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Ilusões perdidas
Crítica do espetáculo “Esperanza”
7ª edição MIRADA

A visualidade da cena é sombria, soturna. Foto: Paola Vera / Divulgação

Esperanza, uma colaboração entre a diretora Marisol Palacios e o dramaturgo Aldo Miyashiro, propõe-se a ser um retrato crítico da sociedade peruana dos anos 1980, focalizando uma família de classe média em Lima. Fico a pensar de qual ou de quais esperanças eles estão se referindo desde o título. Da a ideia da “esperança concreta”, uma força motriz para a mudança social e política inspirada em Ernst Bloch? Uma chama que ilumina a escuridão, uma energia que sustenta a luta pela justiça e pela liberdade, poetizada por Pablo Neruda? Ou a crítica de Nietzsche, que considera a esperança uma ilusão que prolonga o sofrimento? Ou mesmo numa interpretação livre do termo, uma expectativa matemática, que pode ser referida como “valor esperado” ou “esperança matemática”, da Teoria das Probabilidades, de William Feller? Ou nos voltamos para as articulações de Paulo Freire, que faz uma distinção entre “esperança” (passiva) e “esperançar” (ativa)? Para Freire, a esperança passiva é uma espera por algo que pode ou não acontecer, enquanto “esperançar” é uma ação ativa, uma prática que envolve luta e transformação social.

O núcleo da trama gira em torno da visita iminente de um candidato a prefeito, evento que o patriarca vê como sua chance de salvação. Essa personagem encarna a busca por uma saída individualizada diante de uma situação que atinge a população de seu país – de violência e miséria econômica. . Sua obsessão em oferecer um banquete, quando a família mal tem o que comer no dia a dia, exemplifica como a busca por “salvar a pele” pode cegar alguém para as necessidades reais e imediatas.

O espetáculo teatral se desenrola no interior dessa casa de classe média em Lima, Peru, ao longo de um único dia. No cenário vemos mesa e cadeiras, ao fundo a cozinha, uma televisão de tubo, sofá, telefone, uma escada que leva ao primeiro andar, uma porta. A motiv-ação, a força que faz o dia caminhar e esse almoço organizado pelo pai da família para um político aguardado em vão. O pai, empolgado com a perspectiva ilusória de ascensão social, não percebe o caos que consome e deteriora as relações familiares.

O clima tenso dentro de casa reflete um período histórico específico marcado por expectativas de dias melhores, às voltas com a carestia e uma crescente violência no país. Os gestos largos do pai são confrontados com os gestos pequenos da mãe e dos filhos. Enquanto o pai se perde em seus delírios de grandeza, forçando sua esposa a situações humilhantes para conseguir ingredientes fiado nos armazéns da vizinhança, um drama silencioso permeia o lar: o filho caçula está desaparecido. 

A esposa projeta cenas românticas que vê na televisão. Foto: Divulgação

Esperanza, uma peça que prometia mergulhar nos complexos tecidos sociais e familiares do Peru dos anos 80, mas não chega como uma análise penetrante das suas dinâmicas. Apesar de momentos de insight e ambições louváveis, a peça frequentemente se mostra esticada, como se tivesse vocação para um conto e foi apresentada como romance.

Mesmo com um elenco talentoso e afiado, formado por Lucho Cáceres, Julia Thays, Diego Pérez e Brigitte Jouannet, o jogo teatral não aparece pleno. Enquanto as atuações são competentes, os personagens muitas vezes se sentem unidimensionais, limitados por um roteiro que não lhes permite desenvolver plenamente.

O patriarca é retratado de maneira quase caricatural, servindo como uma demonstração exagerada de masculinidade tóxica. Esta escolha, embora possa visar a crítica social, acaba por reforçar as normas de gênero prejudiciais, sem oferecer uma reflexão crítica ou alternativas.

A luta da esposa pela sobrevivência da família seria um ponto de partida promissor para discutir a resistência feminina. No entanto, a peça relega essa personagem a um papel secundário, negligenciando a profundidade de sua experiência e a complexidade de sua resistência. A esposa projeta cenas românticas que vê na televisão, mas sua história não é explorada em profundidade.

As personagens da peça parecem presas numa espera passiva por mudanças, mesmo que haja tentativas frustradas de ação, como os esforços da família para lidar com o desaparecimento do caçula, ou nas investidas anuladas do filho ou da filha de ir embora. O desaparecimento do filho mais novo, um evento potencialmente catalisador para uma crítica social profunda, é minimizado pela obsessão do pai com a visita do político. 

Embora Esperanza capture efetivamente a estética dos anos 80, essa escolha parece inclinar-se para uma nostalgia restaurativa, que busca reconstruir o passado perdido sem questionar na cena suas convulsões sociais e políticas. A direção de Marisol Palacios enfrenta o desafio de tecer juntos os diversos fios temáticos e narrativos de Esperanza. Em alguns momentos, a peça brilha, oferecendo vislumbres do poder que poderia ter se esses elementos fossem mais habilmente entrelaçados.

No entanto, a coesão geral sofre devido a uma abordagem que, em alguns pontos, parece hesitante ou inconsistente. Esperanza é uma obra que, apesar de suas boas intenções e momentos de clareza temática, luta para realizar plenamente seu potencial. A peça se encontra em uma encruzilhada entre a ambição de abordar questões de grande peso social e político e a capacidade de fazê-lo de maneira que ressoe verdadeiramente e com pontes com o presente também sombrio.

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Marisol Palacios e Aldo Miyashiro
Direção: Marisol Palacios
Elenco: Lucho Cáceres, Julia Thays, Diego Pérez e Brigitte Jouannet
Direção de arte: Micaela Cajahuaringa
Música e design de som: Manolo Barrios e Wicho García
Coordenação de comunicação: Gabriela Zenteno
Coordenação técnica: Juan Escudero
Coordenadora de teatro: Melissa Ramos
Produção geral: Centro Cultural PUCP
Produção executiva: Mariana Baumann
Fotografia cênica: Paola Vera
Operação de luz e som: Christopher Choton e Ari Gume Escobar
Técnica: Richard Sermeño e Baldemiro Negreros
Design gráfico: Shessira Villalobos
Coordenação técnica no Brasil: Melissa Guimarães
Equipe técnica no Brasil: Elaine Batista Silva, Maria Rosa Cangelle Lopes e Sibila Gomes dos Santos
Cenotecnia: Divadlo Produções | Julio Dojcsar
Produção Executiva no Brasil: Jennifer Souza e Jéssica Turbiani   
Direção de Produção no Brasil: SIM! Cultura | Daniele Sampaio 

 

A jornalista Ivana Moura viaja a convite do Sesc São Paulo

 

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

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