Mais aprendizados sobre teatro brasileiro, iluminação, produção cultural e crítica teatral

Leda Maria Martins. Captura de tela do YouTube

Uma das principais pensadoras do teatro brasileiro, especialmente do teatro negro brasileiro, a poeta, dramaturga, pesquisadora, ensaísta, e rainha de Nossa Senhora das Mercês da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá, Leda Maria Martins vai ministrar o curso Fragmentos e Intensidades no Teatro Brasileiro: Experimentações e Poéticas, de 23 de fevereiro a 25 de março, às terças e quintas-feiras, em ambiente digital, pela plataforma Zoom. O programa está sendo oferecido pelo Centro de Pesquisa Teatral CPT-SESC .

A professora adianta que o conteúdo não segue uma linha histórica, nem cronológica. O foco está direcionado para temas e momentos de experimentações através da história do teatro brasileiro e que trazem, individualmente, propostas e vieses diferenciados.

Os encontros vão salientar os saberes derivados da diversidade de autores e estilos da produção dramatúrgica nacional. Entram no roteiro autoras e autores importantes na dramaturgia brasileira, sejam do século 19 e 20, como Álvares de Azevedo e Oswald de Andrade. Ou contemporâneos, feito Grace Passô, Dione Carlos e Denise Stoklos.

Nos dez encontros, a primeira parte será reservada à exposição e a segunda para reflexão, compartilhamento de experiências e trabalhos conjuntos. Dois dias do curso terão convidados – o diretor Márcio Abreu (na aula 4, sobre o espetáculo Nós) e atriz e diretora Yara de Novaes (na aula 5, falando sobre a peça-jogo Desmemória).

As inscrições ocorrem no dia 16 de fevereiro, no portal Sesc São Paulo. Como praticamente todos os cursos oferecidos pelo Centro de Pesquisa Teatral CPT-SESC acabam em poucos minutos, os interessados devem estar atentos para o horário de abertura dos cadastros virtuais. Boa sorte!

Serviço:
Fragmentos e Intensidades no Teatro Brasileiro: experimentações e poéticas
Curso com Leda Maria Martins
Centro de Pesquisa Teatral CPT-SESC
Quando: de 23 de fevereiro a 25 de março, terças e quintas, das 19h às 21h
Inscrições: de 16 de fevereiro às 14h a 19 de fevereiro, no site sescsp.org.br/cpt
Ingressos: R$24 (credencial plena/trabalhador no comércio e serviços matriculado no Sesc e dependentes), R$40 (pessoas com +60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino) e R$80 (inteira).
Plataforma: Zoom
Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 16 anos.
Vagas limitadas

Iluminador Beto Bruel_ Foto: Larissa de Lima / Divulgação

A Trupe Ave Lola de Teatro promove duas palestras dentro do projeto Tempo de Formação Teatral – 2ª Ed – Minha praia é o teatro: História da Iluminação no Paraná, com o iluminador Beto Bruel e Gestão de projetos Culturais, com Dara van Doorn e Laura Tezza. Ambas as atividades são gratuitas e abertas ao público em geral, com vagas limitadas a 80 pessoas por palestra. As inscrições estão abertas até 21 de fevereiro.

Com um espaço independente em Curitiba há 10 anos, a Ave Lola mantém uma equipe de cerca de 20 pessoas entre produtoras, atrizes, atores, músicos, técnicos, além de artistas aprendizes. Trabalha com pesquisas dramatúrgicas e de linguagem e recebe artistas residentes de várias partes do mundo para ampliação e trocas estéticas e filosóficas.

Serviço:
Tempo de Formação Teatral – 2ª Ed – Minha praia é o teatro | 01 a 25 de FEV/2021
Inscrição: Até 21 de fevereiro, pelo site: http://www.avelola.net.br/agenda/tempo-de-formacao-teatral-2a-ed-minha-praia-e-o-teatro/.
Plataforma: Zoom
Projeto Realizado com o apoio do Programa de Apoio e Incentivo À Cultura – Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba

Diogo Spinelle e Heloisa Sousa ministram oficina de crítica

A crítica teatral é um disparador de diálogo para o pessoal do site Farofa Crítica, de Natal, Rio Grande do Norte. Nessa pisada, a turma propõe uma iniciação no campo da crítica teatral contemporânea, nos dias 20, 21, 27 e 28 de fevereiro, das 14h às 16h30 pela plataforma Zoom. Estão planejadas 15 vagas, sendo oito delas reservadas para moradores do estado nordestino.

O trabalho Oficina Online de Crítica Teatral será desenvolvido por Diogo Spinelli e Heloísa Sousa, a partir da leitura, análise, e produção de críticas. A proposta é que, além das discussões ao longo da oficina, os participantes escrevam seus textos críticos, com chances de serem postados no site Farofa Crítica.

As inscrições podem ser feitas até o dia 17 de fevereiro, pelo Instagram do @farofa crítica ou pelo link https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdj5SySUMkMKbucVhZVMbGrL15zPQj-0j-CtcFWFpZ2fZJm1w/viewform

Serviço:
OFICINA ONLINE DE CRÍTICA TEATRAL, ministrada por Diogo Spinelli e Heloísa Sousa
Inscrições: Até 17/02. Formulário de inscrição no Instagram do @farofa crítica
O projeto é realizado com recursos da Lei Aldir Blanc Rio Grande do Norte. Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal.

lorenna rdrigo

Lorenna Rocha e Rodrrigo Dourado ministram oficina de crítica teatral 

Investindo num espaço de debates sobre os teatros online e os arquivos audiovisuais de teatro, apostando no tensionamento de visões eurocêntricas em torno das artes cênicas e do exercício crítico, será desenvolvida A Oficina de Crítica Teatral, em sua segunda edição, ministrada por Lorenna Rocha (Quarta Parede) e Rodrigo Dourado (UFPE).

Para incentivar a reflexão crítica, eles convocam diferentes epistemologias para a produção do pensamento, deslocando os olhares para outros territórios criativos que compõem a cena contemporânea. 

Serão realizados exercícios individuais e coletivos de escrita, além de textos norteadores para as discussões propostos pelos ministrantes. A atividade será realizada via Google Meets, nos dias 24, 25 e 26 de fevereiro e 1º, 2 e 3 de março de 2021, em única turma, de 18h30 às 21h30.

 As inscrições estão abertas até o dia 20 de fevereiro e podem ser feitas no link aqui. Os resultados desta atividade poderão ser conferidos no Instagram e Facebook do Quarta Parede (@4.parede), site parceiro da ação. 

Serviço:
Oficina de Crítica Teatral com Lorenna Rocha e Rodrigo Dourado – 2ª edição
Quando: 24, 25 e 25 de fevereiro e 01, 02 e 03 de março (Única turma), das 18h30 às 21h30
Inscrições: Até 20 de fevereiro
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSf_4LQd8QnMQswqgu_GQYb-YvmE2p0FtQmO1xlfB34SkUpp0A/viewform
Informações: oficinadecriticateatral@gmail.com.
Incentivo: Lei Aldir Blanc – Pernambuco / Governo do Estado de Pernambuco / Secretaria de Cultura de Pernambuco
Parceria: Quarta Parede (PE)

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Difícil realidade brasileira
Crítica de Contos em Dor Maior

Totonha, com Karla Pimentel, um dos quadros de Contos em Dor Maior, da Escola de Teatro Fiandeiros . Foto: fotojanela

Timidez ou solidão, egoísmo, medo do futuro ou fantasmas do passado. Teatro serve para tudo. Para quem quer ser artista ou para quem vai abraçar outra carreira, estudar teatro é um bom passo, seja qual o for o caminho a seguir. É um treinamento muito especial do que há de mais humano em nós.

A Escola de Teatro Fiandeiros, do Recife, é tocada por artistas-pesquisadores vocacionados. Os diretores André Filho e Daniela Travassos estão nessa labuta há mais de uma década, tecendo aprendizado /experimentação dos alunos-atores com cuidado e delicadeza.

No ano passado, devido à pandemia do Coronavírus, as aulas ocorreram de forma virtual. O trabalho de conclusão da Turma de Iniciação Teatral, nível 1, da Escola de Teatro Fiandeiros, ministrada pela professora Daniela Travassos, rendeu o espetáculo Contos em Dor Maior. Trata-se de uma composição dos contos do escritor Marcelino Freire, em monólogos sequenciados, de temática variada.

Os aprendizes dão os primeiros passos. E que bom que seja com Marcelino Freire, que carrega uma prosa poética, com muitas castas de reflexões. A gravação da peça foi exibida na programação do Janeiro de Grandes Espetáculos deste ano. 

A obra de Marcelino Freire aparenta ser fácil de levar à cena. Por uma teatralidade que pulsa na composição dos textos. Pelo tom coloquial. Mas ela exige uma dedicação maior ao se apropriar das feridas sociais e imprimir algum sentido no palco. Há complexidade ao tratar de opressão em vários campos: sexualidade, racismo, discriminação, machismo, patriarcado, militância, experiências e perspectivas sobre si e o outro. E mesmo que pareça colar em algum clichê, traça um deslocamento para provocar uma fissura profunda, um pequeno abalo sísmico, que infla a potência da fala, do corpo, do pensamento.  

As rimas dentro da prosa de Marcelino Freire se mostram um desafio. Em alguns casos de Contos em Dor Maior há uma dificuldade de se apropriar do universo da cena, as ações psicofísicas clamam por um treinamento exaustivo do ator. E a articulação das palavras precisam ser saboreadas, mastigadas, introjetadas.

A linguagem contemporânea de Freire aponta a complexidade da vida destes tempos, com os dramas do cotidiano, os protestos, o acordar para uma consciência crítica nas contradições. A tensão da linguagem no espaço de opressão social nos mostra coisas muito mais diretas que as teorias.

Quando Marcelino Freire investe, por exemplo, nos traumas de personagens homossexuais / bissexuais / transexuais não é para salientar os estereótipos, usados como entretenimento raso nos programas televisivos humorísticos. Mas para falar da humanidade daquela personagem e de quem a julga. Ou quando o autor salienta os efeitos do passado colonial e escravocrata refletidos no discurso das figuras, ele expõe as frustrações movidas pela discriminação contra as pessoas negras, pobres, periféricas. É preciso sutileza nessas falas diretas.

Nação Zumbi, com o ator Ariel Sobral. Foto Divulgação

Ao todo, 14 cenas formam Contos em Dor Maior. Seis de Contos Negreiros (2005): Nação Zumbi, Vanicléia, Totonha, Polícia e Ladrão, Curso Superior e Coração. Uma de Angu de Sangue (2002): Moça de Família. Três de Amar é Crime (2011): Vestido Longo, Ir Embora e Irmãos. Quatro de Rassif – Mar que arrebenta (2006): O Amigo do Rei, Maracabul, Roupa Suja e Ponto.Com.Ponto.

Começa com o conto Nação Zumbi, com o ator Ariel Sobral. Nele, um homem preto e pobre acertou vender um rim. Como o tráfico de órgãos no país é ilegal, algo dá errado e a operação não se realiza. A personagem problematiza a miséria, a fome, a falta de oportunidades, a saúde pública no Brasil, e os limites de pertencimento do próprio corpo. “E o rim não é meu? Logo eu que ia ganhar dez mil, ia ganhar.”, pergunta. “Se fosse para livrar minha barriga da miséria até cego eu ficaria”. A caracterização (roupas rasgadas e sujas, e um saco de tecido às costas) sugere o papel de um mendigo ou morador de rua. A pensar! O intérprete faz modulações interessantes do episódio que vai render ao personagem muita pancada nos rins.

“Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso”, se posiciona Totonha, personagem do conto homônimo. E desafia a mocinha que tenta convencê-la a ser alfabetizada. “O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-linguiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, tá me entendendo?”. Karla Pimentel valoriza a revolta, ironia e reflexões da personagem no quadro bem composto.

Silvia Raquel corporifica a funcionária da lavanderia que arma plano mirabolante para conquistar um cliente em Roupa suja. Ela imprime sensualidade ao relato dessa aventura amorosa e preenche com graça suas reticências. “Maria, nem sei por onde começar. A contar. A minha história de amor. Quando ele, Meu Deus, entrou na lavanderia. Parecia propaganda de sabão. Tudo à minha volta ficou limpo, límpido, esse mundo cão.”

Ponto.Com.Ponto segue a epígrafe e toca um trecho da música Carinhoso de Pixinguinha e João de Barro. Anúncio de um encontro amoroso no parque. O quadro, com Yuri Campelo expõe a expectativa de um jovem apaixonado. O ator traz uma leveza cativante, traduzida em gestos infantilizados. E deixa entrever os ardis de sentidos proposto pelo texto.

Um pai, fissurado em futebol, fica intrigado porque o filho não tem habilidade com a bola. E gosta de poesia. Em Amigo do Rei, Gerson Alves consegue extrair humor da ignorância do personagem que deduz que o filho está apaixonado por um tal de Manuel Bandeira, que ele não sabe se mora nas vizinhanças.

O machismo da sociedade brasileira atravessa todas as classes, com suas armações de superioridade/ inferiorização. A mulher da cena Vanicléia é pobre e negra, casada com um marido agressor. Sem perspectiva de vida, ela sonha para sua filha uma vida que já teve, como prostituta e o tratamento “mais humano” dos estrangeiros em rota de turismo sexual no Brasil. Bárbara Lavínia passeia por lembranças e indignações da personagem.

Há uma musicalidade na cena Ir embora, com Paloma Aires. Há extratos de beleza sobre despedida, sobre dúvidas da mudança da Chapada das Mangabeiras para uma cidade mais “desenvolvida”.

O espetáculo Contos em Dor Maior distingue potencialidades dos alunos, alguns com mais desenvoltura no trabalho. E o cuidado da diretora Daniela Travassos ao respeitar as circunstâncias de cada um deles. Que sigam, que o teatro faz bem.

Ficha Técnica
Contos em Dor Maior
Direção: Daniela Travassos.
Dramaturgia: Marcelino Freire.
Iluminação: Charly Jadson.
Elenco: Ana Gouveia, Ariel Sobral, Bárbara Lavínia, Edu Leandro, Gerson Alves, Karla Pimentel, Marcos Júnior, Matheus Travassos, Melquizedeque Lagos, Paloma Aires, Rafael Neves, Silvia Raquel, Tony Macedo, Yuri Campelo.

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Um bufão grotesco no poder
Crítica do espetáculo Ubu, O Rei do Gado

Versão da texto do dramaturgo Alfred Jarry ganha contornos da realidade nacional. Foto: Shann / Divulgação

Peça é inspirada no bufão e no grotesco e o expressionismo nos elementos visuais. Foto: Luan Amim / Divulgação

Pai Ubu não é exatamente um humano, mas uma figura monstruosa. Com essa personagem estúpida, cruel e burlesca, o dramaturgo Alfred Jarry anunciou na vanguarda o Teatro do Absurdo, em dezembro de 1896, com a estreia de Ubu Rei, no Teatro de l’Oeuvre, em Paris. O espetáculo atiçou a ira dos burgueses e conservadores e foi cancelado logo após a segunda apresentação. Mas a influência dessa peça de Jarry, instaurando um novo jeito de fazer teatro, renova-se nos palcos, na filosofia, na política, nos desenhos animados.

A contemporaneidade da dramaturgia é estarrecedora ao retratar aquele tirano bufão, que se aparenta de personas bem vivas. Oficial de confiança do Rei Venceslau, Pai Ubu é instigado por  Mãe Ubu, a assassinar o rei da Polônia e tomar o poder. Faz promessas ao povo, que não cumpre, e liquida a oposição.

Fred Nascimento, diretor do Laboratório de Aprofundamento cênico – LAC, da Escola Municipal de Arte João Pernambuco (EMAJPE) quis falar desses “tempos de gado”. Os atores trabalharam junto com o encenador uma livre adaptação da peça de Alfred Jarry, que chegou a Ubu, O Rei do Gado.

Personagem foge da Europa e pretende fundar um império em Pernambuco. Foto: Luan Amim / Divulgação

Único liceu público de artes do Norte e Nordeste, a Escola Municipal de Arte João Pernambuco (EMAJPE) movimenta o bairro da Várzea, Zona Oeste da capital pernambucana, e oferece por semestre cerca de 1.100 vagas gratuitas em Artes Visuais, Canto Coral, Dança Brasileira, Dança Contemporânea, Música e Teatro para crianças (na modalidade iniciação às artes), jovens e adultos.

Mas de forma recorrente, alunos, funcionários, professores e pais dos estudantes reclamam da manutenção na estrutura do prédio, reivindicam concurso para novos docentes, aquisição de materiais e instrumentos musicais. A João Pernambuco é forjada na luta.

Se as condições do prédio estão sempre precisando de um reparo, o empenho, a dedicação e a qualidade técnica dos professores são apontados pelos aprendizes como o diferencial dessa usina formativa, que já realizou mais de 20 versões da Mostra de Artes Cênicas A Porta Aberta, composta pela produção dos alunos da instituição e companhias convidadas.

Durante uma live do Palavração sobre Experiências de Ensino de Teatro na Escola (evento da programação do JGE), a direção do João Pernambuco anotou nos comentários que 30 professores estavam em processo de contratação para este ano. Que assim seja!

A gravação foi realizada no palco da EMAJPE, entre o Natal e o Ano Novo. Foto: Luan Amim/ Divulgação

Nos letreiros da gravação da peça produzida para participar do Janeiro de Grandes Espetáculos, (feita entre o Natal e o Ano Novo, no palco da EMAJPE), podemos ler que Pai Ubu e Mãe Ubu são nobres do baixo clero da Polônia. Ele, um ex-militar e político de quinta categoria, tosco e covarde. Ela uma megera infiel. 

A peça original tem cinco atos e diversos personagens. Ubu, O Rei do Gado investe nas narrativas individuais de Mãe Ubu e do Pai Ubu, que contam os preparativos do golpe, a tomada do poder, as reformas implantadas, a insurreição, a fuga pela Europa e a chegada ao Brasil, onde pretendem dominar com a ajudar do “seu” gado.

A montagem com os atores do LAC-EMAJPE foi erguida durante a pandemia do Coronavírus, com trabalhos remotos, de leituras, estudos, discussões e a adaptação do texto coletivamente. Essa versão aplica força na utilização de frases e palavras de efeitos proferidas pelo senhorzinho Jair Messias.

“Ai, que papelão Pai Ubu”, instiga Mãe Ubu para que o marido não se contente com o papel de chefe de milícias de Rio das Pedras. O discurso de um e de outro já foram motivos de raiva e de riso quando articulado pelo mandatário do Brasil. “Bando de doutrinados e nós somos filhos de Deus” diz ela. “Grandes esquemas, porque rachadinha não é coisa de rainha”. Ou quando ele fala da simples gripezinha, Amazonas, Pantanal pegando fogo. “Se eu fosse rei cortaria a cabeça de todos que defendem o que eu não defendo”.

Essas histórias ocorrem em Lugar Nenhum. O protagonista, como já foi dito, é um ser ignóbil. Por isso mesmo é arquétipo dos ditadores cruéis e covardes espalhados pelo mundo. Com grandes ou pequenos poderes. Personificação do bizarro, esse cômico truculento propicia o riso decorrente do ridículo da situação.

A interpretação está calcada no bufão, com marcas do grotesco, do exagero e do deboche. São três Pais Ubu: Luan Amin, Leonardo Marinho e Franklin Menezes. E três Mães Ubu: El Maria, Simone Santos e Nicole Lima. Cada ator trabalha um pequeno episódio da trajetória dos protagonistas. A caricatura se repete em ações e risos de desprezo, sem grandes alterações ou movimentações. 

Possivelmente, a gravação não traduz a riqueza do processo de construção do espetáculo. A filmagem é precária e se soma a uma escolha pela pobreza da cena.  Faltam camadas. Até porque a exploração da vilania do comandante ganha todos os dias memes, quadros em programas, protestos. Outras propriedades são necessárias. Mesmo sendo a palavra no espetáculo mais afiada que o gesto.

A professora Tatiana Pedrosa levou o expressionismo para os elementos visuais da montagem – maquiagem exagerada, peruca para Mãe Ubu, malha para todos. Mas o efeito não é pescado na gravação. A iluminação promove um efeito claustrofóbico e projeta sombras nas paredes. Mas também é muito difícil captar na filmagem o impacto dessa iluminação feita para o teatro. 

Pai Ubu, a personificação do grotesco. Foto: Luan Amim / Divulgação

Poder ubuesco foi um conceito forjado por Michel Foucault nas primeiras aulas do livro Os Anormais (Curso no Collège de France 1974-1975), ao analisar os dossiês dos peritos psiquiátricos com especialidade penal.

O termo “ubuesco” remete ao caráter que junta deformação jocosa, cinismo, caricatura, brutalismo, absurdo. A Presidência da República do TáOK? é ocupada por uma personagem assim.

Entre a perversão e o perigo, o discurso ubuesco é utilizado como mecanismo de controle, mesmo que esse poder utilize a desqualificação do próprio discurso para dominar, como salientou Foucault. “Parece-me que é uma das engrenagens que são parte inerente dos mecanismos de poder”. Nós, brasileiros, infelizmente, vivemos isso.

Ubu, O Rei do Gado expõe insultos em tom de deboche tanto da Mãe Ubu, quanto do Pai Ubu. A canalhice expressa em cena amplifica as imbecilidades do real, que podem até causar o riso da audiência. As estratégias de jogar decisões importantes como chistes ao vento servem de cortina de fumaça para esconder pontos importantes.

Com uma fala muito colada aos desmandos da vida brasileira, com elementos de cena propositalmente toscos (chão de plástico, uma mesa com tecido vermelho), interpretações bem exacerbadas do cinismo do comandante, a ridicularização dessa cena medonha que não conseguimos nos livrar, provoca um sentimento de impotência. Da bestialidade sem limites que assusta o país. Pois o pior de tudo é que essa figura de carne e osso detém o poder de vida e de morte. Merdre!.

Ficha Técnica:

Ubu, O Rei do Gado
Baseado na obra de Alfred Jarry, com dramaturgia coletiva de livre licença poética.
Direção e coordenação: Fred Nascimento
Elenco: El Maria, Luan Amim, Simone Santos, Leonardo Marinho, Nicoli Lima, Franklin Menezes
Design de maquiagem e figurino: Tatiana Pedrosa Leal
Gravação e edição: Luan Amim
Agradecimentos: Bel Corina, Eli Yon, Ronaldo Pereira, Shann

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Mulheres que uivam como lobas
Crítica do espetáculo Processo medusa

Processo Medusa, do Núcleo Biruta de Teatro. Foto Abajur Soluções

“A liberdade é uma luta constante”, afirma o título do livro de Angela Davis. Como revolução feminista é um trabalho cotidiano, a possibilidade de discutir feminino e feminismo no teatro pode ser um lugar de muita potência. Principalmente entre artistas jovens, por seu caráter pedagógico, detonador de mudanças que reverberam para além do palco. Processo medusa, do Núcleo Biruta de Teatro, de Petrolina (PE), divide com o espectador como as mulheres artistas desse grupo de experimentação cênica enxergam a opressão do patriarcado sobre suas mentes, seus corpos, seus desejos. A gravação do trabalho, que estreou em 2017, foi exibida (e ainda está disponível on-line no YouTube do festival) na Mostra de escolas independentes de teatro, dança e circo do 27º Janeiro de Grandes Espetáculos.

O Núcleo Biruta de Teatro, ligado à Cia Biruta de Teatro, começou com uma ocupação artística do CEU das Águas, no bairro Rio Corrente, na periferia de Petrolina, em 2015. Jovens interessados em participar das atividades de experimentação propostas pelo grupo se inscreveram para participar. O elenco do espetáculo conta com três atrizes que já faziam parte da companhia e outras 11 que vieram desse processo, além de dois homens. A direção é assinada por Antonio Veronaldo, homem negro que já era diretor da cia.

É uma peça que se propõe construir uma relação de proximidade/cumplicidade/identificação com a plateia. De início, tomando o gancho do humor, principalmente nas cenas de Juliene Moura. Quando a atriz, por exemplo, tenta sintonizar uma rádio, mas as letras das músicas de vários gêneros, antigas e mais recentes, objetificam o corpo da mulher, declaram que o homem tem poder sobre seus corpos, que é ele quem manda na relação. É um humor que faz rir um riso nervoso, diante do machismo que estrutura a nossa sociedade. É praticamente automático que, quem assiste à cena, passe em revista a sua própria playlist.

Vem na chave do humor também uma reflexão na cena de abertura que é apenas pincelada: os papéis sociais que nos são impostas. A mulher como uma parideira. A mãe, a que tem o dom do cuidado, a que amamenta o filho (desde que privadamente, para não escandalizar o olhar incauto de ninguém). Que deixa de ser mulher quando vira mãe. Que precisa ser abnegada, desprendida, amar incondicionalmente, suportar todas as dores.

Mas o movimento mais forte no espetáculo é pela afirmação do nosso direito à existência. O mito de Medusa, figura que tinha serpentes no lugar dos cabelos, é um dos disparadores da dramaturgia. Na versão trabalhada pelo grupo, Medusa foi estuprada por Poseidon, o deus dos mares, sendo então castigada por Atena.

A montagem aborda de maneira muito direta, em cenas bastante explicitas, a violência contra a mulher, inclusive o estupro sofrido por Medusa. A resposta ao abuso vem na dimensão da coralidade, da irmandade e da guerra, tomando como referência as amazonas, também da mitologia grega. O rito do pedido por justiça vem com uma segunda condenação, como se o crime em si já não fosse cruel o suficiente.

Mulheres se unem em bando contra a opressão. Foto: Tássio Tavares

Mas essas mulheres não aceitam serem subjugadas. A revolta contra o estupro acaba com qualquer expectativa de pacificação e docilidade. Afinal, como bradam as atrizes, a revolução será feminista ou não será. Ali as mulheres estão em matilha, uivando as suas dores, afirmando que não suportarão mais serem violadas, maltratadas, mortas. São selvagens, como bichos que grunhem – mas, principalmente, como animais que tomaram consciência das suas próprias naturezas, das suas forças, do que as conecta umas às outras.

Com uma dramaturgia assinada pelo coletivo, o espetáculo opta por uma elaboração direta de sentidos. Texto e cena são enfáticos, manifesto contra o patriarcado, a violência, o feminicídio, a objetificação. As atrizes são todas muito jovens – arrisco dizer que, para muitas delas, talvez seja a primeira experiência em cena. Então esses corpos e vozes ainda carecem de consciência da sua extensão, das suas possibilidades. Tempo, treinamento e técnica vão ajudar no amadurecimento dessas artistas, o que deve fazer o espetáculo ampliar dimensões de potência.

Na época em que decidiram montar a peça, o país acompanhava o golpe misógino que arrancou do poder uma presidenta eleita. Todos sabemos no que deu. Mas foram provocadores externos, o contexto político e social, os casos de feminicídio na região (algumas manchetes são lidas em cena), o machismo, que dispararam a emergência do espetáculo.  

As subjetividades dessas artistas estão a serviço do manifesto, do coro, da matilha, e não se deixam necessariamente entrever nessa estrutura cênica. A pergunta feita no início do espetáculo: “o que é ser mulher?” é respondida tendo em vista às opressões a que somos submetidas. No espetáculo, o movimento é de reação, de fora para dentro. De lutar pela autonomia feminina, pelo empoderamento da mulher diante da estrutura patriarcal e machista. Mas, na tomada de fôlego entre os uivos, é importante perceber que as opressões a que somos submetidas não nos definem. E que não serão capazes de nos paralisar, o que o experimento-manifesto brada a plenos pulmões. Enquanto todas as mulheres não forem livres, nenhuma delas será. Não estaremos satisfeitas. A liberdade é uma luta constante!

Ficha técnica:
Processo Medusa, do Núcleo Biruta de Teatro
Dramaturgia: Coletiva
Direção: Antonio Veronaldo
Elenco: Cristiane Crispim, Juliene Moura, Camila Rodrigues, Letícia Rodrigues, Érika Suylla, Joana Crispim, Laiane Amorim, Graciane Lacerda, Val Nunes, Yasmin Rabelo, Luisa Crispim, Amanda Martins, Cíntia Naara, Milena da Silva, Jhennyson Ferreira e Felipe Paixão
Técnica:
Hannah Lima

Dramaturgia revê mito da Medusa. Foto: Tássio Tavares

Peça está disponível no YouTube do Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Jackson Vicente

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Impacto das fake news pelo olhar dos aprendizes
Crítica do Experimento multimídia: Um jogo dialético

Gravação de experimento cênico foi exibida no Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Ari Soarez/Maker Mídia

Um jogo dialético está dividido em dois momentos: do “palco tabuleiro arena” e da live do julgamento. Foto: Ari Soarez/Maker Mídia

Gravação está online no canal do JGE no Youtube. Foto: Ari Soarez/Maker Mídia

No longínquo século 20, Candinha infernizava a vida de Roberto Carlos “papo firme” com seus mexericos. Essa personagem musical atormentava as escolhas de RC e falava “algo” de toda gente, da rua, do bairro, quem sabe do país. Mas ela era identificável. Essa moça faladeira, que cuidava mais da vida alheia do que da própria, parece agora tão inocente nesses tempos de fake news e pós-verdades. Tudo bem, tudo bem, Nietzsche já vaticinou que não existem verdades absolutas. Mas o que vivemos atualmente no campo da comunicação é medonho.

A nova ordem global chegou com muitos penduricalhos. Pós-verdade e fake news são termos carregados nessa onda. A rapidez pós-moderna plugou na abundância de fontes de informações e meios midiáticos, tanto tradicionais quanto digitais, e fez a festa. Com fartura de fake news, historietas produzidas, boatos e colisões de desinformação. A notícia sofre nessa sociedade em rede sobrecarregada de armadilhas.

Um bando de atores em formação mergulha na criação a partir dos seus isolamentos. A proposta do Experimento multimídia Um Jogo Dialético, do Curso de Interpretação para Teatro (CIT) – Santo Amaro, no Recife, busca “problematizar signos e gestus, inspirados numa herança brechtiana”. Como em muitos outros trabalhos forjados durante a pandemia do Covid-19, a tentativa é averiguar essas novas possibilidade da lida cênica via web, a aproximação distanciada entre criadores e assistentes até a noção de esgarçamento.

O experimento pode ser considerado em dois momentos. A primeira batalha ocorre num “palco tabuleiro arena”, com revezamento de personagens em volta ou sobre uma grande mesa. O segundo tempo desse jogo funciona como uma live coletiva em que essas figuras decidem sobre o destino do Homem.

Quando entram, um dos atores vai ao microfone e fala: “É uma casa modesta. Tem uma mesa. A mãe está sempre botando comida para o pai. A filha está à esquerda, o filho à direita. Não há nada nessa casa que possa identificar quem são as pessoas”.

Os intérpretes usam máscaras transparentes, que parecem focinheiras. Discutem assuntos banais. Aliás, falam ao mesmo tempo que não dá para entender. Aos poucos, ficamos sabendo que eles se referem a um Homem, que um deles (o Pai) deve prejudicar para garantir algum benefício financeiro.

Eles trocam de função e de persona. O diretor Eron Villar dispara os “motes” para o improviso do grupo. Ciberespaço, beijo grego, fake news, linchamento em praça pública são alguns deles.

Entre frases confusas, dança de cadeiras, interpretações instintivas, uma mistura de frescor e ingenuidade dos corpos atuantes, é possível traçar algumas narrativas. Eles falam de ciberespaço como se fosse um lugar no espeço sideral. Eles jogam com a noção de que alguém quer prejudicar o Homem que veio do espaço. No início, as fakes news devem ser espalhadas para manchar a reputação do forasteiro. Depois, o forasteiro deve ser linchado e eliminado.

Universo das fake news é pauta no espetáculo. Foto: Ari Soarez/Maker Mídia

O elenco usa frase de efeito para destacar algumas questões: “Falar de assassinato é mais bem aceito do que falar de cu”. Ou o discurso da cidadã Lari: “Juiz parece que agora faz parte da família real de Pernambuco. É Campos que se chama, né”.

A recorrência do jogo sobre fake news e de que uma pessoa comum estaria disposta a aceitar essa função de espalhador de notícias falsas por dinheiro aponta as faces do capitalismo. Mas não existem grandes elaborações no tratamento do tema.

Talvez isso forneça  uma linha de percepção que posso aproximar do caos instalado no mundo com prevalência da manipulação de dados e da terra arrasada de discernimento. Os termos post-truth – pós-verdade – e fake news – notícias falsas se impõe no mecanismo propositalmente caótico da encenação. Meu pensamento faz associações rápidas sobre algoritmos como agentes da formação das bolhas sociais e monetização das notícias.

Sabemos que a epidemia de notícias falsas causou danos semelhantes a uma pandemia. Vivemos isso todo dia, proporcionado pelo desgoverno que pisa na informação, massacra a saúde e tripudia da vida humana.

Na peça, um Homem veio do ciberespaço. Quem ele é, o que pensa, quais seus propósitos, nada disso fica evidente na dramaturgia. Mas é preciso acabar com ele, criando as condições de linchamento virtual ou físico. Mesmo que o motivo sejam notícias vazias, falsas e sem embasamento.

O destino do Homem é definido na “calada da noite” com a participação de juízes com sentenças já definidas, advogados, ausência do “réu”, um ou outro questionamento sobre os procedimentos.

Experimento realça sua natureza pedagógica. Foto: Ari Soarez/Maker Mídia

O experimento, realça sua natureza pedagógica, a oportunidade de vários atores jogarem, num trabalho que tem uma caprichada iluminação na primeira parte, uma simplicidade dramatúrgica e de atuação. Mas que não perde a oportunidade de instigar os jovens atores com reflexões sobre o ofício de intérprete – quando um e outro se destaca ao microfone para comentar sobre inquietações da arte ou das complexas situações causadas por fakes news durante a pandemia.

E esse frescor, esses improvisos, aquecem o jogo com o diretor Eron Villar que nos faz ouvir soltar suas gargalhadas nos desabafos e atitudes de seus atores, que um passo após outro já estão construindo o devir da cena contemporânea pernambucana.

*O espetáculo foi exibido online no dia 15/01/2021 (e ainda está on-line), dentro da programação do Janeiro de Grandes Espetáculos, na Mostra de escolas independentes de teatro, dança e circo.

Trabalho tem direção de Eron Villar. Foto: Ari Soarez/Maker Mídia

Ficha técnica:
Experimento multimídia: Um jogo dialético, do Curso de Interpretação para Teatro (CIT) – Santo Amaro
Direção: Eron Villar
Elenco: Bruna Sales, Carolina Rolim, Cristiano Primo, Danilo Ribeiro, Fábio Alves, Gabriel Lisboa, Guaraci Rios, Hannah Lopes, Heidi Trindade, Jade Dardenne, João Pedro Pinheiro, Julia Moura, Karla Galdino, Karoline Spinelli, Larissa Pinheiro, Rafael Augusto, Rafael Dayon, Raphito Oliveira, Tanit Rodrigues, Yohani Hesed

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