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Um palhaço magrelo, tímido e mandão

Ano passado, por conta da Mostra Aldeia Yapoatan, fizemos uma série de entrevistas sobre palhaços com alguns artistas da cidade. Como a Mostra Marco Camarotti de Teatro para a Infância e Juventude, que começou nesta quinta-feira (20), resolveu homenagear a linguagem do clown e os palhaços atuantes em Pernambuco, resgatamos aqui essas conversas.

A primeira foi com Anderson Machado, o palhaço Cavaco. Além de ser Doutor da Alegria, Anderson também tem a companhia Caravana Tapioca, ao lado da esposa Giulia Cooper, a palhaça Nina. Ontem, Cavaco comandou a Tarde e a Noite dos Palhaços, show de variedades que reuniu números de vários palhaços na abertura da Mostra Marco Camarotti.

O palhaço Cavaco

O palhaço Cavaco

ENTREVISTA // ANDERSON MACHADO, o palhaço CAVACO

Todo mundo pode ser clown? Como descobrir o seu próprio clown?
Creio que sim. Todos podem ser clowns, palhaços, excêntricos, hótxuas (indígena), bobos da corte e outros tantos substantivos criados pela humanidade no decorrer dos anos para dar nome a esse arquétipo do riso. Mas, para alguns, esse processo de descoberta pode ser muito mais doloroso do que para outros. Há de se ter coragem para retirar véus impostos pela mente coletiva, enfrentar regras que nos espremem em padrões de beleza e um sistema que nos cobra estarmos sempre “certos” enquanto, na verdade, “errar é humano”. É por isso e por tantas outras coisas que essa figura do palhaço é tão milenar: para mostrar as fragilidades do mundo. A plateia ri aliviada quando se reconhece. O palhaço, além de brincante, é o perdedor, às vezes pela inocência, às vezes pela imprudência. Ele é a sombra do homem, o excluído da sociedade, a exemplo do grande Carlitos de Chaplin. É um caminho longo de aprendizado, nunca acaba. O palhaço é como o vinho, quanto mais velho melhor. É preciso se conhecer muito bem, assumir seus defeitos mais sombrios a ponto de poder rir de você mesmo, poder voltar a ser criança, alcançar estados de pureza, para aí, então, depois de estar convencido do que está fazendo, poder convencer a plateia que te vê. E, ainda assim, entrar no palco ou picadeiro sabendo que sempre há o risco de que não se emocionem e nem riam com você. E, mesmo depois do fracasso, ter coragem de tentar novamente, fracassar, refletir e tentar, fracassar, fracassar, triunfar, fracassar e triunfar, até que os dias de triunfo começam a ser mais frequentes. A vida muda naturalmente, ou melhor, você muda o jeito de olhar a vida, problemas não são tão problemas, são possibilidades. Não tenho mais vergonha do meu sorriso largo, das pernas finas entre tantos outros benefícios que esse caminho me proporcionou. Não é fácil. É preciso dedicação e saber dar tempo ao tempo. Sorte a nossa é que existem grandes mestres do riso que nos servem de guias quando ministram uma oficina aqui, outra lá, nos motivam a arriscar, daí conhecemos outros de nós e assim vamos entrando no fluxo.

Quais são as características do seu clown e como elas se mostram dentro da dramaturgia dos espetáculos?
São muitas características. Acredito que o clown de cada um traz consigo tudo o que a pessoa é, ou seja, todos nós temos nosso lado sábio e o lado tolo, o lado infantil e o maduro, o triste e o feliz, enfim, depende da situação na qual nos encontramos na vida ou na cena. Com isso, o palhaço também vai reagindo de diversas formas conforme a dramaturgia de um roteiro ou conforme os jogos de improvisos que utilizamos em treinamentos e na criação dos espetáculos. Assim, começamos a testar reações, dilatar sentimentos e vamos guardando tudo que pode ser interessante. Comecei descobrindo um bobo, tímido, sorridente, que se acha lindo dançando, que faz malabarismo com a língua pra fora, sempre bem musical, tocando meu cavaquinho (que me deu o nome de palhaço Cavaco) e outros instrumentos experimentais. Era assim que eu brincava. Anos mais tarde tive que trabalhar com outro palhaço que, de tão mais bobo que eu, impulsionou-me a pesquisar meu ridículo sendo o mandão, o branco, o chefe e acabei descobrindo muitas coisas legais. Hoje em dia tento me colocar em situações diferentes em cada espetáculo. Num trabalho, brinco de ser um bravo domador de circo que é um pouco louco, conversando com uma pulga adestrada. Em outro, um vaqueiro frouxo que finge que ser um cangaceiro para conquistar uma moça. Também brinco de ser um professor de inglês simpático, atrapalhado, noutro um palhaço mais triste, sempre brincando de ser algo diferente, mais ou menos como a criança que brinca de polícia e ladrão, mamãe e filhinha. Mas todos têm a minha verdade, a minha essência. Creio que, quanto mais vivas forem as diversas emoções e reações em cena, mais o clown cativa a plateia.

Como se dá a relação entre atuação e improviso para o clown?
Às vezes atuamos com um roteiro que deve ser seguido à risca para que a história/mensagem seja passada, e em outras o roteiro é mais flexível, permite momentos de improviso que podem até virar cenas únicas em nosso espetáculo. Mas, em todos os casos, creio que o que deva prevalecer é a verdade. Fico incomodado de deixar passar certos comentários da plateia, um cachorro passando no espaço cênico, uma criança invadindo o palco. Se não interajo com o imprevisto, a cena perde força. Sem falar que são nos momentos de improviso que a plateia mais delira com os risos. Um bêbado que entra em cena, um adereço que quebra e a plateia admira a criatividade da solução que o palhaço deu ao problema. Também gosto muito de números com voluntários, pois possibilitam que o improviso aconteça com alguém da plateia que nunca atuou, onde tudo pode acontecer, inclusive nada. E aí o palhaço existe, no risco, na corda bamba, entre o roteiro e o improviso, a verdade e a mentira, o acerto e o erro.

Os palhaços Cavaco e Nina, da Caravana Tapioca

Os palhaços Cavaco e Nina, da Caravana Tapioca

Quando a Caravana Tapioca foi criada? O que ela pesquisa?
A Caravana Tapioca tem cinco anos e foi fundada por mim em parceria com Giulia Cooper. Dois paulistas que vieram pra cá seduzidos pela riqueza cultural pernambucana. Morando por aqui, decidimos juntar nossas experiências na área, a fim de tocar a companhia e pesquisar o circo, o teatro e a música sob a ótica do palhaço, combinando assim as habilidades circenses e musicais com dramaturgias teatrais. Hoje em dia temos três espetáculos e três números que já rodaram por muitos estados brasileiros. Todos as nossas criações podem ser apresentadas tanto em espaços abertos como em salas de teatro. Presamos manter nesses últimos trabalhos essa versatilidade para que pudéssemos viajar com os espetáculos de forma mais fácil e atingir diversos públicos. Já fizemos muitas turnês pelo Recife, Agreste e Sertão pernambucanos, ministrando oficinas e nos apresentando através de leis de incentivo, recursos próprios ou passando o chapéu. Acreditamos que a rua é uma excelente escola para o ator, já que conta com tantas interferências e desconfortos que não são comuns em salas de teatro. Sem falar também que assim asseguramos a democratização da arte, a formação de plateia, os encontros, o riso, entre tantos benefícios, o fato de podermos nos apresentar para pessoas que nunca tiveram oportunidade de ver um palhaço ao vivo e nunca assistiram a um espetáculo.

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Construir a arte do efêmero em grupo

Outra vez, era uma vez, foi a primeira montagem da Fiandeiros. Foto: Val Lima/Divulgação

Outra vez, era uma vez, foi a primeira montagem da Fiandeiros. Foto: Val Lima/Divulgação

Na primeira edição do Jornal Aldeia Yapoatan, que circulou durante a mostra realizada pelo Sesc Piedade no mês de setembro, fizemos uma pequena matéria sobre teatro de grupo. Uma das companhias entrevistadas foi a Fiandeiros de Teatro, que está comemorando dez anos de atuação. Como a conversa com o diretor André Filho rendeu muito mais do que o espaço no papel permitia, aproveitamos o início do projeto Dramaturgia pernambucana, empreendido pelo grupo, para publicar a entrevista. O diretor fala não só sobre a realidade específica da companhia, mas toca em questões pertinentes ao teatro de grupo em todo o país, como a dificuldade em manter uma sede e a falta de políticas públicas.

Sobre o projeto Dramaturgia pernambucana, nas sextas-feiras deste mês serão realizadas leituras dramáticas e depois debates com os autores. Começando sempre às 19h30, no Espaço Fiandeiros, que fica na Rua da Matriz, 46, primeiro andar, na Boa Vista. Hoje (11) o texto será Jeremias e as caraminholas, de Alexsandro Souto Maior. O coletivo Sinergia de Teatro, sob direção de Emanuella de Jesus, fará a leitura. Semana que vem (18) é a vez de Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues. O debatedor será Rodrigo Dourado e a direção de André Filho. Já no dia 25 o texto é Lunik, de Luciana Lyra, que ganha direção de Rodrigo Cunha.

O projeto terá ainda uma oficina de dramaturgia com Newton Moreno entre os dias 19 e 22 de novembro e encenações de contos de Nelson Rodrigues no mês de janeiro.

André Filho

ENTREVISTA // André Filho, diretor da Cia Fiandeiros

Como os artistas da Fiandeiros se reuniram?
Nós nos reunimos em 2003. Nosso começo não foi muito diferente de outros coletivos: artistas que se juntam querendo se expressar coletivamente através de sua arte. Tínhamos origens distintas – éramos músicos, palhaços, professores, arte-educadores, alguns já com experiência em trabalho de grupo, outros não. Eu havia sido convidado pelo SESC para dirigir uma leitura dramatizada da peça A tempestade, de William Shakespeare. Convidei alguns atores para participar e o resultado é que, depois da leitura, o grupo quis continuar se encontrando para ler outros textos e conversar sobre teatro. Então decidimos seguir em frente com o processo de estudo e, daí, surgiu a Fiandeiros.

Quando vocês perceberam que eram um grupo?
É sempre muito delicada essa questão de se definir como um grupo de teatro. Há dez anos que a gente vive se questionando sobre esse modelo e é impossível encontrar um conceito estável que sirva a todos os coletivos. Na verdade, acho que é justamente esse perguntar-se continuamente “o que nós somos?”, a busca por essa resposta, que nos faz ser enquanto grupo. Mas é possível pontuar algumas questões específicas que diferenciam o trabalho de um grupo daquele de uma produção convencional, como a manutenção de um núcleo de criação permanente e o processo continuado, que não se limita ao tempo de vida de um espetáculo. As ações do grupo não são apenas no sentido de uma criação artística, mas também na formação de uma identidade de coletivo.

Os objetivos iniciais da companhia foram mudando ao longo desses dez anos?
Na verdade, os objetivos mudam de acordo com cada projeto, mas existe algo que não pode mudar: a identidade do trabalho. Um grupo tem a sua identidade, que é quase como a sua digital, a sua marca, o seu formato de trabalho. Essa identidade não surge assim do nada, não dizemos “vamos criar uma identidade de grupo”. Ela surge com o tempo, como fruto de todo o processo de criação. Não é palpável, mas é sentida por todos. E guarda em si o compromisso com o todo. Sabe aquela música, “se falo em mim e não em ti é que, neste momento, já me despedi”? Quando em um processo de grupo alguém pensa assim é porque não faz mais parte dessa identidade e está na hora de partir em busca de outras lições.

Qual a principal dificuldade em manter um grupo?
Existem dificuldades de vários vieses. Mas creio que as mais importantes são conciliar os sonhos com a dura realidade do dia a dia, com a falta de um projeto cultural público eficaz para o teatro, com a desmobilização política de nós artistas de grupo. Essa última, por sinal, é de suma importância. Ou nos conscientizamos de que precisamos nos organizar politicamente, ou não daremos o passo qualitativo nunca. As artes visuais já fizeram isso, a dança já fez isso, mas o teatro não consegue dar esse passo. O tempo médio de vida útil de um grupo produzindo é de, no máximo, dois a três anos. Quem consegue ultrapassar isso já pode se considerar um vitorioso. Existem alguns coletivos na cidade que conseguiram isso. A Fiandeiros é um deles, mas ninguém imagina o preço que pagamos por isso. Olho para trás e vejo a quantidade de artistas e grupos de teatro que ficaram pelo caminho, que poderiam ter dado uma contribuição tão bacana para a cena local e não o fizeram porque não foram estimulados. Falta vontade política para isso. Ainda estamos engatinhando no processo de consolidação do teatro de grupo no Recife. Quando ficaremos de pé? Não sei.

Qual a importância e o desafio de manter uma sede?
Uma sede é extremamente importante para um grupo, não apenas por ser uma base, um apoio para suas atividades, mas também por contribuir para a sua discussão estética, na medida em que estabelece parâmetros novos para o pensamento de uma dramaturgia específica, um olhar sobre o entorno e a relação dos artistas com este. Isso possibilita um olhar diferenciado sobre um processo. Mas manter uma sede não é fácil. Nesse ponto, acho que todas as políticas públicas até agora são falhas. Recife ainda está engatinhando em políticas de fomento a grupos de pesquisa continuada. São Paulo e Rio de Janeiro já saíram na frente com ações públicas que possibilitam aos grupos fazerem residências continuadas em teatros, prédios e casarios públicos. Aqui sequer conseguimos abrir um diálogo a respeito. Há prédios públicos completamente abandonados e há grupos que ensaiam em garagens, nas praças, nas ruas. Acho profundamente lamentável e triste. A Fiandeiros consegue manter a sua sede com recursos próprios; vez por outra aprovamos um projeto que nos dá uma folga de alguns meses, mas é muito pouco. Cada ano que se inicia, não sabemos como vai ser, de onde tiraremos o dinheiro para manter vivo o nosso espaço. Desenvolvemos algumas ações como os cursos regulares de teatro que ministramos, para adultos, adolescentes e crianças, o que tem nos garantido uma sobrevida. Entramos também no circuito de produções nacionais que viajam através dos prêmios de circulação nacional. Em 2012 se apresentaram no nosso espaço, A Companhia Braziliense de Teatro e o Grupo Trama de Teatro (Minas Gerais). Além disso, fomos um dos pólos de apresentações do Festival Recife do Teatro Nacional, além de produções locais que também se apresentaram no nosso espaço.

O que une vocês artisticamente hoje?
O que nos une é a mesma coisa que nos unia há dez anos: a vontade de continuar caminhando em busca do invisível, de algo que talvez nunca encontremos. Somos artistas e isso por si só já seria suficiente para nos manter unidos, mas nem sempre é assim. Temos nossas diferenças, nossos pontos de vista divergentes, que nos fazem morrer e renascer renovados a cada dia. Sempre foi assim – o que nos une nem sempre é o concreto, o projeto pronto e acabado, mas o vazio das imperfeições, o medo das tentativas que nos aproxima e nos fortalece.

Quais as preocupações estéticas de vocês?
A Fiandeiros tem um traço, uma identidade musical bastante forte em seus trabalhos, não apenas instrumentalmente falando, mas também na melodia textual. Isso sempre foi alvo de nossas pesquisas. Em nosso último trabalho, Noturnos, nos experimentamos em outro viés, o da dura realidade das ruas. É um trabalho onde a musicalidade incomoda, são acordes dissonantes do que até então nós tínhamos feito. Falar sobre violência, medo, agressividade, abandono, asco, invisibilidade social, exigiu de nós um esforço enorme e um desprendimento de nossas vaidades pessoais muito além do que já havíamos ido em outros trabalhos. Sinto que agora é hora de voltar, de proceder o caminho de volta à nossa harmonia original, o que não significa que é menos densa. Penso em Picasso que, ao tentar retornar às origens do cubismo, acabou por recriar a realidade contida nele. Lógico que sem qualquer pretensão de nos compararmos, mas é um processo semelhante de busca interna em nossa estética. O legal é que não sabemos onde vamos acabar, as tentativas existem e são múltiplas, tudo vai depender das nossas escolhas. Mas o mais importante é não ficar parado, porque até mesmo quando o artista imita a si mesmo ele se recria.

Espetáculo Norturnos. Foto: Rodrigo Moreira/Divulgação

Espetáculo Norturnos. Foto: Rodrigo Moreira/Divulgação

Quais os próximos projetos?
Temos vários projetos para o futuro. Entre eles, montar um texto para crianças, intitulado Vento forte para água e sabão, de autoria de um ator pernambucano e pessoa muito querida nossa, Giordano Castro, do Magiluth. Estamos aguardando para ver se sai no máximo até o início do próximo ano. Mas tem pelo menos mais uns três ou quatro projetos viáveis para um futuro próximo. Vamos aguardar e ver o que acontece. O processo é este: viver o efêmero e mergulhar no transitório. Só.

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Muito de nós em Nelson Rodrigues

Ivo Barreto, Andrêzza Alves e Pascoal Filizola. Foto: Pollyanna Diniz

Ivo Barreto, Andrêzza Alves e Pascoal Filizola. Foto: Pollyanna Diniz

Ruy Castro conta em O anjo pornográfico que Fernanda Montenegro levou mais de um ano para  conseguir que Nelson Rodrigues escrevesse uma peça para a sua companhia, o Teatro dos Sete. A primeira vez que ela o procurou com o pedido, revela o biógrafo, foi em 1959. Fernanda cobrava – ligava para o jornal Última Hora e, depois de um tempo, Nelson passou a dizer que não era ele, logo que percebia quem estava do outro lado da linha. Pois bem, em 1960, foi o dramaturgo quem procurou Fernanda e o marido, Fernando Torres, para entregar O beijo no asfalto. A peça tinha sido escrita em 21 dias. Bem ao estilo Nelson, Ruy Castro diz que quando a peça fez temporada no Maison de France, Nelson ia todas as noites para o teatro e tirava satisfações de quem saia no meio do espetáculo indignado.

Mais de 50 anos depois, a peça ainda causa espanto para quem não conhece o enredo. E é extremamente atual. E não só porque trata de um cara que vê a sua vida desmoronar por conta de uma notícia de jornal, pela corrupção e violência policial, pela discussão sobre o homossexualismo. “Se não paramos na leitura rasteira e superficial (…) de um cara que beija um moribundo em público e mergulharmos em busca dos sentidos que movem as engrenagens do texto, do que está por trás e abaixo das várias camadas ali contidas, percebemos que esses enredos são apenas pré-textos que nos conduzem ao espelho da nossa face, das várias faces de nossa humanidade”, explica a atriz Andrêzza Alves, que interpreta Selminha.

Nesta quarta-feira (18), O beijo no asfalto, com direção de Cláudio Lira, será apresentada dentro da programação do festival Aldeia Yapoatan. A sessão será no Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu), às 20h. Os ingressos custam R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada).

Andrêzza é Selminha e Daniela Travassos intepreta Dália

Andrêzza é Selminha e Daniela Travassos intepreta Dália

ENTREVISTA // Andrêzza Alves, atriz

O beijo no asfalto estreou em 1961 com Fernanda Montenegro no papel de Selminha. Qual a responsabilidade de encenar esse texto? Quais referências você utilizou na construção do personagem?
Fernanda Montenegro se tornou conhecida no meio artístico por ser uma trabalhadora incansável, uma mulher simples, nada afeita a estrelismos. É dela uma das frases mais inspiradoras e afirmativas que já encontrei na vida. Ela disse: “hoje todo mundo virou artista, agora ator não é todo mundo que pode ser… Não ocupe esse espaço, vai ser bancário, doutor, vá ser diplomata, enfim. Agora, se morrer porque não está fazendo isso, se adoecer, se ficar em tal desassossego que não tem nem como dormir, aí volte. Mas, se não passar por esse distanciamento e pela necessidade dessas tábuas aqui, não é do ramo”. A responsabilidade de estar em cena precisa ser maior do que simplesmente exibir-se em belas formas, vaidades auto-afirmativas, glórias, paêtes, retratos no jornal ou promessas de riqueza. Precisa estar conectada a uma necessidade extrema. Claro que o teatro não é um quarto fechado, você precisa do outro, mas o mundo das celebridades, do freje das premiações e dos eleitos da vez não tem nada a ver com ser ator. Com a responsabilidade cênica, de encarar aquilo (o palco, o encontro com o espectador que saiu da sua casa pra estar com você) como um projeto de vida. E, pra mim, é nesse âmbito que reside a responsabilidade de levar O Beijo ou qualquer texto à cena.

Uma personagem, por menor que possa parecer a um coração ambicioso, é maior do que qualquer ator do mundo, em qualquer época. Ela terá, sempre, alguma coisa que você não viu, trará em si tantas nuances e filigranas da alma humana que só com muita disposição e generosidade de espírito podemos, às vezes, tangenciar e trazer à tona naquele curto instante de vida na cena. Tchecov dizia que não existe momento de glória, existe perseverança. Estar atenta ao texto, ao que as outras personagens dizem a respeito da minha, às situações, tentando uma conexão fina com o que move aquela pessoa, respirar e transpirar por ela, estar aberta e disponível a atender ao que o encenador deseja. É assim que procuro me portar. Eu ainda não tenho domínio sobre a construção de Selminha, ela está se estabelecendo lentamente, ao contrário do que aconteceu com outras personagens. Talvez porque as reações que ela me inspira são totalmente diversas das que a encenação precisa que eu leve para a cena, talvez por bloqueio, talvez…. Mas, por outro lado, eu a entendo como um ser humano, em suas aspirações e suas dores reais. Selminha é um processo de transpiração. E assim tem que ser, pois o teatro é inglório. Todo dia você repete aquele processo e todo dia corre o risco de fracassar. Será que se foi bom hoje vai ser bom amanhã? Isso depende de muita coisa. Muitas vezes você vê uma pessoa falar: “Vi um espetáculo maravilhoso” e você vai ver e não acha grandes coisas. É que, independente da vontade do elenco, a magia não aconteceu naquele dia. Não é todo dia que é maravilhoso, há que se transpirar sempre, esse é o caminho que busco seguir.

Direção da montagem é de Cláudio Lira

Direção da montagem é de Cláudio Lira

De que forma vocês conseguem “atualizar” esse texto, ou trazer para uma realidade mais próxima?
O teatro só se completa no palco, depois da contribuição viva, presente no tempo e no espaço. Penso que uma encenação é também (ou pelo menos busca ser) uma nova metáfora (viva, tridimensional) do texto escrito. E é isso o que, pra mim, Cláudio faz na encenação do Beijo. Ele não busca uma “atualizaçao” porque O beijo no asfalto é um clássico e como tal ele não precisa ser atualizado, ele está próximo de nós porque trata do que vai no âmago da condição humana e como todo bom clássico, se serve de situações aparentemente banais (tal qual Otelo, Ricardo III, As três irmãs, Esperando Godot, O Vermelho e o Negro, Crime e Castigo, Dom Quixote…) para revelar as pulsões primitivas e constituintes do Humano. Se não paramos na leitura rasteira e superficial de um cara que não acredita que um negro possa ter melhores qualidades que ele, ou de dois vagabundos que esperam, ou de um jovem ambicioso que seduz uma mulher rica….ou (no nosso caso) de um cara que beija um moribundo em público, e mergulhamos em busca dos sentidos que movem as engrenagens do texto, do que está por trás e a baixo das várias camadas ali contidas, percebemos que esses enredos são apenas pré-textos que nos conduzem ao espelho da nossa face, das várias faces de nossa humanidade.

A cada vez que se lê O beijo no asfalto ele se revela em novas possibilidades. Ele se apresenta em uma forma inusitada, com uma atualidade que no instante imediatamente anterior nos escapava, pois como num prisma, ele quebra a luz e em algum ângulo reflete a cor exata que aquele momento social emana. Podemos dizer que O beijo trata da construção do discurso do ódio (que em tempos de Feliciano se traduz como homofobia), podemos também afirmar que trata da dúvida e da tênue linha que separa os conceitos de verdade e mentira (que em nossa era de pós-modernidade permeia as nossas vidas em espaços virtuais de relacionamento), podemos também dizer que fala de ética ou ainda do oportunismo, da busca pelo sucesso a qualquer preço e da velocidade com que se pode ir do céu ao inferno (para o que, atualmente, basta “publicar no Face!”).

O beijo no asfalto gira em torno do binômio imprensa X polícia, ambientes intimamente conhecidos pelo autor e que, por isso, o ajudam a tratar das questões que verdadeiramente o interessam (a hipocrisia e a incapacidade de amor ao próximo que corroem o ser humano). Cláudio se serve dos desdobramentos vivos desse recorte oferecido por Nelson para criar as metáforas da sua obra, a encenação (hoje todos somos repórteres em potencial, hoje os meios de difusão de informação se pulverizaram, hoje a imensa maioria quer aparecer, ficar famoso, levar a melhor; e não mede esforços para isso. hoje a vida privada está exposta pra todo mundo ver e o texto bem poderia ser o editorial de um jornal de ontem, ou a manchete de um site de celebridades, ou a fofoca do Face!). O que a encenação põe é, antes de tudo, o filtro de Cláudio para o que nós, em conjunto, conseguimos acessar do mundo contido (e sempre em transformação) nos escritos de Nelson. Tanto que ver O beijo hoje implica em ver um espetáculo bastante diverso do apresentado há um ano atrás, pois quanto mais voltamos ao texto, mais ele nos mostra possibilidades infinitas de entendimento e recriação e nós não nos furtamos a experimentá-las.

Arthur Canavarro é Arandir

Arthur Canavarro é Arandir

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Quase uma década de Magiluth

Magiluth comemora nove anos. Foto: Pollyanna Diniz

Coletivo pernambucano comemora nove anos. Foto: Pollyanna Diniz

A comemoração será do jeito que eles mais gostam: no palco. O Magiluth celebra nove anos neste fim de semana com duas apresentações. Neste sábado, às 16h, encenam o espetáculo mais recente, Luiz Lua Gonzaga, no Parque Dona Lindu, dentro do projeto Aldeia Yapoatan. Já no domingo fazem a festa no Teatro de Santa Isabel com Viúva, porém honesta, texto de Nelson Rodrigues.

A vida anda bastante movimentada para o grupo e só deve piorar, ainda bem, já que eles aprovaram três projetos no Funcultura. É a certeza da circulação dos espetáculos do repertório e da manutenção da pesquisa do coletivo que, entre outras características, gosta de investir em criação de dramaturgia e experimentação de linguagens.

Dia desses, voltando do Festival Internacional de Londrina (Filo), o diretor Pedro Vilela respondeu uma entrevista por e-mail. Usamos um trechinho na primeira edição do Jornal Aldeia Yapoatan e aproveito para publicar aqui no blog na íntegra.

Luiz Lua Gonzaga é o espetáculo mais recente do grupo. Foto: Ivana Moura

Luiz Lua Gonzaga é o espetáculo mais recente do grupo. Foto: Ivana Moura

Entrevista // Pedro Vilela

Como os objetivos iniciais do Magiluth foram mudando ao longo dos anos?
Interessante falarmos sobre nossos objetivos iniciais, pois o norte principal do grupo permanece. Quando nos reunimos há quase dez anos, tínhamos como foco principal de ação a manutenção de um coletivo de atores que pudesse desenvolver atividade de pesquisa continuada, sendo o grupo um único mecanismo de sobrevivência e trabalho. Hoje é gratificante poder ver que estamos conseguindo atingi-lo e, para isso ao longo de nossa trajetória, precisamos colocar em prova a todo momento escolhas e caminhos. Outro ponto de atenção diz respeito ao aprofundamento e consolidação de uma linguagem que acreditamos, fruto de horas de trabalho em sala de ensaio. Talvez o maior exercício deste período tenha sido compreender nossas necessidades e alinharmos o caminho para atendê-las.

Qual a maior dificuldade em manter um grupo?
Estar em grupo significa risco e crise cotidianos, exercitando diariamente a convivência e a sobrevivência. É compreender o exercício de pensamento coletivo e, ao mesmo tempo, lutar para se solidificar economicamente, uma vez que somos uma empresa. Vivemos numa cidade com políticas culturais inexistentes e os grupos teatrais, por suas especificidades de criação, não conseguem ter autosustentação, necessitando de parcerias. Poderia descrever páginas e páginas sobre a palavra dificuldade, mas hoje pensamos prioritariamente nas estratégias para enfrentá-la!

Qual a importância e desafio de manter uma sede?
Ter uma sede modifica drasticamente de maneira positiva o trabalho do grupo. É a representação física da possibilidade de pesquisar diariamente, de congregar ideias e, inclusive, de discutir a geografia da cidade, uma vez que estamos inseridos no coração do Recife. Entretanto, viemos numa cidade em que não existe nenhuma política de ocupação de espaço e os grupos ficam expostos à especulação imobiliária. Vivemos num local onde vemos diversos imóveis sendo sucumbidos pelo tempo, desabando, virando ponto de drogas e não temos nenhuma ação por parte do poder público para que coletivos artísticos ocupem, reformem e desenvolvam ações. E com os valores de locação subindo a cada dia, não podemos afirmar por quanto tempo teremos espaço.

O que une o grupo artisticamente hoje? Esteticamente o que preocupa vocês? Sobre o que vocês querem falar?
Acho que o que mais nos une é o amor que temos pelo nosso ofício. Antes de tudo, somos um grupo de pessoas que não conseguem viver sem ver, discutir, refletir sobre o teatro e seus rumos. E temos no Magiluth a concretização dum trabalho investido durante anos. Pensar o rumo do teatro contemporâneo brasileiro, reconhecer-se como cidadãos que possuem através da arte o desejo de modificar nossa realidade, isso nos move. Um teatro que seja um respirar do seu tempo e que possa tratar e modificá-lo nos interessa.

Quais as metas para o próximo ano?
Temos espetáculos ainda muito vivos em relação à possibilidades de circulação e apresentações. Acredito que nossa comemoração dos 10 anos será através do que temos interesse, o encontro com nosso público. Então iremos circular durante todo o ano com espetáculos e iniciar o processo de nosso novo trabalho, que ainda não temos um tema fechado, mas muitos “desejos” em relação à linguagem.

Serviço:

Luiz Lua Gonzaga
Quando: sábado (14), às 16h, no Parque Dona Lindu
Quanto: Gratuito

Viúva, porém honesta
Quando: domingo (15), às 19h
Quanto: R$ 30 E R$ 15 (meia-entrada)

Viúva, Porém Honesta – 9 anos Grupo Magiluth – 15/09/13 from Grupo Magiluth on Vimeo.

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Aldeia Yapoatan movimenta Jaboatão

Aldeia Yapoatan começou com cortejo cultural. Foto: Jefferson Figueirêdo

Aldeia Yapoatan começou com cortejo cultural. Foto: Jefferson Figueirêdo

Começou nesta sexta-feira o projeto Aldeia Yapoatan – II Mostra de Artes em Jaboatão dos Guararapes, realizado pelo Sesc Piedade. A abertura foi com um cortejo que saiu da Igreja de Santo Amaro e reuniu grupos de teatro, dança, circo, música e cultura popular. Foi só uma amostra do que virá durante o festival, que acontece até o dia 22 de setembro, com 13 polos e cerca de 60 grupos envolvidos.

Fazem parte da programação, por exemplo, o Grupo Teatro VentoForte, idealizado por Ilo Krugli, com três montagens: As 4 Chaves (dia 14, às 15h, no Sesc Piedade), História de lenços e ventos (dia 15, às 15h, no Sesc Piedade) e Ladeira da memória ou Labirinto da cidade (dia 16, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão).

Mas a maior parte da grade é mesmo composta por grupos pernambucanos. Só para citar alguns espetáculos de teatro há, por exemplo, Luiz Lua Gonzaga (dia 14, às 16h, no Parque Dona Lindu), O beijo no asfalto (dia 17, às 20h, no Teatro Luiz Mendonça), As confrarias (dia 18, às 20h, no Teatro Luiz Mendonça) e ainda Algodão doce (dia 14, às 16h, no Espaço Criança Esperança), O menino da gaiola (dia 20, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão) e Pluft, o fantasminha (dia 21, às 16h, no Espaço Criança Esperança).

Apenas os espetáculos que acontecem no Teatro Luiz Mendonça são pagos. Os ingressos custam R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada).

As confrarias será apresentada dia 18, no Luiz Mendonça. Foto: Pollyanna Diniz

As confrarias será apresentada dia 18, no Luiz Mendonça. Foto: Pollyanna Diniz

O menino da gaiola terá sessão no dia 20, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão. Foto: Divulgação

O menino da gaiola terá sessão no dia 20, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão. Foto: Divulgação

Confira a programação completa do Aldeia Yapoatan.

Entrevista // Daniela Travassos, supervisora de Cultura do Sesc Piedade

Como foi pensada a programação do Aldeia Yapoatan?
A programação foi pensada a partir da ideia de Aldeias Culturais, implantada pela Gerência de Cultura do SESC Nacional, cujo interesse é descentralizar ações culturais nas diversas linguagens artísticas, possibilitando que comunidades mais distantes dos grandes centros recebam ações culturais gratuitas. Dessa forma, montamos a programação contemplando teatro, dança, cinema, circo, cultura popular, artesanato, literatura e música, distribuídos em cerca de 10 bairros da cidade de Jaboatão.

Qual a importância do festival para os diversos polos que recebem a programação?
A importância está justamente na oportunidade do acesso à cultura, que é um direito de toda a população e que estamos dando a diversas comunidades da cidade. Muitas delas estão recebendo pela primeira vez espetáculos artísticos. É comum percebermos que o Projeto Aldeia é o primeiro contato que algumas crianças e adultos têm com a arte. E poder discutir e saber deles a impressão e o encantamento que isso traz à comunidade, transformando-a, levando saber e formação, é de importância ímpar.

Qual a atuação do Sesc Piedade, não só na unidade, mas nesses polos? E como isso pode ser incrementado a partir do festival?
Não queremos que a realização do Aldeia seja uma ação pontual, efêmera. Queremos que essa ideia de formação e fruição perpasse toda a programação de cultura da Unidade ao longo do ano. Tanto que estamos sempre mantendo cursos dentro e fora do SESC e realizando ações artísticas nos bairros. Além disso, mantemos nossa Escola de Teatro profissionalizante, realizamos Seminário de Arte-Educação, lançamento de livros que seguem gratuitos para bibliotecas de diversos bairros. Enfim, o nosso trabalho segue no intuito de levar para a cidade de Jaboatão a oportunidade não só da apreciação artística, mas principalmente da formação e do debate. Essa é a orientação do Programa de Cultura do SESC Pernambuco, através da gerência de Cultura de José Manoel e da gerência do SESC Piedade, que é de Rudimar Constâncio.

Sabemos que são muitas atrações na programação, mas quais destaques você faria?
Na verdade, tenho muita dificuldade de destacar alguém da programação porque é uma programação muito consistente no que diz respeito à qualidade dos grupos em suas diversas linguagens. Mas posso arriscar um destaque: as ações que estamos realizando dentro das escolas públicas de Jaboatão, com cursos e apresentações, além do polo circo, que não conseguimos realizar na primeira edição e este ano volta com uma programação também com oficinas e espetáculos circenses.

*O Satisfeita, Yolanda? e o Sesc Piedade fizeram uma parceria para a publicação de duas edições do Jornal Aldeia Yapoatan e para a apreciação crítica de alguns espetáculos. Continuem acompanhando a cobertura da mostra aqui no blog.

Algodão doce será encenada neste sábado (14), às 16h, no Espaço Criança Esperança. Foto: Ivana Moura

Algodão doce será encenada neste sábado (14), às 16h, no Espaço Criança Esperança. Foto: Ivana Moura

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