Arquivo do Autor: Ivana Moura

Meu Corpo Está Aqui, com artistas com deficiência,
marca presença no FETEAG

Haonê Thinar, Bruno Ramos, Pedro Fernandes,  Juliana Caldas e ao fundo, Jadson Abraão. Foto Silvia Machado 

Meu Corpo Está Aqui faz sessões com acesso gratuito no FETEAG, no Recife. Foto Renato Mangolin / Divulgação

O espetáculo Meu Corpo Está Aqui, dirigido por Julia Spadaccini e Clara Kutner, traz uma contribuição significativa para a cena teatral brasileira ao romper o silêncio que frequentemente envolve temas como afeto e sexualidade de pessoas com deficiência (PCDs). Ao apresentar essas histórias com franqueza e sensibilidade, a peça catalisa reflexões cruciais sobre inclusão, representatividade e a complexidade da experiência humana, confrontando estereótipos e expandindo os horizontes do teatro contemporâneo brasileiro. Programado para hoje e amanhã (19 e 20 de setembro), às 19h, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Recife, este trabalho de 60 minutos é uma das atrações da 33ª edição do Festival de Teatro do AgresteFETEAG.

O que torna Meu Corpo Está Aqui verdadeiramente único é seu elenco, composto inteiramente por atores PCDs que compartilham suas próprias vivências de forma corajosamente franca. No palco, Bruno Ramos (surdo não oralizado), Haonê Thinar (pessoa amputada), Juliana Caldas (que tem nanismo) e Pedro Fernandes (com paralisia cerebral, cognitivo preservado e usuário de cadeira de rodas) desafiam estereótipos e oferecem uma perspectiva poderosa sobre corpos frequentemente marginalizados pela sociedade. Jadson Abraão, como ator-intérprete de Libras, adiciona uma camada extra de expressividade e acessibilidade à performance.

O texto, desenvolvido a partir das experiências pessoais dos atores e habilmente ficcionalizadas por Spadaccini (ela própria uma pessoa com deficiência) e Kutner, navega entre o pessoal e o coletivo, propondo reflexões importantes sobre identidade, desejo e aceitação. A produção mergulha em questões cruciais de representatividade e avança ao estabelecer novos padrões de inclusão no teatro brasileiro.

Esta obra celebra a diversidade e convida o público a ver além das limitações impostas pela sociedade. Ao trazer esta produção para o FETEAG, o festival reafirma seu papel como catalisador de diálogos contemporâneos e plataforma de democratização cultural.

A produção é da Fábrica de Eventos, do Rio de Janeiro. Foto: Silvia Machado / Divulgação

Meu Corpo Está Aqui (Fábrica de Eventos/RJ)
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Quando: 19 e 20 de setembro, 19h
Quanto: Gratuito
Duração: 60 minutos
Classificação etária: 16 anos

FICHA TÉCNICA

Texto: Julia Spadaccini e Clara Kutner
Direção: Clara Kutner e Julia Spadaccini
Elenco: Bruno Ramos, Haonê Thinar, Juliana Caldas e Pedro Fernandes
Ator-Intérpretes de Libras: Jadson Abraão
Direção de Produção e Coordenação Geral do Projeto: Claudia Marques
Diretor Assistente: Michel Blois
Produção: Fabricio Polido
Pesquisa de dramaturgia: Marcia Brasil
Colaboração de texto: Bruno Ramos, Haonê Thinar, Juliana Caldas e Pedro Fernandes
Figurino e Cenografia: Beli Araujo
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Direção de Movimento: Laura Samy
Música: Luciano Camara
Visagismo: Cora Marinho
Operador de Luz: João Gioia
Operador de som: Carlos Gabriel
Realização: Fábrica de Eventos

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Em Pernambuco, FETEAG chega à 33ª edição

 

Zona Franca abre a programação do Festival de Teatro do Agreste. Foto: Renato Mangolin / Divulgação

Zona Franca, vibrante espetáculo da coreógrafa brasileira Alice Ripoll e sua Cia Suave, junta danças urbanas e populares brasileiras com dança contemporânea, teatro e canto. O elenco, composto por bailarinos oriundos das favelas do Rio de Janeiro, leva ao palco as realidades da juventude brasileira em um contexto de desigualdades sociais. Utilizando elementos como balões, confetes e ritmos variados, Zona Franca cria um ambiente festivo que serve de pano de fundo para questões mais profundas. A coreografia incorpora uma ampla gama de estilos, incluindo passinho, danças afro, afrohouse, e danças regionais do Norte e Nordeste do Brasil, como pisadinha e brega funk.

Com  Zona Franca, que convida a uma reflexão sobre identidade, sociedade e o potencial transformador da arte em um contexto global cada vez mais interconectado, o Festival de Teatro do Agreste (FETEAG) abre hoje sua 33ª edição, que ocorre entre 17 a 29 de setembro de 2024, com uma programação diversificada que inclui 20 trabalhos teatrais, performances de dança em Caruaru e no Recife.

A seleção abrange produções de dez estados brasileiros, oferecendo ao público um recorte interessante da cena teatral contemporânea nacional. Com isso, o FETEAG 2024 busca manter seu compromisso com a acessibilidade cultural, disponibilizando todas as atividades gratuitamente e promovendo discussões sobre temas relevantes da atualidade através das artes cênicas.

Este ano, o FETEAG expande seu escopo, incorporando ações formativas e residências artísticas em sua programação. Ao realizar o evento em cidades do interior e na capital pernambucana, o festival contribui para a descentralização das atividades culturais, fortalecendo o papel do Agreste como um polo importante para as artes performáticas no Brasil.

Além de Zona Franca, com sessões nesta terça e quarta (17 e 18/09), no Teatro de Santa Isabel, a Mostra Recife abriga quinta e sexta (19 e 20/09), no Teatro Hermilo Borba Filho, a peça Meu Corpo Está Aqui, da Fábrica de Eventos,  que aborda as experiências afetivas e sexuais de pessoas com deficiência (PCDs). Criada pelas artistas cariocas Julia Spadaccini e Clara Kutner, a produção utiliza depoimentos ficcionalizados baseados em experiências reais para explorar temas como relacionamentos, corpos e desejos de forma aberta e direta, questionando  concepções culturais sobre “normalidade”.

O Velho Relojoeiro e as Voltas do Tempo, da Trupe Motim do Ceará. Foto: Divulgação

Manifesto Transpofágico, com Renata de Cervalho. Foto: Danilo Galvão / Divulgação

A partir do dia 21, o festival se desloca para Caruaru, onde a Mostra Argemiro Pascoal dá início às atividades, tecendo conexões entre as diversas produções que compõem sua programação. O Velho Relojoeiro e as Voltas do Tempo, da Trupe Motim/CE  (21/09), utiliza bonecos gigantes para explorar a passagem do tempo. Esse tema ressoa em Goldfish, de Alexandre Américo/RN, 23/09), onde a metáfora do peixe dourado reflete sobre memória e efemeridade. Essa reflexão sobre temporalidade encontra eco em Sal: Como durar o tempo, de Alexandre Américo e grupo/RN, 28/09), que usa o sal como símbolo de resistência e preservação. Outro diálogo com  essa linha temática se dá com Há uma festa sem começo que não termina com o fim, com  Pavilhão da Magnólia/CE, 29/09), que celebra o tempo e investiga a morte.

Paralelamente, o festival recebe montagens que investem em questões de identidade e corpo como Manifesto Transpofágico, de Renata Carvalho/SP, (21/09), que desafia convenções de gênero. Já Monga, de Jéssica Teixeira/CE, (22/09) explora estereótipos através do mito da mulher gorila. Essa exploração corporal também tem espaço em Chão, da Cia de Dança do Teatro Alberto Maranhão e TORTA/RN,  (24/09), conectando o corpo à terra e à ancestralidade. Esse tema se desdobra em Ancés, de Tieta Macau PI/MA/CE, (27/09), exaltando a herança cultural nordestina.

A jornada de autoconhecimento e confronto interno é aprofundada em Dança Monstro, da Cia dos Pés/AL), (26/09), mergulhando nos monstros internos, e em Violento, de Preto Amparo e grupo/MG, (28/09), que aborda a experiência do jovem negro urbano.

Vamos pra Costa?, do Núcleo da Tribo/BA, 25/09) toca em temas como migração e esperança, enquanto Laborioso Contato – Um palhaço anuncia o fim do mundo, da Trupe Motim/CE, usa o humor para discutir questões existenciais em um cenário apocalíptico.

Marcia Luz em AnTígona – A Retomada. Foto: Divulgação

A Mostra Pernambuco, que celebra o talento de artistas pernambucanos e a riqueza cultural do estado ocorre no Teatro Rui Limeira Rosal e na Praça Coronel João Guilherme em Caruaru, de 22 a 29 de setembro. São oito espetáculos, com releituras de clássicos, como AnTígona – A Retomada de Márcia Luz (23/09) e “Dois Perdidos Numa Noite Suja” do Ágora Núcleo Teatral (25/09).

O Estopim Dourado, de Anny Rafaella Ferli, Gardênia Fontes e Taína Veríssimo (27/09) trabalha no campo do empoderamento feminino e resistência, utilizando elementos poéticos e visuais, enquando  Ensaio do Agora – Memória em Chamas, de Natali Assunção (26/09), explora a memória e a identidade, refletindo sobre o presente e as possibilidades de futuro..

A diversidade temática e estilística é um ponto marcante da Mostra Pernambuco. Enquanto Senhora do Coletivo Alfazema (24/09) e A Mulher do Fim do Mundo da Cia. Os Bobos da Corte (22/09) se dedicam às experiências e desafios enfrentados pelas mulheres em diferentes contextos, O Velho da Horta do Grupo Mamulengo Só-Riso (28/09) traz o humor e a tradição dos bonecos para o palco.

O infantil Brincando no Escuro, da Maktub Teatro e Outras Invencionices (PE), será apresentado em várias sessões no Teatro João Lyra Filho. A peça conta a história de três crianças – Frida, Ziggy e Pingo – que se encontram para brincar quando ocorre uma falta de energia. Sem acesso a aparelhos eletrônicos, elas são desafiadas a usar a imaginação, resgatando brincadeiras tradicionais.

Ações Formativas

Além das apresentações teatrais, o FETEAG 2024 promove ações formativas. A mesa Diálogos Transversais: Confabulando o Agora Para Mirar no Amanhã, uma iniciativa que promete instigar reflexões sobre o cenário artístico contemporâneo. Esta discussão contará com a palestra da Hblynda Morais, de Pernambuco, e a participação especial de Renata Carvalho, de São Paulo, sob a mediação de Lucimary Passos, também pernambucana.

Além disso, Alexandre Américo, do Rio Grande do Norte, conduzirá uma oficina de montagem do espetáculo Sal: Como durar o tempo, que culminará com os participantes subindo ao palco para apresentar o resultado do trabalho.

Espaços e Ingressos

Os espetáculos em Caruaru serão realizados no Teatro Lycio Neves, Teatro Rui Limeira Rosal, Teatro João Lyra Filho e na Estação Ferroviária. Em Recife, as apresentações ocorrem no Teatro de Santa Isabel e no Teatro Hermilo Borba Filho. Os ingressos são gratuitos e podem ser retirados através da plataforma Sympla, sujeitos à lotação dos espaços.

Patrocínio e Apoio

O FETEAG 2024 conta com o patrocínio da Redecard Itaú e o incentivo da Lei Paulo Gustavo Pernambuco, através do Governo do Estado de Pernambuco e Secretaria de Cultura do Estado, direcionado pelo Ministério da Cultura – Governo Federal. O festival também recebe apoio cultural da Rede Asa Branca e apoio institucional do Consulado Geral da França no Recife, Institut Français, Sesc, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Artes e Comunicação (CAC), Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Secretaria de Cultura do Recife e Prefeitura do Recife.

Serviço

  • Período: 17 a 29 de setembro de 2024
  • Locais: Caruaru (Teatro Lycio Neves, Teatro Rui Limeira Rosal, Teatro João Lyra Filho e Estação Ferroviária) e Recife (Teatro de Santa Isabel e Teatro Hermilo Borba Filho)
  • Ingressos: Gratuitos, com retirada na Sympla (sujeitos à lotação dos espaços)
  • Informações: www.feteag.com.br e @feteag (Instagram)
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Uma jornada irônica pelo feminismo contemporâneo
Crítica: “¿Dónde están las feministas? Conferencia performática de una falsa activista”

Liliana Albornoz Muñoz, em sua peça ¿Dónde están las feministas? Foto: Rocío Farfán / Divulgação

O título ¿Dónde están las feministas? Conferencia performática de una falsa activista , peça escrita, dirigida e atuada pela peruana Liliana Albornoz Muñoz já diz muito sobre a obra. A artista, com sua forte presença cênica, estremece a perspectiva confortável sobre o assunto E apresenta um encenação provocativa e pessoal que desafia as expectativas sobre o feminismo e a identidade feminina no contexto peruano e latino-americano. Na peça, o humor funciona como um mecanismo de defesa (e de ataque) contra a realidade opressiva.

A montagem é dividida em sete cenas e um epílogo, cada uma explorando diferentes facetas dessa experiência feminina e feminista. Albornoz habilmente utiliza suas vivências pessoais para questionar a estrutura patriarcal que continua exigindo posturas irrepreensíveis das mulheres, mesmo em meio a um cenário de profundas desigualdades estruturais. 

A artista inicia declarando suas inúmeras atividades – atriz, produtora, divulgadora, etc – , para destacar o contexto econômico precário que força as mulheres a assumirem muitas tarefas não por vaidade, mas por pobreza. Na sequência dos pequenos atos, ela protagoniza a líder de uma assembleia feminista fictícia, que, em tom satírico, critica exigências extremas dentro do movimento. Se coloca no lugar da  “Outra”, ao explorar o papel de amante, confrontando julgamentos sobre sua identidade feminista. Revela sua relação com a família, especialmente com o pai, explorando as complexidades das dinâmicas familiares patriarcais. Expõe vulnerabilidades pessoais, humanizando a figura da “feminista perfeita”. Aponta as deficiências estruturais do Peru. Critica a romantização do sobretrabalho feminino. E no epílogo, responde à pergunta do título.

Ela emprega a ironia para expor contradições dentro do movimento feminista e da sociedade em geral. ¿Dónde están las feministas? se insere no cenário do feminismo de abordagem interseccional, com ênfase no empoderamento e inclusão, mas com chave no humor inteligente e até debochado.

Tem muitas variedades de batatas no Peru. E elas significam muitas coisas. Foto: Rocío Farfán / Divulgação

O espetáculo reflete os desafios enfrentados pelas mulheres peruanas, incluindo a  sobrecarga de trabalho doméstico não remunerado; o aumento da violência de gênero; a precariedade econômica, com muitas mulheres trabalhando no setor informal; a luta contra setores políticos ultraconservadores que se opõem às demandas feministas.

Liliana Albornoz pergunta “onde estão as feministas?” como um pretexto para entender e questionar as relações sexuais, afetivas e familiares. Ela, que é fundadora do coletivo ativista feminista Collera Red y Marea Roja, se expõe publicamente sobre as inconsistências pessoais que poderiam deslegitimá-la como feminista, salientando como todes nós, em uma sociedade cheia de erros, carregamos incoerências. Para falar sobre feminismo, a artista escolheu falar sobre si mesma, tocando em pontos como rebelião, inconformismo, fraudes amorosas e o clã de mulheres, com dose de humor ambíguo para enfrentar a seriedade dos temas.

O espetáculo utiliza projeções de imagens, vozes gravadas e a participação de duas colaboradoras brasileiras, Kelly Santos e Alma Luz Adélia. Concebido durante a Sala de Parto 2022/23, um programa de Nova Dramaturgia Peruana promovido pelo Teatro La Plaza, o projeto foi dirigido por Alejandro Clavier e Claudia Tangoa, com orientação do dramaturgo chileno Bosco Cayo desde a fase de escrita. 

A atriz troca de figurino a cada quadro, começando com um modelito preto composto por short brilhante, blusa decotada e bota de cano alto, e depois usa vestido longo, traje escuro e traje claro. Os cenários e adereços também mudam conforme a cena, incluindo cadeira, mesa, microfone e balões. Pelos materiais apresentados, parece uma produção de baixo custo, mas feita com muita paixão e honestidade. 

Ao final, nos agradecimentos, Liliana Albornoz falou da difícil situação que o Peru enfrenta atualmente e dos desafios dos artistas na luta por sobrevivência. Nós, brasileiros, que passamos há tão pouco tempo por um governo negacionista e perseguidor da cultura, sentimos uma preocupação maior com esses artistas que vivem em condições similares na América Latina.

FICHA TÉCNICA
Direção, dramaturgia e performance: Liliana Albornoz Muñoz
Assistência de direção: Lorena Lo Peña
Em cena: Kelly Santos e Alma Luz Adélia
Assessoria de dramaturgia: Bosco Cayó
Desenho sonoro e coordenação técnica: Gabriela Paredes Rodríguez
Desenho audiovisual: Daniel Lauz Huihua
Operação de luz: Juliana Jesus
Desenho de arte: Karen Bernedo
Figurino: Alonso Núñez, Gloria Andrés e Gabriela Soto
Assessoria de figurino: Sandra Serrano
Produção: Lorena Lo Peña e Liliana Albornoz Muñoz
Produção no Brasil: Movimentar Produções

 

A jornalista Ivana Moura viaja a convite do Sesc São Paulo

 

 

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

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Bote a mão na consciência desde criança
Crítica de “O Estado do Mundo…”
7ª edição MIRADA

O ator Edi Gaspar manipula pequenos objetos com projeção na tela. Foto: Divulgação

O Estado do Mundo (Quando Acordas), uma produção do grupo português Formiga Atômica, flerta com  a tradição do teatro engajado, utilizando a arte como meio de conscientização social. Focada principalmente no público infantojuvenil, a encenação aborda a urgente crise climática, mostrando-se ousada, oportuna e necessária no contexto atual. A obra dialoga em algum grau com o movimento projetado por Greta Thunberg, reconhecendo o poder dos jovens na luta contra as mudanças climáticas.

O espetáculo propõe uma análise sobre a situação do mundo em seus diversos aspectos: natural, político, geográfico, social, histórico, econômico e humano. O ator Edi Gaspar desenvolve um monólogo progressivamente envolvente, situado em uma esfera gigante que representa um meteorito ou um planeta, concebida pelo cenógrafo Eric da Costa. Ao lado, uma tela de projeção circular permite ao público visualizar em detalhes – através de uma câmera operada por Edi – todas as miniaturas que ilustram grandes catástrofes ambientais: o desmatamento da Amazônia, o mar de plástico na Malásia, a poluição atmosférica na China, entre outras. 

O texto de Inês Barahona e Miguel Fragata mescla o cotidiano com o fantástico. A jornada de Edi, o protagonista de 8 anos, serve como dispositivo narrativo para abordar conceitos complexos de forma acessível.

O Estado do Mundo (Quando Acordas) explora a responsabilidade ambiental e o impacto global dede ações cotidianas. O espetáculo joga com a relação entre pequena e grande escala, entre o individual e o coletivo, lembrando do papel de objetos comuns em potenciais catástrofes naturais. A encenação investiga questões cruciais, como a extensão da influência de itens do dia a dia em desastres ambientais de larga escala e como nossas ações locais repercutem em regiões distantes do planeta. 

O T-Rex surge como símbolo de resistência, convocando as crianças para uma guerrilha simbólica. O meteorito, com aberturas articuladas, revela diferentes geografias protagonizadas por outras crianças ao redor do mundo.

A peça colocar em cena relações de causa-efeito entre gestos aparentemente insignificantes e suas amplas consequências. Foto: Divulgação

Embora a peça apresente uma abordagem criativa e eficaz para simplificar questões socioambientais complexas, é importante reconhecer que esta simplificação pode resultar em uma visão excessivamente otimista da realidade. A ideia de responsabilidade compartilhada entre indivíduos, empresas e Estados merece um escrutínio mais aprofundado, considerando as intricâncias do sistema capitalista global e os interesses econômicos enraizados. Essa perspectiva subestima o poder de grupos de interesse, lobbies corporativos e dinâmicas geopolíticas que frequentemente se sobrepõem aos desejos da população em geral.

Mesmo que Brasil e Portugal compartilhem a mesma língua oficial, as variações linguísticas entre o português brasileiro e o português europeu podem ser substanciais. Essas diferenças não se limitam ao vocabulário, mas incluem pronúncia, entonação, ritmo e até construções gramaticais. Isso pode resultar em barreiras de compreensão, especialmente em contextos onde a clareza e a imediaticidade da comunicação são cruciais, como no teatro.

Isso aconteceu apresentação do espetáculo do Grupo Formiga Atômica. A quantidade de texto, a velocidade da fala do ator e seus acentos lusitanos criaram dificuldades de entendimento para as plateias brasileiras. Qual seria a solução para uma situação dessas? Utilizar legendas projetadas em português brasileiro durante a apresentação? Não tenho respostas, mas perguntas. O que aconteceu foi uma dispersão do público infantil nos momentos mais textuais.

Montagem do grupo português Formiga Atômica. Foto: Divulgação

As ações e, principalmente, as execuções dos jogos com as miniaturas filmadas mostrando as catástrofes magnetizaram a plateia. A incorporação de projeções de vídeo e filmagem ao vivo, procedimento utilizado em algumas encenações contemporâneas, enriquece visualmente a montagem e ressalta a velocidade digital em que vivemos. Esse recurso reflete um mundo onde eventos globais são transmitidos em tempo real, funcionando de maneira eficaz no contexto desta montagem.

O Estado do Mundo (Quando Acordas) demonstra como o teatro infantil pode abordar temas complexos de forma acessível e envolvente. Apesar dos desafios linguísticos e de alguma simplificação, a peça consegue plantar sementes importantes para a conscientização ambiental, estimulando o pensamento crítico e o engajamento do público infantojuvenil.

 

FICHA TÉCNICA
Encenação: Miguel Fragata
Texto: Inês Barahona e Miguel Fragata
Interpretação: Edi Gaspar
Cenografia: Eric da Costa
Figurinos: José António Tenente
Música original: Fernando Mota
Desenho de luz: José Álvaro Correia
Vídeo: João Gambino
Adereços: Eric da Costa, José Pedro Sousa, Mariana Fonseca e Rita Vieira (design gráfico)
Maker: Guilherme Martins
Construção de cenografia: Gate7
Direção técnica: Renato Marinho
Consultoria: Henrique Frazão
Produção executiva: Luna Rebelo e Ana Lobato
Produção: Formiga Atómica
Produção no Brasil: Sendero Cultural | Adryela Rodrigues
Assistente de produção no Brasil: Robson Emílio
Assessoria jurídica no Brasil: Carnide, Rodrigues e Souza Sociedade de Advogados
Coprodução: LU.CA – Teatro Luís de Camões, Comédias do Minho, Materiais Diversos e Théâtre de la Ville  

A Formiga Atómica é uma estrutura apoiada pelo Ministério da Cultura | Direção-Geral das Artes  

www.formiga-atomica.com | @formiga.atomica.ac

 

A jornalista Ivana Moura viaja a convite do Sesc São Paulo

 

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

 

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Ilusões perdidas
Crítica do espetáculo “Esperanza”
7ª edição MIRADA

A visualidade da cena é sombria, soturna. Foto: Paola Vera / Divulgação

Esperanza, uma colaboração entre a diretora Marisol Palacios e o dramaturgo Aldo Miyashiro, propõe-se a ser um retrato crítico da sociedade peruana dos anos 1980, focalizando uma família de classe média em Lima. Fico a pensar de qual ou de quais esperanças eles estão se referindo desde o título. Da a ideia da “esperança concreta”, uma força motriz para a mudança social e política inspirada em Ernst Bloch? Uma chama que ilumina a escuridão, uma energia que sustenta a luta pela justiça e pela liberdade, poetizada por Pablo Neruda? Ou a crítica de Nietzsche, que considera a esperança uma ilusão que prolonga o sofrimento? Ou mesmo numa interpretação livre do termo, uma expectativa matemática, que pode ser referida como “valor esperado” ou “esperança matemática”, da Teoria das Probabilidades, de William Feller? Ou nos voltamos para as articulações de Paulo Freire, que faz uma distinção entre “esperança” (passiva) e “esperançar” (ativa)? Para Freire, a esperança passiva é uma espera por algo que pode ou não acontecer, enquanto “esperançar” é uma ação ativa, uma prática que envolve luta e transformação social.

O núcleo da trama gira em torno da visita iminente de um candidato a prefeito, evento que o patriarca vê como sua chance de salvação. Essa personagem encarna a busca por uma saída individualizada diante de uma situação que atinge a população de seu país – de violência e miséria econômica. . Sua obsessão em oferecer um banquete, quando a família mal tem o que comer no dia a dia, exemplifica como a busca por “salvar a pele” pode cegar alguém para as necessidades reais e imediatas.

O espetáculo teatral se desenrola no interior dessa casa de classe média em Lima, Peru, ao longo de um único dia. No cenário vemos mesa e cadeiras, ao fundo a cozinha, uma televisão de tubo, sofá, telefone, uma escada que leva ao primeiro andar, uma porta. A motiv-ação, a força que faz o dia caminhar e esse almoço organizado pelo pai da família para um político aguardado em vão. O pai, empolgado com a perspectiva ilusória de ascensão social, não percebe o caos que consome e deteriora as relações familiares.

O clima tenso dentro de casa reflete um período histórico específico marcado por expectativas de dias melhores, às voltas com a carestia e uma crescente violência no país. Os gestos largos do pai são confrontados com os gestos pequenos da mãe e dos filhos. Enquanto o pai se perde em seus delírios de grandeza, forçando sua esposa a situações humilhantes para conseguir ingredientes fiado nos armazéns da vizinhança, um drama silencioso permeia o lar: o filho caçula está desaparecido. 

A esposa projeta cenas românticas que vê na televisão. Foto: Divulgação

Esperanza, uma peça que prometia mergulhar nos complexos tecidos sociais e familiares do Peru dos anos 80, mas não chega como uma análise penetrante das suas dinâmicas. Apesar de momentos de insight e ambições louváveis, a peça frequentemente se mostra esticada, como se tivesse vocação para um conto e foi apresentada como romance.

Mesmo com um elenco talentoso e afiado, formado por Lucho Cáceres, Julia Thays, Diego Pérez e Brigitte Jouannet, o jogo teatral não aparece pleno. Enquanto as atuações são competentes, os personagens muitas vezes se sentem unidimensionais, limitados por um roteiro que não lhes permite desenvolver plenamente.

O patriarca é retratado de maneira quase caricatural, servindo como uma demonstração exagerada de masculinidade tóxica. Esta escolha, embora possa visar a crítica social, acaba por reforçar as normas de gênero prejudiciais, sem oferecer uma reflexão crítica ou alternativas.

A luta da esposa pela sobrevivência da família seria um ponto de partida promissor para discutir a resistência feminina. No entanto, a peça relega essa personagem a um papel secundário, negligenciando a profundidade de sua experiência e a complexidade de sua resistência. A esposa projeta cenas românticas que vê na televisão, mas sua história não é explorada em profundidade.

As personagens da peça parecem presas numa espera passiva por mudanças, mesmo que haja tentativas frustradas de ação, como os esforços da família para lidar com o desaparecimento do caçula, ou nas investidas anuladas do filho ou da filha de ir embora. O desaparecimento do filho mais novo, um evento potencialmente catalisador para uma crítica social profunda, é minimizado pela obsessão do pai com a visita do político. 

Embora Esperanza capture efetivamente a estética dos anos 80, essa escolha parece inclinar-se para uma nostalgia restaurativa, que busca reconstruir o passado perdido sem questionar na cena suas convulsões sociais e políticas. A direção de Marisol Palacios enfrenta o desafio de tecer juntos os diversos fios temáticos e narrativos de Esperanza. Em alguns momentos, a peça brilha, oferecendo vislumbres do poder que poderia ter se esses elementos fossem mais habilmente entrelaçados.

No entanto, a coesão geral sofre devido a uma abordagem que, em alguns pontos, parece hesitante ou inconsistente. Esperanza é uma obra que, apesar de suas boas intenções e momentos de clareza temática, luta para realizar plenamente seu potencial. A peça se encontra em uma encruzilhada entre a ambição de abordar questões de grande peso social e político e a capacidade de fazê-lo de maneira que ressoe verdadeiramente e com pontes com o presente também sombrio.

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Marisol Palacios e Aldo Miyashiro
Direção: Marisol Palacios
Elenco: Lucho Cáceres, Julia Thays, Diego Pérez e Brigitte Jouannet
Direção de arte: Micaela Cajahuaringa
Música e design de som: Manolo Barrios e Wicho García
Coordenação de comunicação: Gabriela Zenteno
Coordenação técnica: Juan Escudero
Coordenadora de teatro: Melissa Ramos
Produção geral: Centro Cultural PUCP
Produção executiva: Mariana Baumann
Fotografia cênica: Paola Vera
Operação de luz e som: Christopher Choton e Ari Gume Escobar
Técnica: Richard Sermeño e Baldemiro Negreros
Design gráfico: Shessira Villalobos
Coordenação técnica no Brasil: Melissa Guimarães
Equipe técnica no Brasil: Elaine Batista Silva, Maria Rosa Cangelle Lopes e Sibila Gomes dos Santos
Cenotecnia: Divadlo Produções | Julio Dojcsar
Produção Executiva no Brasil: Jennifer Souza e Jéssica Turbiani   
Direção de Produção no Brasil: SIM! Cultura | Daniele Sampaio 

 

A jornalista Ivana Moura viaja a convite do Sesc São Paulo

 

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

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