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Inimigos do fim
Frescor de começos
Crítica de Entre les lignes,
espetáculo de Tiago Rodrigues

Tonan Quito na peça Entre les lignes, de Tiago Rodrigues, em Paris, Foto: Mariano Barrientos / Divulgação

Percebo Entre les lignes como uma jornada por um labirinto, uma descoberta em sequência de bonecas russas, un mille-feuille cênico. Essas imagens chegam repletas de ideias de jogo e de muitas camadas agregadas com desafios, encaixes e algum sabor. O espetáculo do encenador português Tiago Rodrigues com o ator Tónan Quito erguido em fevereiro de 2013 em Lisboa, recriado em março de 2016, numa versão francesa, no âmbito do festival Terres de Paroles é intrigante. Produz no palco muitas reflexões acerca da criação, da cumplicidade, da ficção, do status de verdade, do dito e do não-dito, da presença.

Muitas associações possíveis nessa construção rizômica; nessas aberturas de pensamentos. São tantas propostas para chegar ao coração do teatro, talvez do que flameja esse coração que é teatro, que pulsa tanto até contagiar a plateia.

Assisti Entre les lignes nos últimos dias da curta temporada no Athénée Théâtre Louis-Jouvet, em Paris, onde ficou em cartaz entre 23 de novembro e 17 de dezembro de 2022, mas a peça segue em turnê de apresentações em abril de 2023 em Aix en Provence (Bois de l’Aune), em Toulouse (Théâtre Garonne), em maio em Creil (La Faïencerie).

Depois de subir algumas escadas e chegar ao poleiro, na Sala Christian-Bérard, um espaço intimista de 91 lugares no quarto andar do teatro (e isso já é uma experiência forte, seguir em comitiva por aquelas escadas com pouca iluminação e plenas de histórias), encontramos Tónan Quito, um intérprete maduro de barba grisalha, que aguarda o público se acomodar até perguntar: “Nós podemos ir?”

São muitas camadas desse complexo e intrigante espetáculo. Foto: Mariano Barrientos / Divulgação

No palco uma mesa, uma máquina de café, uma cadeira, lâmpadas fluorescentes tubulares brancas  no chão. Tonan Quito usa jogging e tênis. Tem o olhar apreensivo. Oferece um café à plateia. Alguém aceita. O ator bebe o seu. É uma sala de ensaio.  Mas pode ser outros lugares, vagando entre o passado e o futuro.  

Pega um livro e lê a carta de um preso para sua mãe. A mensagem está emaranhada com o diálogo de Édipo e Tirésias. “Mãe, decidi escrever-te esta carta, mesmo que não a quisesse endereçar a ti, esta carta que escrevo nas entrelinhas deste antigo livro é para o papá”. Tónan Quito conta ter encontrado um exemplar dessa obra na biblioteca do pai, comprado a um major de Moçambique. Duas histórias de parricidas.

O espetáculo é apresentado em francês, com extratos em português e legendas em francês. A tradução projetada ao fundo do palco – do texto de Sófocles e a carta do detento – ganha tipografias distintas.

Essas narrativas se cruzam imperiosas, promovendo tensões e erguendo obstáculos a uma compreensão rápida. Siga o fluxo. O processo é vertiginoso.

As dúvidas da criação são exposta na peça. Foto: Mariano Barrientos / Divulgação

O ator interrompe as histórias contadas para conjecturar em francês que espera o seu texto para o ensaio mas, como sempre, Tiago está atrasado. A fidelidade, a cumplicidade entre os dois artistas são evidenciadas entre esperas e reminiscências, desejos que a cena se materialize e medo de que isso não ocorra. Vêm a tona os posicionamentos no mundo e processos criativos. Nesses bastidores da criação o ator sabe e diz que as coisas fervilham na cabeça do dramaturgo/diretor mas… tem medo, mesmo sabendo que é sempre assim.

Confessa que é um jogo, que eles inventaram. Um jogo da criação teatral; um exercício sublime, delicado e frágil e tão carregado de dúvidas. Um complexo e exigente texto. Essa linguagem poderosa magnetiza os espectadores em Paris, 

Numa entrevista, o encenador Tiago Rodrigues (novo diretor do Festival de Avignon) falou que “a ideia do fracasso” ocupava o centro da sua peça Entre les Lignes, que isso pulsava no núcleo do desejo de fazer o espetáculo. Sem dúvida é de uma potência imensa testar a possibilidade de falha. Isso ocupa o palco, o pensamento, a vida.

Arma-se um labirinto sem começo e sem fim. De um café lisboeta – ponto de encontro de Tiago Rodrigues com Tónan Quito -, ao palácio em Tebas, o apartamento do encenador, os corredores de uma cadeia. Atalhos e desvios… Lugares de encontros imprevistos. Dos desafios da navegação lançados por Deleuze e Guattari, Tónan Quito propõe uma viagem entre passado, presente e futuro.

Nessa mise en abyme, as histórias vão se entrelaçando, do parricídio eternizado por Sófocles, as razões de um condenado à prisão perpétua, de um diretor que nunca aparece e até um pequeno excerto de Dom Quixote de Cervantes. Essas várias superfícies de textos são ambiciosas. Somos desafiados a encontrar começos em sinapses múltiplas.

Tonan Quito no l’Athénée-Théâtre Louis Jouvet, em Paris. Foto: Mariano Barrientos / Divulgação

O dramaturgo justifica sua ausência por um problema de visão que o impede de ler. Essa cegueira (metafórica? )chama Tirésias para a dança. Já o alardeado sumiço revela os bastidores, os preparativos, as engrenagens a reforçar a vocação coletiva do teatro. Tiago Rodrigues não está lá e está. Tudo é matéria do espetáculo. Sobretudo a presença.

A atuação de Tónan Quito é brilhante. A plateia segue o ator encantada, se entrega ao jogo inteligente, ri das partes mais humoradas.  Ele mostra virtuosismo, até nas indicações cênicas mais caricaturais entre o drama e farsa. O público ri e adere. Achei excessivo o caricaturesco. Meus olhos reclamaram das lâmpadas fluorescentes acendidas para pontuar alguma mudança e utilizadas quase como personagem na cena da paródia.

O ator pede a alguém do público que faça a última leitura do texto Entre les Lignes, distribuído à plateia em formato de livreto.

E encerra dizendo que que a peça não aconteceu. Que pode estar apontada no futuro, por não ter assentada no passado. Intrigante. a complexidade da escrita prossegue em sua dinâmica de trocas estreitas. Essa desapropriação temporal. Essa insistência na transgressão. Essa infinita busca pelo frescor do começo.

Entre les lignes
Uma criação de Tiago Rodrigues & Tónan Quito
Texto Tiago Rodrigues
Com Tónan Quito
Colaboração artística Magda Bizarro
Cenografia, ilustração, figurinos Magda Bizarro, Tiago Rodrigues, Tónan Quito
Direção técnica André Pato
Tradução francesa Thomas Rasendes
Legendas Sónia De Almeida
Produção associada OTTO Productions – Nicolas Roux & Lucila Piffer
Produção original Magda Bizarro & Rita Mendes
Projeto da empresa Mundo Perfeito (2013) com o apoio do Governo Português e da DGArtes.
Duração: 1h20

 

Este texto integra o projeto arquipélago de fomento à crítica, com apoio da Corpo Rastreado.

Iniciativa de crítica teatral.

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O foco é o mito no teatro contemporâneo

Usina Teatral inclui debates, performances e apresentação de peças, como Agda. Foto: Claudia Echenique

Estão abertas somente até às 19h desta segunda-feira (8) as inscrições para o evento intitulado Usina Teatral, que pretende discutir o teatro contemporâneo. Em sua primeira edição, o tema escolhido foi “Teatro e Mito: o imaginário e a cena contemporânea”. A programação começa nesta terça-feira (9) e vai até 12 de junho. A realização é do Sesc Santa Rita, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o Centro Apolo-Hermilo. As atividades vão acontecer tanto no Centro de Artes e Comunicação (CAC) da Ufpe quanto no Teatro Hermilo Borba Filho.

Entre os pesquisadores e artistas que participam do evento está Luciana Lyra, atriz, diretora e professora da Unesp; Verônica Fabrinni, atriz e mestre em Artes Cênicas; Danielle Pitta, professora da UFPE e criadora do primeiro Centro de Pesquisas sobre o Imaginário do Brasil; Luís Reis, Doutor em Teoria da Literatura e coordenador do curso de Teatro da UFPE; Robson Haderchpek, professor pós-doutor da UFRN e pesquisador da área de Artes Cênicas.

O evento inclui ainda oficina (com inscrições esgotadas) e a apresentação dos espetáculos Agda e Fogo de Monturo. Fogo de Monturo tem dramaturgia e direção de Luciana Lyra e conta a jornada de Fátima, que está prestes a ser coroada como rainha do Maracatu, mas decide partir para a capital e estudar Direito. Com a sua migração, a pequena Monturo sofre com o retorno da assombração da prostituta Gaba Machado, morta por choques elétricos. No vilarejo, a energia de Gaba toma o corpo e o pensamento dos moradores, trazendo à tona seus mais recônditos desejos. Enquanto isso, Fátima, na Capital, envolve-se com o movimento estudantil e uma professora de Direito que poetiza a revolução contra o poder ditatorial dos militares. A Direção Musical é de Alessandra Leão, com Colaboração Artística de Robson Haderchpek. A realização é do Arkhétypos Grupo de Teatro e Unaluna – Pesquisa e Criação em Arte. Já Agda é um espetáculo dos grupos Matula e a Boa Companhia, de São Paulo, que leva à cena a história de uma mulher que rompe de tabus.

PROGRAMAÇÃO

TERÇA-FEIRA – 09/06

14h – Teatro Milton Bacarelli (térreo do Centro de Artes e Comunicação da UFPE)
Debate Teatro e Mito: o Imaginário e a Cena Contemporânea, com a atriz e mestre em Artes Cênicas pela Unicamp, Verônica Fabrinni, e a professora da UFPE e criadora do primeiro Centro de Pesquisas sobre o Imaginário do Brasil, Danielle Pitta. Mediação da atriz, diretora e professora de Artes Cênicas da UNESP, Luciana Lyra.

Agda é uma co-produção de Matula e Boa Companhia, Sesc Campinas e Instituto Hilda Hilst. Foto: Anabela Leandro

Agda é uma co-produção de Matula e Boa Companhia, Sesc Campinas e Instituto Hilda Hilst. Foto: Anabela Leandro

20h – Teatro Hermilo Borba Filho
Espetáculo Agda, com os grupos Matula e a Boa Companhia, ambos de São Paulo.
* Adaptação do conto homônimo de Hilda Hilst. Narra a história de uma mulher que rompe tabus e provoca a ira da comunidade onde vive.
Ficha Técnica
Atuação: Alice Possani, Aldiane Dalla Costa, Melissa Lopes e Verônica Fabrini
Texto Original: Hilda Hilst
Direção e Adaptação: Moacir Ferraz
Iluminação: Alice Possani e Moacir Ferraz
Figurinos: Juliana Pfeifer e Sandra Pestana
Cenografia: Juliana Pfeifer
Orientação Tango: Natacha Muriel e Lucas Magalhães
Trilha sonora: Mauro Braga e Silas Oliveira
Fotografia: Anabela Leandro e Claudia Echenique
Identidade Visual: Léo Ferrari
Produção: Anna Kuhl, Cassiane Tomilhero
Realização: Grupo Matula Teatro e Boa Companhia
Duração: 60 minutos
Classificação Etária: 18 Anos

QUARTA-FEIRA – 10/06 

Das 14h às 17h –  Sala de dança do Centro de Artes e Comunicação (CAC) Oficina Corpo e Mito – destinada a atores, bailarinos e estudantes de artes cênicas, com os grupos Matula e a Boa Companhia               * A partir das imagens arquetípicas da tríplice deusa – Diana, Vênus e Hécate – presentes na obra de Hilda Hilst, os participantes da oficina trabalham improvisações dirigidas a partir de investigações de imagens literárias e do Método da Análise Ativa de Michael Checkov para a materialização no corpo e na voz.

16h – Auditório do Niate CFCH/CCSA da UFPE   Debate O imaginário mítico de Hermilo Borba Filho, com a atriz e secretária de Cultura do Recife, Leda Alves, e do doutor em Teoria da Literatura e Coordenador do Curso de Teatro da UFPE, Luís Reis. Mediação do escritor e jornalista Raimundo de Moraes.

19h30 – no Jardim externo do CAC da UFPE

Intervenção poética pelo universo da obra de Hilda Hilst, com os grupos Matula e a Boa Companhia, a partir de poemas, fragmentos de contos e novelas . Duração: 60 minutos. Classificação indicativa: 14 anos.

QUINTA-FEIRA – 11/06 

14h as 17h –  Sala de dança do Centro de Artes e Comunicação (CAC) – UFPE
OficinaCorpo e Mito

19h30 – Teatro Milton Bacarelli, CAC
Aula-espetáculo Joana Apocalíptica, com a atriz, diretora e professora de Artes Cênicas da UNESP, Luciana Lyra.
* A performance poetiza a história da atriz que ritualiza por meio da máscara da guerreira mítica Joana d’Arc.

SEXTA-FEIRA-  12/06

Das 14h às 16h – Auditório Evaldo Coutinho, 2° andar do Centro de Artes e Comunicação (CAC) da UFPE
Debate Matizes da Cena Contemporânea – o Teatro e seus Reversos , com o professor pós-doutor da UFRN e pesquisador da área de Artes Cênicas, Robson Haderchpek, o doutor em Teoria da Literatura e Coordenador do Curso de Teatro da UFPE, Luís Reis, e a atriz Luciana Lyra. Mediação da atriz, mestra em Teatro e doutora em Comunicação, Anamaria Sobral.

Fogo de Monturo, espetáculo da Universidade do Rio Grande do Norte

Fogo de Monturo, espetáculo da Universidade do Rio Grande do Norte

20h – Teatro Hermilo Borba Filho
 Espetáculo Fogo de Monturo, do grupo Arkhétypos de Teatro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
* A encenação traz como plano de fundo a assombração da prostituta Gaba Machado, morta por choques elétricos, cuja energia toma o corpo e os pensamentos dos moradores do vilarejo de Monturo, trazendo à tona seus desejos mais secretos.
Ficha Técnica
Dramaturgia – Encenação – Direção Geral: Luciana Lyra
Direção Musical: Alessandra Leão
Cenografia – Design De Luz: Ronaldo Costa
Indumentária: Paula Vanina
Trilha Sonora: Alessandra Leão, Rafa Barreto
Atores-Criadores: Aldemar Pereira, Alice Jácome, Clareana Graebner, Leila Bezerra, Marília Negra Flor, Paul Moraes, Tatiane Tenório
Colaboração Artística: Robson Haderchpek
Produção Geral: Paul Moraes E Leila Bezerra (Grupo Arkhétypos De Teatro)
Realização: Grupo Arkhétypos De Teatro; Unaluna – Pesquisa e criação em Arte
Classificação indicativa: 18 anos.

INSCRIÇÕES
Interessados em participar da Usina Teatral devem se inscrever presencialmente até às 19h do dia 8 de junho, na Central de Atendimento do SESC Santa Rita, munido de RG, CPF, Comprovante de Residência e Foto 3 x 4 para a confecção de carteira cadastral e beneficiária de serviços do SESC, item obrigatório para a inscrição na Usina Teatral. A carteira, com valor de R$ 6,00 para o público em geral e R$ 3,00 para comerciários, é emitida no ato da inscrição no evento.

Estudantes de Teatro da UFPE e do SESC-PE são isentos da taxa de inscrição, mas necessitam dirigir-se ao SESC Santa Rita para emitir a carteira e efetivar o cadastro. Aos demais participantes, a inscrição em todas as atividades propostas, nos quatro dias de evento, é mediante valor de R$ 80. Caso prefira, o usuário pode inscrever-se apenas nas atividades de interesse, com investimento de R$ 10 para cada palestra ou debate direcionado, R$ 60 para a oficina e R$ 12 para ingresso em cada espetáculo. Comerciários e estudantes de outros cursos e instituições interessados em participar da Usina Teatral tem meia-entrada nos valores apresentados, passando a pagar R$ 40, R$ 5, R$ 30 e R$ 6 respectivamente. A emissão do certificado de participação, com a carga horária do Usina Teatral, será feita durante o evento e entregue após a conclusão da última atividade do participante ao longo da semana.

Informações:
Sesc Santa Rita: (81) 3224.7577

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