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Stravinsky com sotaque amazonense

Versão dos coreógrafos Adriana Góes e André Duarte. Fotos: Wellington Dantas

A Sagração da Primavera dos coreógrafos Adriana Góes e André Duarte. Fotos: Wellington Dantas

mbd-22233O ritual do espetáculo A Sagração da Primavera foi deslocado para a tribo Tikunana na releitura do Corpo de Dança do Amazonas. A exuberância da região Norte é transposta para o palco em uma movimentação frenética. A partitura gestual explora as pulsões de fertilidade, os ímpetos sexuais, os hormônios à flor da pele nos jogos juvenis entre machos e fêmeas. A versão amazonense da obra A Sagração da Primavera foi apresentada na penúltima noite da 12ª Mostra Brasileira de Dança, com casa lotada no Teatro de Santa Isabel.

Na saída da apresentação de A Sagração da Primavera uma mulher conversava com seu companheiro que a música a deixou muito nervosa, que achou a peça muito agoniante. Quando estreou, o espetáculo original do compositor russo Igor Stravinsky, com balé em dois atos assinado por Vaslav Nijinsky, causou controvérsia. Com cenário do artista plástico e arqueologista Nicholas Roerich, o lançamento ocorreu no Théâtre des Champs-Élysées, em Paris, no dia 29 de maio de 1913. O público à época não soube assimilar tantas mudanças e subversões musical e coreográfica. Abundaram vaias. A história dessa polêmica sessão quem sabe seja mais popular que a própria obra.

Na versão original coreográfica de Vaslav Nijinsky, uma garota é escolhida como sacrifício à divindade primaveril, no apogeu de um ritual pagão eslavo, com a finalidade de atrair para seu povo uma colheita farta a cada ano. Nesta variante dos coreógrafos Adriana Góes e André Duarte, o ritual da Moça Nova explora o rito de passagem feminino da infância para a fase adulta.

A cada nova montagem os criadores inventam uma historinha. A índia chamada Wörecu menstrua pela primeira vez é privada do convívio social e isolada num cubículo construído pelos índios homens. A coreografia passa por jovens celebrando a primavera sob os acordes brutais de Stravinsky. A sedução dos jovens, o jogo do rapto e o jogo dos rivais, a procissão de adoração à terra, são alguns marcos dos movimentos.

Montagem amazonense transpira sensualidade

Montagem amazonense transpira sensualidade

Essa versão tem um teor sensual forte e apresenta uma dança apaixonada e furiosa. A escolha da virgem a ser sacrificada traz a beleza da possível presa tentado escapar. É um jogo de força. Carregando cestos que são utilizados na coreografia como objetos para colheita e outras atribuições, o elenco numeroso usa um figurino de cores com variações da terra. Os homens dançam sem camisa e esbanjam vigor viril. A iluminações traça os claros e escuros da floresta e pontua os momentos de celebração e os episódios sinistros. Cenas ancestrais e excêntricas. A música de Stravinsky segue desconcertando.

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Sagração da Primavera amazonense

Ritual da Sagração da Primavera do Amazona se passa numa aldeia indígena. Foto: Divulgação

Ritual da Sagração da Primavera do Amazona se passa numa aldeia indígena. Foto: Divulgação

mbd-22233A Sagração da Primavera, composta pelo russo Igor Stravinsky e com coreografia de Vaslav Nijinsky, provocou um escândalo quando estreou em Paris 1913. O mundo da arte parecia que não estava preparado para dissonâncias, ritmos cruzados e politonalidade, de compassos e ritmos variados, para aquela fúria musical. A intensidade gestual e sonora atordoou a plateia que respondeu com agressão contra o elenco e a orquestra da companhia de Ballet Russo, numa cena digna de pastelão. A peça está carregada de referências à música folclórica russa e da Europa Oriental. E mostra um cerimonial pagão eslavo, de uma jovem dança até a morte, como dádiva ao Deus da Primavera. O Grupo Corpo de Dança do Amazonas (AM), conduzidos pelos coreógrafos Adriana Goes e André Duarte, faz uma releitura amazonense do clássico, mas dessa vez com um mergulho na cultura indígena. A Sagração da Primavera é atração do 12ª Mostra Brasileira de Dança, hoje, às 21h, no Teatro de Santa Isabel.

A encenação amazonense desloca a história para a tribo Tikuna, durante o Ritual da Moça Nova. Ao menstruar pela primeira vez, a protagonista (Worecü) passa por um período de reclusão. Nos rituais, Worecü tem seus cabelos arrancados, seus membros amarrados numa simbologia da morte do corpo infantil e o surgimento do corpo adulto. É ritual de passagem, de violência e solidão.

Instituído em 1988 pelo Governo do Amazonas / Secretaria de Estado de Cultura, o Corpo de Dança do Amazonas desenvolve programas com repertório diverso e regularmente convida coreógrafos brasileiros e estrangeiros para parcerias intercâmbios.

Ficha Técnica
Direção artística: Getúlio Lima
Assessoria artística: Mário Nascimento
Música: Igor Stravinsky
Concepção coreográfica e ensaiadores: Adriana Góes e André Duarte
Figurino: Maria Neves
Customização do figurino: Branco Souza e Sumaia Farias
Iluminação: Marcos Apolo
Técnico de palco e luz: Tabbatha Serrão
Produção executiva: João Fernandes
Elenco: Adriana Góes, Ângela Duarte, Baldoíno Leite, Branco Souza, Guilherme Moraes, Helen Rojas, Liene Neves, Marilucy Lima, Nonato Melo, Pammela Fernandes, Raíssa Costa, Rodrigo Vieira, Rosi Rosa, Sumaia Farias, Vanessa Viana, Valdo Malaq e Wellington Carvalho

SERVIÇO
A Sagração da Primavera, com o Corpo de Dança do Amazonas – CDA (Manaus/AM)
Quando: Hoje, às 21h
Onde: Teatro de Santa Isabel
Ingresso: R$ 20 e R$ 10
Indicação: livre

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A tecnologia como experiência encarnada

Flávia Pinheiro

Flávia Pinheiro em Diafragma: dispositivo versão beta

mbd-22233A relação entre o corpo e a tecnologia é o pretexto de uma pesquisa que a bailarina, atriz e performer Flavia Pinheiro vem desenvolvendo junto com argentino Leandro Olívan para o Coletivo Mazdita. Diafragma: dispositivo versão beta, construído com base em objetos analógicos e obsoletos, estreou no ano passado na cidade e hoje participa da 12ª Mostra Brasileira de Dança, às 19h, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Bairro do Recife. Na performance-manifesto, Flavia Pinheiro interatua com diferentes objetos criados e reutilizados por Leandro Oliván, aguçando a sua natureza desusada.

Este ano, o Mazdita lançou Diafragma: ensaio sobre a Impermanência, uma investigação sobe a impossibilidade de existir apenas na materialidade, utilizando as novas tecnologias. E no ano que vem apresenta a terceira parte da trilogia.

O Coletivo investiga dispositivos eletrônicos que constituem um arrolamento entre o corpo em movimento e a relação do espaço com os objetos. Em Diafragma: dispositivo versão beta, o grupo repensa os artefatos e seu consumo. Com isso a trupe propõe que não somos consumidores passivos. E lança luz sobre a ideia de obsoleto subordinada à máquina do capitalismo.

Para a companhia, a tecnologia é uma experiência encarnada. Faz parte do corpo, da maneira de ver o mundo e influencia no comportamento. É por isso que nessa prática o grupo busca se apropriar das ferramentas, de repensar suas práticas e ideologias.

Performance integra pesquisa do Coletivo Mazdita

Performance integra pesquisa do Coletivo Mazdita

E como os objetos não são desprovidos de inocência, eles carregam história e modos de pensar, o Mazdita adota uma posição crítica na utilização dessas peças e tenta desvendar os seus mecanismos operatórios.

Para essa performance, Flavia Pinheiro emprega um treinamento corporal que agrupa diferentes técnicas, como o Release (um conjunto de princípios e métodos de treinamento de dança contemporânea, que enfatiza a liberação da tensão muscular, para que os movimentos sejam realizados com um esforço mínimo), a técnica Iasparra (que amplifica a consciência física e sensível, e expande o campo perceptivo global), o Feldelkrais, (método que utiliza as percepções que as ações do corpo no espaço traz à consciência para tornar mais eficientes e econômicos os movimentos), o treinamento aeróbico, a yoga e outros.

Ficha técnica
Criação e Performance: Flavia Pinheiro.
Imagens: Martin Raabe.
Objetos Sonoros e Ruído: Leandro Olivan.
Fotografia: Pri Camara
Produção: Coletivo Mazdita

SERVIÇO
Diafragma:dispositivo versão Beta
Quando: Hoje, às 19h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Ingresso: 20 e 10 Reais
Duração: 42 minutos

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Dos meandros da música e da cópia

Imagens não explodidas, com Foto: focoincena.com.br

Imagens não explodidas, com Marcelo Sena e José W Júnior. Foto: focoincena.com.br

mbd-22233Um espetáculo de Pernambuco outro do Mato Grosso do Sul estão na programação de hoje 12ª Mostra Brasileira de Dança. Imagens não explodidas, montagem da Cia. Etc., do Recife, dirigida por Marcelo Sena, investiga o diálogo entre a música e a coreografia. Tem sessão às 19h, no Teatro Apolo. Plagium? discute os limites da originalidade, em várias coreografias mais que inspiradas em outros grupos. Tem apresentação no Teatro de Santa Isabel, às 20h.

“A música é um reservatório de imagens não explodidas”. Dessa definição do filósofo Giovanni Piana, em seu livro Filosofia da Música, surgiu o título do espetáculo da Cia Etc e a semente da pesquisa.

O trabalho, criado em 2008, promove o cruzamento entre as linguagens da dança e da música. E investiga como os conceitos como tempo, harmonia, sincronia, tonalidade e intensidade se deliberavam na dança. Formado em dança e música, o diretor do espetáculo, Marcelo Sena, usou seus conhecimentos nas duas áreas e construiu a própria trilha sonora.

Cia. Dançurbana questiona conceitos de originalidade na dança. Foto: Divulgação

Cia. Dançurbana questiona conceitos de originalidade na dança. Foto: Divulgação

A Cia Dançurbana, do Mato Grosso do Sul questiona originalidade, autoria e autenticidade na dança, a partir do espetáculo Plagium?. Dirigida e coreografada por Marcos Mattos a montagem apropriar-se de trechos de encenações de companhias de dança reconhecidas para compor seu espetáculo. As referências são peças da Ginga Cia. de Dança (MS), Membros (RJ), Quasar (GO), Cena 11 (SC) e a companhia belga Rosas.

A pergunta que não quer calar é atirada no palco pela companhia e respinga no público: “como é possível ser singular em contato com o que há em comum com outras obras?” Afinal o que é um plágio?

A Dançuarbana, que trabalha com o hip hop sul mato-grossense, defende que o conhecimento é acumulativo e gruda no corpo do bailarino e o processo de aprendizado se dá por imitação. Mas como cada corpo tem sua singularidade, portanto, não é possível pensar em mera reprodução do movimento, e muito menos em cópia. Proposta instigante.

Ficha técnica
Espetáculo Imagens Não Explodidas, da Cia. Etc.
Direção do espetáculo e trilha sonora original: Marcelo Sena
Intérpretes-criadores: José W Júnior e Marcelo Sena
Dramaturgia: Kiran (Giorrdani Gorki)
Iluminação: Luciana Raposo
Operação de luz: Saulo Uchôa
Produção: Hudson Wlamir


Serviço
Imagens não explodidas, da Cia. Etc. (PE)
Quando: Hoje, às 19h
Onde: Teatro Apolo
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia)


Ficha Técnica
Plagium?, da Cia. Dançurbana (MS)
Direção e concepção: Marcos Mattos
Iluminação: Camila Jordão
Intérpretes criadores: Ariane Nogueira, Adailson Dagher, Maura Menezes, Ralfer Campagna, Reginaldo Borges, Roger Pacheco e Rose Mendonça

Serviço
Plagium?, da Cia. Dançurbana (MS)
Quando: Hoje, às 20h
Onde: Teatro de Santa Isabel,
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia)

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Balé de São Paulo explora facetas da paixão

Coreografia Uneven, do espanhol Cayetano Soto. Foto:  Wellington Dantas/MBD.

Coreografia Uneven, do espanhol Cayetano Soto. Foto: Wellington Dantas/MBD.

mbd-22233Técnica, ousadia e experimentação. Assistir ao espetáculo do Balé da Cidade de São Paulo foi um exercício para os sentidos. O grupo fez duas sessões, uma no sábado e outra no domingo, no Teatro de Santa Isabel. E a participação da companhia na 12ª Mostra Brasileira de Dança se revelou como uma pequena panorâmica da companhia. As três coreografias, de três artistas estrangeiros, têm em comum a destreza e entrega dos bailarinos e um jogo narrativo ora mais transparente ora com um vocabulário mais denso da dança.

Uneven, do espanhol Cayetano Soto, lança desenhos geométricos no chão, no ar e no corpo dos bailarinos para configurar um mundo em eterno desequilíbrio. Ou a incessante busca humana por uma lógica que explique coisas incompreensíveis. Há um traçado complexo na sequência de gestos, nos movimentos minuciosos. O preto e branco do figurino expressam também essa ideia de fora do eixo defendida pelo coreógrafo.

Os oito bailarinos em cena executaram uma movimentação cerebral e a iluminação com suas sombras e brumas, que criam rotas de fuga dentro da espacialidade do palco, exercem um papel fundamental na montagem. A sonoplastia também ocupa lugar de destaque. O efeito dos bailarinos surgindo das sombras no fundo do palco é um momento de grande beleza cênica. É uma dança que expõe também o corpo treinado do elenco no balé clássico.

O jogo de atração e repulsão sentimental é explorado no quadro O Balcão de Amor

O jogo de atração e repulsão sentimental é explorado no quadro O Balcão de Amor

O Balcão de Amor, do israelense Itzik Galili, ostenta uma narrativa divertida, engraçada, bem-humorada. A sensualidade de um casal que assume o papel de caça ou caçador do jogo amoroso, invertendo as funções, é explorada de forma inteligente, sarcástica, numa brincadeira de esconde-esconde do desejo. O mambo do cantor cubano Pérez Valdez (1916-89) cria uma cumplicidade com a música sem seguir os passos catalogados dessa dança. Os dois bailarinos se atraem e se rejeitam numa oscilação ágil com ingredientes cômicos.

Cantata

Cantata, visão calorosa da paixão em coreografia do italiano Mauro Bigonzetti

Frenética e extravagante. Outra faceta do jogo de sedução é dançada em Cantata, do italiano Mauro Bigonzetti. Mas desta vez a temperatura sobe e é multiplicada por 20 bailarinos, que enchem o palco com bailados de acasalamento, de lutas, de paixões arrebatadoras. Formando grupos de vários números, mas sempre com muita vibração, eles traduzem o burburinho de uma aldeia italiana, com seus encontros e desencontros.

O sangue italiano correndo nas veias é traduzido em gestos de explosões de amor e de raiva. Os sentimentos fervem, borbulham, contagia cada um dos participantes. Vulcão pronto a entrar em erupção. Só achei que acrescentam pouco as frases dos bailarinos. Uma quebra e uma ordenação que já estão inscritas no corpo. Mas é uma dança que instiga para a vida. Repleta de emoção faz um contraponto com a primeira coreografia do espetáculo. Uma participação ovacionada na Mostra de Dança.

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