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Construir a arte do efêmero em grupo

Outra vez, era uma vez, foi a primeira montagem da Fiandeiros. Foto: Val Lima/Divulgação

Outra vez, era uma vez, foi a primeira montagem da Fiandeiros. Foto: Val Lima/Divulgação

Na primeira edição do Jornal Aldeia Yapoatan, que circulou durante a mostra realizada pelo Sesc Piedade no mês de setembro, fizemos uma pequena matéria sobre teatro de grupo. Uma das companhias entrevistadas foi a Fiandeiros de Teatro, que está comemorando dez anos de atuação. Como a conversa com o diretor André Filho rendeu muito mais do que o espaço no papel permitia, aproveitamos o início do projeto Dramaturgia pernambucana, empreendido pelo grupo, para publicar a entrevista. O diretor fala não só sobre a realidade específica da companhia, mas toca em questões pertinentes ao teatro de grupo em todo o país, como a dificuldade em manter uma sede e a falta de políticas públicas.

Sobre o projeto Dramaturgia pernambucana, nas sextas-feiras deste mês serão realizadas leituras dramáticas e depois debates com os autores. Começando sempre às 19h30, no Espaço Fiandeiros, que fica na Rua da Matriz, 46, primeiro andar, na Boa Vista. Hoje (11) o texto será Jeremias e as caraminholas, de Alexsandro Souto Maior. O coletivo Sinergia de Teatro, sob direção de Emanuella de Jesus, fará a leitura. Semana que vem (18) é a vez de Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues. O debatedor será Rodrigo Dourado e a direção de André Filho. Já no dia 25 o texto é Lunik, de Luciana Lyra, que ganha direção de Rodrigo Cunha.

O projeto terá ainda uma oficina de dramaturgia com Newton Moreno entre os dias 19 e 22 de novembro e encenações de contos de Nelson Rodrigues no mês de janeiro.

André Filho

ENTREVISTA // André Filho, diretor da Cia Fiandeiros

Como os artistas da Fiandeiros se reuniram?
Nós nos reunimos em 2003. Nosso começo não foi muito diferente de outros coletivos: artistas que se juntam querendo se expressar coletivamente através de sua arte. Tínhamos origens distintas – éramos músicos, palhaços, professores, arte-educadores, alguns já com experiência em trabalho de grupo, outros não. Eu havia sido convidado pelo SESC para dirigir uma leitura dramatizada da peça A tempestade, de William Shakespeare. Convidei alguns atores para participar e o resultado é que, depois da leitura, o grupo quis continuar se encontrando para ler outros textos e conversar sobre teatro. Então decidimos seguir em frente com o processo de estudo e, daí, surgiu a Fiandeiros.

Quando vocês perceberam que eram um grupo?
É sempre muito delicada essa questão de se definir como um grupo de teatro. Há dez anos que a gente vive se questionando sobre esse modelo e é impossível encontrar um conceito estável que sirva a todos os coletivos. Na verdade, acho que é justamente esse perguntar-se continuamente “o que nós somos?”, a busca por essa resposta, que nos faz ser enquanto grupo. Mas é possível pontuar algumas questões específicas que diferenciam o trabalho de um grupo daquele de uma produção convencional, como a manutenção de um núcleo de criação permanente e o processo continuado, que não se limita ao tempo de vida de um espetáculo. As ações do grupo não são apenas no sentido de uma criação artística, mas também na formação de uma identidade de coletivo.

Os objetivos iniciais da companhia foram mudando ao longo desses dez anos?
Na verdade, os objetivos mudam de acordo com cada projeto, mas existe algo que não pode mudar: a identidade do trabalho. Um grupo tem a sua identidade, que é quase como a sua digital, a sua marca, o seu formato de trabalho. Essa identidade não surge assim do nada, não dizemos “vamos criar uma identidade de grupo”. Ela surge com o tempo, como fruto de todo o processo de criação. Não é palpável, mas é sentida por todos. E guarda em si o compromisso com o todo. Sabe aquela música, “se falo em mim e não em ti é que, neste momento, já me despedi”? Quando em um processo de grupo alguém pensa assim é porque não faz mais parte dessa identidade e está na hora de partir em busca de outras lições.

Qual a principal dificuldade em manter um grupo?
Existem dificuldades de vários vieses. Mas creio que as mais importantes são conciliar os sonhos com a dura realidade do dia a dia, com a falta de um projeto cultural público eficaz para o teatro, com a desmobilização política de nós artistas de grupo. Essa última, por sinal, é de suma importância. Ou nos conscientizamos de que precisamos nos organizar politicamente, ou não daremos o passo qualitativo nunca. As artes visuais já fizeram isso, a dança já fez isso, mas o teatro não consegue dar esse passo. O tempo médio de vida útil de um grupo produzindo é de, no máximo, dois a três anos. Quem consegue ultrapassar isso já pode se considerar um vitorioso. Existem alguns coletivos na cidade que conseguiram isso. A Fiandeiros é um deles, mas ninguém imagina o preço que pagamos por isso. Olho para trás e vejo a quantidade de artistas e grupos de teatro que ficaram pelo caminho, que poderiam ter dado uma contribuição tão bacana para a cena local e não o fizeram porque não foram estimulados. Falta vontade política para isso. Ainda estamos engatinhando no processo de consolidação do teatro de grupo no Recife. Quando ficaremos de pé? Não sei.

Qual a importância e o desafio de manter uma sede?
Uma sede é extremamente importante para um grupo, não apenas por ser uma base, um apoio para suas atividades, mas também por contribuir para a sua discussão estética, na medida em que estabelece parâmetros novos para o pensamento de uma dramaturgia específica, um olhar sobre o entorno e a relação dos artistas com este. Isso possibilita um olhar diferenciado sobre um processo. Mas manter uma sede não é fácil. Nesse ponto, acho que todas as políticas públicas até agora são falhas. Recife ainda está engatinhando em políticas de fomento a grupos de pesquisa continuada. São Paulo e Rio de Janeiro já saíram na frente com ações públicas que possibilitam aos grupos fazerem residências continuadas em teatros, prédios e casarios públicos. Aqui sequer conseguimos abrir um diálogo a respeito. Há prédios públicos completamente abandonados e há grupos que ensaiam em garagens, nas praças, nas ruas. Acho profundamente lamentável e triste. A Fiandeiros consegue manter a sua sede com recursos próprios; vez por outra aprovamos um projeto que nos dá uma folga de alguns meses, mas é muito pouco. Cada ano que se inicia, não sabemos como vai ser, de onde tiraremos o dinheiro para manter vivo o nosso espaço. Desenvolvemos algumas ações como os cursos regulares de teatro que ministramos, para adultos, adolescentes e crianças, o que tem nos garantido uma sobrevida. Entramos também no circuito de produções nacionais que viajam através dos prêmios de circulação nacional. Em 2012 se apresentaram no nosso espaço, A Companhia Braziliense de Teatro e o Grupo Trama de Teatro (Minas Gerais). Além disso, fomos um dos pólos de apresentações do Festival Recife do Teatro Nacional, além de produções locais que também se apresentaram no nosso espaço.

O que une vocês artisticamente hoje?
O que nos une é a mesma coisa que nos unia há dez anos: a vontade de continuar caminhando em busca do invisível, de algo que talvez nunca encontremos. Somos artistas e isso por si só já seria suficiente para nos manter unidos, mas nem sempre é assim. Temos nossas diferenças, nossos pontos de vista divergentes, que nos fazem morrer e renascer renovados a cada dia. Sempre foi assim – o que nos une nem sempre é o concreto, o projeto pronto e acabado, mas o vazio das imperfeições, o medo das tentativas que nos aproxima e nos fortalece.

Quais as preocupações estéticas de vocês?
A Fiandeiros tem um traço, uma identidade musical bastante forte em seus trabalhos, não apenas instrumentalmente falando, mas também na melodia textual. Isso sempre foi alvo de nossas pesquisas. Em nosso último trabalho, Noturnos, nos experimentamos em outro viés, o da dura realidade das ruas. É um trabalho onde a musicalidade incomoda, são acordes dissonantes do que até então nós tínhamos feito. Falar sobre violência, medo, agressividade, abandono, asco, invisibilidade social, exigiu de nós um esforço enorme e um desprendimento de nossas vaidades pessoais muito além do que já havíamos ido em outros trabalhos. Sinto que agora é hora de voltar, de proceder o caminho de volta à nossa harmonia original, o que não significa que é menos densa. Penso em Picasso que, ao tentar retornar às origens do cubismo, acabou por recriar a realidade contida nele. Lógico que sem qualquer pretensão de nos compararmos, mas é um processo semelhante de busca interna em nossa estética. O legal é que não sabemos onde vamos acabar, as tentativas existem e são múltiplas, tudo vai depender das nossas escolhas. Mas o mais importante é não ficar parado, porque até mesmo quando o artista imita a si mesmo ele se recria.

Espetáculo Norturnos. Foto: Rodrigo Moreira/Divulgação

Espetáculo Norturnos. Foto: Rodrigo Moreira/Divulgação

Quais os próximos projetos?
Temos vários projetos para o futuro. Entre eles, montar um texto para crianças, intitulado Vento forte para água e sabão, de autoria de um ator pernambucano e pessoa muito querida nossa, Giordano Castro, do Magiluth. Estamos aguardando para ver se sai no máximo até o início do próximo ano. Mas tem pelo menos mais uns três ou quatro projetos viáveis para um futuro próximo. Vamos aguardar e ver o que acontece. O processo é este: viver o efêmero e mergulhar no transitório. Só.

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Muito de nós em Nelson Rodrigues

Ivo Barreto, Andrêzza Alves e Pascoal Filizola. Foto: Pollyanna Diniz

Ivo Barreto, Andrêzza Alves e Pascoal Filizola. Foto: Pollyanna Diniz

Ruy Castro conta em O anjo pornográfico que Fernanda Montenegro levou mais de um ano para  conseguir que Nelson Rodrigues escrevesse uma peça para a sua companhia, o Teatro dos Sete. A primeira vez que ela o procurou com o pedido, revela o biógrafo, foi em 1959. Fernanda cobrava – ligava para o jornal Última Hora e, depois de um tempo, Nelson passou a dizer que não era ele, logo que percebia quem estava do outro lado da linha. Pois bem, em 1960, foi o dramaturgo quem procurou Fernanda e o marido, Fernando Torres, para entregar O beijo no asfalto. A peça tinha sido escrita em 21 dias. Bem ao estilo Nelson, Ruy Castro diz que quando a peça fez temporada no Maison de France, Nelson ia todas as noites para o teatro e tirava satisfações de quem saia no meio do espetáculo indignado.

Mais de 50 anos depois, a peça ainda causa espanto para quem não conhece o enredo. E é extremamente atual. E não só porque trata de um cara que vê a sua vida desmoronar por conta de uma notícia de jornal, pela corrupção e violência policial, pela discussão sobre o homossexualismo. “Se não paramos na leitura rasteira e superficial (…) de um cara que beija um moribundo em público e mergulharmos em busca dos sentidos que movem as engrenagens do texto, do que está por trás e abaixo das várias camadas ali contidas, percebemos que esses enredos são apenas pré-textos que nos conduzem ao espelho da nossa face, das várias faces de nossa humanidade”, explica a atriz Andrêzza Alves, que interpreta Selminha.

Nesta quarta-feira (18), O beijo no asfalto, com direção de Cláudio Lira, será apresentada dentro da programação do festival Aldeia Yapoatan. A sessão será no Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu), às 20h. Os ingressos custam R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada).

Andrêzza é Selminha e Daniela Travassos intepreta Dália

Andrêzza é Selminha e Daniela Travassos intepreta Dália

ENTREVISTA // Andrêzza Alves, atriz

O beijo no asfalto estreou em 1961 com Fernanda Montenegro no papel de Selminha. Qual a responsabilidade de encenar esse texto? Quais referências você utilizou na construção do personagem?
Fernanda Montenegro se tornou conhecida no meio artístico por ser uma trabalhadora incansável, uma mulher simples, nada afeita a estrelismos. É dela uma das frases mais inspiradoras e afirmativas que já encontrei na vida. Ela disse: “hoje todo mundo virou artista, agora ator não é todo mundo que pode ser… Não ocupe esse espaço, vai ser bancário, doutor, vá ser diplomata, enfim. Agora, se morrer porque não está fazendo isso, se adoecer, se ficar em tal desassossego que não tem nem como dormir, aí volte. Mas, se não passar por esse distanciamento e pela necessidade dessas tábuas aqui, não é do ramo”. A responsabilidade de estar em cena precisa ser maior do que simplesmente exibir-se em belas formas, vaidades auto-afirmativas, glórias, paêtes, retratos no jornal ou promessas de riqueza. Precisa estar conectada a uma necessidade extrema. Claro que o teatro não é um quarto fechado, você precisa do outro, mas o mundo das celebridades, do freje das premiações e dos eleitos da vez não tem nada a ver com ser ator. Com a responsabilidade cênica, de encarar aquilo (o palco, o encontro com o espectador que saiu da sua casa pra estar com você) como um projeto de vida. E, pra mim, é nesse âmbito que reside a responsabilidade de levar O Beijo ou qualquer texto à cena.

Uma personagem, por menor que possa parecer a um coração ambicioso, é maior do que qualquer ator do mundo, em qualquer época. Ela terá, sempre, alguma coisa que você não viu, trará em si tantas nuances e filigranas da alma humana que só com muita disposição e generosidade de espírito podemos, às vezes, tangenciar e trazer à tona naquele curto instante de vida na cena. Tchecov dizia que não existe momento de glória, existe perseverança. Estar atenta ao texto, ao que as outras personagens dizem a respeito da minha, às situações, tentando uma conexão fina com o que move aquela pessoa, respirar e transpirar por ela, estar aberta e disponível a atender ao que o encenador deseja. É assim que procuro me portar. Eu ainda não tenho domínio sobre a construção de Selminha, ela está se estabelecendo lentamente, ao contrário do que aconteceu com outras personagens. Talvez porque as reações que ela me inspira são totalmente diversas das que a encenação precisa que eu leve para a cena, talvez por bloqueio, talvez…. Mas, por outro lado, eu a entendo como um ser humano, em suas aspirações e suas dores reais. Selminha é um processo de transpiração. E assim tem que ser, pois o teatro é inglório. Todo dia você repete aquele processo e todo dia corre o risco de fracassar. Será que se foi bom hoje vai ser bom amanhã? Isso depende de muita coisa. Muitas vezes você vê uma pessoa falar: “Vi um espetáculo maravilhoso” e você vai ver e não acha grandes coisas. É que, independente da vontade do elenco, a magia não aconteceu naquele dia. Não é todo dia que é maravilhoso, há que se transpirar sempre, esse é o caminho que busco seguir.

Direção da montagem é de Cláudio Lira

Direção da montagem é de Cláudio Lira

De que forma vocês conseguem “atualizar” esse texto, ou trazer para uma realidade mais próxima?
O teatro só se completa no palco, depois da contribuição viva, presente no tempo e no espaço. Penso que uma encenação é também (ou pelo menos busca ser) uma nova metáfora (viva, tridimensional) do texto escrito. E é isso o que, pra mim, Cláudio faz na encenação do Beijo. Ele não busca uma “atualizaçao” porque O beijo no asfalto é um clássico e como tal ele não precisa ser atualizado, ele está próximo de nós porque trata do que vai no âmago da condição humana e como todo bom clássico, se serve de situações aparentemente banais (tal qual Otelo, Ricardo III, As três irmãs, Esperando Godot, O Vermelho e o Negro, Crime e Castigo, Dom Quixote…) para revelar as pulsões primitivas e constituintes do Humano. Se não paramos na leitura rasteira e superficial de um cara que não acredita que um negro possa ter melhores qualidades que ele, ou de dois vagabundos que esperam, ou de um jovem ambicioso que seduz uma mulher rica….ou (no nosso caso) de um cara que beija um moribundo em público, e mergulhamos em busca dos sentidos que movem as engrenagens do texto, do que está por trás e a baixo das várias camadas ali contidas, percebemos que esses enredos são apenas pré-textos que nos conduzem ao espelho da nossa face, das várias faces de nossa humanidade.

A cada vez que se lê O beijo no asfalto ele se revela em novas possibilidades. Ele se apresenta em uma forma inusitada, com uma atualidade que no instante imediatamente anterior nos escapava, pois como num prisma, ele quebra a luz e em algum ângulo reflete a cor exata que aquele momento social emana. Podemos dizer que O beijo trata da construção do discurso do ódio (que em tempos de Feliciano se traduz como homofobia), podemos também afirmar que trata da dúvida e da tênue linha que separa os conceitos de verdade e mentira (que em nossa era de pós-modernidade permeia as nossas vidas em espaços virtuais de relacionamento), podemos também dizer que fala de ética ou ainda do oportunismo, da busca pelo sucesso a qualquer preço e da velocidade com que se pode ir do céu ao inferno (para o que, atualmente, basta “publicar no Face!”).

O beijo no asfalto gira em torno do binômio imprensa X polícia, ambientes intimamente conhecidos pelo autor e que, por isso, o ajudam a tratar das questões que verdadeiramente o interessam (a hipocrisia e a incapacidade de amor ao próximo que corroem o ser humano). Cláudio se serve dos desdobramentos vivos desse recorte oferecido por Nelson para criar as metáforas da sua obra, a encenação (hoje todos somos repórteres em potencial, hoje os meios de difusão de informação se pulverizaram, hoje a imensa maioria quer aparecer, ficar famoso, levar a melhor; e não mede esforços para isso. hoje a vida privada está exposta pra todo mundo ver e o texto bem poderia ser o editorial de um jornal de ontem, ou a manchete de um site de celebridades, ou a fofoca do Face!). O que a encenação põe é, antes de tudo, o filtro de Cláudio para o que nós, em conjunto, conseguimos acessar do mundo contido (e sempre em transformação) nos escritos de Nelson. Tanto que ver O beijo hoje implica em ver um espetáculo bastante diverso do apresentado há um ano atrás, pois quanto mais voltamos ao texto, mais ele nos mostra possibilidades infinitas de entendimento e recriação e nós não nos furtamos a experimentá-las.

Arthur Canavarro é Arandir

Arthur Canavarro é Arandir

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Quase uma década de Magiluth

Magiluth comemora nove anos. Foto: Pollyanna Diniz

Coletivo pernambucano comemora nove anos. Foto: Pollyanna Diniz

A comemoração será do jeito que eles mais gostam: no palco. O Magiluth celebra nove anos neste fim de semana com duas apresentações. Neste sábado, às 16h, encenam o espetáculo mais recente, Luiz Lua Gonzaga, no Parque Dona Lindu, dentro do projeto Aldeia Yapoatan. Já no domingo fazem a festa no Teatro de Santa Isabel com Viúva, porém honesta, texto de Nelson Rodrigues.

A vida anda bastante movimentada para o grupo e só deve piorar, ainda bem, já que eles aprovaram três projetos no Funcultura. É a certeza da circulação dos espetáculos do repertório e da manutenção da pesquisa do coletivo que, entre outras características, gosta de investir em criação de dramaturgia e experimentação de linguagens.

Dia desses, voltando do Festival Internacional de Londrina (Filo), o diretor Pedro Vilela respondeu uma entrevista por e-mail. Usamos um trechinho na primeira edição do Jornal Aldeia Yapoatan e aproveito para publicar aqui no blog na íntegra.

Luiz Lua Gonzaga é o espetáculo mais recente do grupo. Foto: Ivana Moura

Luiz Lua Gonzaga é o espetáculo mais recente do grupo. Foto: Ivana Moura

Entrevista // Pedro Vilela

Como os objetivos iniciais do Magiluth foram mudando ao longo dos anos?
Interessante falarmos sobre nossos objetivos iniciais, pois o norte principal do grupo permanece. Quando nos reunimos há quase dez anos, tínhamos como foco principal de ação a manutenção de um coletivo de atores que pudesse desenvolver atividade de pesquisa continuada, sendo o grupo um único mecanismo de sobrevivência e trabalho. Hoje é gratificante poder ver que estamos conseguindo atingi-lo e, para isso ao longo de nossa trajetória, precisamos colocar em prova a todo momento escolhas e caminhos. Outro ponto de atenção diz respeito ao aprofundamento e consolidação de uma linguagem que acreditamos, fruto de horas de trabalho em sala de ensaio. Talvez o maior exercício deste período tenha sido compreender nossas necessidades e alinharmos o caminho para atendê-las.

Qual a maior dificuldade em manter um grupo?
Estar em grupo significa risco e crise cotidianos, exercitando diariamente a convivência e a sobrevivência. É compreender o exercício de pensamento coletivo e, ao mesmo tempo, lutar para se solidificar economicamente, uma vez que somos uma empresa. Vivemos numa cidade com políticas culturais inexistentes e os grupos teatrais, por suas especificidades de criação, não conseguem ter autosustentação, necessitando de parcerias. Poderia descrever páginas e páginas sobre a palavra dificuldade, mas hoje pensamos prioritariamente nas estratégias para enfrentá-la!

Qual a importância e desafio de manter uma sede?
Ter uma sede modifica drasticamente de maneira positiva o trabalho do grupo. É a representação física da possibilidade de pesquisar diariamente, de congregar ideias e, inclusive, de discutir a geografia da cidade, uma vez que estamos inseridos no coração do Recife. Entretanto, viemos numa cidade em que não existe nenhuma política de ocupação de espaço e os grupos ficam expostos à especulação imobiliária. Vivemos num local onde vemos diversos imóveis sendo sucumbidos pelo tempo, desabando, virando ponto de drogas e não temos nenhuma ação por parte do poder público para que coletivos artísticos ocupem, reformem e desenvolvam ações. E com os valores de locação subindo a cada dia, não podemos afirmar por quanto tempo teremos espaço.

O que une o grupo artisticamente hoje? Esteticamente o que preocupa vocês? Sobre o que vocês querem falar?
Acho que o que mais nos une é o amor que temos pelo nosso ofício. Antes de tudo, somos um grupo de pessoas que não conseguem viver sem ver, discutir, refletir sobre o teatro e seus rumos. E temos no Magiluth a concretização dum trabalho investido durante anos. Pensar o rumo do teatro contemporâneo brasileiro, reconhecer-se como cidadãos que possuem através da arte o desejo de modificar nossa realidade, isso nos move. Um teatro que seja um respirar do seu tempo e que possa tratar e modificá-lo nos interessa.

Quais as metas para o próximo ano?
Temos espetáculos ainda muito vivos em relação à possibilidades de circulação e apresentações. Acredito que nossa comemoração dos 10 anos será através do que temos interesse, o encontro com nosso público. Então iremos circular durante todo o ano com espetáculos e iniciar o processo de nosso novo trabalho, que ainda não temos um tema fechado, mas muitos “desejos” em relação à linguagem.

Serviço:

Luiz Lua Gonzaga
Quando: sábado (14), às 16h, no Parque Dona Lindu
Quanto: Gratuito

Viúva, porém honesta
Quando: domingo (15), às 19h
Quanto: R$ 30 E R$ 15 (meia-entrada)

Viúva, Porém Honesta – 9 anos Grupo Magiluth – 15/09/13 from Grupo Magiluth on Vimeo.

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Aldeia Yapoatan movimenta Jaboatão

Aldeia Yapoatan começou com cortejo cultural. Foto: Jefferson Figueirêdo

Aldeia Yapoatan começou com cortejo cultural. Foto: Jefferson Figueirêdo

Começou nesta sexta-feira o projeto Aldeia Yapoatan – II Mostra de Artes em Jaboatão dos Guararapes, realizado pelo Sesc Piedade. A abertura foi com um cortejo que saiu da Igreja de Santo Amaro e reuniu grupos de teatro, dança, circo, música e cultura popular. Foi só uma amostra do que virá durante o festival, que acontece até o dia 22 de setembro, com 13 polos e cerca de 60 grupos envolvidos.

Fazem parte da programação, por exemplo, o Grupo Teatro VentoForte, idealizado por Ilo Krugli, com três montagens: As 4 Chaves (dia 14, às 15h, no Sesc Piedade), História de lenços e ventos (dia 15, às 15h, no Sesc Piedade) e Ladeira da memória ou Labirinto da cidade (dia 16, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão).

Mas a maior parte da grade é mesmo composta por grupos pernambucanos. Só para citar alguns espetáculos de teatro há, por exemplo, Luiz Lua Gonzaga (dia 14, às 16h, no Parque Dona Lindu), O beijo no asfalto (dia 17, às 20h, no Teatro Luiz Mendonça), As confrarias (dia 18, às 20h, no Teatro Luiz Mendonça) e ainda Algodão doce (dia 14, às 16h, no Espaço Criança Esperança), O menino da gaiola (dia 20, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão) e Pluft, o fantasminha (dia 21, às 16h, no Espaço Criança Esperança).

Apenas os espetáculos que acontecem no Teatro Luiz Mendonça são pagos. Os ingressos custam R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada).

As confrarias será apresentada dia 18, no Luiz Mendonça. Foto: Pollyanna Diniz

As confrarias será apresentada dia 18, no Luiz Mendonça. Foto: Pollyanna Diniz

O menino da gaiola terá sessão no dia 20, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão. Foto: Divulgação

O menino da gaiola terá sessão no dia 20, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão. Foto: Divulgação

Confira a programação completa do Aldeia Yapoatan.

Entrevista // Daniela Travassos, supervisora de Cultura do Sesc Piedade

Como foi pensada a programação do Aldeia Yapoatan?
A programação foi pensada a partir da ideia de Aldeias Culturais, implantada pela Gerência de Cultura do SESC Nacional, cujo interesse é descentralizar ações culturais nas diversas linguagens artísticas, possibilitando que comunidades mais distantes dos grandes centros recebam ações culturais gratuitas. Dessa forma, montamos a programação contemplando teatro, dança, cinema, circo, cultura popular, artesanato, literatura e música, distribuídos em cerca de 10 bairros da cidade de Jaboatão.

Qual a importância do festival para os diversos polos que recebem a programação?
A importância está justamente na oportunidade do acesso à cultura, que é um direito de toda a população e que estamos dando a diversas comunidades da cidade. Muitas delas estão recebendo pela primeira vez espetáculos artísticos. É comum percebermos que o Projeto Aldeia é o primeiro contato que algumas crianças e adultos têm com a arte. E poder discutir e saber deles a impressão e o encantamento que isso traz à comunidade, transformando-a, levando saber e formação, é de importância ímpar.

Qual a atuação do Sesc Piedade, não só na unidade, mas nesses polos? E como isso pode ser incrementado a partir do festival?
Não queremos que a realização do Aldeia seja uma ação pontual, efêmera. Queremos que essa ideia de formação e fruição perpasse toda a programação de cultura da Unidade ao longo do ano. Tanto que estamos sempre mantendo cursos dentro e fora do SESC e realizando ações artísticas nos bairros. Além disso, mantemos nossa Escola de Teatro profissionalizante, realizamos Seminário de Arte-Educação, lançamento de livros que seguem gratuitos para bibliotecas de diversos bairros. Enfim, o nosso trabalho segue no intuito de levar para a cidade de Jaboatão a oportunidade não só da apreciação artística, mas principalmente da formação e do debate. Essa é a orientação do Programa de Cultura do SESC Pernambuco, através da gerência de Cultura de José Manoel e da gerência do SESC Piedade, que é de Rudimar Constâncio.

Sabemos que são muitas atrações na programação, mas quais destaques você faria?
Na verdade, tenho muita dificuldade de destacar alguém da programação porque é uma programação muito consistente no que diz respeito à qualidade dos grupos em suas diversas linguagens. Mas posso arriscar um destaque: as ações que estamos realizando dentro das escolas públicas de Jaboatão, com cursos e apresentações, além do polo circo, que não conseguimos realizar na primeira edição e este ano volta com uma programação também com oficinas e espetáculos circenses.

*O Satisfeita, Yolanda? e o Sesc Piedade fizeram uma parceria para a publicação de duas edições do Jornal Aldeia Yapoatan e para a apreciação crítica de alguns espetáculos. Continuem acompanhando a cobertura da mostra aqui no blog.

Algodão doce será encenada neste sábado (14), às 16h, no Espaço Criança Esperança. Foto: Ivana Moura

Algodão doce será encenada neste sábado (14), às 16h, no Espaço Criança Esperança. Foto: Ivana Moura

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Balanço da gestão Leda Alves nas artes cênicas

Leda Alves, 82 anos, secretária de Cultura do Recife. Foto: Ivana Moura

Leda Alves, 82 anos, secretária de Cultura do Recife. Foto: Ivana Moura

Há alguns meses tentamos marcar uma entrevista com a secretária de Cultura Leda Alves. Mas o nosso encontro, por motivos vários, ainda não tinha dado certo. Depois de uma reunião do Fórum de Artes Cênicas, no último dia 14, no entanto, enxergamos o óbvio com muita clareza: essa conversa era fundamental. Afinal, passados oito meses de gestão, a equipe de artes cênicas não havia sido montada e a classe artística estava ali reunida, ouvindo um gestor técnico (Gustavo Catalano, gerente geral de ações culturais e infraestrutura da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife) perguntar se seria possível realizar o 18º Festival Internacional de Dança do Recife e o 16º Festival Recife do Teatro Nacional juntos. Não havia sequer uma resposta segura com relação aos orçamentos destinados aos dois eventos, completamente consolidados na cidade.

Em quase duas horas de conversa com a secretária, na última terça-feira (27), fizemos vários questionamos sobre diversos problemas da área de artes cênicas – o SIC (Sistema de Incentivo a Cultura), a manutenção dos espaços, a formação. Novamente, o óbvio ululante se instaura: há muito por ser feito e posicionamentos ainda bastante vagos. Leda Alves, pelo que demonstra na entrevista, deposita muita confiança e também responsabilidade no diretor, dramaturgo, ator e gestor Carlos Carvalho, que assumiu o Centro Apolo-Hermilo.

Aos 82 anos, a atriz e gestora, que já passou pela Fundarpe, Fundação de Cultura Cidade do Recife, Teatro de Santa Isabel e pela Companhia Editora de Pernambuco, e viu Geraldo Júlio e Eduardo Campos engatinhando, tem muitos desafios pela frente. Começou tentando exterminar os ratos e baratas que, explica ela, tomavam conta da sua sala no 15º andar da Prefeitura do Recife; e dividindo a sua sala noutras três, tão grande seria o espaço. Teria resolvido também os problemas da Orquestra Sinfônica do Recife; e agora, finalmente, durante a entrevista, anuncia o novo Chefe da divisão de Artes Cênicas (conhecido com gerente de artes cênicas): o diretor, dramaturgo e ator Romildo Moreira. Estão subordinados a ele o chefe do setor de serviços de Circo – Cleiton Osman Ferreira de Oliveira, nome também revelado na entrevista, o gestor responsável pela Dança, Fred Salim (que já assumiu o cargo) e o chefe do setor de serviços de Teatro. Esse último ainda não foi escolhido. Pelo menos até terça-feira passada. E ah, como o céu seria de brigadeiro se a pendência fosse só essa!

Entrevista // Leda Alves

Porque você aceitou ser secretária de Cultura do Recife?
Eu acho que a palavra nem é “aceitou”. A palavra é comparecer, dizer sim. O sim não quer dizer aceito. Quer dizer que acredita. Tenho uma perspectiva na minha vida muito ligada a uma fé, a um sentido da minha vida, a uma consciência de missão, a uma consciência de que sou parte de um plano de Deus. Não tenho dúvidas que Ele pensa em cada um de nós e, consequentemente, em mim também. E em toda a minha vida eu peço para eu não colocar obstáculos no plano de Deus sobre mim. Era tão fora da minha perspectiva essa secretaria! Porque eu tinha atravessado o momento mais difícil na Cepe (Companhia Editora de Pernambuco), que foi logo quando eu cheguei. Mas aí a gente abriu veredas do ponto de vista da democracia, da cidadania, da justiça social, da inserção e da abertura para outros códigos da cultura, muito sérias, profundas e bonitas. Nenhuma coisa que estou falando aqui se refere a mim. Eu só fui instrumento ali. Só chamei para junto de mim um bando de gente que acredita nas coisas e tem talento e deu no que deu. E aí eu estava vivendo o momento que o governador um dia me disse: “Leda, quando você colocar esse cargo nos trilhos, você viajar em céu de brigadeiro”. E eu brincava dizendo que parecia que o céu de brigadeiro estava chegando. Não deu duas! Eu estava em Exu, nas festas de Gonzaga, quando recebi o telefonema de Geraldo (Júlio), que eu conheço desde menino porque eu era amiga dos pais dele. Então foi uma pancada tão grande na minha cabeça, no meu coração, que eu estava almoçando, bebendo, saí da mesa e, quando voltei, não sabia nem em que chão eu estava pisando, voltei meio aérea. E à noite fui pro show e disse, “Geraldinho”! Eu não entendia o que ele estava me pedindo: “eu?”. Engasguei e disse: “Deixe eu conversar com Dudu (Eduardo Campos)”. “Mas é com o governador sabendo de tudo que eu estou telefonando”, ele respondeu. Aí eu fui ainda alimentando uma esperança que Eduardo dissesse: “não, eu não estou liberando você não. Quero que você termine meu governo”. Como ele dizia: “enquanto eu for governador, daqui você não sai”. Aí encontrei com ele à noite, ele beijou a minha testa e eu disse: “Dudu, olha a situação!”. Aí ele: “Vamos trabalhar? Eu quero você lá. Vamos trabalhar?”.

Espiritualizada, Leda Alves acredita em missão

Espiritualizada, Leda Alves acredita em missão

A sua escolha tem uma força política grande. E você, de certa forma, é uma pessoa, assim como Ariano, blindada com relação a críticas da categoria artística. O que você pensa sobre isso?
Guardando as devidas proporções com Ariano! Mas eu pensei sobre muitas coisas, sobre uma saudade do que não fui na minha juventude em relação a isso. Cheguei a reclamar dentro de mim: “pô, isso chegar agora, na minha velhice?”. Eu nunca pretendi, nunca insinuei, nunca desejei. Mas mais ligada ao doutor Arraes (Miguel Arraes de Alencar) do que eu era e depois a Eduardo? Que vi andando, engatinhando? Mas eu nunca insinuei nada disso porque sempre pensei que no balanço do mar..não sou eu quem me navego, quem me navega é o mar! (cantando). Então o mar para mim é uma força muito poderosa e eu sempre tento boiar na vida. Não de apatia, mas eu me largo completamente. E, se você não se largar, você não boia. É condição de boiar, você largar. Se você fizer uma forcinha, o corpo afunda. Então eu navego assim. Agora que estou terminando a missão? Chega um tamanho de missão desse? Mas, ao mesmo tempo, reflito: essa é a minha praia e eu trabalhei nela de várias maneiras, em várias frentes, desde quando tive minhas decisões de vida, de existência e de fé. Eu nunca tive desvio. Sempre fui desse lado e nesse código. O capitão Antônio Pereira dizia a Hermilo (Borba Filho) um negócio lindo: “ô Hermilo, só tem um caminho. O resto são veredas.” Eu nunca tomei outra vereda. Fui nesse caminho. Então agora você vai assumir a secretaria de Cultura. Sofri tanto ao longo desses caminhos vendo as besteiras que eram feitas, os desvios que faziam, a competição das vaidades, as traições e deslealdades com os outros, a inveja. Mas eu estava muito mais ligada aos artistas, apesar de sempre conviver com o poder. Mas o poder nunca me fez mal não. Eu ia como emissário. Agora quando eu aportei aqui, eu já vim bem, dessa expressão, que você usa, que eu senti que a categoria me quis. Eu vindo de Exu para cá, o telefone não parou um minuto. Das pessoas das mais diferentes linguagens, que me telefonavam, uns dizendo, “conte comigo, agora a coisa vai, a gente tem esperança, toque para frente, a gente ajuda no que puder”. Então isso é oxigênio. E eu tenho é que ouvir essas vozes. E se estão querendo, esperando e acreditando, é porque eu posso fazer, com eles eu posso. Aí eu vim para a posse. Também achei a receptividade da posse, quando meu nome foi anunciado, muito grande. E aí são as antenas de atriz, uma porção de coisas. Eu sou meio bicho para esse negócio de: comunico ou não comunico? Misturo pele, misturo uma porção de coisas…sinto logo quando a pessoa…não dá! Há pouco tempo eu tive uma reunião aqui, o sujeito estava sentado nessa cadeira, e eu disse: esse vai trair, esse não vai ser desse grupo. Não deu outra. Dez dias depois as coisas estavam virando e ele era o mentor da virada. Então isso eu sinto. Mas isso não é de agora não. Isso é de muito tempo! Então cheguei e tive uma reunião ainda no dia da posse. Eu acho que foi, porque eu cheguei até aos lugares sem pisar no chão, eu acho que é capaz de ter sido nessa sala. Quando eu disse a eles, aos funcionários, eu renovei o meu compromisso com eles que eu vivi há 28 anos. Se eu tenho hoje 82, eu tinha 54 anos. No auge da energia, já com uma maturidade, de experiência. Eu disse a eles que estou do lado deles, do ponto de vista do funcionalismo, do profissionalismo, da capacitação, das condições físicas de trabalho, que são péssimas, das condições salariais, que ainda são bastante degradantes. E aqui eu cheguei e encontrei uma equipe pequena, mas completamente apática. A barata “comia no centro”, quando você saia à noite, elas tomavam conta. Puxasse o telefone, saia uma barata de dentro. ‘Se botava’ spray para durante à noite não invadirem. Tinha rato, tinha barata, tinha tudo aqui dentro. Os roedores se misturavam com a gente. Cada vez que eu fui lá dentro e voltei…eu não sabia por onde começar! Mas fomos devagarzinho. Me pegaram logo, fizeram uma decoração de carnaval, logo no começo, do jeito que eu gosto. Pobre do ponto de vista do custo, mas sóbria, discreta e de bom gosto. Só com o essencial. Aí colocamos um som aí, só músicas de carnaval. Porque eu elogiei? Elogiei porque gostei e o pessoal nunca tinha tido um elogio. Aí eu os reuni aqui nessa sala para conversar sobre a situação de cada um, o que cada um fazia. As coisas mínimas! Muitos foram do meu tempo e outras não. Os mais novos não me conheciam. Olhe, houve gente que chorou, porque nunca tinha entrado nessa sala, nunca tinha sido ouvido, nunca tinha sido chamado pelo nome. Eu fui vendo como é fácil você administrar pessoas que têm a sensibilidade de sentir falta. Então vi que todos estavam vivos, todos estavam com possibilidade de querer alguma coisa. Hoje a gente está com uma equipe entusiasmada, cumprindo as etapas e as tarefas, querendo acertar. A equipe administrativa, que é a mais difícil, porque é meio cru, aquele negócio do papel, do papel, do papel. E eu tenho dado mais atenção a eles. Tirei umas coisas absurdamente erradas. Aí, para não sentirem muita falta, vai se colocando outras coisas. Estou apertando na disciplina de horário, coisas que incomodam. Tiramos uns negócios que eram assim já de vício.

Houve uma transição? Você chegou a conversar com Simone Figueiredo, a secretária da gestão anterior?
Não. Simone me entregou dizendo que tinham umas pastas e que, se eu precisasse de alguma coisa, se colocou à minha disposição, mas fui me virando com o pessoal que está aqui, que era com eles que eu tinha que viver.

Você sabe que viemos aqui principalmente para falar sobre as artes cênicas. Que é também a sua área. Então vamos começar: porque a gente não tem um gerente de artes cênicas? Porque a equipe de artes cênicas não está estruturada?
Passou a ter a partir de ontem (segunda).

Então anuncie! Que nós não estamos sabendo!
Danado é que eu não sei os nomes…

Saiu no Diário Oficial?
Não, não saiu ainda. Foram Carlos Carvalho (diretor do Centro Apolo-Hermilo) e Williams Sant’Anna (do Teatro Luiz Mendonça). Já sei. O gerente de artes cênicas é Romildo (Moreira). Agora a gente está pensando em Romildo. É porque mudaram as nomenclaturas. Agora ainda não foi publicado. Eu estou dizendo a vocês e vocês aguentem…Porque aí o prefeito vai dizer: eu nem assinei ainda a portaria e Leda já está dizendo?”.

Mas você sabe que toda a classe quer essa informação!
Uma coisa que eu acho formidável é que não há nenhuma pressão do prefeito em empurrar nomes. A gente está fazendo uma mudança agora radical no desenho do carnaval. A conversa da gente toda é com as agremiações. Ontem passamos a tarde com algumas categorias. Amanhã de tarde outra, depois de amanhã outra. Apresentando uma proposta e discutindo com eles. Para depois eu comunicar ao prefeito.

Mas sobre a sua equipe: eu conversei com Gustavo Catalano (gerente geral de ações culturais e infraestrutura da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife) na última reunião do Fórum de Artes Cênicas, no dia 14 de agosto, e ele me disse que ainda não tinha equipe porque não tinha encontrado as pessoas capacitadas.
Mas já está encontrando. Porque a gente está no fazer das nossas ideias e do que a gente sonha, do que a gente pensa em caminho novo – e nem sempre caminho novo obrigatoriamente é caminhado por jovens, mas por experiências renovadas, não é? A gente está ouvindo muito as pessoas que estão na área, trabalhando, caminhando, fazendo ou refazendo. Então isso tem sido uma hora de muita escuta.

Orquestra Sinfônica do Recife foi uma das primeiras bombas que estourou na mão da secretária

Orquestra Sinfônica do Recife foi uma das primeiras bombas que estourou na mão da secretária

Esse tempo foi essa escuta? Porque, afinal, são oito meses de gestão.
Também. Mas aí quando a gente está escutando, a gente também está operacionalizando muita coisa. Por exemplo, a Orquestra Sinfônica do Recife. Fui eu chegar e, um mês ou dois depois, estourou o negócio. E estourou não foi um fato isolado. E estourou, uma orquestra gritou: “estamos morrendo”. E morrendo por dentro. Até que vomitaram, de maneira errada ou certa, não quero avaliar a dor de ninguém. O fato é que Gioia (Osman) entregou o cargo, e a gente ficou: “e agora?”. Uma torre de Babel lá dentro. Cada um falava de um jeito, chorava de um jeito e agredia de outro.

Mas a sensação que se tinha na área de artes cênicas, logo que você chegou, uma pessoa da área. E nesse intervalo…
Artes cênicas não é só teatro não. Eu estou falando de ópera, eu estou falando de música clássica. E isso está sendo um feito muito bom, que essa Prefeitura está ganhando, rapaz! A gente trouxe Marlos Nobre, cidadão acima de qualquer suspeita. Ele não participa de nenhuma corrente artística aqui no Recife. Então ele entrou com muita competência, com um nome internacional. Foi ele quem me procurou para dizer: “estou acompanhando a agonia da Sinfônica. Eu sendo daí, estou sofrendo pelo Recife”. Eu estava almoçando quando ouvi uma frase: “Leda, pode contar comigo”. Isso não foi em vão, que eu ouvi essa frase! Ele falou, falou, e eu disse que voltava a ligar. Aí fui para o prefeito. Quando eu falei, contei tudo, ele disse: “vamos chamar esse maestro aqui?”. Levei, sentamos os três e ele ouviu de mim, do prefeito; e ele, naquela hora, Marlos saiu comprometido em cuidar da Sinfônica. E ele é muito mais do que um maestro. Está sendo um amigo, um irmão, um confidente, um psicólogo. Então ele restaurou por dentro os músicos. Os músicos hoje estão alegres. E ele pensava que não poderia preparar um concerto antes de três meses de trabalho. De tal maneira, porque ele viu como ela estava desfalcada, instrumentos, plano de cargos e carreira…Claro que isso é o somatório de muitas coisas que vivemos no passado, de muitos não, não, não, esquecimento, e tudo. Não é de valor do pessoal não. E ele investiu, ele apostou. Aí o prefeito disse: “Eu estou com você e o que você precisar eu quero fazer”. Pronto. Ele mergulhou dentro do teatro e amanhã (quarta / na realidade, o concerto foi adiado por conta do apagão no Nordeste) ele entrega a Sinfônica, que ele acha “eu estou entregando ao Recife uma Orquestra Sinfônica, que faz jus ao título de ser a mais antiga do Brasil”. É exercício. A gente não comprou os instrumentos ainda, porque o processo de comprar fora do país é coisa para seis meses de burocracia. Mas já está tudo levantado, aprovado por ele, aprovado pelo prefeito, é só o tempo de os instrumentos chegarem. Ele então resolveu, um negócio que eu achei formidável, pegar músicos jovens, do Conservatório Pernambucano de Música, do antigo Centro de Criatividade Musical, e também dos meninos do Coque, também era o sonho dele. Mas o juiz Targino (João Targino) não concordou e não cedeu um músico para se incorporar à orquestra! O que eu achei lamentável! Então ele (Marlos Nobre) pegou: são quinze ou dezesseis, que também estreiam agora, já ganhando, pouquinho, mas ganham, e de janeiro em diante a gente vai ver. Isso daí, nessa área, missão cumprida, no sentido de ter limpado o chão, tirado as cascas de ferida, ninguém comenta mais o passado, tem gente que já estava se entregando à bebida, entendeu? E ele levantou tudo. Ele é forte e ao mesmo tempo muito suave.

Mas esse descontentamento é o que a senhora vai encontrar, pelo menos se Gustavo conversou com a senhora depois da reunião do Fórum de Artes Cênicas, nas três áreas, circo, teatro e dança. Porque as pessoas estavam muito cansadas. Porque estavam com aquela esperança e aí chegou o mês de agosto e não tinha gerência! Na reunião ouvimos um gestor perguntar: “e aí, quais são os problemas do festival de teatro e do festival de dança?”. Nós estamos em agosto, um dos festivais era teoricamente em outubro, o outro em novembro, “quais são os problemas do festival para a gente tentar resolver?”. Como assim? Você não tem nem gerente! Se você tivesse um gerente, ele saberia dos problemas. A gente tem uma avaliação do festival de teatro todo ano.
Não… Foi horrível.

Então os festivais, isso não é nenhuma novidade para quem é da área. Isso é uma construção. Então eu queria saber sobre os principais problemas das artes cênicas. Por exemplo, nessa reunião, foi levantada a questão do SIC. Como será resolvida a questão do SIC?
Vai se resolver. Todas as questões vão ser resolvidas primeiro numa mesa, conversando. E aos pouquinhos isso está acontecendo. Você veja a conferência da gente, se bem que eu acho que têm coisas muito deficitárias nas conferências: por exemplo, a ausência de artistas. Na minha opinião, ela é muito mais um encontro de política partidária. E a ausência de jovens. Acho que discutir partido é outra coisa. Participei de tudo. Foram horas difíceis, por conta das brigas das correntes e das tendências. Mas eu achei: classe média lá não pisou. Tudo foi comunidade. Mas fizemos e abrimos a porta para ingresso de outras faixas da sociedade civil. O SIC é uma coisa que a gente vai, já começamos a pensar, a tratar, e ver como é que a gente vai fazer. É claro que a gente vai ver como é que conduz. Discutindo. Há quem pense que a gente deveria deixar o que não foi feito, não foi feito, e começar a pensar e organizar de agora pra diante. Esse é um pensamento, com o qual eu me afino mais. Eu não posso dizer a vocês ainda. O universo é muito grande. A Sinfônica me pegou muito tempo, porque a gente não tinha um tostão no orçamento. O orçamento não foi pensado.

Essa foi uma situação geral? Todas as secretarias chegaram sem dinheiro?
Praticamente.

Por que isso aconteceu?
Porque não foi planejado antes. A gente agora já tem que encaminhar todas as verbas para o próximo ano. E se ela não foi pensada, a LOA (Lei Orçamentária Anual), e tudo, a gente não tem. Tudo é o prefeito que está encaminhando, suplementação, suplementação.

Vamos para os festivais. E os festivais? Como você vai resolver essa pendenga?
Vão acontecer. Não é pendência não. A cada dia basta o seu fardo. Então cada vez que vem, a gente se senta, pensa, reflete, discute e tenta fazer. Graças a Deus o pessoal do secretariado, a parte de finanças, está olhando com muita boa vontade, com muito respeito e credibilidade os pedidos de Cultura, que não são pequenos. A gente saiu com o carnaval. Quanto é que a gente gastou no Carnaval? Eu sou péssima para números! Este carnaval vai ter um desenho completamente diferente dos outros.

Qual a diferença?
Construído! Vai ser diversificado, vai ser realmente discutido, como a gente fez o São João. Eu vou dizer uma coisa que digo sempre. Eu não pensei em viver a experiência que vivi no São João. Pode para vocês ser até…até artesanal. Mas nós, este ano, eu queria que vocês ressaltassem isso, a gente passou a usar, nas nossas programações artísticas e culturais, um instrumento chamado edital. Esse edital é uma coisa formidável. Fizemos no São João. Esse edital democratiza e evita injustiças, abre espaço e vez para todos. Se bem, um parêntese, a gente vai ver como reformular as leis que regem um item que se chama prestação de contas, documentação, para os artistas populares. Isso bate no Tribunal de Contas, mas isso a gente ainda pensa em mudar. Mas, fechando o parêntese, com o edital, todo mundo tem acesso. Não tem boquinha também: eu não recebo pedido seu, pedido seu, pedido seu. Parente, aderente, neto, avó, compadre, nada! Aí vem: “Leda..”. Eu secretária, então! “Meu grupo, não sei o que, não sei o que”. Eu digo: “vocês se inscreveram no edital?”

Mas isso especificamente para o São João?
Não! Vou fazer para carnaval, vou fazer para Natal. É caminho definido de politização, política cultural. Não há apelação, quem não estiver inscrito no edital, perdeu! E aí eu recebo os nomes, a relação toda, e a gente vai sentar aqui, uma equipe, e vai decidir.

Então existe uma mudança de conceito. Com relação ao São João, é o forró pé-de-serra? Em detrimento aos outros?
Não! Coco, ciranda, aboiador, todas as expressões concernentes ao nosso São João, a gente descobriu, catucou, vem pra cá! Vamos nos apresentar!

Mas o que não era do nosso São João, por exemplo, que estava tendo vez?
Tinha, tinha muita coisa de fora que vinha para cá porque tinha prestígio. O que todos nós vivemos, não precisa eu denunciar. Todos nós vivemos e sabemos qual era a receita: era a da amizade, do sujeito que tem nome, da sujeita que tem fama. Se você fosse ao Sítio da Trindade, não precisava eu falar nadinha! Você ia ver a mudança que foi esse São João no Sítio da Trindade, em estética, beleza, organização e a qualidade do que se apresentou no palco. E tem mais, viu? Não houve uma briga, assalto, furto!

O Carnaval vai seguir essa linha? Não precisa ter artista de fora?
Não, não precisa. Este ano teve, mas para o próximo não. Agora a gente ainda não pode dizer como vai ser a abertura do carnaval, porque o grande homenageado deste carnaval será o frevo.

Mas vamos voltar ao assunto festival. Os festivais de dança e teatro, que são para agora, como você está pensando em produzir esses eventos?
Você usou uma palavrinha que eu não uso. Nós jamais produzimos. Nós não somos produtores. Muito menos de eventos. A proposta, o compromisso da secretaria de Cultura é fomentar, apoiar, incentivar, dar oportunidade e espaço a todas as expressões de nossa cultura, respeitando a tradição, respeitando o novo, respeitando o jeito que o Nordeste tem de brincar e de se alegrar, em todas as linguagens. Para as artes cênicas, eu pensei muito no Centro Apolo-Hermilo. Não foi nem um minuto pelo nome de Hermilo apenas. Mas é porque o projeto daquilo é que seria um centro de formação. Ele foi durante um tempo no começo, mas depois os tumultos da vida foram afastando, afastando. E hoje eram dois espaços sem nenhuma linha cultural, de compromisso, de nada. Aquele “espontaneísmo” da mediocridade. Então chamei para lá Carlos Carvalho, que estava no Governo do Estado. Conversei com Fernando (Duarte) e pedi Carlos para a gente. Ele é um homem de artes cênicas, escritor, encenador, foi ator. Mas ele é um idealizador, um líder e também com muita ligação com a cultura popular. Por coincidência, ele é hoje o homem de teatro que mais trabalhou sobre a obra de Hermilo, adaptando até para a dança. Ele seguiu essa estética. Passou seis anos no Governo do Estado, exatamente trabalhando muito com os artistas populares. Aí chamei Carlos. Ele veio para cá e está dando tempo integral. E aí ele está pensando. O projeto dele tem coisas muito boas de formação. E os festivais estão acontecendo, irão acontecer, já estão pensados, todos eles.

Secretária afirma que festivais de dança e de teatro já estão pensados

Secretária afirma que festivais de dança e de teatro já estão pensados

Como assim já estão pensados? Se a gente, há menos de um mês, teve uma reunião com a classe em que não sabíamos nem o orçamento dos festivais?
Vocês sabem que Carlos Carvalho é o coordenador do Centro Apolo-Hermilo? E esses projetos de festival estão na mão de Carlos.

Como é que ele vai dar conta de dois festivais e do Centro de Formação Apolo-Hermilo?
Você vai perguntar a ele. Ele está com esses dois festivais, distribuiu nos outros teatros.

Mas você está falando do Festival Recife do Teatro Nacional? Porque geralmente há uma curadoria, além do coordenador, o que demanda um tempo.
Mas isso está havendo. Procure Carlos, converse com Carlos.

Está bem. Vamos adiante. Outra questão é sobre o fomento de artes cênicas, que sempre foi alvo de muitos questionamentos, principalmente por conta do valor, que é apenas de R$ 100 mil. E há alguns anos ele não sai.
Deixa eu dizer uma coisa a vocês. Não está decidido, não foi maturado, mas eu acho que tem que se rever muito esse negócio de dinheiro público, de fomento, de fundo de cultura. Um produtor veio um dia me pedir um apoio para uma viagem para o exterior. E aí ele disse, agora você me dá, vamos dizer, R$ 20 mil, para os atores poderem sair, passear, comprar presentes, beber, uma farrinha. Você não tem o despudor de me pedir isso não? Desde quando dinheiro público é para isso? Para isso ele bota a mão no bolso, do dinheiro dele, que ele leva. E quem não leva porque não pode levar, não faz farra, nem traz presentes. O que é isso? Eu vou custear isso? Já sabe que não vai. Não dou um tostão. Então você não sabe o que é se sentar nessa mesa e ouvir pedido. Vem as coisas mais absurdas do mundo pedindo dinheiro para você! Porque há uma deformação. O sujeito vem com uma série de apoios e vem, pede R$ 90, pede R$ 80, pede R$ 120 mil. Pede 13 passagens de ida e volta para a Europa, 20 passagens. Então não há nenhuma consciência disso. Você foi para o Funcultura (Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura), você recebeu? Como também a gente sabe que um projeto encaminhado ao Funcultura, um fulano pode ser beneficiado em seis projetos. Quando ele vai somar os dinheiros, botou um bom dinheiro no bolso. Entendeu? Muda só a posição dele, o nome do projeto, mas é tudo uma mesma cadeia. Essas coisas têm que ser moralizadas.

Você pensa em criar um fundo municipal, como o Funcultura?
Eu estou dizendo a você que como está não presta. Agora qual é o caminho que a gente vai seguir, vocês também têm que propor. Está na hora de propor. Vocês sabem quando a coisa não presta. Vocês sabem quando não está correto o negócio. Só não presta quando não vem benefício? Quando vem benefício para mim eu me calo? Não pode! Olhe, facilitar isenção de pauta no Teatro de Santa Isabel. Eu entrei radical. Eu só dou isenção quando o ingresso é de graça. Chega um sujeito cheio de apoios e cobra R$ 80, R$ 100, R$ 120 por ingresso. E eu vou dar o da gente de graça? Não. Agora, se é de graça, se vem com preços populares, às vezes simbólicos só, se a troca é, como por exemplo, com Deborah Colker. Esse espetáculo de hoje (terça) à noite, que a gente ajudou, ela deu para a Prefeitura do Recife, para a secretaria de Educação. As escolas da gente vão todas hoje. O que ela está chamando de ensaio aberto. É o espetáculo. Então negocio com isso, com uma troca de benefícios. Se você faz de graça, você tem todo o meu apoio, se você está entregando ao povo um produto de primeira, de graça, eu também vou dar ao povo o Teatro de Santa Isabel de graça.

Você saberia dizer quanto Deborah Colker recebeu?
Foi R$ 20 mil. Só para a secretaria de Educação a gente entregou 1.200 ingressos. E teve uma oficina de dança. Aí ela deixa um benefício aqui.

Vamos adiante. Queria saber sobre a manutenção dos nossos teatros e aí, claro, vamos entrar inevitavelmente na questão do Teatro do Parque.
Que não é da secretaria de Cultura, é da Fundação de Cultura, mas já foi criado um grupo, os projetos já estão sendo desenhados. Isso aí vai para frente. Eu tenho certeza que agora o Teatro do Parque vai. É coisa para mais um ano, um ano e tanto, talvez até dois anos.

Daqui a dois anos, quando o Teatro do Parque completar cem anos, ele vai estar aberto? Vamos lá, o seu compromisso para a câmera!
Vai, vai estar aberto. É Roberto Lessa quem está encarregado disso, mas eu participo de algumas reuniões. Porque o Teatro do Parque pertence à Fundação de Cultura. Ele e o Barreto Júnior. Daqui são Teatro de Santa Isabel, Dona Lindu, Apolo-Hermilo, o de Peixinhos. Esses, fizemos um grande projeto pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), encaminhamos ao Minc (Ministério da Cultura), o Iphan liderando isso, e chegou o sinal verde de que tinham sido aprovados os projetos para restauração de luz e de som. Dinheiro do Ministério da Cultura.

Para compra de equipamentos de luz e som?
Exatamente. Eu acredito! Se eu não acreditar, o que é que eu faço?

Pensando no Teatro do Parque como um problema que vem desde a outra gestão, você não vai gostar da palavra mas, existem outras heranças malditas?
Palavrinha muito cansada. Mas não. Eu prefiro não falar sobre isso. Porque é tão contundente, que eu prefiro não falar. Vamos trabalhar, vamos colocar para frente, o pessoal de Carnaval, que diziam tanta coisa, a gente vai pagar os atrasados. Tenham paciência, porque tudo agora é emergencial!

A sua principal vertente em formação é o Centro Apolo-Hermilo? E o que você vai fazer com relação à Escola João Pernambuco?
Mas ela não pertence à secretaria de Cultura não. Pertence à secretaria de Educação. Agora, no afã da Sinfônica, falamos muito sobre ela. Acho que o maestro até ia visitá-la. Mas eu ouvi do secretário de Educação, numa conversa, que está tirando a João Pernambuco do lixo, do chão. Está levantando.

E sobre o Apolo-Hermilo?
Eu quero dar uma ênfase muito grande ao Apolo-Hermilo. A Semana de Hermilo, que há três anos não acontecia, ela nasceu muito bem, ela foi muito bem, uns quatro, cinco anos, depois ela caiu. Ela caiu e caiu para a mesmice, para a coisa medíocre e morreu. Agora Carlos (Carvalho) deu uma linha dos espetáculos populares nordestinos, ele trouxe o filé de tudo e, a partir dali, debates com teóricos, com estudiosos, com doutores, com especialistas e com os mestres populares. A gente repetiu um modelo que aconteceu com o Teatro do Estudante de Pernambuco no fim dos anos 1940. A gente voltou a reunir os mestres populares para discutir as coisas. Agora, não sei porque, público lá não foi. Quinze, vinte pessoas é muito pouco.

Falando do Apolo-Hermilo, uma das vocações do Apolo-Hermilo, por ser um centro de formação, é o de fomentar o novo…
O que você entende por novo?

É o teatro contemporâneo, instigar o novo, a produção, discutir dramaturgia.
Você não acha que o contemporâneo também se alimenta do acúmulo de experiências do que você viveu? Você transforma, você renova. Então a gente não pode excluir nada. A pauta do Hermilo está aberta para ocupação do teatro, diferente do Santa Isabel. O espaço do Santa Isabel não pode ser para um teatro experimental. Não pode ser um teatro de comunidade que vem testar. Não se estreia espetáculo no Santa Isabel. Ele é um teatro municipal, que tem características, que tem peso, um custo altíssimo, cada vez que aquela cortininha se abre. Ali só pode vir espetáculo testado já. Quando Carlos Carvalho estreou O inimigo do povo, eu disse: “de jeito nenhum. Você vá embora para os outros teatros, enxuga esse espetáculo, amadureça. Quando ele tiver vida já testada e tiver pauta no Santa Isabel você traz. Mas aqui não se pode experimentar”. Agora, o Apolo-Hermilo, não quer dizer com isso que venha qualquer porcaria, porque toda peça, há que haver uma avaliação. Não pode chegar assim. Vamos fazer das coisas um passo para a melhoria. O que você faz numa sala no seu bairro, numa garagem, você dali está caminhando, pensando em um dia levar para a cena mesmo. Para isso você tem que testar o começo, acrescentar as coisas, dominar as técnicas e capacitar o elenco. Ninguém nasce pronto, não é? Para um dia chegar lá. Agora nessa semana (Hermilo) o que eu achei formidável é que tinha espetáculos de dança contemporânea e tinha espetáculos de dança popular. Entendeu? E o debate não foi grande porque o público não dizia nada.

Uma das preocupações de Leda é com sua equipe de funcionários

Uma das preocupações de Leda é com sua equipe de funcionários

Que tipo de política cultural você está construindo? Você teria um conceito?
Eu não formulo pensamentos. Até porque vocês falam em sete meses, isso não é nada. Isso não é nada. Eu só consegui diminuir o meu gabinete, que era muito grande – do que a gente tirou, eu fiz três salas. A gente não arrumou a casa, o programa de cargos e salários dos funcionários. Arrumei umas melhorias pequenas, estou moralizando um negócio que se chama diária de evento. Diária de evento surgiu no meu tempo. Não fui eu quem inventou não, mas é do meu tempo. Para os funcionários que trabalhavam, vamos dizer, nos ciclos culturais. E trabalha, viu? O pessoal administrativo vê o dia clarear preparando pagamento. É incrível. Então há o valor de uma diária, duas, três, dependendo do quanto você trabalhou. Isso seria um nome para gratificação. Isso de tal maneira se alastrou, que entra saúde, entra tudo com diária de evento. E ela se transformou em complementação salarial. Eu chamo você para um trabalho e lhe digo: “o seu salário é R$ 1,2 mil, mas você tem de diária de evento outro pacotão. Isso não incorpora na sua aposentadoria, não incorpora em nada. Então a gente está acabando com isso. Ela voltar a ser, até haver outra possibilidade, das pessoas que trabalham mais, ganhar mais.. Mas isso é uma máquina tão ronceira, que por mais que a gente esteja tentando impregnar de prazo para poder viver… A mínima coisa! Prazo para se cumprir, ninguém cumpre! Então colocar esse negócio para a frente. Você não pode ir para casa tendo um ofício pra despachar. Volta para a tua mesa, despacha tudo, vá para casa, bote a cabeça no travesseiro dizendo: “fiz”. E transformar em servidor público um funcionário público é um processo de mutilação, às vezes, porque é muito difícil. Então não é uma frase que vai dizer o que a gente pensa. É uma constatação depois que a gente estiver fazendo. Se daqui a um tempo vocês disserem: “Leda, em que você acha que vocês mudaram?”. Que não sou eu! Ou esse bonde vai junto ou não caminha. Aí a gente hoje é uma secretaria assim, quero informatizar ela todinha, mas isso não se faz em dois meses, nem com pouco dinheiro. Agora é que eu estou colocando uma pessoa para captação de recursos. A engrenagem é muito difícil! Mesmo que todos os secretários não tenham mais do que 45 anos, é tudo gente bem jovem, mas é fogo! Eu esperneio, perco paciência, difícil, muito difícil.

Qual o seu sonho? Quando você deixar essa secretaria, o que você quer? Deitar no travesseiro e dizer: “fiz”?
Se ela puder ser democrática, se ela puder refletir a vontade do povo, sem demagogia, se ela puder criar espaço para todos os artistas terem condições de desenvolver o seu talento, o seu ofício, viver do seu ofício e ser feliz! Se a secretaria de Cultura puder contribuir para isso, eu me dou por satisfeita.

O prefeito é sensível à cultura?
Sensibilíssimo. Não é artista, mas ele é…você falou, ele diz: “não posso, agora não dá” ou diz: “vamos fazer”. Não enrola. Esse defeito ele não tem.

Muito obrigada!
Obrigada por eu ter a chance de falar nas coisas nas quais eu acredito.

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