Recife mantém respiração teatral
com programação atraente

 

Neste final de semana, a cidade oferece o cardápio cultural possível: do monólogo clássico ao musical biográfico, como Rita Lee – Uma Autobiografia Musical com Mel Lisboa, passando por experimentos cênicos e espetáculos para a família toda. Foto: Divulgação

Sharlene Esse no elenco de O Shá da Meia Noite. Foto: Ivana Moura

os Irmãos Gandaia apresentam Balaio na programação do Festival Cachoeira das Artes

Recife oferece por esses dias aquela programação cultural que conhecemos bem: nem revolucionária, nem inovadora, mas consistente. São atrações de teatro, música e dança que cumprem o papel de manter a cidade respirando culturalmente, oferecendo desde o solo autobiográfico até o musical infantil que agrada os pais.

A agenda não promete mudanças de paradigma, radicalidade ou experiências transformadoras, mas entrega o que se espera: espetáculos bem feitos, alguns nomes conhecidos retornando a papéis consagrados, festivais que misturam tradição e contemporaneidade, e uma dose necessária de entretenimento cultural que garante os teatros funcionando e o público frequentando.

Neste fim de semana, quem procura opções culturais na capital pernambucana encontra desde Mel Lisboa revisitando Rita Lee até experimentos de teatro físico, passando por peças gratuitas e produções que custam o preço de um jantar. É a cultura como ela é no Recife-Pernambuco: nem sempre excepcional, mas presente e acessível, que pode trazer conforto ou gerar discussão.

Mel Lisboa retorna ao papel que a consagrou. E exibe no Teatro Luiz Mendonça seis sessões de Rita Lee – Uma Autobiografia Musical (18 a 21/09). Desta vez baseada na autobiografia da cantora (bestseller com 200 mil exemplares), sob direção de Márcio Macena e Débora Dubois, a montagem transforma confissão editorial em partitura cênica, explorando “honestidade escancarada” como material dramatúrgico. A produção revisita a trajetória da artista desde a infância até seus últimos dias, com orquestra ao vivo e elenco que inclui Bruno Fraga como Roberto de Carvalho. O espetáculo ocupa o teatro quinta e sexta às 20h, sábado às 16h e 20h, domingo às 15h e 18h.

Se Rita Lee explora a autobiografia através da palavra e da música, outro trabalho investiga memórias e corporeidades de forma completamente diversa. Representando 25 anos de pesquisa franco-brasileira, Enquanto você voava, eu criava raízes (Cia. Dos à Deux) consolida a linguagem de André Curti e Artur Luanda Ribeiro, que prescinde da palavra para investigar corporalidades em trânsito. Premiado por APTR e Shell, o trabalho é bonito, com pesquisa consistente e entrega física surpreendente, que reserva momentos inesperados ao público. O espetáculo dialoga com tradições europeias sem perder especificidade brasileira, seguindo a linha de investigação que caracteriza o grupo. É um dos pontos altos da agenda cultural. A intimidade do teatro pequeno potencializa a recepção.

Enquanto você voava, eu criava raízes, espetáculo de excelente qualidade técnica e pesquisa de linguagem

Também navegando entre memória e identidade, mas com outra abordagem performática, Sharlene Esse, primeira dama trans do Teatro Pernambucano e referência LGBTQIA+ consolidada há quatro décadas na cena local, retorna aos palcos em O Shá da Meia Noite, comédia que problematiza disputas por estrelato. Com 40 anos de carreira, Sharlene continua sendo presença fundamental no teatro pernambucano, em trama de intrigas artísticas entre cantora veterana e coristas invejosos.

Ainda na trilha dos solos autobiográficos, a artista Hhblynda ocupa o Espaço O Poste (Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista) nesta sexta-feira, 19/09, às 19h, com HBLYNDA EM TRANSito, criação que mescla performance, dança, música e teatro. O espetáculo compartilha suas vivências atravessando infância, descobertas da sexualidade e o florescer da identidade não binária. Ingressos: R$ 15 (meia) e R$ 30 (inteira).

Da performance autobiográfica para a dança como linguagem ancestral, Babi Johari e Caio Pinheiro apresentam gratuitamente no Teatro Arraial o espetáculo Híbridos – Enlaces, que explora ancestralidade das conexões através de dança fusionada de base oriental árabe, buscando liberdade nos movimento.

Contrastando com abordagens mais intimistas, a tecnologia se faz presente com The Jury Experience, adaptação brasileira de formato internacional dirigida por Talita Lima, que o Teatro RioMar apresenta no sábado (20), às 20h30. O espetáculo transforma espectadores em jurados de caso criminal fictício, utilizando códigos QR e interatividade digital para questionar limites entre ficção e realidade. A dramaturgia participativa de 75 minutos coloca decisões éticas nas mãos do público, buscando criar uma experiência imersiva onde cada sessão pode ter desfecho diferente dependendo das escolhas da plateia. Ingressos a partir de R$ 60.

Murilo Freire em Esquecidos por Deus

Voltando ao formato mais tradicional do teatro, Murilo Freire traz ao SESC Goiana nos dias 19, 20, 26 e 27/09, às 19h30, o drama Esquecidos por Deus, com entrada gratuita. O monólogo, baseado na obra O Livro das Personagens Esquecidas de Cícero Belmar, apresenta o ator interpretando diferentes personagens em uma encenação que preza pela proximidade com a plateia. O ator interpreta um bandido que se crê Deus. Lembranças saudosas de uma infância. Da irmã, do pai, da mãe… Um capanga grotesco arranca risos. Um casal é feito refém.

Enquanto o teatro explora as múltiplas facetas da linguagem cênica, a dança encontra seu espaço coletivo no Shopping Patteo Olinda, que recebe nos dias 20 e 27 de setembro, a partir das 16h, o 3º Festival de Dança e Cultura, também gratuito, reunindo mais de 30 grupos e escolas de dança com apresentações que vão do balé ao jazz.

A programação de festivais ganha continuidade com o Teatro Hermilo Borba Filho, que inaugura o Festival Cachoeira das Artes na sexta (19) com O Menestrel recita ‘O Guardador de Rebanhos’, às 19h30. O espetáculo, com direção de Márcio Fecher e música ao vivo do grupo Los Negrones, recria a atmosfera lírica do heterônimo Alberto Caeiro, de Fernando Pessoa.

A música encontra protagonismo em duas noites do 18º Festival Internacional Cena CumpliCidades no Teatro do Parque. Na sexta (19), às 20h, a trombonista Neris Rodrigues apresenta Músicas do Mundo, seu primeiro projeto autoral com orquestra, explorando sonoridades que transitam entre jazz, música brasileira e world music. No sábado (20), também às 20h, a Banda Chanfrê – formação franco-brasileira que reúne músicos franceses e pernambucanos – apresenta fusão entre música francófona, jazz e ritmos do Recife, criando pontes sonoras entre duas culturas. Ingressos: R$ 20 (meia para todos).

Paulo Cesar Freire no papel de Francisco, um instrumento de paz, com texto e direção de Roberto Costa. Foto: Renan Andrade

Das fusões musicais contemporâneas para a tradição religiosa musicada, Francisco, um instrumento de paz sobe ao palco do Teatro Guararapes no dia 19/09, às 20h, com texto e direção de Roberto Costa. O musical promete uma experiência de fé e arte para todos os públicos, religiosos ou não. A história de Francisco de Assis é apresentada desde sua infância, passando pelos conflitos familiares, sua ida à guerra, a prisão e a conversão nas ruínas de São Damião. A peça narra sua poderosa transformação, que o levou a viver o evangelho na prática e a criar a ordem dos frades menores, sempre pautado pela caridade e pelo amor ao próximo. Para dar vida ao santo, o ator Paulo Cesar Freire foi convidado, e a produção conta com um grande elenco de músicos, atores e cantores. A trilha sonora será executada ao vivo, sob a direção musical da maestrina Hadassa Rossiter, do Conservatório de Música de Pernambuco. Valores: de R$ 50 a R$ 150.

A programação contempla ainda o público infantil, com o domingo (21) oferecendo três opções especiais. O Mundo Mágico de Peter Pan no Teatro Barreto Júnior (16h) traz o musical inspirado na obra de J.M. Barrie, acompanhando os irmãos Wendy, João e Miguel em sua jornada à Terra do Nunca, onde enfrentam o Capitão Gancho. Ingressos: R$ 50 (meia) e R$ 100 (inteira). Já no teatro Hermilo, a palhaça Gardênia, vivida por Luíza Fontes, embarca em uma aventura que promete ser divertida e emocionante em A Boba, uma jornada  (16h), enquanto os Irmãos Gandaia apresentam Balaio (17h30), espetáculo que celebra a cultura pernambucana com circo, dança e música.

Ainda na programação adulta do sábado, o clássico naturalista Raimundo (20h, Teatro Barreto Júnior), inspirado em O mulato de Aluísio Azevedo, ganha adaptação de Taveira Junior e direção de Filipe Enndrio. A trama acompanha Raimundo, um jovem culto que retorna da Europa e se depara com os preconceitos, segredos e hipocrisias de uma sociedade marcada pelo racismo e pelas convenções sociais do século XIX. O espetáculo marca a conclusão da Turma de Iniciação Teatral para Adultos do Espaço de Artes Teatralizar.

🎭 SERVIÇO 

QUINTA-FEIRA (18/09)

Rita Lee – Autobiografia Musical – 20h – Teatro Luiz Mendonça
Balaio de Memórias (FETED) – 19h – Teatro Apolo – R$ 20
O Shá da Meia Noite – com Sharlene Esse – 19h30 – Teatro Santa CRuz – Gratuito
Enquanto você voava, eu criava raízes – Cia. Dos à Deux – 20h – Teatro da Caixa, 15/30

SEXTA-FEIRA (19/09)

Enquanto você voava, eu criava raízes – Cia. Dos à Deux – 20h – Teatro da Caixa, 15/30
HBLYNDA EM TRANSito – 19h – Espaço O Poste – R$ 15/30
O Shá da Meia Noite – com Sharlene Esse – 19h30 – Teatro Santa CRuz – Gratuito
Esquecidos por Deus – 19h30 – SESC Goiana – GRATUITO
O Menestrel recita O Guardador de Rebanhos – 19h30 – Teatro Hermilo – R$ 15/30
Francisco, um instrumento de paz – 20h – Teatro Guararapes – R$ 50 a 150 Sessão Única
Músicas do Mundo – 20h – Teatro do Parque – R$ 20
Rita Lee – Autobiografia Musical – 20h – Teatro Luiz Mendonça
O Sistema Morreu (FETED) – 19h – Teatro Apolo – R$ 20
Híbridos – Enlaces – 19H – Teatro Arraial – GRATUITO

SÁBADO (20/09)

Enquanto você voava, eu criava raízes – Cia. Dos à Deux – 20h – Teatro da Caixa, 15/30
Esquecidos por Deus – 19h30 – SESC Goiana – GRATUITO
CALIUGA + Leitura Por Elise – 17h e 19h30 – Teatro Hermilo – R$ 15/30
Banda Chanfrê – 20h – Teatro do Parque – R$ 20
Raimundo – 20h – Teatro Barreto Júnior
Rita Lee – Autobiografia Musical – 16h e 20h – Teatro Luiz Mendonça
The Jury Experience – 20h30 – Teatro RioMar – A partir de R$ 60
3º Festival de Dança – 16h – Shopping Patteo Olinda – GRATUITO
Sonho de uma Noite de Verão (FETED) – 16h – Teatro Apolo – R$ 20
Sonetos para um quase amor (FETED) – 19h – Teatro Apolo – R$ 20
Híbridos – Enlaces – 19H – Teatro Arraial – GRATUITO

DOMINGO (21/09)
O Mundo Mágico de Peter Pan – 16h – Teatro Barreto Júnior – R$ 50/100
A Boba, uma jornada – 16h – Teatro Hermilo – R$ 15/30
Balaio (Irmãos Gandaia) – 17h30 – Teatro Hermilo – R$ 15/30
Rita Lee – Autobiografia Musical – 15h e 18h – Teatro Luiz Mendonça
Três Histórias (FETED) – 16h – Teatro Apolo – R$ 20
De Noite, Sombras e Ausências (FETED) – 19h – Teatro Apolo – R$ 20

INFORMAÇÕES GERAIS
FETED continua até 28/09 no Teatro Apolo
Festival Cachoeira das Artes: @cachoeiradasartes
Cena CumpliCidades: cenacumplicidades.com | @ccumplicidades
A programação cultural conta com apoio do Funcultura, Fundarpe, FUNARTE e diversos parceiros culturais da cidade.

 

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Festival Estudantil chega aos 22 anos
revelando talentos contra as adversidades

Auto da Barca do Inferno

Ave Guriatã encerra o festival

Recife é uma metrópole que se orgulha de sua efervescência cultural. Exporta talentos, sedia grandes festivais, movimenta a economia criativa e forma plateias. E, ainda assim, um festival que cumpre um papel público evidente — dar palco e horizonte a quem está começando — segue batendo na mesma porta: sem edital específico, sem previsibilidade orçamentária, sem a segurança mínima para planejar com dignidade. De novo, a corda estica do lado de quem faz: corre atrás de patrocínios pontuais, favores, cessões emergenciais de espaço e trabalho voluntário. É nesse cenário contraditório que o 22º Festival Estudantil de Teatro e Dança de Pernambuco (FETED) retorna ao Teatro Apolo, de 17 a 28 de setembro, carregando nas costas a responsabilidade que poderia (ou deveria?!) ser compartilhada com o poder público.

Dirigido por Pedro Portugal, o Feted completa 22 anos como uma ponte fundamental entre a formação artística e a profissionalização. O festival reúne grupos de escolas, projetos sociais, ONGs, coletivos independentes e universidades, oferecendo a estudantes e artistas iniciantes a oportunidade de apresentar seus trabalhos em um palco profissional, com toda a estrutura técnica, iluminação adequada e, principalmente, diante de um público real.

O Feted pode ser encarado como um verdadeiro rito de passagem, tirando obras dos limites das salas de aula e laboratórios de criação para colocá-las sob os holofotes de uma tradicional casa de espetáculos como o Teatro Apolo. Como destaca Pedro Portugal: “99% dos meninos e meninas que participam do Festival Estudantil nunca entraram num teatro”. Cada espetáculo apresentado representa meses de trabalho, descobertas, superação de limitações técnicas e, sobretudo, o amadurecimento artístico de jovens que podem estar definindo seus caminhos profissionais naqueles minutos de palco. E o que começou como um primeiro contato com os palcos profissionais já se transformou em trajetórias consolidadas: nomes como Eduardo Machado, hoje professor e diretor reconhecido, Rubens Santos e Alexandre Guimarães, que transitam entre teatro, cinema e televisão, e o músico Martins, todos passaram por esse mesmo ritual de iniciação no Teatro Apolo antes de construir carreiras sólidas no cenário artístico nacional.

 

Jovem Guarda. Foto: Divulgação

 

Sonho de uma noite de Verão. Foto: Divulgação

Público participa do júri em O sequestro da leitura

A programação 2025 reflete a pluralidade da cena estudantil pernambucana. Abre no dia 17 com Jovem Guarda, uma viagem nostálgica pelos movimentos musicais que marcaram gerações, e segue alternando entre clássicos adaptados e criações autorais contemporâneas. Sonho de uma Noite de Verão traz Shakespeare para o dia 20, enquanto Auto da Barca do Inferno (27/09) apresenta Gil Vicente com linguagem nordestina. A dança contemporânea marca presença com Anjo Negro (25/09), que mescla artes circenses em dez cenas sobre a trajetória de uma mulher negra em busca de identidade.

Questões sociais urgentes marcam algumas montagens. Canto de Negro (26/09) celebra ancestralidade e resistência afro-brasileira através de música, dança e teatro, enquanto As Crônicas dos Gatos Sem Lar (27/09) trabalha diversidade e inclusão ao apresentar Sophia, uma gatinha com autismo que ensina amizade e empatia. O Sequestro da Leitura (24/09) propõe um julgamento cênico onde a própria plateia participa como júri, questionando o papel da escola na formação de leitores. A programação ainda contempla Três Histórias (21/09), que ressignifica clássicos infantis em chave contemporânea, abordando desde a pandemia até questões de superficialidade nas relações.

O festival encerra sua programação com Ave Guritã, da Turma Citilante, espetáculo inspirado na obra Um Cordel para Menino, do poeta Marcus Accioly, e escrito pelo dramaturgo Robson Teles. A montagem, dirigida por José Manoel Sobrinho e Samuel Bennaton, é resultado do trabalho de criação com alunos do Curso de Interpretação para Teatro (CIT) do Sesc Santo Amaro — um curso profissionalizante de dois anos que há décadas forma novos talentos para o mercado cultural pernambucano. A peça destaca a amizade e a força da memória, a conexão entre as pessoas e sua terra.

Pedro Portugal admite, com franqueza, que não faz ideia de como consegue manter o festival funcionando apenas com recursos da bilheteria. Nos últimos 10 anos, os fomentos a eventos continuados não contemplaram o festival estudantil — uma iniciativa de apelo específico e talvez sem o glamour das peças comerciais com atores famosos. Mas eles são ainda uma semente de futuro, e este e outros festivais desta natureza precisam ser encarados como investimento cultural-afetivo A política cultural precisa garantir meios para que quem está começando não desista no primeiro blackout. O Festival estudantil não é “evento de ocasião”. A cidade fica devendo quando um festival como o Feted precisa, outra vez, “fazer na tora”.

O 22º Festival Estudantil de Teatro e Dança de Pernambuco acontece de 17 a 28 de setembro de 2025, no Teatro Apolo, Recife. Ingressos: R$ 20,00 (+ R$ 2,50 de taxa) disponíveis na Sympla.

Programação por dia (todas as sessões no Teatro Apolo)

17/09/2025 (quarta), 18h
Jovem Guarda
Sinopse: Uma viagem pelos movimentos musicais, ídolos, programas de auditório, amores e costumes que marcaram duas décadas da cultura brasileira. Trazer a Jovem Guarda aos palcos é celebrar a memória de pais, tios, avós e de uma geração inteira.

18/09/2025 (quinta), 19h
Balaio de Memórias
Sinopse: Linguagens variadas para entrelaçar histórias do grupo Balaio Teatral e de seus ancestrais, do humor físico à densidade dramática.

19/09/2025 (sexta), 19h
• O Sistema Morreu
Sinopse: Num departamento burocrático operado por cinco funcionárias — as “Mortes” — soa a trombeta do Apocalipse. É hora de fechar os registros. A internet cai. O sistema morre. Sinais de sabotagem.

20/09/2025 (sábado), 16h
• Sonho de uma Noite de Verão
Sinopse: Adaptação de Shakespeare. Hérmia ama Lisandro, mas Egeu quer o casamento com Demétrio. Na floresta mágica, Oberon e Titânia brigam e Puck multiplica equívocos.

21/09/2025 (domingo), 16h
• Três Histórias
Sinopse: Três clássicos infantis em leituras contemporâneas:
Os Porquinhos na Pandemia: do confronto com o lobo à decisão de ajudar o doente.
A Cigarra e as Formigas: equilíbrio entre diversão e responsabilidade.
Dona Baratinha: a busca por um amor que vá além do superficial.

21/09/2025 (domingo), 19h
De Noite, Sombras e Ausências
Sinopse: Drama psicológico e espiritual sobre duas irmãs unidas por laços invisíveis de dor e amor. Memórias fragmentadas, silêncios e presenças que moldam a família. Com Sophia Dantas e Gabriela Alencar; direção de Thamiris Mendes; texto de Cesar Leão.

24/09/2025 (quarta), 19h
• O Sequestro da Leitura
Sinopse: Em julgamento cênico, a “Escola” é acusada de sequestrar a Leitura. Um júri formado pela plateia decide após ouvir Escola, Leitura, População, GRE, Promotor e Defesa.

25/09/2025 (quinta), 19h
• Anjo Negro
Sinopse: Dança contemporânea e artes circenses em dez cenas sobre a trajetória de uma mulher negra em busca de identidade e transcendência. Aborda racismo, exclusão, amor, perda e redenção.

26/09/2025 (sexta), 19h
• Canto de Negro
Sinopse: Música, dança e teatro celebram ancestralidade e resistência afro-brasileira — dos porões dos navios aos terreiros, quilombos e ruas.

27/09/2025 (sábado), 16h
• As Crônicas dos Gatos Sem Lar
Sinopse: Espetáculo infantil sobre diversidade e inclusão. Sophia, uma gatinha com autismo, ensina amizade, empatia e respeito às diferenças.

27/09/2025 (sábado), 19h
• Auto da Barca do Inferno
Sinopse: Adaptação do clássico de Gil Vicente. Sátira do juízo final num porto com duas barcas — anjos e demônios conduzem as almas ao destino — com linguagem inspirada no Nordeste.

28/09/2025 (domingo), 16h
• Escolinha de Bruxas
Sinopse: Livre adaptação de Maria Clara Machado; direção de Antônio Rodrigues e assistência de Sonia Carvalho; conclusão do curso de iniciação Despertar Teatral da Cênicas Cia de Repertório.
Elenco: André Arruda, Macena FYR, Caio Bento, Jesuane Franzon, Larissa Ferreira, Lisandra Batista, Rayo Vasconcelos, Rebeca Becs.
Temas: bullying, aceitação e poder transformador da empatia.

28/09/2025 (domingo), 19h
• AveGuriatã

 

Serviço 
22º Festival Estudantil de Teatro e Dança de Pernambuco (Feted)
Quando: 17 a 28 de setembro de 2025
Onde: Teatro Apolo — Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife, Recife-PE
Ingressos: preço único de R$ 20,00 (+ R$ 2,50 de taxa) pela Sympla
Direção: Pedro Portugal

 

ENTREVISTA: PEDRO PORTUGAL

 

Pedro Portugal, diretor do Festival EStudantil de Teatro e Dança de Pernambuco. Foto: self

“Continuo fazendo o Festival Estudantil porque sou teimoso”

Manuel Francisco Pedro Rodrigues é um homem emotivo. Estava às lágrimas quando soube que a abertura do festival estava com ingressos lotados, e destacou o esforço dos alunos artistas para garantir casa cheia. Conhecido artisticamente como Pedro Portugal, este português dos Açores que chegou ao Recife para estudar teatro na UFPE (1986) se tornou uma das figuras mais resilientes da cena cultural pernambucana. Desde 1979 atua como ator e produtor, mas é à frente do Festival Estudantil de Teatro e Dança – Feted que encontrou sua maior missão: há mais de duas décadas fomenta o estímulo às artes nas escolas e revela novos talentos no estado. Aos 68 anos, não esconde a indignação com a situação enfrentada pelo festival em contraste com sua função social: “Quando encontro as pessoas nas ruas, elas dizem: ‘Seu festival é o mais importante de Pernambuco'”. Ele entende que uma iniciativa com tamanha relevância social já deveria ter reconhecimento e apoio permanente. Com a franqueza que lhe é característica, às vezes com um jeito rude de português, ele admite que não faz ideia como leva adiante o Feted apenas com recursos da bilheteria. Sobre a importância cultural e social da sua iniciativa, é categórico: “99% dos meninos e meninas que participam do Festival Estudantil nunca entraram num teatro”. Quando questionado sobre por que insiste em manter o festival funcionando contra todas as adversidades, responde sem hesitar: “Continuo fazendo, vou dizer por quê: porque sou teimoso. Se a gente não fizer um ano, não faz mais”. Pedro não poupa críticas ao sistema: “Poder público gosta de arte de massa, que lota, artistas nacionais. Quando é de estudante, teatro local, o poder público mais que fecha os olhos”. Aos 22 anos de existência, o Feted tem orgulho de ter revelado talentos como o professor e diretor Eduardo Machado, os atores de teatro, cinema e televisão Rubens Santos e Alexandre Guimarães, e o músico Martins, abrindo portas para jovens que jamais imaginariam pisar num palco profissional e transformando sonhos em carreiras artísticas.

Martins, Rubens Santos, Alexandre Guimarães e Eduardo Machado, talentos que passaram pelo Feted. Foto: Reprodução

Cléa Borges (in memoria) e Cida Pedrosa: homenageadas do festival. Foto: Reprodução

Quem são os homenageados desta edição do Festival Estudantil de Teatro e Dança de Pernabuco – Feted e por quê?

Cida Pedrosa é uma mulher que está batalhando muito pela cultura na Câmara Municipal do Recife. Mesmo a Câmara não tendo dinheiro para a cultura — não tem orçamento para a cultura, que realmente a cultura é complicada, a gente sabe — ela está fazendo muita coisa pela cultura, o que ela pode. E além disso, nós precisamos de representantes da cultura na Câmara, principalmente na Câmara do Recife, na Assembleia Legislativa, na Câmara Federal, no Senado. A gente precisa de pessoas ligadas à cultura. Cida Pedrosa é uma mulher de cultura; além de lutar, ela também é uma artista, uma poeta, uma poeta premiada. E a gente precisa homenagear enquanto as pessoas estão entre nós.

Cléa Borges foi uma incentivadora da cultura pernambucana, com uma trajetória ligada ao teatro. Ela criou a Casa dos Artistas, que promoveu dois festivais de teatro no Recife, no Teatro Derby, da Polícia Militar — anexo do Quartel do Derby, espaço que abrigou a cena teatral até o final dos anos 1980. Por que lá no Teatro Derby? Porque o Teatro Valdemar de Oliveira pegou fogo — incêndio ocorreu em 1982. E com 15 dias se reabriu o Teatro Derby, no quartel. Era um teatro muito simpático, muito interessante, e ficou muitos anos servindo como teatro para as nossas produções locais. Além disso, ela foi uma incentivadora de três grandes espetáculos ao ar livre: dois no Recife e um em Guararapes. Foram os espetáculos Frei Caneca — que para mim deveria ter todo ano, fantástico, muito bonito, eu vi algumas vezes —, Auto de Natal e a Batalha de Guararapes. Então ela foi a incentivadora. Além disso, ela foi muito atuante no âmbito das artes cênicas. Ela foi uma mulher muito ligada ao teatro pernambucano. Esta é a razão da homenagem a Cléa Borges, que foi uma mulher que poucos se lembram. E a gente tem que resgatar as pessoas que fizeram alguma coisa pela arte, entendeu?

Nota: Cléa Borges foi primeira-dama do Recife no final da década de 1970 e início dos anos 1980, e posteriormente primeira-dama de Pernambuco na década de 1980, durante as gestões de Gustavo Krause. Mãe da vice-governadora Priscila Krause, ela morreu aos 72 anos no Recife, no dia 26 de fevereiro de 2021, em decorrência da COVID-19.

Em mais de 20 anos de Feted, qual a sua leitura do percurso do festival?

Olha, o festival foi criado para revelar, para descobrir novos talentos da cena pernambucana. E isso nós conseguimos. Têm 90% dos artistas locais, 90% dos artistas atuais — atores, artistas, técnicos — que passaram pelo festival. Para você ter uma ideia, Eduardo Machado, que hoje é doutor, você deve conhecer, está dando aula na Bahia. Foi o primeiro negro professor de escola técnica no Mato Grosso. Foi o primeiro professor negro. E esse rapaz, nós temos um orgulho enorme, porque ele passou pelo festival. E eu não tenho nenhuma dúvida de dizer a você: se não fosse o Festival do Estudante, ele não seria artista.

Por quê, Pedro?

Vou dizer a você por quê. Porque ele era um rapaz pobre, humilde, morava em Igarassu, um lugar muito distante do Recife. E ele começou a ver teatro através do festival. Claro, o talento dele. Sem talento, meu filho, ninguém vai a canto nenhum, não. Aí, o talento dele, o trabalho dele, porque ele era um rapaz que ia todo dia assistir aos espetáculos. Ele vinha de Igarassu, assistia ao festival todos os dias. Então, só esse rapaz já vale a pena. Para você ter uma ideia, o primeiro espetáculo do Magiluth, que ainda era da Universidade, foi no Festival Estudantil.

E outros artistas: o ator Rubens Santos, ele trabalhou em quase todos os filmes grandes e nacionais — O Agente Secreto, A Melhor Mãe do Mundo, Partiu América, Bacurau, A Presepada, Aquarius. Encontrei com ele num filme… Ele me abraçou, me beijou, me apresentou a um diretor, que é de São Paulo, Rio, não sei de onde é, e disse: “Olha, se não fosse esse rapaz, eu não estaria aqui fazendo cinema, não seria ator”. Eu falei: “Rapaz, é a minha doideira fazer um festival”. Expliquei o festival para o cara. Aí o cara olhou para mim e disse: “Olha, foi por um doido como você que ousei ser cineasta”. Então, essas coisas marcam a vida da gente, entendeu? Outro dia fui ver um espetáculo, O Açougueiro, e Alexandre Guimarães, que ganhou vários prêmios com a peça, me abraçou e disse: “Pedro, você não sabe, mas eu comecei no festival estudantil”. Eu disse: “Que coisa boa”. E é um espetáculo que está correndo o Brasil inteiro. Ganhou vários prêmios, ganhou o Prêmio Cenym. Eu não lembro muito os nomes, porque a cabeça está… 68 anos, o HD já está um pouco estragado. Mas tem muitos artistas que passaram, que hoje são artistas importantes na cena brasileira, que passaram pelo Feted. Quem também subiu ao palco pela primeira vez foi Martins, o cantor. Num espetáculo de teatro, ele era músico. Uns, tenho certeza absoluta, se não fosse o Feted não seriam artistas. Isso eu tenho certeza.

Como você resumiria em números o impacto do festival?

Quanto ao público, o nosso público sempre foi muito bom. Muito bom. Nós tivemos sempre casas razoáveis, boas. A gente teve um espetáculo que foi da escola Santa Emília, de Olinda, que a gente teve que chamar a polícia, porque não tinha mais lugar no teatro. A gente teve que chamar a polícia, porque eles queriam quebrar o teatro para entrar, entendeu? Agora, o público atualmente está reduzindo. Agora, reduzindo não é fracasso, não. Nunca tivemos um espetáculo com menos de 70 pessoas. O menor que tem é 70 pessoas.

E nós já trabalhamos também com várias cidades. Já teve um ano que teve 12 cidades. E uma das cidades mais pobres do Brasil, não lembro o nome agora, participou com uma superprodução. Esse rapaz veio por dois anos, até tinha um elenco muito legal, mas que era de muito longe. Ele agora enveredou, como muitos artistas, para as quadrilhas. Agora ele é quadrilheiro. Não quer saber mais de teatro, não. Está nas quadrilhas agora. Muitas pessoas também viraram para as quadrilhas, né? Viraram quadrilheiros. Acho que dá mais visibilidade, não sei. Então, esses são os nossos números.

O Feted foi criado também, além dos novos talentos, para a gente levar gente que nunca foi ao teatro. A maioria das pessoas que vão ao teatro ver o Festival Estudantil são familiares que nunca pisaram no teatro, não sabem nem o que é o teatro. Pelo contrário, falam mal do teatro, não sabem, né? “Teatro, quero esse negócio. Não, que negócio de teatro? Quer nada. Teatro não presta, não”. Aí, as pessoas quando vão ver, ficam felizes. Muita gente sai chorando. “Eita, meu filho está ali, minha sobrinha, meu namorado”. Enfim, que eles vão prestigiar. Então, também, o festival foi para isso. E realmente, isso eu tenho certeza que a gente conseguiu. E os atores… É muita gente, muita gente. Porque são 22 anos, né? Imagina, 22 anos, geralmente são 14 espetáculos. Em 10 dias, nós fizemos 14 espetáculos. Então vê quantas pessoas passaram pelo festival.

O que mudou no ecossistema cultural que afetou o festival?

A gente já deve ter trabalhado com mais de 25 cidades. Já teve anos que vinha até de Petrolina. Este ano, nós temos Recife, Vitória, Olinda, Ipojuca e Goiânia. Então, só este ano temos cinco cidades no festival. E outra coisa, como nós não temos dinheiro, esse pessoal vem por conta própria. O que é que eles ganham? Cada ingresso que eles vendem, eles ganham R$ 12. O ingresso é R$ 20. R$ 12 é deles e R$ 8 é do festival para fazer toda a produção.

E você, se for algum dia, vai ver. Nós temos camisas. Tudo que você imaginar, o festival tem. “Pedro, como é que você faz isso?” Não sei não, parece que o meu dinheiro rende. Tem pessoas que têm milhões e não fazem o que a gente consegue fazer com tão pouco dinheiro, entendeu?

Porque faz uns sete ou oito anos que a gente não tem patrocínio bom nenhum. De vez em quando temos umas migalhas — cinco mil, dez mil. Este ano mesmo não temos nada. Até agora, nenhum real. Outra coisa: estou homenageando as pessoas, mas eu não pedi dinheiro a ninguém. Eu estou homenageando uma vereadora. Eu não pedi um centavo à vereadora. Zé Manoel sabe, pode perguntar a ele. Eu estou homenageando a mãe da vice-governadora, Priscila, e não pedi um real.

Agora, eu vou ter que dizer a ela, este ano, eu vou dizer: “Olhe, Priscila, está vendo o festival este ano, a gente faz sem dinheiro”. Ela ficou de ir na abertura; se ela for, vou dizer a ela, porque tenho também um certo contato com ela.

Mas eu acho que tem certos festivais, como o Festival Estudantil, o Janeiro de Grandes , o FETEAG, o Reside, que já deviam ter um certo dinheiro, entendeu? Porque o Festival Estudantil concorre com vários festivais. E para a gente é muito difícil ganhar. A gente perde sempre, porque só se classifica um festival, entendeu, naquela categoria. A gente já botou no valor de 40 mil, de 30 mil, de qualquer valor, a gente perde. Aí tem as cotas que são do interior, pessoas negras, que, presta atenção, eu sou a favor disso tudo. Agora eu também sou a favor do festival que tem mais de 20 anos ter pelo menos uma laminha. “Olha, você não ganhou, mas toma aqui X para você fazer”. Entendeu?

Outra coisa: o festival deixou de ser competitivo. Por que deixou de ser competitivo? As pessoas querem a competição. Se o festival fosse competitivo, ia ser briga das inscrições. Porque todo mundo diz: “Não, eu não quero, eu não quero prêmio, eu não quero prêmio”. Mentira. Mentira. Todos querem prêmios. E eles reivindicam: “Pedro, por que você não faz o festival competitivo, ia ser melhor, não sei o quê…”. Eu digo: “Minha gente, para ser competitivo, eu tenho que ter pelo menos 15 mil reais para fazer o festival competitivo”. Competitivo, 15 mil, o quê? Tem que ter jurado, tem que ter troféu, tem que ter o encerramento, entendeu? Então, isso é dinheiro. Isso é dinheiro. Então a gente começou a cair nesse ponto de não fazer competitivo por falta de grana mesmo, não foi outra coisa, não.

Como você descreveria o “DNA” do Feted hoje? É o mesmo de quando começou?

O festival agora é diferente. No começo, a gente fazia dois espetáculos por dia. O tempo era uma semana só, e a gente fazia dois por dia, de terça a domingo, dois espetáculos. Porque eu sempre dizia: “Olha, o festival é de escola, não precisa de muita coisa. A gente quer mostrar o talento de vocês, mas não precisa de uma luz muito aprumada. Isso é um festival estudantil, isso não é um festival profissional”. Aí, hoje em dia, ao contrário… o Teatro Apolo, como os outros teatros, não é o Apolo só… todos os anos, os técnicos trabalhavam em dois turnos, de manhã e de tarde. Então, nós não pagávamos os técnicos. Ontem, recebi uma ligação dizendo: “Olha, Pedro, agora os técnicos só trabalham um turno, de duas às dez”. E os espetáculos estão vindo com muito cenário, muita luz, estão vindo praticamente profissionais. Aí já teve problemas: “Mas Pedro, a gente tem luz para montar”, não sei o que é isso. Minha gente, esse é um festival estudantil. Tem gente que traz carreta. Carreta com cenário, com coisas grandes. Olha, tem espetáculo que diz assim: “Minha gente, como é que esses caras fazem um festival de estudantes?” Entendeu? Então o DNA mudou radicalmente. Antigamente os espetáculos eram mais simples e tinham grandes talentos. A gente via o ator. Hoje em dia também tem ator, mas ele está trazendo cenário, querendo luz sofisticada. Era muito mais simples. Então, cada vez está se profissionalizando mais os espetáculos de estudantes. Até os estudantes querem mais coisas. Antigamente, Teatro Apolo, vixe Maria, não tinha luz nenhuma. E se fazia dois espetáculos por dia. Hoje em dia tem uma luz bem melhor e para fazer um está difícil. Entendeu? Então, o DNA realmente melhorou a qualidade do cenário e da luz. Os espetáculos, não. Pelo contrário. No começo, os espetáculos, pelo menos os espetáculos que Igarassu trazia, eram espetáculos que não faziam feio em ficar em temporada. E é todos os anos assim. O ano passado, eu vou ser bem sincero, só um espetáculo que foi muito fraco. Com o diretor, eu não vou dizer o nome, porque é antiético. O diretor, que é meu amigo, quis fazer uma coisa muito intelectual, sem os meninos saber o que estavam dizendo. Aí eu peguei ele e disse a ele: “Não faça mais espetáculo desse tipo, não, velho, porque os meninos estão lendo o texto, estão dando o texto, sem entender o que está dizendo, então fica uma coisa falsa. Eu mesmo não entendi muito o teu texto, não”. E eram realmente meninos, de escola estadual. Então dizer o texto sem saber o que é, não adianta, não.

Qual a situação do FETED.PE com editais públicos?

O problema dos editais é que é muito concorrido. Muito concorrido. Eu não vou botar a culpa no Funcultura, nas pessoas que estão julgando, não. Eu perco, eu perco é o seguinte: perder, perder. E eu sempre dou parabéns a quem ganhou. Porque, na minha opinião, é o seguinte: todo cara que faz um projeto acha que o projeto dele é o melhor projeto do mundo. Então, o cara que ganhou, ele pensa igual a mim, que o projeto dele é ótimo. Entendeu? E outra coisa: o dinheiro é muito pequeno para arcar com uma cena pernambucana toda. É muito pouco. Pernambuco é um estado enorme para pouco dinheiro. A prefeitura também. É pouco dinheiro para a cultura, para a quantidade de artista que tem. Entendeu? E nós temos essa dificuldade. Então, é o que eu disse. Eu vou dizer de novo: eu acho que devia ter uma reserva, não sei no Funcultura, onde fosse, uma reserva, X para os projetos que não foram aprovados, que têm mais de 10 anos. O nosso já tem 22, entendeu? Esses projetos que já é calendário, já tem mais de 10 anos sem parar, como o nosso festival, nunca parou, nem na pandemia.

Na pandemia nós fizemos online, mas nós não paramos nem um ano. Todos os anos nós fizemos. O ano da pandemia, fizemos online. O resto todo presencial. Com dinheiro, sem dinheiro, nós fizemos. Então, a questão é essa: é muito difícil você passar nos editais, porque a concorrência é muito grande. “Ah, Pedro, mas você está fazendo bem feito?” Estou. Quem faz o meu projeto é uma pessoa que vive de projetos culturais. Entendeu? E ele já disse: “Pedro, eu acho que já vou desistir”, pois esse ano ele não colocou no Funcultura, acho que ele já disse, tem um trabalho para não ganhar, é danado, mas ele já me disse: “Pedro, é difícil a gente ganhar, porque a concorrência é muito grande e tem as cotas, né?”. Mais uma vez, eu não sou contra as cotas, mas deveria ter uma laminhinha para esses festivais, principalmente os festivais que não passaram, que já têm mais de 10 anos.

Por que o festival não tem dinheiro suficiente, mesmo com mais de 20 anos de existência?

Financeiramente eu falei: o dinheiro é muito curto para muito artista, muita produção no estado de Pernambuco. O dinheiro é muito pequeno para todo mundo. E no caso dos festivais só passa um festival — estou falando do Funcultura — um festival em cada categoria, então é muito difícil.

Outra coisa: quando têm pessoas na gestão que nos recebem fica mais fácil. Eu sempre digo o seguinte: nunca tem dinheiro para os mesmos e sempre tem dinheiro para os mesmos. Têm pessoas que chegam lá e recebem o dinheiro e acabou-se e têm pessoas como eu… Nesse ano nós fomos atrás de umas coisas e não conseguimos. Então você está indo atrás, está? A gente tem há uns quatro anos que a gente faz o Cena Expandida. Paulinha (Paula de Renor) está no Rio Grande do Sul, mas eu e Arnaldo (Siqueira) fomos atrás de patrocínio para a Cena Expandida e até agora não conseguimos. A história que eles dizem é a seguinte: “Olha, o Ministério Público não pode dar dinheiro agora que já tem os editais, então vocês têm que entrar nos editais”. Olha aí, um impasse danado… Quando eles querem ajudar — feito há três anos eles ajudaram — a Fundação de Cultura, e espero que ajude este ano, que a gente está esperando a resposta que não chegou, que era o seguinte: contrata os espetáculos, eles não dão dinheiro. Mas para o festival estudantil não funciona, porque os espetáculos são amadores. E eu faço questão de dizer nas inscrições: o festival é amador, é de estudante que não ganha dinheiro, mas paga para estudar no festival. Mas daqui a pouco eles querem também cachê para se apresentar nas escolas.

Por que ainda é tão difícil captar recursos para o Feted?

Sobre ir atrás de dinheiro: eu já tento fazer parceria faz uns cinco ou seis anos. Eu quero muito, mas parceria precisa de alguém que saiba captar, que saiba fazer um projeto bom. Entendeu? Para fazer o festival, eu faço. Este ano, inclusive, apareceu um grupo que quer conversar comigo depois do festival. Agora, é preciso ser bem claro: a gente precisa de gente para ir atrás de dinheiro.

Quando o festival teve dinheiro — no último ano em que ganhamos no Funcultura, que eu nem sei mais quando foi, faz mais de dez anos — a gente fez tanta coisa. Você não faz ideia. Eu acho que foi a edição mais importante que a gente fez. A gente organizou uma gincana. Levamos atores e diretores para o Teatro Luiz Mendonça (no Parque Dona Lindu), que hoje está privatizado — mas isso é outra história. Passamos uma manhã inteira lá, cinco ou seis horas, mostrando como funciona o teatro: direção, texto, direitos autorais, a engrenagem toda. Foi leve e muito formativo.

Nesse mesmo ano, chamamos dois diretores — Quiercles Santana e Eron Villar (eu posso até errar nomes, mas eu sempre trabalho com os melhores da cidade) — para irem às escolas ver os ensaios e dar dicas para os meninos. Eles iam pelo menos duas vezes a cada escola: no começo do processo e quando estava perto do espetáculo ir para o festival. Foi um ganho enorme para o festival. Mas, sem dinheiro, a gente não consegue fazer isso; não dá para contratar diretores. Então foi uma conquista que o festival teve e perdeu por falta de patrocínio.

E não é que eu não vá atrás. Eu vou. Para você ter ideia, o Janeiro de Grandes Espetáculos, que é um dos grandes festivais nacionais, não conseguiu captar na Lei Rouanet — nem com Paula de Renor e Carla Valença. Passava na Rouanet, mas não captava. Não sei como é que está agora. O FETEAG mesmo, que eu respeito demais — Fábio Pascoal vive nos festivais do mundo inteiro — também não consegue esse dinheiro todo, não. O festival dele é grande, traz coisas grandes, mas o dinheiro que ele tem também é curto para o que faz. Então não é só o FETED que não tem dinheiro, não.

E o Fábio é um cara que sabe fazer projeto, sabe orçamento, sabe tudo, viaja muito. Não é um Pedro de Portugal, entendeu? Ele é muito mais antenado do que eu.

Você pode dar um exemplo concreto de tentativa de parceria que não deu certo?

Eu conheci um rapaz muito inteligente, para mim fazia um texto ótimo. Acho que seria um grande parceiro para mim. A gente botou no Funcultura no primeiro ano e não passou. Aí ele disse que não podia trabalhar sem ganhar para fazer o projeto. Tem que ter dinheiro e não tem dinheiro para pagar, entendeu? Eu acho que seria um grande parceiro para fazer o festival.

Mas aí, depois de uns dias, ele fez uma coisa que eu não gostei. Eu sou uma pessoa muito fiel aos meus amigos, muito grato, graças a Deus. As pessoas… a pessoa faz por mim, eu sou grato o resto da vida, eu sou muito grato. Então ele fez uma coisa que eu não gostei. Foi: ele foi lá para casa, a gente trabalhou dois dias fazendo projeto e depois foi para casa para colocar no Funcultura. Eu não vou dizer qual foi o projeto. Mas ele parou o projeto do festival para trabalhar no outro projeto. Perdeu o prazo de enviar o projeto do Feted.

Aí liguei para ele, dei um baile do caralho, disse que ele foi antiético. Eu acho um rapaz muito inteligente, seria um grande parceiro, mas ele fez essa merda comigo. E o projeto que ele fez, que era um espetáculo de teatro, o produtor não colocou também, perdeu o prazo. Então ele ficou sem botar os dois projetos.

Eu sou fiel aos meus amigos, todos, mesmo fazendo algumas safadezinhas eu sou fiel, entendeu? Até um certo ponto, entendeu? Mas isso, infelizmente… não sei se é bom, se é ruim, mas é assim.

Vocês já tentaram captação em empresas privadas?

A gente nunca foi para as empresas privadas. A gente trabalha mais com os incentivos, porque é aquela história: empresa privada tem que ter um padrinho, e isso nós não temos. Não posso dizer que alguém disse não, porque não fui atrás. Eu sou aquela pessoa que gosta de dizer a verdade.

Como funcionam os critérios de avaliação nos editais que o Feted disputa?

Como eu falei para você, o problema não é pontuação. Olha, nós temos as pontuações legais, as contrapartidas não são boas. Às vezes tem uma ou outra. Uma vez botei um projeto que deram uma nota tão baixa que eu fiquei… No ano que eu também não passei, então botei uma ficha técnica top, uma equipe boa, e a nota… Vamos botar a nota 10. Não quero que eles me vejam como uma pessoa com uma coisa dessa, entendeu? Então é como eu digo a você: o problema da Lei Rouanet é captar. Você não consegue captar. A municipal, eu não posso participar porque sou funcionário. A estadual, que tem o Funcultura, já falei para você aquela história: o dinheiro é curto e não dá para todos.

Como foi a experiência do Feted com a Lei Aldir Blanc?

O nosso Aldir Blanc só foi contemplado na pandemia, o resto não fomos contemplados. É o que digo: é muito festival e muita cota. E eu sou… até que eles querem dar cota a quem tem mais dificuldade. E o Festival Estudantil não tem dificuldade? As cotas têm que ser dadas, acho importante as cotas, mas a gente fica amarrado nas cotas. Acho que deveria ter uma parte com cota e outra parte sem cota.

Qual foi o orçamento das últimas edições e qual seria o ideal para o Feted?

Eu vou dizer dos últimos cinco anos: praticamente só com o dinheiro da bilheteria. “Pedro, como é que você consegue fazer?” Eu não sei. Eu não faço ideia. E você, se for lá um dia ver o festival, vai ver tudo: camisa e camisa. É legal ver isso, que é camisa de algodão, não é aquela camisa de plástico. Camisa arrumadinha, tudo com os oito reais que sobra para nós. Entendeu? Então os últimos cinco anos, praticamente só com a bilheteria. Minha filha, como é que você faz? Não sei.

Teve um ano que fui ser jurado em Sorocaba. O cara estava doido para ver o festival, mas eu não tenho dinheiro para trazer o cara. Junior Mosco, ele tem um festival em Sorocaba de estudante também, era feito pelo Sesi. Quando eu fui, foi pelo Sesi. Quando ele viu nosso material — cartaz, programas — ele ficou de boca aberta. Ele perguntou com quanto eu fazia o festival. Aí fui dar um depoimento. O máximo do SIC Municipal é 50 mil. O Funcultura é 100 mil, o máximo. Não, nesse tempo não tinha Funcultura. O SIC Municipal, o máximo é 50 mil, mas a gente ainda tem que captar, encontrar empresa. Nessa época era assim. Aí me chamaram de mentiroso. Eu disse que tem ano que a gente faz com 10 mil e eles me chamaram de mentiroso. Eu levei material, programas que a gente fazia, etc. E ele me chamou de mentiroso e disse: “Aqui com 100 mil a gente não faz nada”.

O que a organização do Feted já tentou? Onde acertou e onde errou?

Claro que nós temos sempre os nossos erros e a gente tenta acertar. Eu vou falar mais do que eu acerto. O nosso festival realmente é um festival democrático, e tenho o maior prazer de dizer isso do nosso festival, porque pode ter festival democrático igual a gente, mas maior que o nosso, não. A gente sempre tenta mudar quando os grupos pedem. A gente só não pode mudar porque a maioria quer que seja competitivo. Infelizmente a gente não pode mudar, pois não tem dinheiro. Senão a gente já tinha feito competitivo há muitos anos. A gente deixou de fazer competitivo porque não ganhou nas leis de incentivo.

Para você ter uma ideia, eu só ganhei três vezes o Funcultura. E o SIC Municipal eu não posso entrar porque sou funcionário. Antigamente podia. Eu acho um absurdo isso, pelo seguinte: eu sou funcionário, mas não sou eu que vou julgar. Mas tudo bem. É a lei, a gente tem que respeitar. Eu sempre respeito as leis.

Por que continua fazendo o festival nessas condições?

Continuo fazendo, vou dizer por quê: porque sou teimoso. Se você fizer as contas do festival, não paga. Tem prejuízo? Não, até agora não. Mas a gente faz pouca coisa. Para fazer um festival grande, a gente teria que ter 100 mil para fazer o que a gente quer. E 50 mil para fazer meio bom. A gente tem só a bilheteria.

Porque continuo fazendo: porque hoje em dia não faço mais teatro, não quero fazer mais produção de peças, então a minha cachaça é o festival estudantil. Você sabe que um festival desse a gente passa pelo menos seis meses trabalhando. O cachê para mim deveria ser uns 30 mil reais e eu sobra mil reais, no máximo dois mil reais. E tenho impressão que esse ano vai ter prejuízo. Esse é o motivo de continuar fazendo.

Você disse que estava muito cansado de realizar o festival nessas condições. 

Eu gostaria de fazer mais três anos para fazer 25 anos e acabar. Como falei, tem um pessoal que quer falar comigo sobre o festival para a gente debater. Se for legal, vamos fazer juntos, entendeu? Mas eu, Pedro Portugal, eu gostaria de fazer mais três anos para fazer 25 anos. Como dona Cléa Borges falou com Enéas Alvarez — crítico de teatro e diretor do saudoso Festival de Teatro de Bolso — para fazer 15 anos e não acabar com 12. Eu quero ver se chega a 25. Não sei se eu vou ter força, porque estou muito cansado.

E agora os participantes estão mais exigentes. Acho legal. Eles querem melhor estrutura, melhor luz, e sem dinheiro fica difícil. E até para dar uma ajuda de custo. Sim, a gente também dava. Quando passava no Funcultura, a gente dava ajuda de custo para o transporte para o grupo do interior. Não sei quanto era, porque faz mais de 10 anos que a gente não passa no Funcultura.

Também a gente é de um tempo que a gente ia para os festivais e dormia nas escolas, no colchonete. Era uma farra danada. Eu me lembro disso. José Manoel participou muito. Eu participei de muitos festivais desses. Hoje em dia não, tem que ter hotel, então fica uma coisa inviável. Já pensou trazer 30 meninos para o festival para colocar no hotel? Vê só essa conta, esse valor, entendeu? Então até essas coisas, as coisas ficam melhorando, claro, mas o conforto… Eu sou a favor. Mas no nosso tempo a gente ia do jeito que dava: daqui para o Rio Grande do Sul, daqui para São Paulo. Quantas vezes José Manoel, com a Três Produções, foi para São Paulo e soube o resultado no ônibus. Hoje não acontece mais isso, não.

Por que o Feted cobra ingresso se isso pode prejudicar a aprovação em editais?

É o que digo: se a gente não fizer um ano, não faz mais. Se for esperar para fazer quando tiver dinheiro, é melhor acabar de uma vez. Esse negócio de “mínimas condições”, não. Ou faz ou não faz.

Eu me lembro de uma coisa muito interessante nos primeiros anos do festival, até o quarto ou quinto. Nossa amiga presidente do SATED — Ivonete Melo — me disse: “Pedro, sabe por que seu festival não passa no Funcultura? Porque você cobra ingresso”. Nessa época eu cobrava um real. E eu disse para ela: “Se a gente não cobrar, o festival não faz mais. Porque se for esperar o dinheiro dos editais, a gente não vai fazer, entendeu?”. E eu perguntei a ela: “E você, como presidente do SATED, acha que com esse valor dá para fazer o festival?”

Os grupos estão reclamando do Funcultura porque diz que não pode cobrar ingresso. Faz cinco apresentações e acabou. Você ganha 80 mil — acho que o máximo é 80 mil para montar. Então monta e acabou. O ingresso é para tentar continuar.

Eu sempre digo que o ator é o mais sacrificado. O diretor tem o cachê dele. O cenógrafo tem o cachê dele, o iluminador, já está tudo na lei. Mas o ator é sacrificado: ele passa não sei quanto tempo ensaiando de noite, o Recife do jeito que está violento, pegar um ônibus para ir para casa.

Agora, os espetáculos que vêm de fora, com as leis de incentivo, cobram 150 contos no Teatro do Parque. Não tem espetáculo no Teatro do Parque, com lei ou sem, que cobre menos de 100 reais o ingresso. O mínimo 120. Agora quando é a lei daqui, que é de 80 mil por produção, 80 mil dá para fazer o quê? Aí eles querem que não cobre ingresso.

Quais são as vitórias recentes que você celebra?

As vitórias recentes é passar nas ruas, ser reconhecido pelas pessoas: “Porra, bicho, eu faço teatro por sua causa”, ser abraçado pelas pessoas, ser respeitado como produtor cultural. Isso são as vitórias do dia a dia. Os artistas abraçando, pessoas do passado ou que participaram um ano atrás. As pessoas te acarinhar. Fica guardado no coração.

O que mudou no comportamento e engajamento dos participantes do festival ao longo dos anos?

Infelizmente não é só o festival, não. É tudo. Antigamente a gente saía do teatro, dos espetáculos, ia para um barzinho tomar uma cerveja. Às vezes o que ganhava no teatro deixava no bar da frente. Mas a gente ia ser feliz, ter prazer. Hoje em dia as pessoas estão muito individualistas. Acaba o espetáculo — não é só o Festival Estudantil, é geral — o povo vai direto para casa. Praticamente não se conhece. Antigamente a gente era amigos.

E o Festival Estudantil não fica atrás. A gente todo ano tenta fazer uma reunião de avaliação, vai dois, três grupos. A gente teve este ano 30 inscrições para 14 vagas. Eu sempre digo: o Festival Estudantil não é meu, de Pedro Portugal, mas é de quem faz os espetáculos, porque se não tiver inscrições não tem festival. Então eu disse este ano que o festival depende das inscrições. Este ano não tem a mostra coreográfica porque não teve inscrição.

Como você avalia a mudança do público de teatro em Pernambuco ao longo dos anos?

Esse negócio de as pessoas acharem que tem muito festival… Mas hoje o teatro é diferente de épocas passadas. Antigamente passava três meses numa temporada. Quando digo antigamente é 20 anos atrás, que já faz uma data. O Teatro do Parque passou 10 anos fechado e cinco para reformar, então praticamente 15 anos fechado.

Você tinha o Teatro do Parque, Apolo e Barreto Júnior de quarta a domingo, ou de quinta a domingo. Quinta e sexta fazia um espetáculo. Sábado, três espetáculos: um de 16h, um de 18h30 e um de 21h. Até que 21h não pode fazer mais, por causa da violência. O Teatro do Parque fazer de seis horas, aquele teatro está horrível de assalto. E no domingo a gente tinha 10h da manhã, 4 horas da tarde, seis e meia e 9 horas. Tinha períodos que tinha 4 espetáculos no dia. Hoje os teatros só fazem um espetáculo por dia. Isso aí você já vê que a produção não tem condições de arcar com os teatros. Os teatros são os mesmos três e diminuíram: de quatro espetáculos passou para um.

E outra coisa: eu não sei até quando, acho que a continuidade de três meses com um espetáculo não sustenta mais, não. As pessoas estão muito rápidas. TikTok. E só vão ao teatro quando é um global. A última pesquisa que foi feita de quem assistia teatro, quem ganhava eram os bancários. Hoje em dia, praticamente não existe mais bancário, e o bancário é que ia ao teatro. E hoje em dia as pessoas só vão para espetáculos de fora. Os mesmos é que vão aos espetáculos locais. A gente tem, infelizmente, pouca gente que vai ao teatro.

Eu soube que vai entrar de novo a campanha “Teatro ao Vivo, Vá Ver”, uma campanha forte. Vamos ver se isso melhora. Mas tem que ter campanha forte para ver se tem uma estratégia boa. Às vezes eu digo 70 pessoas na plateia do Festival Estudantil e aí os funcionários do teatro dizem: “Pedro, aqui é 20, 30 pessoas”. É verdade, é mentira? Não sei. É o que dizem: as plateias estão vazias.

Como você vê a relação entre festivais e a sustentabilidade dos espetáculos hoje?

E os espetáculos estão sendo feitos para ir pros festivais. Hoje em dia, para fazer um espetáculo, não tem condições de bancar do seu bolso, porque fazer quatro, cinco apresentações, como vai tirar despesa? Não consegue, com esse valor. Então os festivais se prestam para isso, os profissionais. O meu não está fora desse roteiro aí. Estou falando do Janeiro.

A minha opinião é: ter teatro nas cidades do interior fazia quinze dias, duas semanas, e o estado todo se tivesse teatro e se as pessoas fossem ver. Com incentivo. Vamos botar um profissional aí para dez cidades, faz um fim de semana em cada cidade. Aí sim, eu estou a favor. Aí fazia pelo menos 30 apresentações. Se tivesse teatros para a produção circular. A ideia é essa: espetáculos circularem.

Por que o poder público não investe adequadamente no teatro local e estudantil?

Poder público gosta de arte de massa, que lota, artistas nacionais. Quando é de estudante, teatro local, o poder público mais que fecha os olhos. Não é só municipal, não. É municipal, estadual e federal: eles querem patrocinar grandes eventos. Esses eventos que dão visibilidade. Eles querem ver grandes eventos. Simples assim.

Quem são os reais prejudicados pela falta de apoio aos festivais estudantis?

Quem ganha e quem perde é o público, que deixa de ver coisas interessantes — não estou falando somente sobre o Festival Estudantil, mas no geral. Quem perde com a falta de cultura é o público, e quem perde com a falta do Festival Estudantil são as escolas, que deixam de conhecer um teatro profissional como o Teatro Apolo.

99% dos meninos e meninas que participam do Festival Estudantil nunca entraram num teatro. Não é para fazer teatro, não é para assistir. Muitas nunca entraram num teatro, num espaço cultural como um teatro. Mas o poder público não tem interesse. Se acabar o festival é menos um que vai deixar de encher o saco. Então para o poder público, cada festival a menos, cada espetáculo a menos, cada palhaço a menos, cada artista a menos é menos um para encher o saco dele para pedir dinheiro. Essa é minha opinião, não sei se estou errado.

Então quem perde são as crianças que deixam de ir ao teatro, os pais que deixam de ver os filhos em cena num teatro profissional. O público em geral. Geralmente quem participa — nem todos viram atores — mas todos ficam cientes do que é um teatro, conhecem o teatro. Os meninos que fazem esporte, cultura, deixam de fazer coisa errada.

Se a cultura valoriza o festival nos discursos, por que isso não se traduz em apoio concreto?

Quando encontro as pessoas nas ruas, elas dizem: “Seu festival é o mais importante de Pernambuco, novos talentos da cena pernambucana”. Mas adianta ser o mais importante e não ter dinheiro? É o mais importante da boca para fora. E vou dizer uma coisa a você: se acabar o Festival Estudantil, como já acabaram outros, as pessoas não vão sentir falta. Você sabe que a Mostra Brasileira de Dança acabou? E ninguém sentiu falta, ninguém fala. Quantos festivais acabaram? Então se o nosso terminar… as pessoas não sentem falta, não. Isso é muito triste.

Qual seria seu “ponto de ruptura”?

A ruptura será bem próxima. Vou fazer mais três anos, gostaria. Mas sem dinheiro, do jeito que está, não sei se consigo fazer mais três anos, porque os grupos estão mais exigentes — com razão — eles querem coisas melhores e nós não temos condições financeiras, pois não temos patrocínio e não temos condições de dar o que eles merecem. Isso está me deixando nervoso.

E eu estou fazendo tudo. Tem uma menina que está me ajudando nas redes sociais que é de graça, mas eu não gosto de coisa de graça. A gente dá uma ajuda para o Uber e para o lanche, mas é muito chato todo ano ficar pedindo: “Faça uma arte para mim”. O Zé Manoel faz a apresentação de Cida Pedrosa e Cléa Borges, mas faz de graça; Albemar Araújo faz mestre de cerimônia de graça… Isso para mim é muito desgastante. Estou ficando com vergonha na cara de chamar as pessoas sem pagar.

Qual é a visão do festival para os próximos três anos?

Para os próximos três anos, o que a gente precisa é de dinheiro, senão vai ficar essa situação. Ainda fazemos debates após o festival, rápido. A gente tem um debate. Eu gostaria de dar curso como a gente fazia, de levar os diretores para as escolas, como a gente fazia. Fica muito difícil fazer essas coisas que a gente gosta de fazer sem dinheiro.

O que você espera da conversa com o grupo interessado em parceria?

O que eu queria mesmo era que esse pessoal que vai conversar comigo após o festival, se for uma pessoa que eu sinta segurança, a gente fazer uma parceria. Agora tem que ser uma pessoa que saiba fazer projeto bem feito para tentar ganhar alguns editais, ficar ligado em alguns editais, que eu sou desligado dessas coisas, e ir para frente. Só não dá para ficar mais um ano sem dinheiro, para dividir o que não tem.

Quais seriam os compromissos do Feted se conseguisse patrocínio adequado?

Se o festival tiver patrocínio, se tiver dinheiro, o nosso compromisso é, primeiro, voltar a ser competitivo, que é uma reivindicação de 99% dos grupos. Aí a gente tem que fazer se tiver dinheiro. É isso que tem que fazer com eles. Por que a gente não faz competitivo? Que não tem dinheiro. Porque eles pedem, como eu disse, o festival é democrático. Se o pessoal quer, infelizmente eu não sou muito a favor. Eu sou mais de mostra. Mas é um pedido deles, mas eles gostam. Então a gente tem que fazer isso.

Segunda coisa: voltar a gincana, como a gincana. Passar uma manhã, uma manhã grande. Manhã de umas quatro ou cinco horas no teatro, conhecendo o teatro, tudo, entendeu? Com uma aula de teatro. Pode ser agora? A gente sempre bota pessoas que trabalham mais com a turma nessa parte — um ator para fazer essa visita, para que conheça a técnica — mas coisa alegre, leve, não seja aquela coisa pesadão: “Isso aqui é isso, aqui não”. Então coisa leve.

Voltar a fazer isso: voltar os diretores às escolas, nas escolas. Mostrar: “Olha, a gente vem aqui duas vezes. No começo do ensaio, consegue ensaiar. Olha, o texto é assim, assim, assim. Tem que ter cuidado com direitos autorais, porque dá cadeia se a Polícia Federal… Então vocês têm que perguntar primeiro: ‘Pode montar esse espetáculo?’ Você tem que entrar em contato com o SBAT, entendeu?”. E depois, no fim: “Olha, o caminho é esse, foi legal o espetáculo, entendeu?”. Então a gente gostaria de voltar — os diretores voltarem às escolas que estão participando. Isso é outro compromisso nosso.

E outro compromisso também. Eu gosto de fazer umas fotos, e as fotos que mandam para mim são fotos muito ruins. Digo: “Minha gente, até de celular hoje tira fotos legais para redes sociais”. Mas as fotos que mandam são fotos escuras, horrorosas. Por isso, nosso compromisso seria fazer uma oficina de fotografia, inclusive ensinando a usar o celular para tirar fotos melhores para a divulgação dos espetáculos. Porque hoje em dia todo mundo tem celular e dá para fazer material de qualidade, mas precisa ensinar a técnica básica. Isso melhoraria muito o material que os grupos enviam para a gente divulgar o festival.

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Território da palavra
Crítica: O Céu da Língua

Gregório Duvivier em O Céu da Língua. Foto: Adriano Escanhuela / Divulgação

“A verdade é que a poesia é inútil. Nunca estive num avião em que alguém se levantou e disse: tem algum poeta nesse voo? Meu marido! Ele está sentindo alguma coisa que ele não sabe o nome. Ele enxergou o abismo da existência e precisa de alguma metáfora. Uma assonância, uma aliteração, qualquer coisa.”

A provocação de Gregório Duvivier em O Céu da Língua, logo após citar trecho de Os Lusíadas (Canto Primeiro) de Luís Vaz de Camões — “As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia Lusitana, / Por mares nunca de antes navegados / Passaram ainda além da Taprobana” — funciona como ironia refinada que questiona frontalmente a lógica utilitarista do mundo contemporâneo. Ao declarar inútil aquilo que a montagem inteira se dedica a exaltar, Duvivier estabelece posicionamento contra o senso comum que relega a poesia à marginalidade diante das necessidades práticas. Esta estratégia retórica prepara o terreno para a descoberta central do espetáculo: mostrar como a poesia habita secretamente cada palavra nossa, transformando o cotidiano em território poético inexplorado. É precisamente nessa capacidade de transformar o familiar em descoberta que reside o brilho deste monólogo de noventa minutos.

Já próximo ao final da peça, Duvivier confessa “Decassílabos. Esse é o real motivo de eu fazer essa peça. Tenho obsessão por eles…”, expondo a arquitetura do projeto: uma homenagem à métrica que atravessa séculos, conectando Camões aos grandes letristas populares, a tradição clássica à música popular brasileira. Quando demonstra como Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa, gravada primeiramente por Silvio Caldas e que se tornou grande sucesso, esconde decassílabos perfeitos em sua melodia, ou quando descortina a sofisticação métrica na canção Língua de Caetano Veloso, Duvivier constrói ponte poética que une tradição literária e cultura popular, passado e presente. Assim, esta obsessão pelos decassílabos atua como fio condutor invisível que costura toda a apresentação.

Estreado em Lisboa no contexto das comemorações dos 500 anos de Camões, O Céu da Língua fez temporadas de sucesso em São Paulo e outras cidades e foi visto por mais de 80 mil espectadores em sua circulação nacional. A calorosa recepção no Recife, com três sessões esgotadas, motivou o próprio Duvivier a anunciar novas apresentações na capital pernambucana ainda em 2025.

Público se reconhece nas convicções do artista. Foto: Adriano Escanhuela / Divulgação

Público e Recepção: O Filtro da Audiência

A audiência de O Céu da Língua constitui segmento majoritariamente urbano, escolarizado, de classe média, culturalmente interessada, que acompanha e admira o trabalho de Duvivier. Esta plateia conhece seu percurso no YouTube, suas participações televisivas no Porta dos Fundos e Greg News, sua presença combativa nas redes sociais, sua literatura e seu posicionamento político inequívoco.

São espectadores que se identificam com suas ideias progressistas, sua oposição consistente ao projeto bolsonarista e sua defesa de valores democráticos e inclusivos. A recepção entusiástica deriva, além da qualidade da obra, da capacidade de validar e expandir referências culturais já presentes neste público que se reconhece no artista e em suas convicções.

Por outro lado, aqueles que rejeitam Duvivier pelas mesmas razões políticas que o tornam admirado por seus seguidores simplesmente não frequentam o tipo de teatro que ele faz. Esta segmentação da audiência cria um fenômeno interessante: embora O Céu da Língua não se configure como peça explicitamente política, existe uma dimensão política substancial na própria composição de sua plateia e na valorização democrática da linguagem que propõe.

Duvivier transita entre reflexões linguísticas, declamações poéticas e observações humorísticas Foto: Adriano Escanhuela / Divulgação

Gregório Duvivier constrói uma interpretação de ator tecnicamente maduro, capaz de sustentar interesse por hora e meia apoiado fundamentalmente na palavra. Sua movimentação pelo palco demonstra consciência espacial aguçada: aproxima-se da plateia para criar intimidade, recua para observações panorâmicas, utiliza pausas como pontuação dramática. O timing cômico prospera especialmente quando emerge das próprias contradições e absurdos inerentes aos fenômenos linguísticos.

Apesar da excelência geral do desempenho, alguns aspectos técnicos pontuais merecem atenção. Em determinados momentos, a dicção de Duvivier apresenta desafios que podem comprometer a compreensão parcial do texto. A velocidade acelerada em certas passagens, combinada com uma articulação ocasionalmente menos precisa, resulta na perda de vocábulos ou trechos. Isso é particularmente relevante em uma encenação que se baseia na palavra e em suas nuances semânticas e sonoras. Ajustes pontuais no ritmo da fala e maior atenção à clareza articulatória poderiam aprimorar a recepção da montagem, garantindo que a riqueza do texto seja plenamente acessível.

A arquitetura de O Céu da Língua revela uma articulação meticulosamente planejada onde os temas se entrelaçam de maneira fluida e coerente. Duvivier demonstra maestria ao transitar entre reflexões linguísticas, declamações líricas e observações humorísticas. O roteiro, integralmente publicado no livro-libreto-programa-zine, incorpora conceitos complexos de linguística, semântica, métrica e fonética de forma subliminar, convocando teóricos sem citá-los explicitamente, evitando que o conteúdo se torne árido ou excessivamente acadêmico.

Esta abordagem textual permite que o trabalho mantenha seu caráter despretensioso sem abdicar da profundidade intelectual. As transições entre os diferentes blocos temáticos são costuradas através de associações livres, jogos verbais e conexões inesperadas que mostram a inteligência do texto e a habilidade do intérprete. O mérito consiste em manter atenção em monólogo de noventa minutos sem narrativa convencional, personagens ou conflitos tradicionais.

A dramaturgia incorpora conceitos de linguística, semântica, métrica e fonética. Foto: Adriano Escanhuela

O humor chega em camadas. Nos momentos mais felizes, a comicidade emerge dos próprios absurdos da língua portuguesa, como termos que provocam desconforto inexplicável: “afta”, “íngua” e “seborreia”.

Sob a direção de Luciana Paes, a montagem adota uma estética conscientemente minimalista que intensifica o foco na performance de Duvivier. O palco é mantido despojado, sem cenários elaborados ou elementos que possam competir com a centralidade da palavra e do intérprete.

As projeções visuais, criadas por Theodora Duvivier, formam imagens que dialogam poeticamente com as expressões ditas. A iluminação de Ana Luzia de Simoni emprega contrastes cromáticos e variações de intensidade que estabelecem ambientes distintos conforme o tom das diferentes passagens.

A dimensão musical da peça, com o contrabaixista Pedro Aune, amplifica o clima criado pelo texto. Canções como Chão de Estrelas e Livros são integradas com precisão, destacando a presença da poesia na cultura popular brasileira.

Theodora Duvivier trabalha as imagens no retroprojetor. Foto: Adriano Escanhuela / Divulgação 

Pedro Aune ao contrabaixo desenvolve a trilha sonora. Foto: Adriano Escanhuela / Divulgação

O figurino de Elisa Faulhaber e Brunella Provvidente materializa visualmente a proposta conceitual através da combinação entre jaqueta de inspiração esportiva contemporânea com zíper e gola de rufos elisabetana. Esta justaposição temporal comunica eficazmente a ideia central: como a língua portuguesa conecta diferentes épocas históricas. Durante a apresentação, Duvivier explica a origem da gola através de anedota cômica sobre a Rainha Elisabeth e sua suposta sarna, demonstrando como elementos aparentemente arbitrários da moda carregam histórias fascinantes.

Duvivier conduz o público por questionamentos sobre como os vocábulos moldam nossa percepção da realidade. O ator cria momentos teatrais prazerosos que exibem riquezas linguísticas cotidianamente ignoradas, construindo comunidade cultural através da celebração da palavra compartilhada. 

Partindo da ironia de declarar inútil algo que estrutura nosso pensamento e comunicação, O Céu da Língua constitui uma experiência de redescoberta coletiva onde saímos do teatro carregando renovado apreço pela riqueza poética que habita nossa própria fala cotidiana. Neste sentido, Duvivier reverencia a língua portuguesa, oferecendo uma reflexão sobre nossa relação com as palavras, domínio onde a poesia se mantém viva e acessível para quem se dispõe a escutar com atenção renovada.

 

Ficha Técnica

Interpretação e Texto: Gregório Duvivier
Direção e Dramaturgia: Luciana Paes
Assistência de Direção e Projeções: Theodora Duvivier
Direção Musical e Execução da Trilha: Pedro Aune
Cenografia: Dina Salem Levy
Assistente de Cenografia: Alice Cruz
Figurino: Elisa Faulhaber e Brunella Provvidente
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Diretor Técnico: Lelê Siqueira
Diretor de Palco: Feee Albuquerque
Visagismo: Vanessa Andrea
Fotos de Divulgação: Demian Jacob
Fotos de Cena: Joana Calejo Pires e Raquel Pellicano
Design Gráfico Publicação: Estúdio M-CAU – Maria Cau Levy e Ana David
Identidade Visual Divulgação: Laercio Lopo
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Marketing Digital: Renato Passos
Redes Sociais: Lucas Lentini e Theodora Duvivier
Administração: Fernando Padilha e Lucas Lentini
Produção Executiva: Lucas Lentini
Direção de Produção: Clarissa Rockenbach e Fernando Padilha
Produção: Pad Rok

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Quando a imagem pensa
antes da palavra
Crítica: Enquanto você voava,
eu criava raízes

André Curti e Artur Luanda Ribeiro em momento de suspensão aérea, explorando a tensão entre peso e leveza que caracteriza o espetáculo. Foto: Nana Moraes / Divulgação

A criação da Cia. Dos à Deux, Enquanto você voava, eu criava raízes (com direção e performance de André Curti e Artur Luanda Ribeiro), desloca a centralidade narrativa para um campo de experiência tátil-visual-sonora. A obra fabrica estados de mundo em vez de contar histórias, materializando no palco o que Jacques Rancière denomina “redistribuição do sensível” — isto é, uma reconfiguração das formas de percepção que determina o que pode ser visto, ouvido e pensado, alterando as fronteiras entre arte e vida, entre o estético e o político. Essa redistribuição reprograma o olhar do espectador através de uma estética que privilegia o corpo como lugar primordial de conhecimento, onde a experiência sensorial antecede e constrói o pensamento. 

Nos primeiros minutos, imagens com lastro concreto — o jarrão, a superfície, o contorno humano — oferecem âncoras de reconhecimento que logo se desfazem em metamorfoses contínuas. A operação revela maestria técnica no sentido mais elevado do termo. Aqui, a precisão artística funciona como método de investigação sensível: o domínio técnico libera possibilidades perceptivas que convocam a plateia a pensar com os sentidos e suportar a deriva sem a muleta do enredo. Essa precisão constitui artesania refinada a serviço de uma poética do impossível — condição necessária para que o espectador aceite a lógica onírica da cena e se permita habitar um regime de percepção ampliado.

Nos primeiros minutos, imagens com lastro concreto — o jarrão, a superfície, o contorno humano — oferecem âncoras de reconhecimento que logo se desfazem em metamorfoses contínuas. A operação é, sim, virtuosismo plástico no sentido mais elevado do termo. Aqui, o virtuosismo funciona como método de investigação sensível: a maestria técnica libera possibilidades perceptivas que convocam a plateia a pensar com os sentidos e suportar a deriva sem a muleta do enredo. Virtuosismo, neste contexto é precisão artesanal a serviço de uma poética do impossível — condição necessária para que o espectador aceite a lógica onírica da cena e se permita habitar um regime de percepção ampliado.

Enquanto você voava, eu criava raízes, da Cia. Dos à Deux. Foto: Virginia Benevenuto

A construção cênica revela precisão milimétrica : transições limpas, modulações de peso calculadas, uso da inércia como material composicional. Essa precisão garante a possibilidade do risco. Curti e Ribeiro, suspensos em esferas metálicas ou desafiando a gravidade em coreografias aéreas, sustentam uma dialética entre controle e vertigem — ética do ofício que torna verossímil o impossível: levitar sem fugir do chão, criar raízes no ar.

O risco físico constitui condição de verdade do gesto. Essa precisão técnica delicada sustenta a liberdade poética. Tudo parece inevitável porque tudo é rigorosamente construído.

A criação visual (Miguel Vassy e Laura Fragoso) atua como partitura invisível que atravessa corpos e espaço. As projeções ora encarnam, ora evaporam, deixando vestígios que funcionam como pistas de leitura. Esse regime de vestígio impede o esgotamento do sentido, evitando que significados explícitos saturem a experiência perceptiva. Cada figura nasce para desaparecer, gerando intervalos produtivos em que o espectador completa lacunas e participa ativamente da construção de sentido.

A luz recorta, erode, expande; a sombra escreve. A alternância entre recorte preciso e penumbra respirada cria uma topologia móvel que desloca continuamente os polos figura/fundo. O palco deixa de constituir plano para tornar-se organismo vivo.

A música original de Federico Puppi opera como força de modulação temporal, expandindo e contraindo a duração cênica. A trilha sonora estabelece contraponto com as imagens, criando fricções produtivas entre som e gesto. Essa estratégia compositiva evita a redundância audiovisual, gerando o que se pode denominar “terceiro corpo” — a dimensão sonora da cena que impede o deslizamento para a beleza contemplativa e mantém a experiência em estado de tensão criativa.

Momento de fusão entre corpo e projeção visual, evidenciando a integração entre elementos performativos e tecnológicos da obra. Foto: Virginia Benevenuto

Os performers exploram diferentes níveis espaciais, criando diálogo vertical entre enraizamento e elevação. Foto: Virginia Benevenuto

Proponho ler a obra como cartografia do abismo doméstico. “Doméstico” não pela trivialidade, mas porque imagens que sugerem materiais de casa (jarros, superfícies, contornos familiares) convertem-se em portais para o indizível. A cena captura o momento anterior ao símbolo e o posterior ao reconhecimento, mapeando como o íntimo se abre para o informe sem perder delicadeza.

Em vez de representar deslocamentos (migração, exílio, pertencimento), a obra desenha condições de deslocabilidade. Não encena “quem parte” ou “quem fica”; fabrica gravidades que ora prendem, ora rarefazem. Vínculo vira força, memória vira massa, desejo vira vetor.

 Essa poética contesta a rigidez dicotômica contemporânea ao questionar as polaridades que moldam nossa compreensão — liberdade/prisão, medo/coragem, paralisia/movimento —, revelando-as como manifestações de uma mesma essência dinâmica. A fusão entre voo e queda livre, numa ação única, contraria uma época obsessivamente apegada a polarizações. Essa dissolução das dicotomias emerge como reencantamento necessário.

Os corpos que se lançam no abismo não flutuam ou caem; flutuam enquanto caem. Não existem fronteiras, história linear ou palavras — e precisamente nessa ausência a obra floresce, permitindo projeções individuais em um universo de símbolos compartilhados.

Simultaneidade entre movimento ascendente e enraizamento. Foto: Virginia Benevenuto

A obra trabalha operações composicionais fundamentais que constituem as articulações de uma mesma arquitetura dramatúrgica. A elasticidade temporal manifesta-se na alternância calculada entre suspensão e precipitação, criando um pulso que organiza a expectativa sem depender de intriga narrativa — o tempo cênico respira, retém e libera, ancorando a dramaturgia no próprio ritmo da atenção. Simultaneamente, um contraponto tônico governa a relação entre os corpos: quando um performer enraíza, concentrando peso e densidade, o outro se lança ao voo, rarefazendo-se em direção ao alto, estabelecendo uma distribuição dinâmica de forças que transcende a ilustração literal de opostos. Finalmente, o silêncio opera como campo ressonante, como substância densa que amplifica microvariações gestuais, convertendo o mínimo em acontecimento e permitindo que cada modulação corporal se torne evento dramatúrgico significativo.

A peça politiza a percepção, não o discurso, isto é através da reorganização das formas de perceber, não através de conteúdos políticos explícitos. Convoca o reconhecimento, no próprio corpo, da gramática do deslocamento sem enunciar temas de migração ou exílio. Propõe vínculos móveis — raízes provisórias capazes de sustentar encontros no ar. Constitui uma política do sensível que reeduca a atenção: enraizar não significa imobilizar; voar não significa evadir. 

Exploração das possibilidades expressivas do objeto cênico em diálogo com as projeções. Foto: Virginia Benevenuto

Momento de integração entre elementos técnicos e performativos. Foto: Virginia Benevenuto

Tensões Produtivas e Limites Perceptivos 

A economia de elementos verbais e a densidade imagética da obra, especialmente em seu início, exigem do espectador um regime de atenção sensorial, que nem todos os públicos abraçam imediatamente, habituados à centralidade narrativa do teatro textual. Essa fricção inicial, contudo, integra o dispositivo. A obra demanda tempo para reprogramar o olhar e alinhar corpo e atenção à sua lógica sensorial.

A linguagem cênica da obra  — que integra escolhas estéticas e composicionais visuais, sonoras e corporais, conforme detalhamento disponível no programa da montagem — caracteriza-se por uma coesão visual que instala uma superfície de aparente fluidez e precisão harmoniosa. Para que essa harmonia não diluísse o mergulho temático proposto, focado na exploração dos “abismos internos”, dos “medos, angústias e feridas profundas” e da “união do humano com o primitivo”, o trabalho aciona intencionalmente rupturas e dissonâncias. Essas se manifestam em pausas densas, ruídos inesperados e sombras móveis que, ao quebrar a aparente homogeneidade, reintroduzem um contato mais direto entre a construção estética e o mergulho temático da obra.

Essa dinâmica, ao convidar o espectador a uma atenção mais refinada às nuances e dissonâncias, amplia o campo de leitura. Constitui uma estratégia que instiga a perceber além do imediatamente dado, a apreender as minúcias e as pequenas perturbações que permeiam a experiência cênica, expandindo as camadas de sentido para territórios não-verbais de significação. 

Enquanto você voava, eu criava raízes expande um laboratório de percepção em que imagens pensam e afetos curvam o tempo. Com precisão técnica delicada e imaginação formal ousada, a Cia. Dos à Deux institui uma “coreografia da gravidade afetiva” que dissolve dicotomias existenciais em favor de uma cartografia do abismo, estabelecendo voo e raiz como tecnologias poéticas de redistribuição do sensível que desafiam os modos convencionais de habitar o mundo.

SERVIÇO

Enquanto você voava, eu criava raízes
12 a 13 de Setembro – Sexta e Sábado às 20h
De 16 a 20 de Setembro – de terça a sábado, às 20h

CAIXA Culturral Recife – Av. Alfredo Lisboa, 505, Recife
Ingressos: R$ 30 e R$ 15,

 

 

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Até sempre Vavá Schön-Paulino

Heliogábalo & Eu (1990). Foto: Deborah Valença

Um artista de muitas frentes: ator, poeta, artista plástico, performer e gestor público.

Vavá morreu tragicamente neste 11 de setembro de 2025 em um incêndio em sua residência, em Floresta (PE)

Vavá Schön-Paulino entrava em cena como quem entra em casa. Sem alarde, sem pedir licença, mas com o cuidado de quem sabe onde cada objeto repousa e que luz acende primeiro. Havia algo de menino no gesto — o riso fácil, os olhos atentos, uma curiosidade que não se gastava com o tempo. Ele  atuava como quem oferece água a quem chega cansado: com generosidade, precisão e uma confiança íntima na partilha. Essa confiança moldou sua presença de ator, de educador, de provocador de processos, de artesão de encontros. Nos trabalhos marcantes — da secura luminosa de Fim de Jogo (Beckett), em montagem dirigida por João Denys à Rasif – Mar que arrebenta, a partir de textos de Marcelino Freire, à do ritual instável de Heliogábalo & Eu (1990) à medonha constatação capitalista de A carne mais barata  — sempre se reconhecia um fio: Vavá habitava a cena, deixando que alguns sentidos aparecessem no atrito entre corpos, palavras, silêncio e tempo.

É com esse cuidado que hoje, inevitavelmente, escrevemos no passado. Vavá morreu tragicamente neste 11 de setembro de 2025 em um incêndio em sua residência, em Floresta, no Sertão de Pernambuco, um mês depois completar 65 anos. A tragédia expôs um problema antigo: a ausência de um quartel do Corpo de Bombeiros no município, o que retardou o atendimento e agravou o desfecho. Nascido em Floresta, o artista mudou-se para o Recife em 1978 e, por mais de quatro décadas, foi presença articuladora e generosa na cena cultural pernambucana; há cerca de dez anos, voltou à cidade natal, onde seguiu como gestor, formador e artista — costurando pessoas, ideias e territórios com a mesma delicadeza com que entrava no palco.

Vavá foi um artista de muitas frentes: ator, poeta, artista plástico, performer e gestor público. Na gestão cultural, assumiu papéis decisivos — coordenador do Centro Apolo-Hermilo, diretor do Teatro de Santa Isabel, diretor de Cultura em Floresta e vice-presidente do SATED-PE. No teatro, ergueu uma trajetória vasta e variada. Atuou em A carne mais barata (2005), Espetacular & Espetaculoso (2014), performance De Profundis, Cenas Abissais (1987), Cinderela, a história que sua mãe não contou (1999), Em nome do desejo (1990), O balcão (1987), O burguês fidalgo (1988), Os palhaços da Rua da Alegria (1992) e Quarteto (1988). Não é uma lista exaustiva, mas aponta a extensão do gesto: do popular ao experimental, da farsa à poesia cênica, da pedagogia à prática cotidiana de teatro.

Talvez por isso suas aulas-oficinas ressoassem como ensaios de vida: “Consumo e Práxis Criadora” era um método. Ensinar, para ele, era encostar o ouvido no chão até sentir o trepidar do que vem — e, então, convidar todo mundo a experimentar junto. Primeiro o jogo, depois a tese; primeiro o risco, depois a palavra. Quando provocava “Estarei esperando Godot?”, havia ironia e ternura na mesma medida: não a resignação de quem aguarda o que não chega, mas o impulso de montar um espaço comum onde o encontro, esse sim, aconteça. O que Vavá propunha era simples e exigente: trabalhar a partir do “nosso quintal de subjetividades”, insistindo que a tal Internet das Coisas só faz sentido quando começa no chão compartilhado da presença, do erro, do gesto que ainda não sabe o nome. Da sala de ensaio ao corredor, do pátio à rua, sua obra parecia dizer que a arte não “representa” a vida: ela a curva um pouco, o bastante para que possamos passar.

E é nesse ponto que a transitoriedade se impõe, não como lamento, mas como claridade. O teatro, por definição, passa — e é no passar que ele nos toca. Vavá parecia saber disso desde sempre: não colecionava certezas; colecionava instantes. O palco, para ele, era o lugar onde o agora se dá por inteiro. Vavá armava a cena, no processo de preparar o terreno, arejar o ar, abrir passagem para que o extraordinário do agora possa, quem sabe, acontecer. E, se o tempo é o tecido do teatro, Caetano Veloso o nomeia com alegria grave: “Compositor de destinos, tambor de todos os ritmos, tempo, tempo, tempo, tempo.” Vavá marcava esse compasso com a paciência de quem sabe que o ritmo não é a pressa; é a escuta — a cadência comum que faz de muitos um coro.

Transitoriedade é matéria. O que passa nos forma. Em Rasif – Mar que arrebenta, com ele, aprendemos que a maré não repete o desenho, mas insiste no gesto: vem, toca, recua, volta. Em Fim de Jogo, descobrimos ao seu lado que o palco é um laboratório de ruínas onde a vida insiste em brotar. Em Heliogábalo & Eu, dançamos na instabilidade. A pedagogia que deixou — feita de encontros, partilhas, cansaços honestos e um humor que desembaraça — foi um convite: experimentar o presente com inteireza. Talvez seja esse o maior legado: uma ética da presença que não perde tempo lutando contra o tempo, mas o transforma em parceria de criação.

Se perguntarem o que fica quando a luz desce, diremos talvez o exercício da atenção, que Vavá cultivou na cena e na vida; talvez a coragem de experimentar antes de entender; quem sabe o riso que desata nós; quisera a delicadeza firme de quem sabe a hora de falar e a hora de ouvir; fica, sobretudo, a certeza de que o teatro é uma arte do encontro, e que o encontro só existe porque somos, todos, passagem.

E se a notícia dura precisa caber num texto — a morte em incêndio, em casa, em Floresta; a cidade sem quartel de bombeiros; os muitos amigos e alunos desamparados — então que caiba junto o que a sustenta: a trajetória de um artista que fez do palco uma casa e da casa um lugar comum. O que fica agora é que a cena é encontro: esse foi o norte. E, enquanto o tempo compõe destinos e a cena se refaz, seguimos o conselho implícito que sua trajetória nos deixou: primeiro a partilha, depois o conceito; primeiro a vida, depois o nome. Porque a matéria passa, mas o gesto como resíduo drummondiano — esse sim — aprende a ficar. O resto a gente tenta aprender, como ele, em comum.

 

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