teatro Luiz Mendonça | Horário: 20h | Classificação: 18 anos

CARUARU
15/10

Dancemos… que o mundo se acaba!,
de BiNeural-MonoKultur (Argentina)
Local: Estação Ferroviária | Horário: 19h | Classificação: Livre

Édipo REC, do Grupo Magiluth (PE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 20h | Classificação: 18 anos

16/10

Fábulas de nossas fúrias, de Cia de Atores à Deriva (RN)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 20h | Classificação: 16 anos

17/10

NEVA,
de Marianne Consentino (PE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 20h | Classificação: 16 anos

18 e 19/10

Sonho de uma noite de verão,
da Trupe Ave Lola (PR)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 17h | Classificação: 12 anos

A Cozinha Pública (La Cocina Pública),
Teatro Container (Chile)
Local: Centro de Formação Paulo Freire (Assentamento Normandia) | Horário: 17h | Classificação: Livre

20 a 24/10

O Vira-lata,
da Trupe Ave Lola (PR) – 
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 9h | Classificação: Livre

20/10

Itaêotá,
do Grupo Totem (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 12 anos

Cavucar,
da MANADA Teatro (CE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

21/10

Circo Godot,
da Cia. Circo Godot de Teatro (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: Livre

Aquelas – uma dieta para caber no mundo,
do MANADA Teatro (CE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

22/10

Se eu fosse Malcolm?,
de Eron Villar & DJ Vibra (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 14 anos

Le Quai de Ouistreham (O cais de Ouistreham),
da Compagnie la Résolue (França)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

23/10

Tempo de vagalume,
de Joesile Cordeiro (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 14 anos

A Verdade Vencerá/LULA (La Vérité vaincra/LULA),
de Gilles Pastor – KastôrAgile (França)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

24/10

Bolor,
de Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi (PE)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 12 anos

Les Sans (Os sem),
de Les Récréâtrales-ELAN (Burkina Faso)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 14 anos

25/10

L’Opéra du villageois (A ópera do camponês),
da Compagnie Zora Snake (Camarões)
Local: Estação Ferroviária | Horário: 17h | Classificação: Livre

Corpos,
da Cie Mangrove (Guadalupe/Brasil)
Local: Teatro Rui Limeira Rosal | Horário: 19h | Classificação: 12 anos

Inquieta (Música),
de Larissa Lisboa com Gabi da Pele Preta (PE)
Local: Teatro Lycio Neves | Horário: 21h | Classificação: 16 anos

RECIFE
26/10

À un endroit du début (Em algum lugar no início),
de Germaine Acogny e Mikaël Serre (Senegal/França)
Local: Teatro de Santa Isabel | Horário: 19h | Classificação: 14 anos

Oficinas e Atividades Formativas

Workshop Corpos e Territórios – Hubert Peti-Phar
Oficina de Criação – Teatro Container
Pesquisa Corporal – Gaëlle Bourges
Vendas e Mordaças – Faeina Jorge, Juliana Veras e Monique Cardoso (exclusiva para mulheres)

Serviço

📍 Período: 09 a 26 de outubro de 2025
🎭 Entrada: Gratuita mediante retirada de ingressos no Sympla
🏛️ Locais: Teatro Santa Isabel (Recife), Teatro Luiz Mendonça (Recife), Teatro Lycio Neves (Caruaru), Teatro Rui Limeira Rosal (Caruaru), Estação Ferroviária (Caruaru), Centro de Formação Paulo Freire – Assentamento Normandia (Caruaru)
🎯 Direção Geral: Fabio Pascoal
👥 Curadoria Mostra PE: Vika Schabbach e Igor Lopes
💰 Apoio: Ministério da Cultura, Funcultura, Fundarpe, Fundação de Cultura de Caruaru, Banco do Nordeste, Rede Itaú, Vale, Consulado Geral da França
ℹ️ Mais informações: @feteag

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Semana Hermilo: Experimentação
e tradição no teatro recifense

 

Espertáulo Bolor, com Isabela Serevi, Guilherme Allain e Gabi Holanda. Foto: Morgana Narjara / Divulgação

A Semana Hermilo funciona como um respiro inovador e totalmente gratuito no Teatro Hermilo Borba Filho, homenageando o grande dramaturgo nordestino com uma programação que celebra tanto a pesquisa teatral contemporânea quanto as tradições populares. Este evento, Este evento, que começou com a estreia de Bolor e se encerra com as duas últimas apresentações do mesmo espetáculo, demonstra que há público sedento por propostas ousadas quando o acesso é democraticamente garantido, consolidando-se como uma importante plataforma de difusão cultural no Recife.

A atuação universitária se fez presente de forma significativa na programação, com Luz nas Trevas (baseado em Bertolt Brecht sob direção do professor Marcondes Lima) e Tudo de Novo no Front (adaptação de Fernando Arrabal pelos alunos da UFPE). Essas montagens universitárias ganharam especial relevância ao serem apresentadas fora do campus, permitindo que o público geral tenha acesso a trabalhos investigativos nascidos do exercício acadêmico. Enquanto Luz nas Trevas explorou os princípios do teatro épico brechtiano com um elenco de 24 atores, Tudo de Novo no Front apresentou uma proposta de absurdo perturbador que naturaliza grotescamente a violência através de uma inversão irônica característica do teatro de Arrabal.

A programação também contemplou a dança e as tradições populares com os espetáculos Caminhos, de Fabinho Soares – um solo de teatro-dança que entrelaça as vivências do artista no cavalo-marinho e Maracatu, revelando a riqueza da ancestralidade e cultura popular pernambucana -, e Passo, da Compassos Cia. de Dança, com direção de Raimundo Branco, obra que dialoga com manifestações como cavalo-marinho, maracatu rural e capoeira.

Vossa Mamulengecência. Thiago Augusto no papel do Cheiroso. Foto: Ivana Moura

Uma alegre surpresa foi Vossa Mamulengecência, comédia de Arthur Cardoso que celebra a tradição do teatro de mamulengos, contemplada com o incentivo-prêmio Aprendiz em Cena, e que apresentou ótimo desempenho do elenco composto por Thiago Augusto, Victória Cavalcanti, Camomila Boudoux e João Tavares. A montagem estabelece conexões diretas com Ariano Suassuna e textos fundamentais de Hermilo Borba Filho, demonstrando que a tradição do teatro popular nordestino encontra na nova geração uma renovação criativa admirável.

O fechamento da Semana Hermilo acontece com as duas apresentações finais de Bolor, espetáculo de dança contemporânea criado por Isabela Serevi, Gabi Holanda e Guilherme Allain, vencedor do prêmio-incentivo O Solo do Outro, que exemplifica perfeitamente o perfil de pesquisa do evento. Como propõe André Lepecki em Exhausting Dance: Performance and the Politics of Movement, esta nova geração de coreógrafos desafia nossa compreensão da dança ao “esgotar o conceito de movimento”, estabelecendo um diálogo explícito com teoria pós-colonial e estudos críticos de classe e raça que questiona estruturas hegemônicas.

Bolor incorpora precisamente essa abordagem ao estabelecer um diálogo crítico com Açúcar de Gilberto Freyre, questionando narrativas romantizadas sobre a formação brasileira através da economia açucareira e propondo uma estética da decomposição que valoriza processos de regeneração. Incorporando reflexões de pensadores como Malcom Ferdinand e Anna Tsing, o espetáculo utiliza os fungos como metáfora de resistência, contrastando radicalmente com a perspectiva freyreana e propondo caminhos decoloniais de regeneração ecológica e social – um final à altura da proposta investigativa que marca toda a Semana Hermilo.

SERVIÇO
Semana Hermilo 2025

Período: 8 a 20 de julho
Local: Teatro Hermilo Borba Filho – Recife Antigo
Entrada: Gratuita

PROGRAMAÇÃO FINAL

19/07 (Sábado)
17h – Palestra com professor Felipe Koury
19h – Espetáculo Bolor

20/07 (Domingo)
19h – Espetáculo Bolor

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Semana Hermilo tensiona
tradição e contemporaneidade

Bolor, criação em dança de Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi,

Hermilo Borba Filho morreu em 1976 acreditando que o mamulengo poderia resistir à televisão. Quase cinquenta anos depois, numa época em que influenciadores ensinam “cultura nordestina” no TikTok, o Teatro Hermilo Borba Filho recebe uma pergunta incômoda: ainda faz sentido defender tradições populares quando quase ninguém mais sabe direito o que isso significa?

A Semana Hermilo celebra a figura de Hermilo Borba Filho (Palmares, 8 de julho de 1917 — Recife, 2 de junho de 1976), dramaturgo, advogado, escritor, crítico literário,  romancista, diretor, jornalista, teatrólogo e tradutor. O evento, realizada pela Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife, que começa nesta terça-feira (08) e vai até 20 de julho, não promete respostas fáceis. Pelo contrário: reúne seis espetáculos que colocam lado a lado criações experimentais sobre plantation açucareira e comédia tradicional de bonecos, oficinas com mestres da cultura oral e adaptações universitárias de Brecht. É programa para quem não tem medo de sair do teatro com mais perguntas do que entrou.

A abertura traz uma novidade editorial: o lançamento do livro Cultura, Diversidade de um Conceito, do professor Flavio Brayner, mestre em história, doutor em educação e pós-doutor em filosofia, que também ministrará palestra sobre o tema às 19h. A escolha não é casual – em tempos de disputas sobre o que constitui cultura “autêntica”, a reflexão conceitual se torna urgente.

Bolor: crítica decolonial à plantation Açucareira

O destaque da noite de abertura fica por conta de Bolor, criação em dança de Gabi Holanda, Guilherme Allain e Isabela Severi, vencedora do Prêmio O Solo do Outro, iniciativa da Prefeitura do Recife dedicada à pesquisa e criação de espetáculos de dança. O espetáculo estabelece um diálogo crítico com a obra Açúcar de Gilberto Freyre, questionando as narrativas romantizadas sobre a formação brasileira através da economia açucareira. O trabalho mergulha no “solo violentado da plantation açucareira” para dar protagonismo aos fungos como metáfora de resistência e regeneração, contrastando radicalmente com a perspectiva freyreana que enfatizava a doçura e o refinamento civilizatório do açúcar.

Enquanto Freyre celebrava o açúcar como elemento formador da identidade nacional e símbolo de miscigenação harmoniosa, Bolor revela a devastação ecológica, a violência estrutural e o empobrecimento da biodiversidade causados pela monocultura açucareira, propondo uma estética da decomposição que valoriza processos subterrâneos e invisíveis de transformação.

A obra incorpora reflexões dos pensadores Malcom Ferdinand e Anna Tsing para construir uma perspectiva decolonial sobre os legados da plantation. Ferdinand, com sua ecologia decolonial, demonstra como a plantation açucareira estabeleceu o primeiro modelo de devastação ambiental sistemática, criando padrões extractivistas que persistem no capitalismo contemporâneo e destruindo formas tradicionais de habitabilidade entre humanos e não-humanos. Anna Tsing, por sua vez, oferece o conceito de “paisagens arruinadas” e a compreensão dos fungos como agentes de regeneração em ecossistemas devastados pelo capitalismo, formando redes subterrâneas de colaboração multiespécie que facilitam o crescimento de novas formas de vida.

O espetáculo utiliza essas perspectivas para imaginar como os fungos podem regenerar terras devastadas pelo açúcar, explorando redes de resistência e solidariedade que operam no “subterrâneo quase invisível” e tramam “outras possibilidades de se construir aliança e erguer futuros” a partir das ruínas da plantation, estabelecendo assim uma crítica radical às narrativas hegemônicas sobre a formação brasileira e propondo caminhos decoloniais de regeneração ecológica e social. O trabalho tem sessões nos dias 8, 9, 19 e 20.

Vossa Mamulengecência criado a partir da obra de Ariano Suassuna em diálogo com Hermilo Borba Filho

Vossa Mamulengecência, comédia escrita e dirigida por Arthur Cardoso, celebra a rica tradição do teatro de mamulengos pernambucano. A peça – vencedora do Prêmio de Fomento e Pesquisa O Aprendiz em Cena 2024/2025, outro mecanismo de fomento da gestão municipal voltado para estimular a produção cênica na cidade, com foco na formação de novos diretores – acompanha as aventuras do mestre de mamulengos e vendedor de perfumes Cheiroso Dorabela, que utiliza o humor como ferramenta para apresentar suas peças no teatro de bonecos.

O espetáculo estabelece conexões diretas com a obra A Pena e a Lei  de Ariano Suassuna e dialoga com textos fundamentais de Hermilo Borba Filho, como A Fisionomia e O Espírito do Mamulengo e o conto O Perfumista.

O elenco composto por Thiago Augusto, Victória Cavalcanti, Camomila Boudoux e João Tavares dá vida tanto aos personagens humanos quanto aos mamulengos que os acompanham, contando com uma equipe técnica que inclui preparação de elenco, produção musical de Lígia Fernandes, figurinos de Mariana Barbosa, bonecos criados por Luan Lucas Leite e iluminação de Natalie Revorêdo. Com apresentações nos dias 10, 11, 12 e 13 de julho, sempre às 19h30, o espetáculo de 1h30 de duração promete um final “digno de um espetáculo de Ariano Suassuna”.

Luz nas Trevas, adaptação de Bertolt Brecht pelos alunos da UFPE, com direção de Marcondes Lima.

A atuação universitária se faz presente de forma significativa na programação. Luz nas Trevas (15 de julho, às 20h), adaptação de Bertolt Brecht pelos alunos da UFPE sob direção do professor Marcondes Lima, explora os princípios do teatro épico brechtiano, buscando provocar reflexão crítica do público sobre questões sociais e políticas. A montagem conta com classificação indicativa de 16 anos e reúne um elenco expressivo de 24 atores: Acácia Mendes, Cheshire Mills, Clara Barbalho, Edla Ferreira, Flavio Soares, Gilliard Medeiros, Giovanna Hortência, Gusta Machado, Haru Jun, Isabelle Lemos, João Xavier, Jotapê, Lisbela de Holanda, Malu Oliveira, Marina Lino, Matheus Travassos, Max Teles, Mel Leão, Murilo Lima, Nelba Santos, Pauly, Rafael de Souza, Samuel Kapus e Victor Filho. A assistência de direção fica por conta de Gui Vicente, e a iluminação é assinada por Tycia Ferraz.

Tudo de Novo no Front (16 de julho) apresenta uma proposta igualmente experimental, nascida do exercício acadêmico. Como conclusão da disciplina Laboratório de Encenação do curso de Licenciatura em Teatro da UFPE, a montagem surge de um processo de criação coletiva conduzido pelos próprios estudantes, sob a orientação das professoras Agrinez Melo e Vika Schabbach, com assessoria do professor Marcondes Lima. Inspirada na dramaturgia de Fernando Arrabal, especificamente em sua peça Piquenique no Front, a montagem constrói uma situação de absurdo perturbador: durante uma guerra, pais visitam o filho no front e organizam um piquenique dominical ao som de tiros e bombardeios, transformando o campo de batalha em cenário de reunião familiar.

A proposta expõe a naturalização grotesca da violência através de uma inversão irônica que transforma horror em cotidiano doméstico. Essa estratégia cênica, característica do teatro do pânico de Arrabal, ecoa também as experimentações do absurdo europeu, mas dialoga diretamente com as inquietações hermilianas sobre os mecanismos sociais que tornam a brutalidade aceitável. A encenação universitária, ao escolher essa dramaturgia provocadora, coloca em questão a banalização dos conflitos armados e nossa capacidade coletiva de normalizar situações extremas, transformando-as em eventos familiares banais.

Completam a programação cênica os espetáculos de dança Dança Caminhos, de Fabinho Soares (17 de julho), e Passo, da Compassos Cia. de Dança (18 de julho), oferecendo perspectivas contemporâneas sobre movimento e expressão corporal.

Saberes Ancestrais em Cena

Um momento significativo da programação acontece no dia 18, quando a ancestralidade cultural nordestina encontra espaço central no evento. A mestra Nice Teles, primeira mulher negra condecorada mestra do cavalo-marinho da Zona da Mata Norte pernambucana, oferece uma aula-espetáculo sobre Personagens Femininos no Cavalo-marinho“. Sua presença representa  o reconhecimento de saberes tradicionais e principalmente a urgência de incluir perspectivas de gênero e raça nas discussões sobre cultura popular.

A participação de Nice vai além da apresentação. Entre os dias 15, 16 e 17 (das 14h às 17h), ela ministra oficina sobre o mesmo tema, oferecendo formação prática em conhecimentos que resistiram séculos de invisibilização. É uma oportunidade rara de acessar saberes transmitidos oralmente ao longo de gerações, mantidos vivos principalmente por mulheres das comunidades rurais.

Reflexões Teóricas e Formação

A dimensão formativa da Semana Hermilo inclui palestras que articulam passado e presente das artes cênicas pernambucanas. No dia 15, o professor Roberto Lúcio aborda a Contribuição de Hermilo Borba Filho para a formação de atores e atrizes do Recife de 1950 a 1970, período crucial para a consolidação do teatro moderno pernambucano.

As rodas de conversa dos dias 16 e 19 promovem diálogos entre diferentes perspectivas teatrais. O professor Marcondes Lima conduz discussão sobre “cena épica segundo Brecht e Hermilo”, explorando conexões entre o teatro político alemão e as experimentações hermilianas. Já Felipe Koury aborda a “antropologia do gesto cênico”, campo de estudos que ganha relevância crescente nos debates contemporâneos sobre corporeidade e performance.

As oficinas gratuitas complementam a programação formativa. Antropologia do Gesto“, ministrada por Felipe Koury nos dias 11, 12 e 13 (das 9h às 12h), oferece perspectiva teórico-prática sobre estudos do movimento cênico. As inscrições para ambas as oficinas devem ser feitas pelo email centroapolohermilo.pauta@gmail.com.

Cenário Cultural em Transformação

A realização da Semana Hermilo acontece num contexto de profundas transformações no cenário cultural recifense. A cidade enfrenta desafios crescentes na manutenção de espaços dedicados às artes cênicas, enquanto a especulação imobiliária pressiona territórios históricos como o Recife Antigo. O Teatro Hermilo Borba Filho, inaugurado em 1988, resiste como um dos poucos equipamentos públicos dedicados exclusivamente ao teatro, mas enfrenta as limitações de uma infraestrutura que demanda investimentos urgentes em modernização técnica, acessibilidade e conforto. A defasagem tecnológica dos equipamentos de som e iluminação, somada à necessidade de adequações que garantam pleno acesso a pessoas com deficiência, evidencia como a precarização dos investimentos públicos em cultura compromete a qualidade das produções e a capacidade do equipamento de cumprir sua função social de democratização do acesso às artes cênicas.

Os editais que deram origem aos espetáculos principais – O Solo do Outro e O Aprendiz em Cena — representam iniciativas importantes da gestão municipal para estimular a criação teatral recifense, oferecendo oportunidades concretas para artistas emergentes e projetos experimentais. No entanto, esses mecanismos pontuais evidenciam a ausência de uma política cultural continuada que articule ações de curto, médio e longo prazo para o desenvolvimento sustentável das artes cênicas. Embora essenciais para a emergência de novos trabalhos, editais isolados não substituem investimentos estruturantes em formação de público, manutenção de equipamentos, criação de circuitos de apresentação e consolidação de uma cena teatral que transcenda a lógica de projetos individuais. O desafio permanece: como transformar iniciativas pontuais em política cultural que efetivamente consolide o Recife como território fértil para as artes cênicas, honrando o legado hermiliano?

Exposição permanente do pensamento de Hermilo Borba Filho, no corredor do teatro. Foto: Andréa Rêgo Barros

SERVIÇO
Semana Hermilo 2025

Período: 8 a 20 de julho
Local: Teatro Hermilo Borba Filho – Recife Antigo
Entrada: Gratuita
Inscrições para oficinas: centroapolohermilo.pauta@gmail.com

PROGRAMAÇÃO 

08/07 (Terça-feira)
18h30 – Abertura oficial
18h45 – Lançamento do livro Cultura, Diversidade de um Conceito
19h – Palestra com professor Flavio Brayner
19h45 – Espetáculo Bolor

09/07 (Quarta-feira)
19h – Espetáculo Bolor

10/07 (Quinta-feira)
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

11/07 (Sexta-feira)
9h às 12h – Oficina: Antropologia do Gesto
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

12/07 (Sábado)
9h às 12h – Oficina: Antropologia do Gesto
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

13/07 (Domingo)
9h às 12h – Oficina: Antropologia do Gesto
19h – Espetáculo Vossa Mamulengência

15/07 (Terça-feira)
14h às 17h – Oficina: Personagens Femininos no Cavalo-Marinho
19h – Palestra com professor Roberto Lúcio
20h – Espetáculo Luz nas Trevas

16/07 (Quarta-feira)
14h às 17h – Oficina: Personagens Femininos no Cavalo-Marinho
19h – Roda de conversa com professor Marcondes Lima
20h – Espetáculo Tudo de novo no front

17/07 (Quinta-feira)
14h às 17h – Oficina: Personagens Femininos no Cavalo-Marinho
19h – Espetáculo Dança Caminhos

18/07 (Sexta-feira)
17h – Aula-espetáculo com Mestra Nice
19h – Espetáculo Passo

19/07 (Sábado)
17h – Palestra com professor Felipe Koury
19h – Espetáculo Bolor

20/07 (Domingo)
19h – Espetáculo Bolor

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